Esofagectomia laparocópica transhiatal: resultados imediatos
ARTIGO ORIGINALORIGINAL ARTICLE
Esofagectomia laparocópica transhiatal: resultados imediatos
Laparoscopic transhiatal esophagectomy: outcomes
Renam Catharina Tinoco; Augusto Cláudio Tinoco; Luciana Janene El-Kadre;
Rodrigo Amaral Rios; Daniela Mendonça Sueth; Felipe Montes Pena
Correspondência
INTRODUÇÃO
Em todo o mundo, o câncer de esôfago é a sexta maior causa de morte por
neoplasia. Em 2003, 13.900 novos casos foram registrados nos EUA com 13.000
óbitos. Essa alta taxa de mortalidade explica-se pelo fato de que mais de 50%
dos pacientes apresentam tumor inoperável no momento do diagnóstico. Os
principais tipos histológicos são carcinoma epidermóide e adenocarcinoma, sendo
o primeiro com taxa de incidência superior, embora nos EUA haja uma
equivalência entre ambos. Os principais fatores de risco são o tabagismo e o
etilismo, sendo os homens mais acometidos que as mulheres(4, 23).
A esofagectomia transhiatal para doença benigna ou maligna do esôfago é
cirurgia complexa, associada a altas taxas de morbimortalidade. Nas últimas
décadas ganhou popularidade e aceitação com ORRINGER(21).e PINOTTI et al.
(23)para tratamento do câncer de esôfago. Em nosso meio, a esofagectomia sem
toracotomia foi publicada por FERREIRA(7, 8, 9) e iniciada no serviço, em 1982,
por TINOCO et al.(30, 31).
A necessidade de diminuir as complicações per e pós-operatórias favoreceu o
desenvolvimento de técnicas minimamente invasivas(20, 26, 29, 33, 34), como a
esofagectomia laparoscópica transhiatal (ELTH), inicialmente descrita por
DePAULA et al.(3) e, a seguir, por SWANSTRONM et al.(27)
A cirurgia laparoscópica é considerada padrão-ouro para colecistectomia e
hernioplastia hiatal. Suas vantagens incluem morbidade, dor e permanência
hospitalares menores(21, 22, 27, 28, 29, 30).
O objetivo deste trabalho foi avaliar aspectos das complicações per e pós-
operatórias e da evolução dos pacientes submetidos a ELTH no Serviço de
Cirurgia Geral e Laparoscopia do Hospital São José do Avaí, em Itaperuna, RJ.
MÉTODOS
No período de novembro 1993 a junho 2005, 64 pacientes foram submetidos a ELTH
por neoplasia esofagiana. Houve predomínio do sexo masculino (81%), com média
de idade de 56,5 anos (29-73 anos). A apresentação clínica e os hábitos sociais
dos pacientes estão demonstrados nas Tabela_1 e 2, respectivamente, e o estádio
da doença no momento do diagnóstico na Tabela_3. A análise histopatológica
demonstrou 46 casos de carcinoma epidermóide (72%) e 18 de adenocarcinoma
(28%). A localização primária do tumor era assim distribuída: 2 casos (3,2%) se
encontravam no terço superior do esôfago, 32 (50%) no terço médio e 30 (46,8%)
no terço inferior.
A abordagem dos pacientes era feita com a realização de radioterapia e
quimioterapia neo-adjuvantes, segundo mostra a Figura_1 e a avaliação pré-
operatória incluiu endoscopia digestiva alta com biopsia, estudo radiológico de
tórax e contrastado do trato gastrointestinal superior, tomografia
computadorizada axial de tórax e abdome e, em casos de tumores localizados nos
segmentos médio e superior do esôfago torácico, broncoscopia.
O procedimento foi realizado sob anestesia geral com o paciente em decúbito
dorsal e hiperextensão lateral direita cervical. O cirurgião e a câmera ficaram
à direita do paciente. O primeiro e segundo auxiliares posicionaram-se à
esquerda. Os monitores foram colocados na cabeceira do paciente,
bilateralmente. O pneumoperitônio foi realizado através de punção abdominal,
com agulha de Veress, em incisão de 1 cm superior a cicatriz abdominal. A ótica
de 30° foi colocada através de trocarte de 10 mm na incisão supra-umbilical.
Com visão direta foram colocados quatro trocartes: um de 10 mm na linha
hemiclavicular esquerda, a 4 cm do rebordo costal, e um na linha axilar
anterior esquerda, a 5 cm da reborda costal, na região epigástrica, abaixo do
apêndice xifóide, trocarte de 5 mm, para afastamento hepático, e um último na
região hemiclavicular direita, a 5 cm da reborda costal.
Foi realizada ultra-sonografia laparoscópica para avaliar a existência de
metástases hepáticas não diagnosticadas no pré-operatório. Confirmada a
indicação de ressecção, o esôfago distal foi isolado com fita cardíaca fixada
com dois clipes. A dissecção esofágica transhiatal foi cranial. Na ligadura da
artéria e veia gástrica esquerdas foram utilizados clipes. A tesoura ultra-
sônica foi utilizada para liberação do pequeno omento, ligadura dos vasos
curtos gástricos e vasos gastroepiplóicos esquerdos, o grande omento até a
visualização dos vasos gastroepiplóicos direitos. As aderências da parede
gástrica foram liberadas para facilitar a mobilidade do tubo gástrico. A
irrigação da grande curvatura foi mantida pelos vasos gastroepiplóicos
direitos. Foram retirados os linfonodos celíacos, não sendo realizada a
linfadenectomia mediastinal.
Foi realizada cervicotomia esquerda para o isolamento do esôfago proximal com
fita cardíaca, com dissecção digital do esôfago cervical de forma descendente,
até o encontro da dissecção laparoscópica ascendente. Seccionado o esôfago
cervical e por laparoscopia, o esôfago seccionado foi tracionado juntamente com
a fita cardíaca para a cavidade abdominal. O portal da linha hemiclavicular
esquerda foi ampliado em aproximadamente 4 cm para retirada da peça cirúrgica.
A incisão cirúrgica foi protegida com tubo plástico. Este foi confeccionado por
via extracorpórea, utilizando-se duas cargas do grampeador linear 60, da
incisura angular, até o ângulo esôfago-gástrico. O tubo gástrico foi fixado
novamente à fita oriunda do pescoço e reintroduzido na cavidade peritonial. Foi
realizada síntese da incisão de 4 cm, introduzido o trocarte de 10 mm e refeito
o pneumoperitônio. A seguir, a fita foi tracionada juntamente com o tubo
gástrico até a cervicotomia. Foi realizada esofagogastroanastomose em plano
único com fio, ácido poliglicólico, de 3,0, posicionando-se sonda nasoenteral.
Pelo acesso laparoscópico, foi realizada piloroplastia extramucosa.
RESULTADOS
A esofagectomia transhiatal por via laparoscópica em casos de neoplasia
esofagiana foi iniciada em 64 pacientes. O índice de conversão foi de quatro
casos. A duração média da operação foi de 153 minutos. O tempo médio de
permanência hospitalar foi de 6,9 dias e a mortalidade em 30 dias de 5,6%.
As intercorrências intra-operatórias incluíram lesão pleural em 11 pacientes
(havendo lesão bilateral em 2 casos), lesão do nervo laríngeo recurrente em 1
(1,56%), e em outro (1,56%), foi necessária transfusão de três unidades de
hemácias.
No período pós-operatório, nove pacientes (14,06%) evoluíram com fístula da
anastomose cervical, sendo realizado tratamento conservador em 100%, sendo
utilizada nutrição parenteral. Houve estenose da anastomose em 10 pacientes
(15,62%) e infecção de parede abdominal em 7 (10,93%). Houve menor uso de
substâncias analgésicas nesses pacientes comparando com o habitual, havendo
deambular precoce já no primeiro dia pós-operatório. A alta hospitalar foi em
6,46 dias nos pacientes que não apresentaram fístula, nem necessitaram de
nutrição parenteral.
No total se contabilizaram três óbitos. As causas foram variadas: um paciente
do sexo masculino, apresentou no pós-operatório pneumotórax à direita, sendo
tratado com drenagem pleural. Durante esse procedimento, houve perfuração
acidental do tubo gástrico e o paciente foi reoperado com indicação de
gastrostomia no coto gástrico, que evoluiu com sepse e foi a óbito. Outro,
também do sexo masculino de 62 anos de idade, evoluiu com empiema pleural
bilateral, necessitando de tempo prolongado em unidade de terapia intensiva por
16 dias, com dependência do respirador e traqueostomia. Este paciente
posteriormente foi a óbito com quadro de infecção respiratória.
DISCUSSÃO
A esofagectomia é operação complexa com elevada taxa de complicações per e pós-
operatórias(3, 6, 15, 30, 31) e índice de mortalidade que varia de 5% a 19%(3,
20, 31). A via de acesso ideal não é consenso(3, 31). Da mesma forma, não está
estabelecido o melhor tratamento para a doença maligna do esôfago(5, 13, 17,
24, 28). A mortalidade da esofagectomia por câncer apresentou importante
declínio na última década, com menores valores (11% ± 8%) encontrados em casos
de cirurgia realizada por via transhiatal(22, 31). Os avanços de técnica
cirúrgica e no preparo do doente determinaram melhores resultados. A incidência
de refluxo gástrico foi reduzida com a anastomose na região cervical(16), que
também determina maior incidência de fístula e lesão do nervo laríngeo
recurrente(29).
Em esforço para reduzir complicações e permitir recuperação mais rápida,
acessos minimamente invasivos têm sido descritos. Suas desvantagens incluem
custo elevado e longa curva de aprendizado(6, 9, 11, 14, 22, 31).
A esofagectomia convencional é realizada com laparotomia e dissecção
transhiatal ou laparotomia e toracotomia, procedimentos esses com elevada
morbimortalidade(31). Na abordagem transhiatal por via laparoscópica não é
necessário o reposicionamento do doente e a intubação seletiva, a perda
sangüínea é menor assim como o tempo de permanência hospitalar, sem necessidade
de UTI, quando comparado à esofagectomia convencional, contrariando alguns
autores que informam ser a permanência hospitalar ainda longa. A presente
casuística demonstrou que o procedimento proporcionou menos ocorrência de dor
no pós-operatório e menor índice de repercussões cardiorespiratórias,
corroborando com a literatura(19, 20, 27, 28, 31). A esofagectomia transhiatal
laparoscópica é possível na maioria dos pacientes que necessitam de ressecção
esofágica e pode ser realizada com maior segurança e menor índice de
complicações comparada com as transtorácicas convencionais. A mortalidade em 5
anos é diferente no oriente, segundo ANDO et al.(1) e ocidente, segundo
TURNBULL e GINSBERG(32) e ORRINGER(21), sendo maior no primeiro.
Na presente série, observou-se menor tempo operatório, sendo essa diminuição
correspondente à evolução da curva de aprendizado, conforme já citado na
literatura(6, 9, 14, 22). NGUYEN et al.(19) relatam que não houve diferença
significativa na incidência de fístula anastomótica ou complicações
respiratórias, quando comparada à esofagectomia transhiatal ou transtorácica
convencional.
A dissecção periesofagiana laparoscópica transhiatal é realizada com exatidão,
possibilitando a linfadenectomia da cadeia celíaca, tornando-se a operação
tecnicamente eficaz, porém necessitando de habilidade cirúrgica e longa curva
de aprendizado, como previamente referido(14, 31)
CONCLUSÃO
A esofagectomia laparoscópica transhiatal é opção segura em centros com
experiência em cirurgia esofágica e cirurgia laparoscópica avançada. A
morbidade é menor, com recuperação mais rápida e retorno às atividades
habituais precocemente. Certamente esta via de acesso deve ser considerada no
tratamento das afecções do esôfago.