Apenas mulheres? Situação das mulheres no mercado de trabalho em quatro países
europeus
Introdução
As situações de desigualdade entre mulheres e homens no mercado de trabalho são
ainda problemáticas nos nossos dias, assumindo nuances diversas, em diferentes
contextos europeus. Estes fenómenos de desigualdade, frequentemente
naturalizados, sendo tanto lesivos da assunção de uma cidadania plena pelas
mulheres, como limitativos da vivência da democracia por «um povo de homens e
de mulheres» (Amaral, 2004: 17), têm justificado o desenvolvimento de políticas
sociais específicas, tendentes à redução desse problema, quer ao nível da União
Europeia quer na sua recontextualização nos espaços nacionais. No entanto, e
apesar do progresso no âmbito legal, continua a existir uma descoincidência
entre a aparente protecção das mulheres, nos textos jurídicos, e as condições
sociais e económicas efectivas a que estão na sua maioria sujeitas (ibid.)
concretamente no que diz respeito ao seu enquadramento no mundo do trabalho.
Neste artigo, debruçamo-nos então sobre as tensões que as mulheres enfrentam
entre a esfera privada e a esfera pública para enquadrar papéis femininos na
sociedade dos quatro países em questão. De facto, no contexto da modernidade
tardia e da rápida reconfiguração dos papéis de género verificam-se «numerosas
formas de divisão sexual do trabalho nas esferas pública e privada. A
desigualdade estrutural das mulheres é agora contrastada com a evidência de
mudanças cruciais nas relações pessoais e nas expectativas de género» (Arnot et
al., 2000: 153). Assiste-se a uma fluidez e fragmentação dos papéis ao nível
relacional, na família e nos locais de trabalho, que permitem equacionar
«transformações subtis no equilíbrio de poder entre os sexos» (ibid.). Estando
estas dimensões da vida humana intrinsecamente relacionadas, não é possível
melhorar a democracia e (re)construir a cidadania sem que as suas relações
estruturais e natureza sejam também modificadas. Isto inclui a identificação de
limites macro, impostos por visões dicotómicas de masculino/feminino, de
público/privado, a que subjaz uma universalização do masculino e uma
hierarquização, dita natural, entre homens e mulheres (Lister, 1997). A essa
pretensa neutralidade corresponde a universalização de uma perspectiva
hegemónica sustentada em dualismos, que é preciso superar (Lister, 1999;
Henriques, 2003).
Assim, há que ter em conta que, se as mudanças no trabalho têm tido impacto
significativo no regime e nas identidades de género nos locais de trabalho, têm
também influenciado as estruturas das famílias, a divisão das tarefas
domésticas e a estruturação das relações pessoais, «por referência às formas
segundo as quais as perspectivas culturais, o trabalho e a estrutura da
família, as práticas de socialização e as identidades genderizadas são
vivenciadas [também] na esfera privada» (Grant, 2000: 964). No debate em torno
do enquadramento das mulheres no trabalho, em países europeus, torna-se, assim,
necessário introduzir o peso de uma simbólica social que (in)forma concepções
de masculinidade e de feminilidade, e se articula com o modo como a UE e alguns
estados membros definem as suas políticas e prioridades. Estas parecem
sustentar-se numa divisão ainda rígida entre público e privado e na prevalência
de visões de cidadania fortemente genderizadas e enraizadas num
legado material e ideológico desenvolvido pela
modernidade para explicar e racionalizar um maior
poder masculino. Este legado envolveu usar o
género como estrutura simbólica que distingue
entre masculinidade e feminilidade, como forma de
justificar a divisão sexual do trabalho. Tal
estratégia tem significado que rapazes e
raparigas, homens e mulheres sejam agora
considerados como socialmente, em vez de
naturalmente, construídos, produzidos para modos
diferentes de ser (Arnot et al., 2000: 165).
Feminilidades e masculinidades no mundo do trabalho
As concepções de feminilidade e masculinidade que (in)formam o social auxiliam
a construção das mulheres como dependentes ou em percurso de construção de uma
autonomia moderada, promovendo a atribuição de modos de cidadania parcial. Essa
localização das mulheres está ligada à divisão sexual do trabalho que governa a
relação das pessoas com a esfera pública e estrutura a sua relação com o tempo,
tido também como «recurso crucial para a cidadania como estatuto e como
prática» (Lister, 1999: 130). Deste modo, a produção social da ordem de género
não pode ser limitada a uma divisão familiar e social do trabalho, inculcada na
produção simbólica de categorias e de identidades sociais, assentes em
assimetrias entre masculino ' universal ' e feminino ' situacional (Nogueira,
2001; Inglez, 2007). Há então que desconstruir essa universalidade abstracta na
sua tensão com uma situacionalidade igualmente artificial, bem como é
necessário equacionar as relações do estado e do mundo do trabalho com as
pessoas cidadãs.
Assim, no quadro de uma «política de presença» (Phillips, 2001), interroga-se a
natureza da ocupação pelas mulheres do espaço público em diferentes estados
membros da UE, concretamente no campo do trabalho e do emprego. Estes são
considerados como sistemas fortemente burocratizados, concebidos por e para
homens nos quais as mulheres são ainda posicionadas de forma contraditória como
excluídas do interior3, sendo frequentemente vistas como problema no interior
de uma cultura masculina que lhes reage com estranheza. Vistas como diferentes,
acabam por perturbar os modos de gestão e as masculinidades dominantes pois
parecem desafiar a, chamada, ordem natural das coisas. Essa entrada das
mulheres no espaço público parece ainda mais dificultada quando se trata de
sectores do trabalho predominantemente masculinos e, principalmente, da
ocupação de posições de autoridade e de tomada de decisão. Mesmo quando possuem
poder institucional, as mulheres permanecem exógenas a uma cultura masculina
dominante que promove e legitima comportamentos, modelos tecnocráticos de
gestão e imagens masculinizadas do mundo do trabalho, face às quais a presença
feminina é vista como ameaça, ignorada ou remetida para a especificidade dos,
mal designados, assuntos de mulheres. Assim, a tendência para a crescente
participação feminina no mercado de trabalho «assume uma feição fortemente
ambígua: tanto compreende um processo de integração de força de trabalho
feminina na esfera laboral, e portanto pode ser tida como potenciadora de maior
igualdade entre homens e mulheres, como simultaneamente, pode traduzir um
fenómeno de diferenciação e de segregação sexual» (Casaca, 2005: 56).
Este «fenómeno de segregação» resulta não apenas na exclusão no interior
vivenciada no emprego, mas também na exclusão da representação do trabalho
feminino na cultura do emprego, ou seja, na existência de sectores
profissionais de prestigio, tipicamente ocupados por mulheres, o que acaba por
constituir mais uma forma de controlo. Isto corresponde frequentemente a
processos de dominação ou subordinação das mulheres a áreas profissionais mais
desprestigiadas e precárias, com menor visibilidade, cuja participação aparenta
estar dependente de uma atribuição mitigada e solidária de cidadania pelos
homens.
De facto, se frequentemente se referem alguns sectores feminizados, em
particular a saúde, educação e acção social, como uma abertura à igualdade e ao
reconhecimento das mulheres, estes cargos continuam ainda a ser «socialmente
vistos como uma extensão das tarefas femininas desenvolvidas no interior da
esfera doméstica/familiar, compagináveis com os atributos naturais da
feminilidade » (ibidem: 60) e, portanto, aliadas às funções de cuidar. Pois
mesmo quando se trata de obter prestígio e reconhecimento no interior destes
sectores ditos femininos, os homens ganham lugar, obtendo postos de destaque.
As áreas tradicionais da moda, media, cozinha e decoração, entre outras,
anteriormente destinadas às mulheres, têm sido ocupadas e mesmo abaladas por
figuras masculinas. Tal modo de competitividade acaba por contribuir para gerar
outro tipo de exclusão intra-género no interior das áreas dominantemente
femininas, exclusão essa que surge, nesse caso, associada a desigualdades de
classe social, etnia, qualificação ou mesmo idade.
É assim que, no âmbito de um pensamento neo-liberal que parece informar ainda
as construções da feminilidade e da masculinidade (Brenner, 2000) e
reconhecendo a forte interligação entre as esferas pública e privada, se
evidencia o impacto do emprego das mulheres nas relações pessoais e destas no
seu trabalho, como aspectos significativos no contexto actual de reconfiguração
das identidades de género. Apesar do processo visível de (re)localização de
novas feminilidades e masculinidades na ordem de género, e do surgimento de
algumas políticas europeias e nacionais centradas na promoção da igualdade de
género, o investimento na modificação das grandes estruturas da desigualdade,
principalmente ao nível das práticas sociais, não parece ser suficiente. Ou
seja, não parece existir um empenhamento real na mudança das organizações, cuja
natureza profunda, razões e modos de manutenção ficam sem discussão, tendo
ainda subjacentes termos associados a uma dominação masculina e parecendo
subentender um melhor ajustamento das mulheres a esses modelos. Refira-se, por
exemplo, a falta de debate da situação de dependência económica de algumas
mulheres, ligada tanto à responsabilidade do cuidar e a um mercado de trabalho
flutuante e precário, como a um sistema de protecção social que, em parte,
reflecte ainda um modelo social do homem-ganha-pão, apesar das realidades
sociais carregarem mensagens bem distintas.
Num contexto político, económico e cultural em que a distribuição de recursos
na família, como trabalho, tempo e dinheiro, está assente num quadro de
relações de poder desigual, situa-se, particularmente, «no uso do tempo o maior
obstáculo, hoje, para a participação das mulheres na democracia» (Darcy de
Oliveira, 2006: 14). Assim, há que trazer ao debate duas ordens de questões
fundamentais: i) os modos de divisão do tempo socialmente construídos e
articulados com a mudança na família e no trabalho no século XXI (Jacobs e
Gerson, 2004), ii) e as possibilidades trazidas pelas orientações europeias e
pelas políticas dos diferentes estados para facilitar o acesso a uma
independência genuína. Esta seria primordial como pré requisito da autonomia e
de uma cidadania substantiva (Lister, 1999), potenciando a corporização de
relações de interdependência positiva, numa base equitativa entre mulheres e
homens (Lister, 1997; 1999) através de uma reformulação do mercado de trabalho
e dos sistemas de segurança social.
Europa, Estados e as Cidadanias
No entanto, a relação dos diferentes estados com as pessoas cidadãs ocorre no
seio de uma conjuntura de globalização económica, política e cultural, expressa
numa ideia de cidadania europeia, que tem presente ideologias particularmente
conservadoras, ligadas à disseminação universal de uma cultura de classe média,
branca, masculina, letrada. Esta ocidentalização ou americanização (Sousa
Santos, 2001), ao transformar a natureza dos estados, transforma tanto a
natureza da cidadania como a amplitude de quem é considerado cidadão (Macedo,
2008). Sob as premissas concorrenciais dessa ocidentalização ou americanização,
a passagem de um estado de bem-estar, mais ou menos conseguido, a um estado
contratualista ou performativo, cuja intervenção no mercado consiste na
mediação e regulação dos excessos (Yeatman, 1993) ou na procura de tornar-se
mais um parceiro competitivo, surge de par com a globalização de «valores,
artefactos culturais e universos simbólicos ocidentais ou especificamente
norte-americanos ( ) [como] o individualismo, a democracia política, a
racionalidade económica, o utilitarismo, o primado do direito» (Sousa Santos
2001: 51). Entende-se, assim que, não sendo um aparelho ideológico uniforme mas
um conglomerado complexo de histórias também complexas, a Europa e os estados
que a constituem são terrenos de conflito e negociação de diversos poderes. Não
sendo, também, neutros em termos de género mas locus de lutas discursivas em
que a política de género assume um papel central, estas instâncias produzem e
reproduzem relações de género e os diferenciais de poder a elas associados:
redefinem e renegoceiam fronteiras entre público e privado e medeiam as
relações entre mercado, família, educação e outras instituições.
É nesse papel que os estados, sob regulação europeia, tanto procuram promover
políticas de equidade de género como, de modo subliminar, podem contribuir para
a construção das mulheres como dependentes, vítimas ou improdutivas (Blackmore,
1999), ou em percurso de autonomia moderada. Concretamente, a limitação do
acesso ao trabalho, ao usufruto de salário e à tomada de decisão sobre o uso do
tempo, como «recursos de cidadania» (Lister, 1999), e como exercício de
direitos políticos, económicos, sociais (Lister, 2003) e culturais, numa
perspectiva equitativa, condiciona a possibilidade de ocupação das mulheres no
campo do trabalho, limitando o seu exercício de cidadania em termos da
possibilidade de opção pela construção de carreiras profissionais, ligadas à
realização pessoal. Isto acontece apesar da procura de promoção da igualdade de
género, no direito comunitário, sob a forma de soft law (orientação), e da sua
reconversão em hard law (legislação), nos diferentes países membros.
Para uma compreensão deste problema, tomamos de Maria do Rosário Palma Ramalho
(2004) uma interessante sistematização que permite evidenciar, em termos do
direito comunitário, no que concerne à igualdade de género, o desenvolvimento
de seis grandes áreas, desde 1975. Estas articulam-se com a questão do trabalho
e denotam uma forte evolução desde a
previsão normativa do art.º 119.º do Tratado de
Roma, de alcance limitado ao princípio da
igualdade de remuneração entre homens e mulheres
por trabalho igual ou de valor igual ( ) até ao
conjunto de preceitos de Direito comunitário
primário e secundário e ao acquis de soft law,
que hoje constitui o direito comunitário da
igualdade (ibid.: 52).
Como sistematiza esta autora, essas áreas abrangem «igualdade remuneratória
entre trabalhadores e trabalhadoras» (Dir. 117/75, 10.02.75); «igualdade de
tratamento no acesso ao emprego, nas condições de trabalho, na carreira e na
formação profissional» (Dir. 76/207, 09.02.76); «igualdade no domínio da
segurança social» (Dir. 79/7, 19.12.87 e Dir. 86/378, 24.07.86); «igualdade no
tratamento no universo dos trabalhadores independentes e dos trabalhadores da
agricultura, incluindo protecção na maternidade» (Dir. 86/613, 11.12.86);
«protecção da maternidade e da paternidade ( ) relativa à tutela das
trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes» (Dir. 92/85, 19.10.85) e à
licença parental (Dir. 96/34, 03.07.96); «garantia da efectividade dos direitos
em matéria da igualdade de género ( ) sobre a repartição do ónus da prova nos
casos de discriminação em razão do género» (Dir. 97/80, 15.12.97).
Como é ainda referido no mesmo trabalho, com base no art.º 2.º do Tratado da
Comunidade Europeia, «o princípio da igualdade de género é hoje considerado
como um dos pilares da União Europeia e a promoção da igualdade entre homens e
mulheres constitui um dos [seus] objectivos» (ibid.: 53), o que evidencia a sua
formulação positiva e pró-activa e a sua transversalidade. São, no entanto de
assinalar, como temos vindo a referir, os limites de implementação prática
deste princípio, apesar do quadro legal (ibid.). Tomemos alguns exemplos em
quatro estados membros da União Europeia.
Uma leitura comparada e interpretativa da localização actual das mulheres em
quatro países membros da UE
A constante divisão das mulheres entre os espaços público e privado, enquanto
esferas de trabalho e de relações de poder, tem provocado diversas mudanças nas
representações de género, tendendo a ultrapassar a clássica dicotomia
masculino/feminino e a dar origem a novas masculinidades e feminilidades intra-
género, como referimos. Esta (re)significação dos papéis e categorias nas
relações sociais resulta em primeira escala das políticas públicas locais e
nacionais que, em termos dos direitos comunitário e cívico de igualdade, acima
mencionados, promovem novas reconfigurações e condições de desenvolvimento, uma
vez que «pensar o trabalho das mulheres exige que se considere, para os
diferentes momentos históricos, as limitações ditadas pela ordem de género
presente em cada sociedade» (Rocha e Ferreira, 2006: 21).
Foi com estas preocupações que se procurou desenvolver uma reflexão conjunta,
em torno de continuidades e descontinuidades percebidas quanto à posição das
mulheres no mercado de trabalho na Lituânia e Portugal, enquanto países
(semi)periféricos, e na Bélgica e Holanda, enquanto países do centro. A
designação (semi)periferia, que utilizamos para descrever a localização de
Portugal e da Lituânia, em termos de poder por referência a outros países do
«sistema mundial capitalista» (Wallerstein, 1990), permite evidenciar o seu
carácter de desenvolvimento intermédio e destacar tanto as tensões endógenas e
exógenas a que estes países estão sujeitos (Braidotti, 1998) como a sua
situação de forte permeabilidade aos fenómenos associados à globalização (Sousa
Santos, 2001)4. Esta situação de (semi)periferialidade ocorre num contexto de
forte heterogeneidade em termos económicos, políticos e culturais, que abarcam
diferenças marcantes ao nível do desenvolvimento civilizacional, da acumulação
de capital e do poder político, e a que está inerente uma divisão do trabalho
desigual entre regiões. Já na Holanda e na Bélgica como países do centro se
pode verificar a existência de um forte desenvolvimento tecnológico e a
capacidade de produção de produtos complexos, o que evidencia, por outro lado,
a sua preponderância e posição hegemónica tanto nas relações de troca quanto no
poder político e cultural. Tal situação de desigualdade terá, necessariamente,
que afectar a vivência das mulheres no mundo do trabalho, nos diferentes
contextos, como procuramos, em seguida, explicitar. Daí advém a necessidade de
problematizarmos a dimensão do trabalho na construção das feminilidades nestes
países não esquecendo as posições distintas que ocupam no interior da União
Europeia e no momento actual de crise da globalização.
Enquanto a Holanda e a Bélgica, em 1957, foram estados signatários da criação
da, então designada, Comunidade Económica Europeia (CEE), o que lhes permitiu
tanto uma participação efectiva na definição e construção dos modos de
racionalidade e dos termos da sua acção como, também, um longo período de
solidificação da sua posição entre os estados membros, Portugal apenas entrou
para a comunidade em 1985, na posição de irmão pobre, parecendo ter fraca
possibilidade de intervenção na tomada de decisão e um ajustamento débil aos
seus requisitos. Por sua vez, a Lituânia aderiu à União Europeia apenas em
2004, estando a desenvolver um esforço assinalável de ajustamento à comunidade,
a todos os níveis. Estas diferentes fases de integração na UE tiveram
necessariamente impacto nas políticas sociais nos diferentes países,
concretamente em termos da reflexão e construção, mais ou menos tardias, de
políticas de igualdade de género num enquadramento europeu.
As políticas de igualdade e paridade de género no âmbito do mercado de trabalho
e, consequentemente, do sistema de apoio e redistribuição da segurança social,
em Portugal, constituíram um dos aspectos a repensar, na sua correspondência à
realidade portuguesa actual, e simultaneamente, na comparação com as realidades
dos outros países. Os dados permitiram verificar que a Holanda (embora
tardiamente) mas já em 1986, deu um novo passo em direcção a uma maior
igualdade e paridade de género, ao atribuir os mesmos direitos do sistema de
segurança social a mulheres e homens, através do acesso a pensões e reformas
iguais. (Cattrysse, 2004). Também o sistema de segurança social Belga tem
procurado estabelecer igualdade de género ao nível da legislação e das
contribuições das pessoas beneficiárias, mas as desigualdades nos subsídios de
desemprego, doença e nas pensões de reforma prevalecem. Esta situação deve-se
principalmente às «atípicas» e precárias carreiras profissionais femininas,
assentes numa gestão do trabalho a tempo parcial e tarefas domésticas.
Em Portugal, só após o fim da ditadura em 19745, se abriram algumas portas no
mercado de trabalho para as mulheres, que alcançaram, em 1979, a definição
legal da igualdade de condições e tratamento nos empregos (Decreto-Lei n.º 392/
79, de 20 de Setembro). Este, visando «garantir às mulheres a igualdade com os
homens em oportunidades e tratamento no trabalho e no emprego», foi
posteriormente revogado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto (CIG, 2007). Por
último, a Lituânia só deu início a um processo de alterações democráticas após
a ruptura com a União Soviética6, em 1990, sendo que apenas em 1998 foi
declarada a igualdade para todos, na Constituição, afectando toda a população,
principalmente as mulheres. Posteriormente, numa tentativa de aproximação às
leis da Europa Ocidental, a busca desta paridade foi consolidada no novo Código
de Trabalho, em 1 de Janeiro de 2003, sendo que em 2007 a Lituânia foi
considerada, pelo Fórum de Economia Global, como o país que fez o maior
progresso no campo da igualdade «sexual» (sic), ao nível da empregabilidade de
homens e mulheres, situando-se no terceiro lugar, logo após a Finlândia e a
Suécia. (Saukiene., 2008).
Foi a tentativa de compreensão dos estatutos e posições femininas, no limiar da
fronteira entre a esfera privada e pública, que guiou o levantamento das
percepções do grupo de mulheres, captadas através de sessões de debate e
conscientização, enraizadas na partilha de saberes experienciais. Optou-se por
escutar e cruzar as vozes, no quadro de uma tradição metodológica-
epistemológica feminista, que foca a necessidade de compreensão da centralidade
da voz como legitimador poderoso de cidadania. Estando a opressão das mulheres
muito associada ao seu silenciamento e à correspondente marginalização da sua
história, experiência, compreensões do mundo, modos de saber, valores e
identidades, como forma de controlo patriarcal e imposição de modos de saber e
estruturas masculinas hegemónicas (Arnot, 2006), tem-se noção do potencial das
vozes das mulheres, na sua pluralidade, para desafiar tais discursos e relações
de poder, construindo modos outros de interpretar a ordem social e de produzir
conhecimento, reforçando-se, como «sujeitos-mulher» (Koning, 2005) nesse
movimento de (re)construção individual e colectiva.
A utilização de uma lógica comunicacional aberta, de questionamento
complexificador em torno das realidades das participantes nos debates, permitiu
captar as suas visões do mundo e das relações colectivas forjadas em
interacção. Abriu-se espaço para que cada participante desenvolvesse uma
compreensão mais alargada desse mundo e dessas relações, compreensão essa que
não seria acessível a cada uma delas, apenas a partir da perspectiva pessoal
(Young 1997). Desse modo, a reflexão exploratória acerca da situação das
mulheres no mercado de trabalho nos diferentes países ganhou a dimensão de um
processo de conscientização das mulheres do grupo, havendo a noção de que se
tratou de um trabalho de carácter parcelar, orgulhosamente interpretativo. No
âmbito dessa postura hermenêutica, identificada por Fernanda Henriques (2003)
como saber e forma de constituir saber, assente num conceito de «racionalidade
mais flexível e dialéctico», assumiu-se a interpretação como «modo humano de
saber», reconhecendo que este acarreta dimensões de subjectividade, que é
necessário equacionar. Foi dos dados/saberes assim produzidos, numa perspectiva
emancipatória de tomada de voz, que resultaram os quadros interpretativos que
posteriormente se apresentam e que se procurarão analisar à luz do cruzamento
com estudos e estatísticas oficiais7.
O primeiro quadro apresenta as percepções sobre a divisão de género perante o
trabalho do cuidar e o segundo acerca dos benefícios atribuídos às mulheres,
enquanto trabalhadoras, mães e domésticas. E, no terceiro quadro, procuramos
debruçar-nos e sistematizar, especificamente, a entrada das mulheres no mercado
de trabalho, algumas das suas limitações e percursos, considerando apenas três
dimensões que parecem permitir assinalar posições de diferença e desigualdade,
ainda que em mutação. Muito mais haveria a dizer sobre as influências que as
economias mundiais têm nas mudanças dos mercados, assim como nas
conceptualizações ideológico-políticas sobre o trabalho enquanto emancipador
individual e colectivo.
Quadro_I
Diagnóstico de responsabilidades do trabalho do cuidar, por sexo
As mulheres e o espaço do cuidar
A compreensão do papel das mulheres na sociedade e no mercado de trabalho não
pode ser dissociada do trabalho doméstico no contexto do lar e da família.
Torna-se fundamental repensar a sua localização na esfera privada e na
«institucionalização do lar» (Rocha e Ferreira, 2006: 11) enquanto local de
prestação do trabalho invisível, a que chamamos trabalho do cuidar. A separação
das duas esferas tem subjacente uma concepção de trabalho que é definida por
relação ao espaço público, ao emprego e à remuneração. Como é sabido, a
caracterização do trabalho doméstico como não produtivo (mas meramente
reprodutivo) promove uma segregação da esfera privada enquanto área de não-
trabalho. Esta situação complica-se, ainda, quando se procura integrar as
trabalhadoras que prestam trabalho remunerado no interior de espaços privados,
adquirindo uma posição de prestação de trabalho público. Deste modo, pode
afirmar-se que o trabalho feminino no espaço doméstico sobrevive na
(in)visibilidade do seu reconhecimento social.
Já na fase da industrialização, com a revolta pela libertação das, chamadas,
fadas do lar e com o reconhecimento da necessidade da mão-de-obra feminina na
produção de um sistema competitivo, as mulheres deixaram de estar completamente
confinadas aos lares, mas as tarefas domésticas permanecem ainda, hoje, como
uma responsabilidade das mulheres, obrigando-as a acarretar uma dupla tarefa8
(double burden) entre o mundo do emprego e o mundo do trabalho no espaço
familiar. Ultrapassando o mero problema da conciliação, a gestão entre a
família e o emprego torna-se um dos grandes desafios femininos dos nossos
tempos. Muitas mulheres, aparentemente emancipadas na esfera pública (onde como
referimos têm a carga de entrar e transformar um mundo fortemente masculinizado
em que são ainda percepcionadas como estranhas) encontram-se ainda
posicionadas em subordinação na esfera privada. Foi com essas preocupações que,
na reflexão sobre as percepções do trabalho feminino na esfera privada,
ilustradas no Quadro_1, se considerou pertinente abranger diferentes
actividades que abarcam desde o trabalho doméstico, ao apoio na doença e na
velhice, bem como o apoio prestado às pessoas com necessidades especiais e às
crianças.
Uma leitura directa deste quadro permite evidenciar semelhanças e diferenças
interpaíses. Parece importante destacar, desde logo, a fortíssima presença das
mulheres nos diferentes espaços do cuidar, em todos eles. Apenas no caso da
Holanda é que as mulheres estão ausentes da realização do trabalho com as
pessoas idosas, dado que essa tarefa está a cargo de instituições do estado ou
do sector privado. Esta é uma prática social comum, introduzida há várias
décadas, isentando as mulheres dessa velha tradição. Será importante também
referir, de acordo com os dados das discussões em grupo, que, enquanto às
mulheres são atribuídas tarefas como responsabilidade pessoal, a participação
dos homens surge, na maioria dos casos, como apoio ou substituição das
mulheres, na sua ausência, e não como assunção de responsabilidade.
Uma leitura horizontal do quadro permite notar que existe partilha de tarefas
do serviço doméstico em todos os países, menos na Lituânia, e que o trabalho do
cuidar das pessoas doentes é exclusivo das mulheres, excepto na Bélgica, onde é
partilhado com os homens. Relativamente ao cuidado com as pessoas idosas,
referimos já a questão da Holanda, como caso de excepção. Nota-se ainda que, na
Bélgica e em Portugal, quando estas permanecem no espaço da família, ficam a
cargo das mulheres, embora existam algumas instituições do Estado, nestes dois
países, que as podem receber, ou do sector privado, no caso de Portugal. Na
Lituânia são as mulheres que assumem dominantemente essa tarefa. O
acompanhamento de pessoas portadoras de deficiência, no espaço familiar, surge
também, predominantemente, a cargo das mulheres. Numa nota positiva e
promissora, relevando uma maior abertura dos homens ao mundo dos afectos,
associada à emergência de novas formas de masculinidade, o trabalho do cuidar
das crianças surge como única tarefa partilhada por mulheres e homens, nos
quatro países.
Em seguida, desenvolvemos esta leitura, cruzando com alguns dados estatísticos.
Ainda que os casais das novas gerações assumam uma partilha da
responsabilidade, colaboração e alguma iniciativa das tarefas domésticas, a
gestão da vida familiar em articulação com a vida, reconhecidamente, produtiva
permanece como um grande problema para as mulheres, que na generalidade
despendem mais tempo nos trabalhos domésticos do que os homens. Na Lituânia
cerca de 75% do trabalho praticado na esfera privada cabe às mulheres.
(Purvaneckiene, 1998).
De acordo com informação divulgada pela CITE (2008), em Portugal as mulheres
despendem cerca de 26 horas por semana em trabalho doméstico, a par das 7 horas
dispensadas pelos homens, resultando numa dedicação feminina de mais 3 horas
por dia do que os homens. Na Holanda, as diferenças na disponibilização de
tempo nas tarefas domésticas, esbatem-se um pouco e os valores aproximam-se, 23
horas dispensadas pelas mulheres a par de 11 horas pelos homens, o que mesmo
assim corresponde a mais do dobro do tempo (De Telegraaf, [s/d]). Esta questão
confronta-se na Bélgica com uma «cultura» em torno do tempo parcial como a
melhor escolha feminina, na gestão da dupla tarefa. De facto, grande parte das
trabalhadoras belgas trabalham a tempo parcial para terem mais tempo para a
vida familiar, despendendo cerca de 28 horas por semana nas tarefas domésticas
e 5.30 horas a cuidar das crianças, ao contrário das mulheres que trabalham a
tempo inteiro e que apenas conseguem despender 19 horas com as mesmas
actividades e 3.30 horas a cuidar dos/as filhos/as (Eurofound, 2007). É
interessante verificar que neste país o tempo dedicado pelos homens à esfera
privada depende da posição das mulheres no mercado de trabalho. Quando as
mulheres trabalham a tempo parcial, os homens despendem menos uma hora em cada
uma das tarefas do que quando aquelas trabalham a tempo inteiro. Quando as
mulheres exercem funções remuneradas a tempo inteiro, os homens gastam 10 horas
em tarefas domésticas e 2 horas a cuidar das crianças; com as mulheres a
trabalhar a tempo parcial, gastam 9 e 1 horas, respectivamente. A diferença
entre o tempo parental disponibilizado por homens e mulheres permite realçar a
ideia, já referida, do tempo enquanto construção social influenciada e
condicionada pelos estereótipos de género. Esta desigualdade permanece,
reconhecendo-se também que os homens investem principalmente «no tempo parental
de sociabilidade » e as mulheres «no tempo parental doméstico» (Casaca, 2005).
Benefícios sociais atribuídos às mulheres e às famílias
Outro ponto que se considerou essencial abordar concerne os benefícios sociais
atribuídos às mulheres nas diversas áreas abrangidas pelo sistema de segurança
e protecção social. Tornou-se claro, nas percepções expressas no Quadro 2, que
os benefícios sociais diferem entre os países centrais e os países de
(semi)periferia, evidenciando-se que a Holanda e a Bélgica têm um sistema
social forte, mais desenvolvido e consistente, comparativamente a Portugal e à
Lituânia.
Quadro 2
Diagnóstico dos benefícios sociais atribuídos nos quatro países em discussão
Uma leitura global das representações captadas neste quadro evidencia um nível
de benefícios sociais mais elevado nos países centrais, sendo de relevar a não
aplicabilidade dos programas de qualificação/formação na Holanda, dado o bom
nível de qualificação geral das populações, mulheres e homens. Em Portugal, o
nível alto é atribuído, pelas participantes, apenas à Educação, sendo os
restantes itens classificados como médios, médio-baixos ou baixos. Nota-se
também que o nível de cobertura dos benefícios sociais é classificado como
baixo, na maior parte dos casos, na Lituânia, e apenas num nível elevado, no
que concerne o apoio à maternidade.
A visão da educação como benefício dominantemente público, tal como a visão da
saúde num patamar entre o público e o privado, foram evidenciadas pelas
participantes dos quatro países, embora não estejam incorporadas no quadro.
Sendo os benefícios da maternidade e dos centros de dia (daycare) dos que mais
afectam as possibilidades de inserção das mulheres no mercado de trabalho
optou-se por alargar um pouco a reflexão sobre os mesmos. De facto, se muitas
mulheres abandonam a carreira profissional para se dedicarem à família e à
educação dos/as filhos/as, outras permanecem nos seus postos de trabalho,
abdicando de ter famílias numerosas ou/e adiando a constituição de uma família.
Contudo, em todos os casos, a gravidez surge associada à necessidade de possuir
um capital económico que promova boas condições de vida para as crianças. Neste
sentido, a existência de subsídios de apoio a essas mesmas condições, aliadas à
hipótese de subsistir com um trabalho a tempo parcial, (apesar dos prejuízos
reais para o desenvolvimento de carreiras profissionais pelas mulheres,
posteriormente discutido neste artigo), atribuem às pessoas cidadãs dos países
centrais maior qualidade de vida do que nos países (semi)periféricos, em que os
trabalhos a tempo inteiro são necessários para a sobrevivência familiar.
Os beneficios do daycare emergem difundidos principalmente nos países do centro
que promovem leis de apoio às famílias, responsabilizando governo e
empregadores/as. Na Holanda, desde 2007, os/as empregadores/as contribuem para
a política do daycare ao atribuirem um subsídio de apoio aos/às pais/mães para
os jardins de infância. Os/As pais/mães que têm que estudar ou procuram emprego
têm acesso a este subsídio especial, pago pelo Belastingdienst, uma organização
holandesa, que sobrevive das contribuições de impostos. Também a Bélgica se
demonstra alerta para a questão da natalidade e da qualidade de desenvolvimento
infantil, realizando grandes esforços no investimento e renovação das
infraestruturas de daycare, e atribuindo um papel central às políticas de
conciliação entre o trabalho e a família para mulheres e homens.
A par da emergência desta preocupação nos países centrais de sensibilizarem os/
as empregadores/as e promoverem acções de facilitação e apoio às famílias, em
Portugal e na Lituânia este sistema é caro e pouco desenvolvido.
Especificamente em Portugal, o daycare dilui-se numa rede de sistemas públicos,
particulares e cooperativos. O sistema público de educação pré-escolar
realizado em jardins-de-infância entrou em vigor em 1980, através do Decreto-
Lei n.º 542/79, de 31 de Dezembro, procurando «contribuir para corrigir os
efeitos discriminatórios das condições socioculturais no acesso ao sistema
escolar» (art.º 1.º alínea b). Neste sistema é exigida a declaração de
rendimentos do agregado familiar a fim de definir a isenção ou redução de
pagamento. Contudo, ainda que existam estas infra-estruturas estatais, o acesso
não é facilitado nem assegurado, dada a limitação de vagas relativamente ao
nível de procura. Este constitui, ainda, um sério problema para os casais novos
com filhos/as pois, em função da sua localização de classe social e estatuto
profissional, frequentemente, não dispõem de recursos para aceder aos jardins-
de-infância privados. Daqui se pode inferir a importância do desenvolvimento
pelo governo de políticas de daycare, no sentido de baixar a taxa de
desemprego, aumentar a taxa de natalidade e, particularmente, para os nossos
propósitos, promover tanto um acesso com mais qualidade como uma progressão
mais equitária das mulheres, ao espaço público do trabalho remunerado.
A legislação de apoio à maternidade e paternidade, que permite aos casais
escolher a quem é atribuída a licença, corporiza outra política de protecção
social que está a causar mudanças nas relações de género. Apenas em Portugal os
beneficios da maternidade são considerados médios. Ainda que, a igualdade de
deveres e direitos entre pais e mães seja contemplada no art.º 68 da
Constituição da República e exigida desde 1984 pela Lei n.º 4/84, de 5 de Abril
(art.º 2.º alínea 2), que consagra que «Os pais são iguais em direitos e
deveres quanto à manutenção e educação dos filhos», só em 1999 (Lei n.º 142/99,
de 31 de Agosto) a licença da maternidade é alargada para 120 dias. Durante
todo o tempo de licença os direitos devem estar garantidos, ou seja, as mães
trabalhadoras devem receber o mesmo salário na totalidade, assim como no
periodo de gravidez também têm direito a consultas, exames e internamento
gratuito (APF, s/d). Por sua vez, os homens têm direito apenas a 5 dias de
licença de paternidade.
Já na Lituânia, conforme a Lei n.º X-1400, de 20 de Dezembro de 2007, as
licenças de maternidade são atribuídas às mulheres durante 2 anos, recebendo
estas integralmente o seu salário, e podendo, após esse período, tentar
recuperar o seu posto de trabalho. Contudo, surge a dúvida de os/as
empregadores/as as quererem (re)enquadrar, após tanto tempo de ausência e
distanciamento, numa estrutura competitiva com profissionais mais novas e
actualizadas. Na Holanda, as mulheres têm direito a 16 semanas de licença de
maternidade, seis semanas antes do nascimento e 10 pós parto, mantendo o mesmo
ordenado. Por fim, na Bélgica, as mulheres têm direito a 15 semanas de licença,
sendo que, no primeiro mês recebem apenas 82% do salário, o qual desce ainda
para 75% após essa data. (Missoc, 2006). Parece, assim, poder afirmar-se que
apesar de uma maior valorização da familia, da responsabilização parental e,
simultaneamente, da importância da permanência dos vínculos femininos com o
mercado de trabalho, ainda estamos muito distantes das grandes transformações
estruturais que seriam precisas realizar para dar resposta às necessidades das
pessoas cidadãs.
Acesso ao mercado de trabalho e progressão na carreira das mulheres
A questão do trabalho é extremamente complexa e necessita de uma análise
aprofundada que não cabe no âmbito deste artigo. Assim, optamos por focar três
aspectos que nos parecem centrais, pelo que desdobramos essa questão em três
dimensões: o acesso ao emprego, a progressão na carreira, e a qualificação
necessária para os alcançar.
Será interessante referir que, nos anos 50 na Holanda e na Bélgica, em
Portugal, até meados de 70, e na Lituânia já nos anos 80, apenas as mulheres
solteiras integravam o mercado de trabalho, estando limitadas às áreas
específicas da saúde ou educação, normalmente como enfermeiras ou professoras.
Os cargos que ocupavam permaneciam distanciados dos lugares de direcção,
ficando mais próximas da função de maternage que tradicionalmente lhes é
atribuída. Em Portugal o sector industrial e agrícola dominava a actividade
laboral das mulheres, sendo só nos anos 80, lentamente substituído pelo
desenvolvimento da economia de serviços. Esta situação expressa, uma vez mais,
um atraso relativamente aos países centrais em questão, que na mesma época já
apresentavam uma forte presença das mulheres no sector dos serviços, ideia que
reforça o estatuto de (semi)periferia da sociedade portuguesa, marcada por uma
modernidade tardia, em que conflituam e coexistem promessas da modernidade não
realizadas e princípios pós-modernos de individualização e reivindicação de
direitos culturais.
Vejamos, então, como é percepcionado o acesso ao mundo do trabalho e a
progressão na carreira pelas mulheres, nas vozes do grupo internacional, cuja
discussão permitiu a elaboração do seguinte quadro.
Quadro_3
Diagnóstico das situações de acesso e progressão das mulheres no mercado de
trabalho
Uma leitura directa do quadro permite evidenciar algumas ideias fundamentais.
Quanto ao acesso e progressão relativamente a posições de topo existe
continuidade e semelhança nos quatro países, sendo as possibilidades para as
mulheres a esse nível, baixas. Nota-se também que, conforme o nível
profissional baixa, as possibilidades de acesso sobem de modo gradual, havendo
maior amplitude no acesso, nos países centrais e menor nos países
(semi)periféricos. Relativamente às possibilidades de progressão na carreira,
existem maiores disparidades entre os quatro países. Enquanto na Lituânia e na
Bélgica se mantém a tendência verificada na categoria acesso para o aumento das
possibilidades de progressão, conforme o nível profissional baixa, na Holanda e
em Portugal as possibilidades de progressão na carreira são baixas nos níveis
de topo e nos níveis mais baixos, sendo significativamente maiores na Holanda,
quando nos situamos num nível médio de profissionalidade. Em seguida, tentamos
explicitar melhor estas similitudes e diferenças através da análise cruzada com
dados estatísticos.
A dimensão acesso reflecte-se, e é reflectida, na elevada taxa de desemprego
que atinge os quatro países, num contexto de crise económica mais generalizada.
De acordo com informação da Eurostat (2007), em dados referentes a 2006, a
Bélgica atinge um nível elevado de desemprego, 8,7% para as mulheres e 7% para
os homens, a par da Lituânia que apresenta surpreendentemente uma taxa mais
elevada de desemprego masculino (6,8%) do que feminino (5,8%). Note-se que
Portugal é o país dos quatro em questão, que maior desigualdade de género
apresenta, sendo 8.4% das mulheres marcadas pelo desemprego a par de 6,2% de
homens. A contrapor os outros estados membros, a Holanda é o país que apresenta
menor taxa de desemprego, sendo que 4,3% corresponde ao desemprego feminino e
3% masculino. A questão da empregabilidade9 prende-se também com o tipo de
emprego que é promovido. De facto, ainda que a Holanda apresente a maior taxa
de emprego feminino (67,5%), grande parte desta percentagem refere-se a
mulheres que trabalham a tempo parcial (74,7%). Também na Bélgica, são muitos
os que consideram que as mulheres preferem trabalhar a tempo parcial para
disporem de mais tempo para a família, o que ilustra uma percentagem de 42,6%
de mulheres belgas trabalhadoras em part-time. Pode entender-se, deste modo,
que o tempo parcial continua a configurar «uma modalidade socialmente
construída como feminina» (Maruani, 1991, cit. in Casaca, 2005: 67),
representando «uma forma de subemprego reservada às mulheres, fazendo parte de
um processo de pauperização invisível» (Cattanéo,1999, cit. in ibidem: 72), ou
constituindo «um gueto que acentua a lógica segregativa entre os sexos»
(Maruani, 1991, cit. in ibidem: 72).
Na Lituânia e em Portugal, a maioria das mulheres trabalha a tempo inteiro,
dada a necessidade de dois salários para dar resposta às exigências das
famílias. Apenas 11,8% das trabalhadoras lituanas trabalha a tempo parcial,
comparativamente a 15,9% de trabalhadoras portuguesas no mesmo sistema. Nos 27
países da UE a média de trabalhadoras a tempo parcial é de 31,0% para apenas
7,0% de homens (Eurostat, 2007).
Mas não será a possibilidade de ficar em casa a cuidar dos filhos e ter ainda
acesso a um trabalho a tempo parcial na esfera pública mais uma forma de
controlo e de limitação da profissionalidade das mulheres? A questão do tempo
parcial feminino, que era percepcionada no grupo como muito positiva e como uma
boa opção para lidar com o double burden, foi desconstruída e (re)significada
nos debates gerados no grupo, permitindo compreender o modo como esta, aparente
regalia pode constituir mais uma forma de discriminação, ao limitar a
construção de uma carreira profissional, em igualdade de circunstâncias com os
homens, e a consequente emancipação, independência económica e realização
pessoal. De facto, uma grande percentagem das mulheres trabalhadoras a tempo
parcial não recebe um salário suficiente que garanta a sua independência
económica, o que as mantém numa posição de subalternidade relativamente a um
homem de família, que continua a assumir, com maior ou menor sucesso, o papel
de cabeça de casal ou de ganha-pão. Limita-as, também, no desenvolvimento de
percursos de construção e investimento na carreira, situações que contribuem
para a manutenção e legitimação de relações de dominação-subordinação de
género.
Esta tensão entre dominação-subordinação remete-nos para a segunda dimensão por
nós assinalada ' a progressão na carreira. A percepção do grupo sobre as
possibilidades das trabalhadoras alcançarem posições de tomada de decisão e de
liderança surge expressa, no Quadro_3, como muito limitada em todos os países.
A dificuldade de acesso das mulheres a posições elevadas nas hierarquias
profissionais é outra limitação que se encontra no mundo do trabalho,
orientando-as e segregando-as frequentemente para sectores, ditos, femininos
que correspondem frequentemente a estatutos e salários mais baixos, como já foi
referido. Frequentemente as trabalhadoras são julgadas pelos/as empregadores/
as, colegas e clientes pela sua posição na ordem de género, mais do que pelas
suas características e competências pessoais. No que concerne a Lituânia, as
mulheres são mais frequentemente empregadas pelo sector público do que pelo
sector privado, onde os homens assumem a maioria. Em Portugal, as mulheres
sentem e vivenciam essas mesmas dificuldades, não apenas no plano horizontal,
como também no plano vertical10. Mesmo quando executam as mesmas actividades,
as mulheres tendem a permanecer nas posições mais baixas do ranking e raramente
têm acesso a posições de autoridade. Tal como podemos ver na esfera política,
por exemplo, a percentagem de mulheres no Parlamento Português é apenas de 24%,
e no Parlamento Europeu de 33%, ainda que a partir de 2003 com a Lei n.º 2/
2003, de 22 de Agosto, se afirme que «os estatutos dos partidos políticos devem
assegurar uma participação directa, activa e equilibrada de mulheres e homens
na actividade política e garantir a não discriminação em função do sexo» (CIG,
2007:117). Também, na Bélgica as mulheres tendem a concentrar-se em empregos
encabeçados por mulheres, frequentemente menos prestigiados na sociedade e com
salários mais baixos do que os de sectores, ditos, masculinos. Em discussão com
o grupo, constatou-se que a percentagem das mulheres belgas empregadas em
sectores tipicamente masculinos é muito baixa, ainda que não tenhamos tido
acesso a dados estatísticos que confirmem esta afirmação.
Ainda nesta dimensão, a importância da diferença salarial emerge como mais um
indicador da discriminação de género, aliada à dificuldade de alcançar posições
elevadas, de obter benefícios profissionais e progressão na carreira. Apesar da
União Europeia ter legislado salário igual para trabalho igual, na Holanda as
mulheres recebem menos 18% do salário dos homens pelo desempenho do mesmo
trabalho (CBS, 2007a) e na Bélgica recebem menos 7%. (ITUC, 2008). A principal
razão alegada para esta situação é a localização das mulheres em empregos a
tempo parcial, assim como a discriminação das mulheres em estruturas desiguais
de acesso à educação e a manutenção de estereótipos tradicionalmente
concebidos. De acordo com informação do GEP (2007), em Portugal as mulheres
recebem menos 15% do que os homens por cada hora de trabalho, mesmo trabalhando
a tempo inteiro, e as desigualdades salariais para trabalho igual são mantidas,
por vezes, através de subterfúgios como a designação diferente da mesma tarefa,
quando desempenhada por homens ou mulheres ou uma descrição desigual de
funções. Na Lituânia, em 1997 as mulheres recebiam 30% menos que os homens
(Sociumas, s/d), na actualidade já se verificam mudanças no sector público, de
tal modo que homens e mulheres recebem o mesmo salário, ao contrário do sector
privado que continua a favorecer os trabalhadores do sexo masculino. Constata-
se, assim, que a igualdade de género está longe de ser alcançada mesmo nos
casos em que as mulheres apresentam níveis mais elevados de qualificação e
educação.
Um último aspecto que consideramos importante abordar, concerne a qualificação
dos e das profissionais e o seu impacto na posição que ocupam no mercado de
trabalho. Actualmente somos confrontadas com o sucesso e a entrada duma maioria
de raparigas em todos os níveis de escolaridade, principalmente no ensino
superior, sucesso esse que vai na contracorrente da predominância de taxas de
desemprego feminino, como acima mencionámos.
A questão das qualificações, aliada ao desemprego, foi outra das preocupações
levantadas pelo grupo. De facto, quer na Lituânia quer em Portugal as mulheres
representam a maioria de estudantes graduados/as e a frequentar o ensino
superior 60% em ambos os países, percentagens que ganham um sentido preocupante
quando comparadas às elevadas taxas de desemprego feminino e à permanência nas
posições mais desprestigiadas e com baixos salários. De facto, ainda «que mais
escolarizadas do que os homens ' como comprova a taxa de feminização do ensino
superior ' a ordem social converte-as em mais vulneráveis aos riscos do
desemprego e de precariedade laboral» (Casaca, 2005:83). Apesar dos 8,4% de
mulheres desempregadas (Eurostat, 2007), Portugal apresenta uma das mais
elevadas taxas de emprego de mulheres com ensino superior, cerca de 92% (Eiras
e Pedro, s/d). Já, por exemplo, na Holanda, a qualificação e a educação são
muito importantes, ainda que a opção por tempo parcial predomine. As
estatísticas holandesas mostram que as mulheres com idade entre os 25-34 anos
têm maior nível de escolarização do que os homens, sendo que em 2005-2006, 56%
dos bacharéis e 53% dos mestres eram mulheres (CBS, 2007b).
A leitura dos dados parece indiciar que nos países referidos prevalecem ainda
estereótipos de género, que condicionam a prossecução de percursos
tradicionais, pelo que se torna cada vez mais pertinente combater esses modos
de estigmatização e encorajar mulheres e homens a explorar outros caminhos
educativos e relacionais, bem como modos de profissionalidade não tradicionais.
Por sua vez, isto implica a necessidade de (re)pensar e (re)significar as
dimensões do masculino/feminino e a natureza da relação público/privado.
(Re)pensando a relação entre público e privado
A hierarquização ocupacional é tida, ainda, como natural. É instrumental e
sustentada pela prossecução de uma progressão na carreira, orientada por
princípios de individualismo e sucesso individual, em contextos que estimulam a
competição, a tomada de decisão e de riscos, o produtivismo e a inovação, numa
base economicista de rentabilização das mulheres (e também dos homens) como
recursos humanos. Esta perspectiva desvia-se das possibilidades de uma política
de gestão de direitos humanos, sustentada em ideias de democracia,
reconhecimento e justiça social. Desse modo, ganha corpo um «backlash
estrutural e cultural» (Lister, 2003: 167) de resistência à transformação da
ordem de género, o qual é particularmente corporizado quer na «mobilização do
viés masculino» (ibid.), quer na reestruturação do emprego, na redefinição e
relocalização e na formulação de discursos populistas, em que prevalece a
construção ideológica genderizada tradicional «da dicotomia público-privado e
das respectivas qualidades masculinas-femininas» (ibid.), como espaços
mutuamente exclusivos, o que contribui para excluir as mulheres (Lister, 1999).
Esta divisão, ao traçar definições rígidas do masculino e do feminino, impede a
desconstrução de binómios que a corporizam e trava, por isso, a sua
transformação. Fixa, de um lado, um mundo público e masculino, associado à
universalidade e à racionalidade, à convenção, à liberdade e à igualdade em
termos de direitos civis e, de outro, um mundo privado feminino, associado à
natureza, à particularidade e à diferenciação, orientado pela e para a emoção.
Dois lados de uma moeda que efectivamente se diluem e se tocam.
Torna-se, assim, necessário ter em conta a importância do que acontece na
esfera privada, como a divisão genderizada do trabalho, para a prática da
cidadania de mulheres e homens na esfera pública, ao nível do exercício de
direitos políticos, económicos, sociais (Lister, 2003) e culturais, como
condição fundamental para desconstruir e (re)significar as relações sociais de
género. Assim, urge reformular a relação entre público e privado e a natureza
desses espaços, de par com a (re)significação das formulações de feminilidade e
de masculinidade dos seres que os habitam, como temos vindo a afirmar.
Argumenta-se, pois, em favor de uma abordagem ampla e complexa que reconheça a
interpenetração dialéctica e híbrida entre emoção e racionalidade, justiça e
cuidar, figurando um discurso que «interrogue os dualismos masculino/feminino,
que ofereça posições éticas substantivas, mas que também providencie uma
análise continuada dos seus efeitos políticos» (Blackmore, 1999: 56). Neste
quadro, reflectir sobre a limitação das mulheres quer no espaço privado da
família quer no espaço público, em particular através da divisão sexual do
trabalho e do tempo, ilumina também a necessidade de repensar estes espaços e
as suas inter-relações, a diversos níveis o que implica «a desgenderização do
significado da divisão público-privado, ( ) o reconhecimento das suas formas de
interacção ( ) e o reconhecimento da sua natureza fluida e política» (Lister,
1999: 143). Ora, esta re-articulação terá que ser sustentada numa
reconceptualização do mundo do trabalho, mais amiga-das-mulheres, que garanta,
por um lado, a realização de direitos de autonomia, integridade e independência
económica individual, potenciadores de uma efectiva tomada de decisão sobre a
participação nesses espaços e, por outro, no questionamento das demandas e
constrangimentos sociais que procuram, ainda, impor modelos de participação de
natureza hierarquizada, assentes na separação entre vida pública e privada.
Linhas conclusivas
Tendo focado de forma comparativa algumas questões centrais à localização das
mulheres no mundo do trabalho em quatro estados membros da união europeia,
procurou-se tomar subjectividades de mulheres da Lituânia, Bélgica, Holanda e
de Portugal, tendo assumido, para isso, uma perspectiva de análise qualitativa
que procura captar as vozes de sujeitos-mulher, cuja experiência e conhecimento
da própria realidade transforma em informantes privilegiados. Essas narrativas
discursivas foram trianguladas com a apresentação de dados estatísticos
essenciais, produzidos ao nível europeu e nos diferentes países e com as
concepções de autoras/es cujos contributos teóricos têm vindo a assumir
relevância na produção científica nesta área.
A análise realizada permitiu concluir acerca da existência de uma evolução
significativa na situação das mulheres nos diferentes países, com forte ligação
ao posicionamento destes no sistema mundial. Esta mudança é mais marcante nos
dois países centrais em referência onde, apesar disso, prevalecem modos de
discriminação subliminar no mundo do trabalho, mascarados de regalia social. Em
Portugal e na Lituânia, como países (semi)periféricos sujeitos a uma maior
instabilidade, há um percurso mais longo a realizar, percurso que terá de ser
traçado, e é dificultado, por um contexto de volatilização global. Denota-se
também a manutenção de uma simbólica social, nos diferentes contextos, pela
qual se legitima ainda uma forte responsabilização das mulheres pelo espaço
privado da família, apesar das alterações quer na natureza dessa estrutura,
quer numa certa diluição dos papéis desempenhados pelos diferentes membros, no
seu seio, face à emergência de novas masculinidades e feminilidades.
Por outro lado, a situação de acesso e sucesso das mulheres no mercado de
trabalho, em que está patente cada vez mais a presença feminina em contextos
tradicionalmente masculinos, e vice-versa, parece ainda marcada pelo prevalecer
de uma ideologia masculina, a que se parecem associar ideias de maior
competitividade e capacidade de gestão eficaz do mundo do trabalho, à «boa»
maneira dos velhos estados patriarcais. Nesse sentido, cabe ainda às mulheres
desbravar o terreno frequentemente infértil do trabalho assalariado e do
reconhecimento público, o que poderá levar ao desenvolvimento pelas mulheres de
relações estratégicas com o mundo do trabalho que parecem desviar-se de
efectivas possibilidades de autonomia e de empowerment, e acabar por resumir-se
à procura de gestão hábil, em benefício alheio e com sacrifício próprio, da
sobrecarga de tarefas com que têm que lidar.
É de relevar o esforço desenvolvido pelos diferentes estados e pela UE,
particularmente através de legislação que procura promover a igualdade entre
mulheres e homens, numa perspectiva de equidade social. No entanto, o
enquadramento social das mulheres através de políticas sociais, especificamente
a elas dirigidas ou vocacionadas para as famílias, e a criação de instituições
de apoio às famílias, parecem carecer de uma real escuta das vozes das
mulheres, centrando-se ainda em ideias de homogeneidade do ser feminino que
ocultam a sua diversidade e limitam o seu potencial como cidadãs, com direito
de escolha de estilos de vida e de ocupações, com direito ao lazer e com
disponibilidade para querer participar na tomada de decisão política, a todos
os níveis.
Num tempo de globalização económica, política e cultural de que a precariedade
e instabilidade do mundo do trabalho são exemplares, pondo em risco não só a
qualidade de vida mas mesmo a sobrevivência de muitas pessoas, particularmente
mulheres, a definição legal de direitos não parece conseguir abarcar as
necessidades de grandes blocos da população nem transformar a vida do
quotidiano de grande número de pessoas. Assim, entende-se que a definição de
políticas efectivas pelos estados membros, no confronto com a especificidade e
diversidade das necessidades das pessoas cidadãs, e pela União Europeia terá
que abranger de forma compreensiva as variadas faces do problema do trabalho
das mulheres, como problema que afecta tanto mulheres e homens como o seu
potencial de (con)vivência e de transformação democrática. Será necessário
articular as divisões de tempo entre trabalho e família, o trabalho do cuidar,
a natureza das carreiras profissionais e do mundo do trabalho, e os sucessivos
obstáculos à ocupação pelas mulheres do espaço público, que referimos, tendo em
conta formas mais amplas de reestruturação dos locais de trabalho que promovam
a construção de uma interdependência humana mais efectiva e que não mascarem
situações de perda de direitos de cidadania.
Para além das questões de redistribuição que condicionam profundamente um mundo
subordinado aos ditames da economia, a inclusão de perspectivas de justiça e de
reconhecimento, sustentadas numa flexibilização e reorganização do emprego, na
transformação da natureza da cultura do trabalho, bem como o maior
desenvolvimento de políticas de suporte às famílias, através de centros de
apoio para crianças, jovens e pessoas idosas, e do fornecimento de subsídios a
mães trabalhadoras que lhes permitam custear esses serviços, são algumas das
medidas que poderiam potenciar a melhoria da situação de muitas mulheres, nos
diferentes países, reforçando a democracia.