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EuPTHUHu0870-82312009000200006

EuPTHUHu0870-82312009000200006

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0870-8231
Year2009
Issue0002
Article number00006

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A abordagem cognitivo-comportamental no tratamento das perturbações do comportamento alimentar

Embora este mecanismo pareça explicar um grande número dos episódios de ingestão alimentar compulsiva observados em pacientes com Bulimia Nervosa, existem outros factores potencialmente associados a estes. Por exemplo, nas formulações iniciais da TCC-BN, os autores verificaram que os episódios de ingestão compulsiva não ocorriam de um modo aleatório, mas estavam frequentemente associados a respostas a alterações no estado de humor. Estas alterações pareciam interferir com a capacidade de manter o controlo sobre a dieta restritiva, levando à ingestão compulsiva. Por outro lado, comer compulsivamente parece distrair as pessoas de sentimentos e estados emocionais adversos, o que actuaria como reforço da ingestão alimentar compulsiva (Fairburn, Cooper, & Cooper, 1986).

Uma outra característica distintiva destes pacientes é o facto de serem altamente críticos em relação a si próprios, e de estabelecerem para si padrões demasiado elevados de realização e de desempenho em relação à sua vida no geral e ao controle da alimentação, peso e forma corporal em particular (Fairburn, Cooper, & Shafran, 2003; Fairburn, Marcus, & Wilson, 1993). No contexto destes padrões altamente exigentes e elevados em relação a si próprios, uma falha no cumprimento do plano rígido alimentar é visto como uma falha pessoal e não como um reflexo de padrões demasiado exigentes, o que reforça uma auto- avaliação extremamente negativa de si e tem como consequência um maior empenho (maior restrição, mais tentativas de controle do peso), nesta área que é por si considerada como central na sua auto-avaliação. Mantem-se deste modo, a preocupação elevada com a alimentação, o peso e com a forma corporal, central para a manutenção das PCA.

TRATAMENTO COGNITIVO-COMPORTAMENTAL A Teoria Cognitivo-Comportamental tem implicações claras para o tratamento destas perturbações. Nomeadamente, alerta para o facto de o foco do tratamento não dever ser apenas os sintomas de ingestão alimentar compulsiva (apesar deste ser um dos principais sintomas e muitas vezes o que motiva a procura de ajuda), mas que também é necessário dirigir a intervenção para a restrição alimentar, a resposta a estados de humor adversos e a sua sobre-avaliação do peso, da forma corporal e da alimentação (Fairburn, 1985; Fairburn, Marcus, & Wilson, 1993).

O Tratamento Cognitivo-Comportamental aqui descrito deriva dos pressupostos teóricos apresentados e foi desenhado para dirigir a intervenção em relação aos processos de manutenção associados aos sintomas bulímicos. O tratamento proposto desenvolve-se ao longo de 15 a 20 sessões, aproximadamente e durante cinco meses, onde é construída uma formulação clínica individualizada acerca do sistema de manutenção dos sintomas Bulímicos e ensaiadas várias estratégias e procedimentos (Fairburn, Marcus, & Wilson, 1993).

O tratamento consiste num conjunto de estratégias cognitivo-comportamentais, de modo a: (1) desenvolver um plano alimentar regular e flexível que inclua os alimentos até então evitados; (2) lidar com as situações de risco para a ingestão alimentar compulsiva e vómito; (3) aprender a reduzir a preocupação com o corpo e o peso; e, (4) prevenir a recaída após a fase de tratamento. A eficácia do tratamento cognitivo comportamental clássico da Bulimia Nervosa tem sido alvo de intenso estudo e investigação ao longo dos últimos 20 anos. Vários estudos controlados que têm mostrado que a terapia cognitivo-comportamental é um tratamento de linha para a Bulimia Nervosa (NICE, 2004).

Por outro lado, alguns autores têm sugerido que a terapia cognitivo- comportamental para a Bulimia Nervosa se concentra demasiado na psicopatologia específica das Perturbações Alimentares (e.g., Meyer, Waller, & Waters, 1998). Além disso, Fairburn e colaboradores (2003) consideraram a necessidade de rever as conceptualizações inicias dos processos que mantém a Bulimia Nervosa, como forma aumentar a resposta ao tratamento uma vez que apenas 40% a 50% dos sujeitos recuperam completamente da perturbação e se mantêm livre de sintomas. Esta necessidade motivou o desenvolvimento da TCC existente expandindo as formulações iniciais e propondo um tratamento mais compreensivo.

TEORIA TRANSDIAGNÓSTICA PARA ASPERTURBAÇÕES ALIMENTARES Uma extensão da TCC para a manutenção da Bulimia Nervosa Fairburn e colaboradores (2003) propuseram uma extensão à teoria original para a Bulimia Nervosa. De acordo com esta formulação, são propostos 4 mecanismos adicionais de manutenção dos sintomas bulímicos que se manifestam em alguns pacientes e que interagem com os aspectos psicopatológicos de base descritos anteriormente. Para os autores, a presença de algum destes mecanismos é, muitas vezes, uma dificuldade adicional, aquando do tratamento, e um obstáculo à mudança.

Os quatro mecanismos propostos são: Perfeccionismo Clínico:O perfeccionismo clínico, consiste no perfeccionismo com significância clínica (Shafran, Cooper, & Fairburn, 2002), e foi definido pelos autores como a busca por e a realização de expectativas de realização extremamente exigentes, sem olhar para as consequências adversas que daí podem vir. Consiste num sistema de avaliação do valor pessoal com base na realização de objectivos e sucessos altamente exigentes. O perfeccionismo é visto como uma forma de psicopatologia que é semelhante à psicopatologia de base das Perturbações Alimentares, sendo que em ambas os sistemas de avaliação disfuncional operam.

O perfeccionismo é uma característica que normalmente se encontra associada às Perturbações Alimentares (Shafran, Cooper, & Fairburn, 2002). Na conceptualização de Fairburn e colaboradores (2003) é defendido que, por vezes, estas duas formas de psicopatologia interagem, sendo que o funcionamento perfeccionista do paciente é posto a operar em relação às tentativas de controlo sobre a alimentação, o peso e a forma corporal, bem como em relação a outros aspectos da sua vida. Como consequência, o medo de fracassar é assim vivido, também, na forma de medo de engordar. As pacientes dirigem, normalmente, a atenção de um modo selectivo em relação seu desempenho no que diz respeito à alimentação e incorrem em comportamentos, tais como, a contagem de calorias, repetida verificação corporal, e a emergência de grande auto- crítica com origem nas consequentes avaliações negativas do seu desempenho e das suas tentativas de controlo do peso, forma corporal e da alimentação.

Novamente, esta auto-avaliação negativa é mantida, sendo exacerbadas as tentativas de controlo. Este mecanismo acaba por ser responsável pela manutenção dos sintomas, e, como tal, deve ser alvo de intervenção no tratamento.

Baixa Auto-Estima de Base:As Perturbações Alimentares estão, frequentemente, relacionadas com problemas de auto-estima, em que o sujeito apresenta de si uma imagem negativa em termos do seu valor, em variadas aspectos da sua vida. Nos pacientes bulímicos, a baixa auto-estima, surge, também, muitas vezes, como consequência da falha em atingir os seus objectivos de dieta e de restrição, quando interrompidos por episódios de ingestão alimentar compulsiva. Neste doentes, este sentimento, normalmente deixa de existir quando existe uma melhoria dos sintomas alimentares. No entanto, segundo Fairburn e colaboradores (2003), existe um grupo de pacientes que mostram um sentimento geral mais negativo e generalizado em relação a si próprios. Nestes pacientes, os sentimentos negativos não resultam apenas da sua incapacidade para controlar a sua alimentação e o seu peso, mas antes aparecem como uma forma de se verem a si próprios extremamente negativa e como parte permanente da sua identidade.

Esta baixa auto-estima parece resistir apesar de uma melhoria na sintomatologia alimentar e tende a ser um obstáculo à mudança. Se, por um lado, influencia a sua capacidade de acreditar na possibilidade de mudar, o que mina a sua adesão ao tratamento, por outro, estes pacientes fazem depender o seu valor completamente da área que valorizam, neste caso, a alimentação, o que, à partida, dificulta a mudança. O fracasso é visto como uma confirmação da sua incapacidade para mudar, o que reafirma a visão negativa que têm de si próprios (Fairburn et al., 2003).

Intolerância Afectiva:Já nas formulações iniciais da Teoria Cognitivo Comportamental (Fairburn, Cooper, & Cooper, 1986) havia sido reconhecido que as alterações de humor podem, muitas vezes, funcionar como antecedentes dos episódios de ingestão alimentar compulsiva, que acontecem em muitas situações, como uma forma de resposta a estas alterações do estado de humor. No entanto, vários autores têm vindo a referir que a relação entre estas alterações emocionais e a ingestão compulsiva são mais complexas (Steinberg, Tobin, & Johnson, 1989; Stice, 2001; Waller, 2002).

Verifica-se que, um grupo de pacientes com Perturbações Alimentares parece mostrar-se incapaz de lidar com os estados emocionais intensos, sendo que não conseguem lidar com as mudanças de humor e incorrem, naquilo que Fairburn e colaboradores (2003) caracterizam por comportamentos disfuncionais modulatórios do humor. Estes comportamentos reduzem a capacidade para discernir quais os antecedentes das ingestões alimentares compulsivas e cognições associadas, embora, por outro lado, as neutralizem. Estes comportamentos podem ter a forma, por exemplo, de comportamentos de mutilação ou consumo de substâncias, muitas vezes utilizados como forma de dissipar o estado de humor inicial (e.g., tristeza, raiva, aborrecimento). Estes comportamentos são, muitas vezes, encontrados em pacientes com Perturbações Alimentares (Claes, Vandereycken, & Vertommen, 2002). Nos pacientes com Bulimia, a ingestão compulsiva, o vómito ou o exercício excessivo, podem, eles próprios, ser utilizados como forma de modular o humor (Fairburn et al., 2003). Se por um lado estes pacientes parecem experienciar os estados emocionais de um modo mais intenso, por outro, parecem ser mais sensíveis a pequenas alterações do estado emocional, sendo que, muitas vezes, se julgam incapazes de lidar com os sentimentos e pensamentos que daí advém, reacção esta que, por sua vez, pode amplificar o estado emocional inicial (Fairburn et al., 2003). Os pacientes com Bulimia Nervosa parecem ser aqueles para quem a intolerância afectiva é mais comum, funcionando, frequentemente, a ingestão alimentar compulsiva e o vómito como forma de lidar estados de humor intensos, sendo utilizados pelos pacientes como forma de lidar com os sentimentos, pensamentos e emoções adversos (ou não) e que não conseguem fazer dissipar de um outro modo. O vómito e a ingestão alimentar compulsiva funcionam para estes pacientes como forma de modular o humor e deste modo, como forma de lidar com diferentes estados emocionais intensos.

Dificuldades Interpessoais:Os antecedentes dos episódios de ingestão compulsiva estão frequentemente associados a circunstâncias de vida dos pacientes. Este facto poderá explicar os bons resultados terapêuticos demonstrados pela terapia interpessoal no tratamento da Bulimia (Agras, Walsh, Fairburn, Wilson, & Kraemer, 2000). Esta abordagem chama à atenção para a importância destes factores na manutenção da perturbação. Estes factores podem ser dificuldades familiares, contextos que enfatizam o valor da magreza, acontecimentos interpessoais negativos e são, com frequência, os antecedentes dos episódios de ingestão compulsiva. Também as dificuldades interpessoais mantidas e prolongadas ao longo do desenvolvimento são, elas próprias, fundamentais para a construção de uma imagem negativa de si e do seu valor, o que têm óbvias implicações na construção de uma auto-estima positiva.

Deste modo, é reconhecido que as dificuldades interpessoais têm um papel extremamente importante no perpetuar das dificuldades alimentares, sendo que intervir sobre estes aspectos pode, igualmente, ter um papel na facilitação da mudança em termos do comportamento alimentar (Fairburn et al., 2003).

Mecanismos comuns de manutenção do problema alimentar A par da inclusão dos quatro novos mecanismos que actuam para a manutenção dos problemas, os mesmos autores (Fairburn et al., 2003) sugerem ainda que apesar das diferentes perturbações apresentarem algumas características distintivas, elas partilham a mesma base psicopatológica, sendo comuns os mecanismos envolvidos na manutenção das diferentes perturbações. Esta evidência é suportada também pelo facto de os pacientes se movimentarem, ao longo do tempo, entre os diferentes diagnósticos, tal com foi exposto anteriormente neste comentário. Fairburn e colaboradores (2003) propõem assim esta perspectiva transdiagnóstica de manutenção do problema, transversal às diferentes perturbações alimentares (Bulimia Nervosa, Anorexia Nervosa, Perturbações Alimentares Atípicas).

O TRATAMENTO REFORMULADO A conceptualização clínica das Perturbações Alimentares segundo este modelo cognitivo-comportamental revisto (Fairburn, Cooper, & Shafran, 2003) tem algumas implicações para o tratamento.

Assim, foi proposto um novo tratamento Terapia Cognitivo-Comportamental para as Perturbações Alimentares. O tratamento deriva da perspectiva transdiagnóstica, na medida em que é desenhado para ser realizado junto de pacientes com Anorexia Nervosa, Bulimia Nervosa ou PCA SOE, e na medida em que é defendido que são partilhadas por estes pacientes características psicopatológicas comuns.

Assim, deixa de ser relevante a perturbação alimentar específica, sendo que cada caso é formulado com base nos aspectos psicopatológicos presentes e nas particularidades de manutenção do problema (Fairburn et al., 2003). Por outro lado, o tratamento desenha-se inicialmente do modo tradicional, para depois, num segundo passo serem abordados os mecanismos adicionais de manutenção da perturbação eventualmente presentes.

A ABORDAGEM COGNITVO-COMPORTAMENTAL POR PASSOS A terapia cognitivo-comportamental (TCC) está bem estabelecida como um tratamento eficaz para as PCA (Fairburn, 1997a; Wilson et al., 2002). No entanto, o facto de ser um tratamento com elevado nível de intensidade e de requerer profissionais especializados para a implementação do programa, torna- o uma alternativa que comporta custos elevados e que não se encontra ainda disponível de um modo generalizado, sendo fundamental maximizar a relação custo-eficácia da terapêutica (Carter & Fairburn, 1998).

A evidência de que diferentes pacientes respondem com sucesso a diferentes tipos e intensidades de tratamento (Haaga, 2000), nomeadamente manuais de auto- ajuda, tem levado a que novas variantes do tratamento CC tenham sido desenvolvidas, permitindo, por um lado, uma melhor disseminação de serviços especializados, e por outro, que cada paciente obtenha a intensidade terapêutica de que necessita.

Num ambiente de recursos limitados, uma abordagem de tratamento por passos de acordo com as necessidades pessoais, parece ser a alternativa mais sensata de modo a assegurar que todos recebam a quantidade de tratamento que necessitam.

Esta necessidade tem levado ao desenvolvimento de programas/manuais de Auto- ajuda e a Auto-ajuda Guiada, que se tem vindo a provar eficazes, para determinados indivíduos (Carter & Fairburn, 1998), menos dispendiosas e que possam ser mais facilmente difundidas e acessíveis aos pacientes com estas perturbações. Tendo em consideração o corpo empírico produzido nos últimos anos em relação à eficácia dos programas de auto-ajuda, é possível afirmar que estes apresentam resultados positivos, sendo que o National Institute for Clinical Excelence(2004) reconhece a auto-ajuda como um "possível primeiro passo no tratamento da Bulimia Nervosa, pelo que estes pacientes devem ser encorajados a seguir programas de auto-ajuda empiricamente validados" e que os "profissionais de saúde devem considerar fornecer encorajamento directo e apoio" a pacientes a realizarem este programa, como forma de melhorar os resultados terapêuticos (NICE, 2004, p. 14).

Assim, numa lógica de tratamento por fases, os indivíduos que não respondessem a este tipo de tratamento é que integrariam uma fase terapêutica de maior intensidade (Birchall & Palmer, 2002), restringindo, deste modo, o uso da TCC aos pacientes que tem realmente necessidade (Carter & Fairburn, 1998).

Como nos foi possível verificar, o tratamento das Perturbações de Comportamento Alimentar, especialmente para a Bulimia Nervosa, tem sido amplamente investigado. A terapia cognitivo-comportamental aparece como o tratamento de primeira escolha para a Bulimia Nervosa (NICE, 2004; Wilson & Fairburn, 2000; Wilson, Vitousek, & Loeb, 2000), que tem vindo a ser melhorado de modo a responder ao crecente interesse de encontrar formas de tratamento alternativas, menos dispendiosas e que possam ser facilmente difundidas e acessíveis aos pacientes com estas perturbações, como sejam os manuais de auto- ajuda.


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