"Novas" legitimidades de segmentação do mercado de trabalho de jovens
diplomados
Travail et emploi; Flexibilité; Segmentation laborale
Ontem, como hoje, a dialéctica do trabalho e emprego exprime profundos
contrastes. Neste contexto, a empregabilidade, entendida como a probabilidade
de aceder e manter-se no mercado de trabalho, põe em jogo múltiplos aspectos
que se prendem com as qualificações individuais e profissionais dos que
procuram um emprego. Ao mesmo tempo, a empregabilidade reveste-se de dimensões
colectivas e desiguais, tendo em atenção as inflexões locais do contexto
macroeconómico no qual se efectua a procura de emprego, as estratégias de
gestão da mão-de-obra das empresas e as políticas em matéria de ensino superior
e de emprego e formação.
No quadro do projecto "MeIntegra Mercados e Estratégias de Inserção de
Jovens Licenciados", os diagnósticos realizados a licenciados e
dirigentes/responsáveis pelos recursos humanos permitiram-nos, por um lado,
analisar a empregabilidade dos jovens licenciados provenientes de várias
fileiras científicas contrastantes entre si, nomeadamente, "Tecnologia e
Engenharia" e "Humanidades e Ciências Sociais", bem como as
modalidades de inserção nas empresas, em particular no que diz respeito às
práticas de recrutamento e selecção e às competências transportadas/legitimadas
pelas empresas/organizações detentoras de quadros superiores. Ou seja,
pretendeu-se conhecer as estratégias de inserção profissional na óptica quer
dos jovens licenciados à procura do primeiro emprego (incluindo situações de
estágios profissionais), quer das empresas que têm vindo a recrutar este tipo
de mão-de-obra.
O desenho de investigação concebido aproximou-se da metodologia de
"investigação-acção" (Guerra, 2002) que pressupõe quer a mobilização
de várias técnicas de investigação social, quer o envolvimento dos diferentes
actores sociais nas actividades formativas previstas em momentos diferentes1.
No trabalho de campo, recorreu-se a análises documentais (revisitação e
comparação de obras da especialidade, de estudos empíricos nacionais e
internacionais), a entrevistas exploratórias a informantes privilegiados e à
realização de entrevistas estruturadas dirigidas aos grupos-alvo em causa:
jovens licenciados
2
e empregadores (dirigentes/responsáveis de recursos humanos das empresas do
Norte de Portugal)3. Partindo das principais tendências de mudança social,
formativa, económica e política que enfrentam as instituições do Ensino
Superior e o mercado de trabalho, os objectivos prosseguidos foram
diversificados
4
, tais como: i) identificar e caracterizar as competências transportadas para
os contextos de trabalho; ii) sinalizar as práticas de mobilização das
competências pelas entidades empregadoras no quadro de uma gestão flexível da
mão-de-obra; iii) compreender e explicar resistências e/ou boas práticas
organizacionais e estruturais à inovação e competitividade pela valorização do
factor humano.
Neste artigo, iremos destacar os efeitos das estratégias de flexibilização
prosseguidas pelas empresas nas vertentes produtiva, formativa, funcional,
salarial, duração do horário de trabalho e vínculo laboral. As
"novas" legitimidades que segmentam estes jovens quadros alicerçam-se
cada vez mais na prática de desregulamentação das relações de trabalho e
emprego e nas políticas empresariais seguidas pela maioria das empresas que
expõe a uma crescente precarização grupos sociais que investiram na sua
formação profissional e académica, em particular de nível superior. Os jovens
são, por conseguinte, confrontados com o desafio de aceitarem a incerteza e de
a usarem como um efectivo recurso para a acção, isto é, de adquirirem uma certa
(ins)estabilidade identitária que forneça um sentido de temporalidade
biográfica plausível. Tal passa pela interiorização de uma cultura de
iniciativa empresarial, empreendedora e criativa, assente num elevado grau de
transferabilidade do valor das qualificações académicas, competências e
orientações culturais de formação técnico-científica superior.
1. Ensino superior e transição para o mercado de trabalho
As relações entre a formação académica e o mercado de trabalho têm sido
centrais nos debates públicos (políticos, formativos e científicos) nas últimas
décadas. A escolha dos enfoques privilegiados nestes debates depende, em grande
medida, da agenda política da maior parte das economias avançadas (cf. Pedroso
(coord.), Ferreira, Dornelas, Estanque, Centeno, Novo & Henriques, 2005). A
complexidade que persiste na análise das relações entre o ensino superior e o
mundo de trabalho (Tanguy, 1986) introduz desafios que exprimem, por um lado, o
que é comum à maioria das sociedades modernas e, por outro, o que de específico
as caracteriza (Teichler, 2007). Sabe-se que, até então, as políticas públicas
têm seguido certos objectivos no sentido de actuar sobre o sistema educativo
para ampliar e melhorar as oportunidades de educação profissional regulada,
tanto no escalão secundário, como no pós-secundário (com a reintrodução do
ensino técnico e tecnológico no secundário) e no superior, de modo a cumprir as
exigências, além de outras, de empregabilidade e de internacionalização
previstas pela Declaração de Bolonha.
Apesar de diferentes abordagens consoante os países considerados, a maioria
deles confronta-se actualmente com problemas e desafios sensivelmente idênticos
no que diz respeito aos efeitos (im)previsíveis das transformações recentes do
sistema de ensino superior. De uma forma esquemática apontam-se as seguintes
transformações registadas nas últimas décadas ao nível do sistema de ensino
superior: i) extensão do tempo passado no sistema educativo (formação inicial e
ao longo da vida); ii) feminização crescente das fileiras de estudo; iii)
diversidade do leque de ofertas de formação, com particular incidência para os
cursos de cariz profissional; iv) crescente desfasamento das representações e
expectativas dos jovens perante trajectórias complexas e prolongadas no tempo e
no espaço; v) inclusão nas primeiras experiências profissionais de situações
cada vez mais híbridas de formação, estágio, emprego, desemprego, inactividade,
entre outras, sem que configure um padrão de linearidade contínua; e vi)
adiamento da entrada no mercado de emprego e consequente dessincronização dos
vários eixos de emancipação em torno da esfera profissional, familiar e
pessoal.
A expansão do ensino superior em muitos dos países e o aumento progressivo de
diplomados têm sido acompanhados por evidências empíricas da possibilidade de
obtenção de um emprego qualificado se encontrar relacionado com a detenção de
níveis de escolaridade superiores (Smyth, Gangl, Raffe, Hannan & Mccoy,
2001; Machin & MacNally, 2007). Por sua vez, a posse do diploma apresenta-
se como um dos requisitos importantes para a transição profissional com
impactos no trabalho e emprego5. Com efeito, os empregadores ao recrutarem este
tipo de mão-de-obra privilegiam a abertura a conhecimentos e processos
inovadores que constituem uma oportunidade para a qualificação organizacional.
É admissível que a presença de jovens qualificados no mercado de trabalho
estimule a sua procura por parte das empresas, em particular as que se apoiam
nas tecnologias de informação e comunicação, no conhecimento como matéria-
prima.
Todavia, os resultados das investigações de cariz regional, nacional e
internacional têm evidenciado que os percursos de inserção profissional não se
apresentam uniformes e estáveis para a maioria dos seus detentores (M. Alves,
2007; Chaves, 2007; N. Alves, 2005; Teichler, 2007; Muller & Gangl, 2003;
Crysdale, King & Mandell, 1999). Desde logo, a taxa de desemprego no grupo
etário dos 25 a 35 anos é proporcionalmente mais elevada do que para os
trabalhadores com idades mais avançadas, o que significa que, na transição para
o mercado de trabalho, muitos dos jovens com diploma passam por períodos de
desemprego e inactividade, em especial as mulheres quando comparadas com os
seus colegas do sexo masculino. No quadro da desregulação da relação salarial e
consequente expansão de modalidades de trabalho e emprego não permanentes
6
, registam-se fenómenos de subemprego, desemprego, entre outros, que remetem
para uma crescente vulnerabilidade e precariedade, com particular incidência
junto de jovens licenciados (Brannen, Lewis, Nilsen & Smithson, 2002).
Igualmente, o debate sobre o tempo de trabalho não deixa de contemplar, em
concreto, a crescente desconexão dos ritmos sociais nas outras dimensões da
vida extra-profissional. A flexibilidade de horários, as horas entrecortadas no
dia e dispersas pela semana, concorre para vivências e representações de um
tempo descontínuo, de um tempo que apresenta exigências conflituais e, por
vezes, inconciliáveis para a maioria dos jovens em início e/ou em fase de
estabilização profissional.
Neste contexto, também a inserção profissional se transformou nas últimas
décadas, não se reduzindo mais a um momento neutro e linear de passagem, de
cariz individual longe da representação economicista dominante até aos anos
setenta do século XX. Pelo contrário, a maioria dos percursos profissionais
caracteriza-se hoje pela incerteza, descontinuidade e menor correspondência do
diploma ao emprego (Webster, Lambert & Bezuidenhout, 2008). Por sua vez,
enquanto processo multidimensional (formativo, profissional e geracional) e
multi-estatutário (e.g. empregado, estagiário, bolseiro, inactivo, formando), a
inserção profissional dos licenciados passa cada vez mais pela capacidade de
estes construírem o seu "projecto" profissional e deterem uma
"empregabilidade permanente" (Marques, 2001) como forma de se
inserirem e se manterem no mercado de trabalho. Com efeito, perante as
transformações da economia e das estruturas e modalidades de trabalho e
emprego, as exigências de qualificações diversas e flexíveis têm contribuído
para que o sistema de ensino se aproxime da realidade empresarial, quer pela
renovação dos conteúdos dos curricula, quer pela antecipação de novos saberes e
competências por parte dos trabalhadores.
É crucial perceber que um "diploma" não representa uma garantia
absoluta de acesso a um emprego. Porém, a sua ausência fragiliza e estigmatiza
a capacidade de inserção profissional do jovem licenciado, bem como o seu poder
de negociação e de reconhecimento das qualificações académicas. Com efeito,
sabe-se que, na altura de procurar um emprego, para além dos conhecimentos
adquiridos ao longo do curso, há a percepção de que as notas conseguidas de
pouco valem no mercado de trabalho perante o potencial de competências que
ainda se tem a desenvolver. Igualmente, sabe-se que persistem flagrantes
assimetrias quanto às oportunidades entre homens e mulheres no acesso ao
mercado de trabalho que urge corrigir7.
Porém, se a proliferação de diplomas profissionais a todos os níveis de
qualificação permite a expansão da actividade económica, também introduz uma
complexidade acrescida na mobilização de critérios de recrutamento e de
sinalização das competências do trabalhador. Com efeito, o processo de
recrutamento e selecção torna-se cada vez mais rigoroso e controlado. Tudo são
provas de aptidões e competências: desde a entrevista ao currículo, onde cada
gesto é um indício, cada acto comunicacional uma demonstração. Esta fluidez no
domínio das competências comportamentais e relacionais permite estratégias
diversificadas de negociação e legitimação no mercado de trabalho. A modelação
de práticas daí resultantes assenta numa avaliação individual, visível desde a
negociação no momento de recrutamento ao desempenho profissional, a qual
inclui, também, a flexibilização dos horários, a dupla "grelha
salarial", os prémios diversificados, os contratos de trabalho
"abertos". Neste contexto, da parte das entidades empregadoras
observa-se uma tendência ora para a flexibilização da mão-de-obra, ora para
práticas de resistência perante novos recrutamentos. A este nível, regista-se
um aumento significativo das modalidades de trabalho sem vínculo permanente (a
termo, prestação de serviços, sazonal, pontual ou ocasional), bem como vivência
de períodos de desemprego e inactividade por parte de jovens detentores de
níveis de qualificação superior8 (Marques, 2007, 2009).
2. Jovens flexíveis, precários trabalhadores
Hoje, no acesso a um emprego pode-se assumir estatutos contratuais
diversificados: trabalhador precário (e.g. contrato a termo certo/incerto;
temporário, prestação de serviços, part-time), trabalhador independente,
estagiário, bolseiro de investigação. Esta proliferação de vínculos contratuais
não permanentes contribui para uma fragmentação estatutária que tem vindo a
atingir, nos últimos anos do século XX, grupos diversificados de trabalhadores,
incluindo jovens quadros qualificados (Marques, 2007; Kóvacs, 2006a; Rebelo,
2003). Estes não se encontram imunes às actuais pressões para a adopção de
diversas práticas de flexibilidade por parte das organizações em causa. Com
efeito, esta prática de flexibilização laboral, sobretudo quantitativa,
configura-se como a principal estratégia seguida pelas empresas no sentido de
responder às exigências de globalização e competitividade das economias. Nesta
análise iremos considerar, sobretudo, as seguintes dimensões onde se inscrevem
as práticas empresariais que visam a flexibilidade: i) dimensão da
flexibilidade numérica; ii) dimensão da flexibilidade salarial; e iii) dimensão
da flexibilidade temporal.
2.1. Flexibilização do vínculo laboral
A proliferação de formas diferenciadas de trabalho e emprego, acompanhadas pela
descontinuidade do vínculo laboral, apresenta-se como um traço que caracteriza
as modalidades de acesso ao mercado de trabalho (cf. gráfico 1). Com efeito, a
este nível de informação, ao se comparar9 a relação entre os vínculos
contratuais dos licenciados com os que têm sido praticados pelas empresas nos
últimos anos, corrobora-se a presença maioritária do contrato a termo para as
empresas, o que é sintomático de uma prática de flexibilização numérica da
gestão da mão-de-obra. Assim, nos últimos anos, as empresas, quando contratam
algum novo licenciado, recorrem às várias formas não permanentes de trabalho e
emprego.
Gráfico 1- Vínculo contratual na óptica do licenciado vs. empresa (%)
Na verdade, para além da presença do contrato a termo, a inserção no mercado de
trabalho de licenciados passa, cada vez mais, por incluir outros vínculos,
igualmente instáveis, tais como: estágio curricular/ profissional, contrato de
prestação de serviços sob a forma de "recibos verdes", inexistência
de qualquer contrato de trabalho escrito e, ainda, sob a forma de bolsa de
investigação.
Portanto, pode-se avançar com a tese da pluralidade de estatutos contratuais
assumidos no início da actividade de jovens quadros, sendo que a instabilidade
da relação de trabalho se apresenta como um traço dominante na actual geração.
A flexibilidade laboral, sobretudo quantitativa, tem constituído a principal
estratégia de gestão de recursos humanos seguida pelas empresas (Rebelo, 2002;
Rodrigues, 1991) no sentido de responder às exigências da globalização e
competitividade das economias.
2.2. Flexibilidade salarial
Associadas a uma lógica individualista e supostamente meritocrática que premeia
o potencial de empregabilidade de cada trabalhador, designadamente o seu
desempenho profissional, as suas competências e qualidades pessoais, observam-
se, igualmente, práticas de flexibilização das remunerações auferidas pelos
jovens quadros (cf. gráfico 2).
Gráfico 2 - Remuneração mensal na óptica do licenciado vs. empresa
Considerando a remuneração mensal (incluindo subsídios de alimentação e
transporte), as posições dos licenciados e das empresas divergem
significativamente10. Com efeito, podemos considerar a remuneração média como
sendo a que situa entre os 751 e 1000 para a maioria dos licenciados (51,8%),
sendo que a empresa declara uma percentagem relativamente inferior (40,6%). A
reforçar esta prática salarial assente em baixos salários, refiram-se as
percentagens assumidas no intervalo abaixo daquela remuneração que se situa
entre 501 e 750, em particular para as empresas: 38,3%, contra 24,6% para os
licenciados.
Tanto nos extremos inferiores como superiores dos intervalos salariais se
verificam posições relativamente idênticas face aos licenciados e às empresas.
Ora, considerando a difusão de modalidades de trabalho e emprego não
permanentes neste grupo social, será importante analisar em que medida estas se
encontram, ou não, relacionadas com a remuneração auferida. Esta questão assume
particular relevância nesta dimensão analítica, já que um dos argumentos que
têm sido avançados consiste na associação entre vínculos laborais precários e
remunerações salariais baixas. Dos resultados obtidos pelas variáveis vínculo
laboral e remuneração verifica-se, antes de mais, a existência de uma relação
significativa entre as mesmas
11
. Em seguida, através de uma análise de correspondência binária foi-nos
possível aferir da contribuição das categorias para a definição de dois eixos
factoriais mais expressivos12: os vínculos contratuais declarados no início de
uma actividade e a remuneração mensal auferida pelos licenciados. Da
variabilidade explicada por este modelo, fica patente uma oposição clara entre
os vínculos dos licenciados e as remunerações auferidas. Com efeito, sob a
forma de estágio (curricular/ profissional) e de recibos verdes, os salários
praticados são manifestamente inferiores aos que recebem os licenciados que se
encontram inseridos numa relação permanente de trabalho.
Esta flexibilização salarial parece ser legitimada pela avaliação
individualizada dos conhecimentos e competências demonstráveis em contexto de
trabalho dos recém-licenciados. Na verdade, a argumentação centrada na falta de
experiência, por um lado, e no necessário período "provatório" em
contexto de trabalho que permita ao empregador aferir do potencial do
licenciado, por outro, tem contribuído para a difusão tanto destas alegadas
novas modalidades contratuais, como para associá-las à prática de baixos
salários.
O outro lado desta questão prende-se, também, com as posições hierárquicas
assumidas e as condições concretas susceptíveis de potenciar a subida na
carreira (cf. Gráfico 3). Com valores residuais, verificamos que um licenciado
poderá assumir uma posição de responsável por projecto ou obra (9,2%), assim
como de adjunto ou assistente de direcção (8,6%). As empresas confirmam estes
dados, apesar de estes exprimirem percentagens relativas superiores. Numa
primeira análise verificamos uma certa confiança da empresa no licenciado pois,
para além de o responsabilizar perante o projecto, poderá, também, atribuir-lhe
uma responsabilidade mais formal (e talvez mais informalmente reconhecida)
enquanto chefe de um departamento da organização. Convém acrescentar que esta
"alegada" maior confiança da empresa no licenciado ao lhe atribuir
posições hierárquicas superiores não se traduz numa diferenciação em termos
salariais. Ou seja, a empresa confere-lhe maior responsabilidade, autonomia e
capacidade de decisão, porém, nem sempre a essa posição hierárquica superior
corresponde salários superiores.
Gráfico 3 - Posição hierárquica na óptica do licenciado vs. empresa (%)
Tendo presente que se trata de jovens recém-licenciados em início de uma
carreira, a posição mais frequente ocupada nas empresas equivale à de
"técnico superior" (56,4%). Porém, é de realçar a posição declarada
pelos licenciados que se distribui de forma relevante entre "técnico
superior" (38,3%) e a de "Outra posição" (32,3%). Nesta última
posição necessariamente ambivalente na sua interpretação, não se pode deixar de
incluir as referências explícitas às posições declaradas mais expressivas:
"estagiário", "assistente comercial", "bolseiro de
investigação", "colaborador", "prestador de serviços",
"administrativo" entre outras. Independentemente de muitas das
expressões sugerirem um desempenho profissional correspondente ao estatuto
associado a um diploma superior, a verdade é que também indiciam uma inserção
dos licenciados em postos de trabalho com exigências de qualificações
inferiores às detidas.
Portanto, o que nos parece ser relevante destacar é a generalização de práticas
de salários baixos inferiores a 1000 euros associados à ocupação de postos de
trabalho já não exclusivos a este segmento populacional. O argumento da
"proletarização" dos quadros superiores (Rodrigues, 1997)13 tinha
sido avançado nos anos noventa do século XX para explicar a
"banalização" do diploma e o impacto do desemprego estrutural ao
nível dos países europeus. A acrescentar a estes argumentos, no caso específico
de Portugal, temos a persistente política de baixos salários como factor de
competitividade associada a uma tendência para a sobrequalificação dos jovens
quadros por comparação ao nível salarial e à posição hierárquica detidas.
2.3. Flexibilidade do tempo de trabalho
É, sobretudo, ao nível da dimensão da flexibilidade temporal que as
organizações procuram, internamente, adequar a mão-de-obra às variações em
termos de horas e dias de trabalho em função do ritmo de produção, das
flutuações das encomendas, do ritmo de crescimento da economia no plano
regional, nacional e internacional. Neste contexto, é possível verificar uma
considerável abertura à prática de horários flexíveis, atendendo ao número de
horas semanais de trabalho declaradas quer pelos licenciados, quer pelos
empregadores.
Há, porém, uma discrepância significativa nas visões de empregadores e
empregados quanto à média da duração do tempo de trabalho. Atendendo a alguns
parâmetros descritivos obtidos na análise da informação verifica-se que, em
média, o licenciado trabalha 40,74 horas semanais, ao passo que, na óptica da
empresa, a média de trabalho dos licenciados se situa nas 38,81 horas14.
Igualmente, observando o mínimo e o máximo de horas declaradas, o licenciado
refere entre 2 a 85 horas semanais, ao passo que para a empresa aquele leque é
reduzido para 2 a 60 horas semanais.
Aceitando que parte daquela informação dos licenciados inclui horas de trabalho
para além das efectivamente cumpridas em contexto de trabalho, ou seja, as que
se relacionam com o trabalho realizado em "casa" à noite e/ou aos
fins-de-semana, a verdade é que a existência de horários que podem ir até às 60
horas indica, de forma algo paradoxal e não linear, uma tendência para a
intensificação da jornada de trabalho. Com efeito, assumindo este valor,
estaríamos perante jornadas diárias de 12 horas pelos cinco dias úteis da
semana. Já tivemos oportunidade de em várias investigações15 estabelecer uma
relação entre os ritmos de trabalho actuais e as implicações não só para a vida
profissional, como pessoal e familiar (Marques, 2006a; 2007). Estes resultados
apresentam-se, também, consistentes com as tendências internacionais quanto à
intensificação do tempo de trabalho. Assim, segundo o IV Inquérito Europeu
sobre as Condições de Trabalho (Eurofound, 2007), realizado pela Fundação
Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, 1 em 4
trabalhadores considera que a sua saúde e a segurança estão em risco por causa
do trabalho. Por sua vez, 12% dos trabalhadores entrevistados referem que
raramente ou nunca têm tempo suficiente para realizar o seu trabalho. Trata-se
de uma percentagem substancial e em rápida expansão, já que, apesar de a
maioria declarar trabalhar uma semana de cinco dias, 23% referem que trabalham
seis a sete dias por semana e 15% ultrapassam as 48 horas de trabalho por
semana.
Igualmente, verifica-se que há uma associação significativa entre as horas de
trabalho e as modalidades contratuais16. Da relação entre as variáveis Vínculo
Contratual e Horas/ semana obtida através da análise de correspondência binária
17
e atendendo aos resultados obtidos, pode-se concluir, mais uma vez, pela
existência de segmentos diferentes constituídos pelos que estão a recibo verde
que tendem a apresentar horários de trabalho até 35 horas e os que estão em
situação de contrato permanente e a termo que se distribuem pelas 40 a 44
horas. Por sua vez, os que se encontram com bolsa de investigação, estágio ou
sem contrato tendem a apresentar horários de trabalho igualmente elevados,
talvez como "prova" de trabalho ou consequência do chamado
"período experimental" que quase se confunde com a duração em si da
relação laboral.
Apesar do progressivo e crescente aumento das qualificações com que as gerações
mais recentes têm acedido ao mercado de trabalho, a temática da inserção
profissional apresenta-se como uma das questões centrais no quadro das
políticas comunitárias e nacionais. Neste contexto, será certamente relevante
perceber a crescente vulnerabilidade da relação de trabalho visível nas
estratégias flexíveis de gestão da transição para a vida activa seguida pelas
empresas.
3. Estratégias, actores e qualidade do trabalho
A dinâmica interna do mercado de trabalho que cada país conseguir impulsionar
dependerá da capacidade dos vários agentes, como o Estado em primeira
instância, de definirem políticas públicas de enquadramento e de fomento
daquele desenvolvimento, mas também das empresas, das universidades e da
sociedade em geral de promoverem uma cultura de inovação, iniciativa e
cidadania (Rodrigues et al. 2000). Passará, também, por se reconhecer a
qualidade do trabalho (Celéstin, 2002) em termos de igualdade de oportunidades,
de conciliação da vida profissional e privada, do incentivo à formação contínua
no combate ao desemprego e na intervenção de um Estado Social regulador e
garante dos direitos sociais dos trabalhadores. Assim, iremos analisar algumas
das dimensões comuns às empresas e aos jovens licenciados quanto: i) aos
requisitos de acesso ao emprego; ii) à responsabilidade dos principais actores
no fomento de acções adequadas à promoção de emprego; e iii) às representações
em torno do trabalho, desemprego e vida privada.
3.1. Avaliação dos Requisitos de Acesso ao Emprego
Ao longo da investigação realizada, foi-nos possível relativizar o peso dos
requisitos ou factores considerados facilitadores e/ou inibidores no acesso ao
mercado de trabalho. O nível de associação registado em torno da avaliação
destes requisitos em função dos licenciados e das empresas é significativo do
ponto de vista estatístico, sendo que os posicionamentos observados se
encontram fortemente associados ao estatuto do entrevistado (cf. Quadro 1).
Quadro 1 - Avaliação dos requisitos de acesso ao emprego (% de respostas
positivas)
Se a frequência de formação profissional aparece de forma incontornável como um
dos requisitos mencionados no acesso ao emprego por ambas as categorias de
entrevistados, a par da posse de uma licenciatura, a verdade é que há que
considerar outros factores geralmente não explicitados como
"facilitadores" ou "inibidores" consoante o potencial
candidato. Além disso, certos factores podem ser considerados
"indiferentes" em função da perspectiva da empresa.
Para os licenciados e empregadores os factores facilitadores que apresentam
percentagens maioritárias, para além dos dois já referidos, são: "ter bom
aspecto físico" e "morar perto do local de trabalho". Quanto à
subjectividade da avaliação do potencial candidato a um emprego, a primeira
impressão causada pelo seu aspecto físico apresenta-se reiterada por ambos.
Assumindo uma posição mais crítica, os licenciados apontam como factores que
dificultam o acesso ao mercado de trabalho os seguintes: sexo, idade, estado
civil e ter responsabilidades familiares/ filhos. Por sua vez, na óptica das
empresas, à excepção da relevância colocada na idade como um factor que, pelo
contrário, facilita a inserção profissional, todos os restantes não se
apresentam relevantes, sendo considerados maioritariamente factores
indiferentes. Mesmo assim, ao contrário dos licenciados, verificamos por parte
das empresas que o estado civil, assim como as responsabilidades familiares são
reconhecidos como factores mais problemáticos.
Como sabemos, estes posicionamentos são diversificados internamente ao nível
dos licenciados em função quer das suas características demográficas, quer da
licenciatura ou fileira científica em que se inserem. Com efeito, verifica-se
que, para os licenciados que integram a fileira das "Tecnologias e
Engenharias", o sexo e as responsabilidades familiares são perspectivados
como factores mais facilitadores. Pelo contrário, quando comparamos as opiniões
por sexo, constata-se que as licenciadas, ao contrário dos seus colegas do sexo
masculino, consideram que o sexo, o estado civil e as responsabilidades
familiares dificultam mais o acesso ao emprego.
Estes resultados vêm reforçar, mais uma vez, a análise atrás apresentada acerca
das práticas flexíveis de transição para a vida activa que caracterizam este
segmento de jovens qualificados. Iremos verificar que a crescente subjectivação
e individualização das relações de trabalho vão no sentido de se externalizar
as responsabilidades no fomento de acções adequadas à promoção de emprego.
3.2. Externalização das Responsabilidade de Promoção de Emprego
A promoção do emprego passa não só por se identificar os principais actores ou
agentes responsáveis, como pela definição de acções vocacionadas para a
promoção de emprego e combate ao desemprego. Assim, considerando os nossos
resultados do diagnóstico cruzado, verificamos que são apontadas, por ordem de
importância decrescente, as universidades, o Estado e o IEFP (Instituto de
Emprego e Formação Profissional). Ao nível local, os entrevistados reconhecem,
ainda, as câmaras e juntas de freguesia como actores relevantes na dinamização
do mercado de trabalho. De forma algo incompreensível, as empresas privadas são
referidas de forma residual pelos licenciados (cf. Quadro 2).
Quadro 2 - Actores responsáveis pela promoção de emprego (% respostas
positivas)
Ora, pode-se explicar estes resultados com base na proximidade que os
licenciados têm com a Universidade, atribuindo-lhe a maior responsabilidade na
promoção do emprego e, em oposição, o seu desconhecimento da realidade
empresarial justificará, em certa medida, o não reconhecimento do papel das
empresas.
Quanto às acções a desencadear pelos actores no sentido da promoção do emprego,
o consenso entre licenciados e empresas revela-se, em primeiro lugar, na
criação de incentivos ao 1º emprego. Tal consenso reforça o carácter externo da
responsabilização em termos de políticas públicas. Já na ordenação das acções
seguintes regista-se alguma discrepância nas respostas obtidas. Os licenciados
defendem, em seguida, que é necessário fomentar o empreendedorismo, a
orientação profissional, assim como o apoio personalizado na procura de
emprego. Sob a perspectiva dos empresários, estes elegem, em segundo lugar, o
fomento da orientação profissional e só depois consideram o fomento do
empreendedorismo, assim como o fomento de ligações entre negócios e comunidade.
Quadro 3 - Acções de promoção de emprego (% respostas positivas)
Apesar de não serem opostas, estas duas perspectivas demonstram modus operandi
relativamente diferentes. Os licenciados tendem a posicionar-se entre uma visão
caracterizada pela existência de apoios e instituições vocacionadas neste tipo
de problemática e uma perspectiva mais individual de resolução do seu problema,
tal como o empreendedorismo. As empresas, em contrapartida, têm uma visão mais
abrangente e sobretudo estratégica, elegendo a existência de um enquadramento
institucional.
3.3. Representações do trabalho, desemprego e vida privada
Neste último ponto, iremos apresentar as principais representações que os
licenciados e as empresas têm sobre vários domínios relacionados com a
qualidade do trabalho em termos de igualdade de oportunidades, de conciliação
da vida profissional e privada, do incentivo à formação contínua, do combate ao
desemprego e da intervenção de um Estado Social regulador e garante dos
direitos sociais dos trabalhadores. Por questões de comodidade de análise serão
apresentadas, em separado, as representações dos licenciados e depois das
empresas. Tentar-se-á, em termos de síntese, destacar as representações comuns
aos grupos-alvo e que se apresentam centrais na temática da transição para o
mercado de trabalho.
Atendendo às várias dimensões associadas às representações dos licenciados em
torno do processo de inserção profissional no que diz respeito à formação
académica, ao emprego e à vida privada é possível aferir algumas segmentações
em função da fileira científica e do género. Assim, considerando as médias das
respostas obtidas mais elevadas em torno do grau de discordância (cf. Quadro
4), pode-se afirmar que há uma posição de rejeição clara com a afirmação de que
"Para o mesmo tipo de trabalho, os salários devem ser diferentes consoante
o sexo" (5,74), seguida pela "A mulher não tem competência para
exercer funções de empresária/ chefe" (5,64). Com médias ainda de
discordância, relativamente significativas, temos as percepções dos jovens
relativamente ao facto de a actuação do Estado não ser eficaz na resolução do
problema do desemprego, da relativização do peso do curso de ensino superior no
sucesso na vida e de os diplomados de ambos os sexos terem facilidades em
arranjarem um emprego.
Quadro 4 - Posicionamentos médios dos licenciados
Portanto, do conjunto destes posicionamentos mais críticos e negativos, pode
avançar-se com o argumento de que os jovens não só rejeitam as desigualdades
salariais e de desempenho de cargos de responsabilidade/chefia na base do
género, como têm consciência das dificuldades de acederem ao mercado de
trabalho, na medida em que o diploma não constitui um garante de emprego ou
impede a vivência de experiências de desemprego. A este nível, os licenciados
são também muito críticos da actuação do Estado.
As restantes afirmações são objecto de uma apreciação positiva, reforçando
sobretudo a importância da dimensão do trabalho no bem-estar pessoal de cada
um, em particular quando se tem sucesso profissional, apresentando a média de
concordância mais elevada do conjunto (1,99). Em seguida, os licenciados
afirmam, ainda, que continuariam a trabalhar na área de formação mesmo que não
necessitassem de dinheiro. A reforçar esta ideia parecem ser as concepções do
trabalho18 como fonte de respeito social, de prestígio e status. Só em segundo
lugar, embora próximo daquele grau concordância, encontra-se a vida familiar e
privada (2,18).
É interessante, ainda, analisar a percepção das dificuldades de acesso ao
mercado de trabalho por parte deste segmento de jovens qualificados. Mesmo
assim, as posições são diferenciadas consoante seja homem ou mulher, já que há
a consciência de que o desemprego afecta mais as mulheres do que os homens.
Igualmente, reconhecem que o empreendedorismo poderá ser uma alternativa viável
no combate ao desemprego.
Os empregadores que integram a nossa amostra apresentam, por sua vez,
posicionamentos médios, uns idênticos e outros distintos dos licenciados (cf.
Quadro 5). A média de discordância mais elevada junto dos empregadores diz
respeito às afirmações seguintes: "Para o mesmo tipo de trabalho, os
salários devem ser diferentes consoante o sexo" (5,63), seguida da
"As funções de chefia são melhor desempenhadas por um homem" (5,15).
Também com médias discordantes relativamente elevadas temos a percepção de que
os recém-licenciados têm facilidade de encontrar um emprego, o Estado assume um
papel relevante na resolução do desemprego e a posse de um curso superior
constitui um requisito para se ter sucesso na vida.
Quadro 5 - Posicionamentos médios dos empregadores
Por sua vez, as afirmações que apresentam médias de concordância mais
relevantes prendem-se com a importância do sucesso profissional no bem-estar
pessoal, a conciliação da vida profissional e familiar, o papel dos licenciados
no enriquecimento científico e empresarial do país e a crise do desemprego
afectar também os licenciados. A apreciação da formação universitária constitui
um domínio relevante na óptica dos empregadores que passa quer pela valorização
da formação contínua dos licenciados, quer pelo reconhecimento de que a maior
fragilidade das licenciaturas é a sua componente excessivamente teórica. A
criação de licenciaturas especializadas, bem como o empreendedorismo poderão
constituir uma solução ao desemprego que, como se sabe, afecta mais as mulheres
do que os homens. Mesmo assim, apresentando uma posição moderada de
concordância, os empregadores estão convictos de que o desemprego afecta mais
os licenciados do que os não licenciados.
Mais uma vez, são várias as explicações para a sustentação de posições ora
conservadoras ora inovadoras por parte dos empregadores. Na exploração de
outras variáveis, como a dimensão da empresa, o tipo de mercado (e.g. local,
nacional ou internacional), a estrutura da mão-de-obra dominante, entre outros,
seria possível aprofundar, ainda mais, a variabilidade das representações que
perpassam a formação académica, o trabalho, o desemprego e a igualdade de
oportunidades de género
19
.
4. Processos de ressimbolização do trabalho em curso
Uma coisa é certa: tanto os licenciados como os empregadores estão conscientes
das transformações profundas verificadas ao nível da relativização do diploma
no mercado de trabalho actual. Apesar de estar patente a ideia de que o curso
superior é um dos requisitos indispensáveis para se obter uma posição de
sucesso na sociedade, há a percepção de que o diploma já não protege o seu
portador do desemprego, como também de que os conhecimentos e saberes não se
finalizam aí.
Assim, com base no que temos vindo a argumentar, são visíveis as
"novas" legitimidades que segmentam o mercado de trabalho, com
particular incidência nos jovens diplomados. Estas estruturam-se em torno da
progressiva regressão do Estado, visível pela privatização de vários serviços,
a par do acréscimo de competitividade nas actuais economias globalizadas,
acompanhada pelas tendências de flexibilidade, desregulação e individualização
das relações de trabalho. Nesse sentido, poder-se-á argumentar que se está
perante quatro importantes processos de ressimbolização do espaço social de
trabalho. O primeiro deles prende-se com alegada valorização da "cultura
de risco" (Beck, 1992; 2000; Giddens, 1994), a par do compromisso e
confiança exigidas aos actores sociais (Sennett, 2001). Ora, neste
"segundo espírito do capitalismo" (Boltansk & Chiappello, 1999:
237), este processo tende a configurar as relações de trabalho em termos de
flexibilidade laboral (independência e multiactividade), flexibilidade
produtiva (descentralização e reorganização), flexibilidade de gestão ou
«culturas de gestão» (instabilidade e turbulências de mercados abertos e
ampliados); flexibilidade do horário de trabalho; flexibilidade dos salários,
entre outras modalidades.
O segundo processo diz respeito às lógicas de intensificação e racionalização
subtis dos modelos de organização do trabalho patentes na contratualização e
individualização das relações de trabalho. Isto significa que se está perante
traços de uma profissionalidade enformada por crescentes exigências de pressão
quer interna, relacionadas com a proliferação de normas, procedimentos,
standards e com exigências de eficiência e eficácia centrada na lógica de
resultados, quer externa, fruto do impacto do meio envolvente sobre as
organizações e seus trabalhadores dada a abertura crescente à participação da
comunidade envolvente.
O terceiro assenta na assunção da não linearidade e homogeneidade da
profissionalização, sendo possível identificar processos diferenciados de
recombinações de saberes e competências. Neste sentido, tende-se a destacar a
importância da auto-concepção sobre como se deve fazer o trabalho, ou seja, a
incorporação da responsabilidade, da autonomia e da participação como traços
constitutivos e estruturante dos perfis profissionais existentes e desejáveis,
funcionando como um modus operandi na resolução de imprevistos e de problemas
nos quotidianos de trabalho.
O quarto, e último, processo centra-se na dinâmica da reversibilidade e
reconversão de percursos formativos, bem como na importância da Aprendizagem ao
Longo da Vida que pressupõem a crescente individualização e centragem na
capacidade de (re)construção de projectos de vida, incluindo, igualmente, a
predisposição para a contínua (re)actualização de conhecimentos, saberes e
competências a vários níveis do quadro da acção social (e.g. escolar,
formativo, laboral). A Aprendizagem ao Longo da Vida e a mobilidade
profissional (e.g. espaço nacional e internacional, inter-intra empresas) são
cruciais no quadro da empregabilidade entendida como a probabilidade de aceder
e manter-se no mercado de trabalho.
Todos estes processos concorrem para uma crescente "dualização
social" e fragmentação das relações de trabalho, com incluídos e
excluídos, estáveis e precários, empregados e desempregados, activos e
inactivos, jovens e idosos A quebra de solidariedade entre estes diferentes
grupos, que pode exprimir, em simultâneo, vários daqueles processos de
dualização, contribui para o acréscimo de desigualdades sociais e para a
"crise" do Estado Social. As transformações estruturais na natureza
do capital e na produção que caracterizam esta nova fase de desenvolvimento do
capitalismo parecem inaugurar uma reconversão ideológica para legitimar o
modelo actual de mundialização do mercado de capitais, de tecnologia e produtos
e, por último, da força de trabalho.
Notas
1 Financiado pelo Fundo Social Europeu e pelo Estado Português no âmbito do
Programa Operacional Emprego, Formação e Desenvolvimento Social (POEFDS), Acção
Tipo 4.2.2.1. Estudos e Investigação (2006-2007).
2 A entrevista estruturada por questionário foi aplicada a um universo de
1161 jovens licenciados em 2004/05 provenientes das fileiras científicas de
Humanidades, Ciências Sociais, Tecnologias e Engenharias. A amostra
constituída resultou numa quota de 40%, totalizando-se 464 questionários
válidos.
3 A entrevista estruturada por questionário foi aplicada a um universo de
3841 estabelecimentos localizados nos concelhos de Braga, Vila Nova de
Famalicão, Barcelos, Guimarães que integram as unidades territoriais
correspondentes ao Minho-Lima, Cávado e Ave (NUTS III). A amostra constituída
resultou numa quota de 10%, totalizando-se 393 questionários válidos
4 Além de se proceder ao conhecimento da situação do mercado de trabalho de
jovens licenciados e das empresas através dos referidos diagnósticos,
programaram-se Sessões de Formação Avançadas e Workshops/Seminários, bem como
foram elaboradas propostas de melhoria dos processos de inserção e de
mobilidade profissionais com o envolvimento dos grupos-alvo.
5 Para uma perspectiva crítica dos conceitos trabalho e emprego, suas
distinções e proximidades, cf. Piotet, 2007; Kovács, 2006a; Marques, 2006b;
Rebelo, 2002; Freire, 1997, Atikson, 1987.
6 Também conhecidas por formas atípicas de emprego e trabalho ou por
novas formas de trabalho (Kovács, 2006a). Parece ser consensual atribuir a
esta designação todas as modalidades de trabalho e emprego que se distinguem de
uma relação de trabalho típica, ou seja, de uma relação de trabalho por conta
de outrem, permanente e exercida a tempo inteiro (Foucarde, 1992).
7 Por uma questão de economia a que está sujeito este artigo, não se irá
desenvolver o tópico da segmentação em função da variável género e o seu
potencial explicativo dos comportamentos diferenciados no acesso ao mercado de
trabalho, nos itinerários posteriores, nas estratégias de gestão e de
conciliação das diferentes esferas da vida profissional/pública e pessoal/
privada. Nas investigações por nós realizadas, já nos foi possível destacar
esta dimensão explicativa (Marques, 2006a, 2007), bem como outros autores
nacionais e internacionais reiteram quer os constrangimentos de género (Alves,
2004; Reimer & Steinmetz, 2007), quer de etnia (cf Frickey & Primon,
2002; Hirata & Kergoat, 1998) no acesso ao mercado de trabalho.
8 Apesar de os jovens detentores de licenciatura se encontrarem numa
situação relativa mais favorável, quando comparados com os seus colegas com
menores qualificações, a verdade é que presentemente são muitos os que
enfrentam dificuldades de inserção na vida activa e, em especial, enfrentam o
desemprego/ inactividade.
9 Na relação entre as práticas contratuais da empresa e os vínculos de
trabalho declarados pelos licenciados, verifica-se que há uma associação
estatística significativa entre ambos, pelo que há uma variação nas respostas
segundo os grupos-alvo (teste de Independência de Kolmogorov-Smirnov para
variáveis não-paramétricas: KSZ=4,507; p=000).
10 Resultado do teste de Independência de Kolmogorov-Smirnov para variáveis
não-paramétricas (KSZ=2,006; p=001).
11 Teste do Qui-quadrado= 120,658; df=30; p<000.
12 Na base dos outputs de uma análise factorial de correspondência disponível
SPSS ' versão 15.0. Foram calculadas cinco dimensões factoriais que explicam a
totalidade da massa da informação, sendo que as três primeiras explicam quase a
totalidade da variância explicada (0,986) dos pontos-linhas e pontos colunas,
com particular destaque para a primeira dimensão factorial que explica 61%,
cujo valor da inércia é de 0,107. A segunda explica 21% e a terceira 17%.
Conscientes da redução da informação em termos estatísticos, iremos contemplar
os dois primeiros factores.
13 M. L. Rodrigues (1997, cap. 3) faz o recenseamento de autores que, durante
a década de setenta, expõem tendências polarizadas no sentido de um reforço do
poder e domínio de certas profissões ou, em oposição, para a
desprofissionalização ou proletarização, vaticinadas por diversos autores. De
certa maneira, este debate sobre a evolução das profissões sobrepõe-se àquele
outro debate em torno das qualificações durante aquela década, como vimos
atrás. Significa que também esses debates sofrem da mesma natureza de críticas
realizadas.
14 Apesar de o valor do desvio-padrão obtido junto dos licenciados inquiridos
ser maior (9,820) do que junto dos empregadores (4,810).
15 Num outro estudo conduzido pela autora (Marques, 2006a), os resultados
obtidos confirmam estes: os horários dos jovens engenheiros caracterizavam-se
por elevadas jornadas diárias. Apenas 24% dos inquiridos referiram um horário
até 39 horas, contra os que declararam praticar horários de 40 a 49 horas (59%)
e de mais de 60 horas (15%).
16 Teste do Qui-quadrado= 102,817; df=30; p<000).
17 Tendo sido calculadas cinco dimensões factoriais, apenas quatro explicam a
totalidade da massa da informação: a primeira explica mais de 77% da variação
(0,764) pontos-linhas e pontos colunas, apresentando um valor de inércia de
0,112; a segunda explica cerca de 15%; a terceira 6,5% e a quarta 1,5%.
Conscientes da redução da informação em termos estatísticos, iremos contemplar
os dois primeiros factores.
18 Sobre a temática das atitudes perante o trabalho, cf. Freire, 2001.
19 Cf. os resultados completos da investigação compilados no relatório final
(Marques, 2007), disponíveis em suporte digital no seguinte endereço: URL:
http://hdl.handle.net/1822/8633.