Determinação permanganimétrica de íons Fe3+ com o uso de zinco metálico como
redutor - uma contribuição ao ensino de química analítica
INTRODUÇÃO
A titulação volumétrica de íons Fe2+ com íons permanganato é realizada há
décadas e consta de tratados como método de rotina, sendo essa titulação
rápida, simples e didaticamente explorada pois envolve uma série de reações de
óxido-redução1-5 . Na metodologia, íons Fe3+ são reduzidos a íons Fe2+, em meio
ácido ácido a quente, pela adição de solução de SnCl2 gota-a-gota até
desaparecimento da coloração amarela da solução; em seguida, solução de HgCl2
em excesso é adicionada com a finalidade de oxidar Sn2+ a Sn4+ e um volume de
solução contendo mistura de MnSO4 e H3PO4 (Zimmermann-Reinhardt) é adicionada
objetivando evitar a oxidação de íons Cl- por íons MnO4- e formar um complexo
incolor com o Fe3+. A seguir, os íons Fe2+ são titulados com solução de íons
permanganato1-5. As reações abaixo, (a), (b) e (c), evidenciam a metodologia.
(a)
<formula/> (b)
<formula/> (c)
Esta titulação clássica apresenta muitos problemas: a visualização do ponto
final não é tão simples porque a coloração rosa, devido ao excesso de íons
MnO4-, é instável e também pode sofrer mascaramento devido à suspensão de
Hg2Cl2; e, o que é muito importante, as soluções tituladas não podem ser
jogadas em esgoto porque contém os poluentes HgCl2 e Hg2Cl2. Essas soluções,
antes de serem descartadas, têm que sofrer tratamento e o mercúrio precisa ser
recuperado, o que não é tarefa simples.
O procedimento analítico acima também não está livre de interferências de
alguns íons comuns, como NO3-, o que não consta nos livros-texto.
Com a finalidade de superar estes problemas, reestudou-se o uso de zinco
metálico como redutor de Fe3+.
HISTÓRICO
A reação entre Fe2+ e MnO4- foi primeiramente estudada em 1846 por
Margueritte6, sendo logo notada a possibilidade de determinação volumétrica de
íons Fe2+. Contudo, como, em geral, tem-se íons Fe3+ nas matrizes, os estudos
se direcionaram à redução de Fe3+ a Fe2+. Jones7 estudou a redução de Fe3+
usando uma coluna contendo zinco metálico e, mais tarde, amálgama de zinco,
revisados mais tarde por Shimer8. No mesmo período, Meineke9 apresentou uma
opção na redução de Fe3+ usando SnCl2/HgCl2. Skrabal10 usou zinco metálico a
frio na redução.
Concomitantemente, os pesquisadores estavam preocupados com a interferência de
íons cloreto na determinação de Fe2+ com MnO4-. Zimmermann11 baseando-se nas
observações de Fresenius12 concluiu que uma elevada concentração de Mn2+
adicionada à solução de Fe2+ contendo Cl- evitava a oxidação de Cl- por íons
MnO4-. Porém, permanecia o problema visual na determinação do ponto final da
titulação pois, à medida em que íons Fe2+ eram oxidados a Fe3+ a cor amarela da
solução se intensificava, perturbando a visualização do ponto final da
titulação. Reinhardt13 resolveu o problema, adicionando uma solução concentrada
de H3PO4, o qual forma um complexo incolor com Fe3+. Assim, a solução de
Zimmermann-Reinhardt passou a ser usada nas titulações de Fe2+ com MnO4-.
Quanto aos redutores, os reagentes SnCl2/HgCl2 passaram a ser adotados desde
então nas titulações pois a redução de Fe3+ podia ser efetuada a frio, de
maneira simples, sendo que, o zinco metálico à temperatura ambiente, apesar de
reduzir quantitativamente Fe3+ a Fe2+, o seu excesso em solução ocasionava
erros positivos nas determinações.
O presente estudo mostra a possibilidade de substituição de SnCl2/HgCl2 com
vantagens, abrangendo o uso de zinco metálico a quente, o que não havia sido
efetuado ainda, incluindo a eliminação da interferência de íons NO3-.
O Uso de Zn Metálico a Quente e a Interferência de Íons No3-
Quando presentes, íons NO3- são reduzidos, não quantitativamente, pela solução
de SnCl2 a hidroxilamina14 e esta é oxidada por íons MnO4-, resultando em
elevado êrro positivo na titulação. A reação (d) abaixo, mostra a redução de
NO3- a NH2OH.
<formula/> (d)
A fim de se evitar os problemas mencionados acima, as soluções de SnCl2 e HgCl2
foram substituídas por zinco metálico, a quente, o qual solucionou os problemas
e inconvenientes apontados. O zinco metálico reduz quantitativamente íons Fe3+
a Fe2+ a frio1,5, como representado na equação (e). A reação deve ser também
quantitativa se a solução de íons Fe3+ for passada através de coluna contendo
redutor de Jones (amálgama de zinco).
<formula/> (e)
A redução de íons NO3- por Zn metálico em meio ácido a frio (temperatura
ambiente) ou passando a solução contendo íons NO3- através de redutor de Jones
(amálgama de zinco) produz uma mistura não estequiométrica de íons NO2-, NH2OH
e íons amônio1-5,15,16. Assim, se a solução de íons Fe3+ em meio ácido contiver
íons NO3-, ao ser tratada por Zn metálico a frio ou passada através de coluna
contendo amálgama de zinco, a titulação da solução resultante com íons MnO4-
resultará em erro positivo, pois íons NO2- e NH2OH serão também oxidados. As
reações (f), (g) e (h) representam a redução de íons NO3- por Zn metálico na
mistura mencionada.
<formula/> (f)
<formula/> (g)
<formula/> (h)
Diversos livros-texto1,5,15,16 nada mencionam acerca da reação entre íons NO3-
e Zn metálico a quente. Enfatizam apenas o uso do redutor de Jones em
determinações volumétricas de íons Fe3+ e salientam que quando houver íons NO3-
presentes, a solução deve ser aquecida com H2SO4 concentrado até eliminação
total de HNO3 antes da passagem da solução resultante, após diluição, pelo
amálgama de zinco1,5. O processo com o uso de redutor de Jones é moroso e
conduz a diluições excessivas da solução final pelas lavagens inevitáveis da
coluna.
No presente trabalho comprovou-se que Zn metálico reduz quantitativamente íons
NO3- em meio ácido a quente a NH4+ e, através de posterior destilação de NH3 em
meio alcalino, recolhido em HCl padronizado e titulação do excesso de ácido,
comprovou-se recuperação de 100%.
Portanto, uma solução aquosa ácida que contém íons Fe3+ e NO3-, ao ser tratada
com Zn metálico, a quente, resulta quantitativamente íons Fe2+ e NH4+, sendo o
excesso de Zn metálico consumido pelo excesso de ácido. Com esse procedimento,
a solução torna-se transparente, sem nenhuma suspensão e o ponto final pode ser
facilmente identificado. A solução titulada não apresenta nenhum poluente
tóxico, como os compostos de mercúrio e pode ser jogada no sistema de esgoto
após simples acerto conveniente de pH e diluição. Em adição, o uso de zinco
metálico a quente aumenta significativamente a reprodutibilidade das
determinações.
PROCEDIMENTO
Uma alíquota de 25,00 mL de solução contendo cerca de 0,1 mol L-1 Fe3+ (pH
entre 1 e 2, contendo HCl, H2SO4 ou HNO3) é transferida a um Erlenmeyer e cerca
de 1,5 g de zinco metálico em pó, grau analítico, são adicionados. A solução é
agitada e aquecida até início de ebulição. Se a solução apresentar turvação
(zinco metálico remanescente ou Fe(OH)3 iniciando a precipitação), adicione 5,0
mL de solução de H2SO4 3,0 mol L-1 e aqueça novamente a solução; ao iniciar a
ebulição, a solução deverá estar transparente. Resfrie o Erlenmeyer à
temperatura ambiente, cobrindo-o com vidro de relógio; a seguir, adicione 15 mL
da solução de Zimmermann-Reinhardt1-5, 25 mL de água destilada e titule com a
solução padronizada de íons MnO4- 0,02 mol L-1 até que uma coloração rósea
nítida se mantenha em solução.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O procedimento usando-se zinco metálico a quente apresenta melhor
reprodutibilidade que o procedimento clássico SnCl2/HgCl2, como se pode ver na
tabela_1. Utilizou-se uma solução de FeCl3 (0,1141 ± 0,0034) mol L-
1 padronizada gravimetricamente.
A interferência de íons NO3- é evidente, com erro positivo de 5,8%, quando se
usa o procedimento com SnCl2/HgCl2, como se pode ver na tabela_2.
Usando-se o procedimento com zinco metálico a quente, a interferência de íons
NO3- é evitada, como se pode ver na tabela_3.
Pedagogicamente, o procedimento com o uso de zinco metálico atinge também o
objetivo, pela manutenção do uso da solução de Zimmermann-Reinhardt (MnSO4 +
H3PO4).
Na titulação volumétrica de íons Fe3+, ambas metodologias, usando-se SnCl2/
HgCl2 e zinco metálico a quente foram comparadas pelos estudantes do Instituto
de Química da Universidade de São Paulo em dois anos sucessivos e os resultados
mostraram um desvio padrão menor com o uso de zinco metálico, como previamente
mostrado, o que pode ser visto na tabela_4.
Como se percebe na tabela_4, o desvio padrão obtido pelos alunos é similar ao
obtido em estudos anteriores (Tabelas_1 e 3) e é muito pequeno (± 0,6%)
comparado com o desvio padrão obtido pelo método clássico, usando-se SnCl2/
HgCl2 (± 2,0%).
Considerando-se que o método com zinco metálico é melhor que o clássico SnCl2/
HgCl2 sob todos os pontos de vista na titulação de íons Fe3+ com íons MnO4-, os
cursos de graduação do Instituto de Química da Universidade de São Paulo
adotaram-no a partir de 1994.