Cuidadores de idosos e o sistema único de saúde
ENSAIO/ESSAY/ENSAYO
Cuidadores de idosos e o sistema único de saúde
Caretakers of the elderly and the Public Health System (SUS)
Cuidadores de ancianos y el Sistema Único de la Salud
Ana Cristina Passarella Brêtas
Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Professora adjunto do Departamento de
Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo, E-mail: jbretas@uol.com.br
1 Introdução
O material que neste momento torno público tem por objetivo traçar algumas
considerações teóricas, conceituais e políticas sobre a temática cuidadores de
idosos. Foi escrito sob a ótica da enfermeira sanitarista que trabalha com
idosos e compreende que este tema não tem apenas a dimensão privada, ele também
é uma questão pública, foco de políticas públicas, portanto requer respostas
imediatas às demandas individuais e sociais postas no que tange ao cuidado
prestado aos idosos, fundamentalmente àqueles dependentes do Sistema Único de
Saúde (SUS) - por opção e/ou por necessidade.
O texto está estruturado em quatro tópicos. No primeiro discuto com brevidade
as interfaces das áreas temáticas Envelhecimento e Saúde com vistas a situar o
campo teórico onde localiza-se o tema proposto. No segundo apresento o SUS como
cenário da discussão sobre a questão do cuidador de idosos. No terceiro destaco
alguns paradigmas referentes ao cuidado enquanto uma atitude humana e trago
para a discussão a figura do cuidador de idosos. Finalmente no quarto procuro
associar os conceitos discutidos à guisa de efetuar as considerações finais.
2 Envelhecimento e Saúde: um convite à reflexão.
O envelhecimento é um processo complexo, pluridimensional, revestido não apenas
por perdas mas também por aquisições individuais e coletivas, fenômenos
inseparáveis e simultâneos. Por mais que o ato de envelhecer seja individual, o
ser humano vive na esfera coletiva e como tal, sofre as influências da
sociedade. A vida não é só biológica, ela é social e culturalmente construída,
portanto pode-se dizer que os estágios da vida apresentam diferentes
significados e duração. Entendo que o envelhecimento é um fenômeno natural e
processual, compreendido como o processo de vida, ou seja, envelhecemos porque
vivemos, muitas vezes sem nos darmos conta disto. O processo de envelhecimento
contém, pois, a fase da velhice mas não se esgota nela. A qualidade de vida e,
consequentemente, a qualidade do envelhecimento relacionam-se com a visão de
mundo (mentalidade) do indivíduo e da sociedade em que ele está inserido, bem
como com o "estilo de vida" conferido a cada ser e é nesse contexto que busco
compreender o processo de envelhecimento e sua relação com a saúde individual e
coletiva (1) e consequentemente com o cuidado enquanto uma atitude para a
manutenção da vida.
Buscando situar a Saúde enquanto campo teórico optei pela utilização do
referencial de Canguilhem, que propõe que em se tratando de defini-la é
necessário partir da dimensão do ser, pois é neste contexto que ocorrem as
definições do que é normal ou patológico. O que é considerado normal em um
indivíduo pode não ser para outro; não há rigidez nesse processo, "a fronteira
entre o normal e o patológico é imprecisa para diferentes indivíduos
considerados simultaneamente, mas é perfeitamente precisa para um único e mesmo
indivíduo considerado sucessivamente" (2:145).
Assim podemos ir deduzindo que o ser humano precisa se auto conhecer, necessita
saber avaliar as transformações que o seu corpo sofre e identificar os sinais
expressos por ele. Este processo é viável apenas na perspectiva relacional, uma
vez que o normal e o patológico só podem ser apreciados numa relação.
Considerando essa dimensão nas práticas de saúde, os profissionais de saúde
precisam estar preparados para atender as particularidades individuais, mesmo
em situações que demandem ações coletivas.
Destaco que o que caracteriza a saúde "é a possibilidade de ultrapassar a norma
que define o normal momentâneo, a possibilidade de tolerar infrações à norma
habitual e de instituir normas novas em situações novas". Desta forma pode-se
afirmar que "estar em boa saúde é poder cair doente e se recuperar; é um luxo
biológico". Onde "(...) a possibilidade de abusar da saúde faz parte da saúde"
(2:158).
Nesta dimensão a saúde expressa um sentimento de segurança na vida, uma vez que
representa "uma maneira de abordar a existência com uma sensação não apenas de
possuidor ou portador, mas também, se necessário, de criador de valores, de
instaurador de normas vitais" (2:163). A saúde torna-se a capacidade que o ser
humano tem de gastar, consumir, a própria vida, sendo que não sente o bem-
estar, pois esse é a consciência de viver, é o seu impedimento que provoca a
reação do indivíduo com vistas a restabelecê-lo (2). Vale destacar que a vida
não admite a reversibilidade, ela aceita apenas reparações. Cada vez que o
indivíduo fica doente esta reduzindo o poder que tem de enfrentar outros
agravos, ele gasta o seu seguro biológico, sem o qual não estaria nem mesmo
vivo.
Mesmo pensando em saúde nas dimensões do coletivo e do planeta é imprescindível
considerar o indivíduo como ponto de referência. Só existe o social e o
planetário porque existe o ser. Pensemos o envelhecimento nesta lógica: por
mais que se aborde a perspectiva populacional, quem envelhece é o indivíduo e
como tal deve ser considerado. A maneira como cada ser na sua especificidade
"gasta" a vida será o delimitador da qualidade do envelhecimento, vivemos
porque consumimos vida. Quem não consome a vida não a tem, não envelhece,
simplesmente porque não existe enquanto ser. "A utopia do corpo conservado para
sempre só se realiza com a mumificação. Dura-se para sempre, só que à custa do
movimento, do prazer, da dor e da vida " (3:33).
Acredito que a cidadania é obtida plenamente quando o indivíduo conhece o seu
próprio corpo e a partir daí passa a ter condições para praticar e reivindicar
ações que assegurem a qualidade da sua existência. Assim, visualizo o
profissional da saúde, como alguém capaz de instrumentalizar, mediante práticas
de saúde, os usuários e excluídos do sistema de saúde sobre o funcionamento do
corpo, ampliando as possibilidades de sobrevivência e de qualidade de vida dos
seres humanos por ele assistidos(2).
Nesta linha de reflexão a saúde pressupõe uma certa capacidade de utilização de
instrumentos naturais e artificiais - socialmente construídos, como o foram a
Clínica e a Saúde Pública - com o intuito de afastar a dor, o sofrimento e a
morte,onde o objetivo de todo o trabalho na área da saúde se direcionasse para
ampliar a capacidade de autonomia dos clientes. As instituições de saúde
deveriam existir tanto para ajudar cada cliente a melhor utilizar os recursos
próprios, partindo sempre do reconhecimento da vontade e desejo de cura de cada
um, como para lhes oferecer recursos institucionais também voltados para
melhorar as condições individuais e coletivas de resistência à doença (3).
Pensar em autonomia dos seres na ótica da saúde e do envelhecimento remete-nos
a duas reflexões: a primeira implica em visualizar não só o usuário dos
serviços, mas também o profissional da saúde como seres autônomos, portanto
capazes de gerir sua própria vida; a segunda introduz no tema a noção de auto-
cuidado como uma maneira dos indivíduos assumirem para si o controle do seu
próprio corpo, no entanto sem desresponsabilizar o Estado do seu dever com a
saúde, no sentido de prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício
(4).
O ser humano se distingue dos animais pelo fato de existir além de viver, ou
seja, vive obedecendo e questionando um sistema de regras socialmente
instituídas. Nesta perspectiva dialética do viver - existir, existir - viver, a
dimensão do auto-cuidado assume um significado importante, pois é por meio dele
que o ser mantêm seu corpo vivo, sua saúde egarante a sua existência (5). A
possibilidade da manutenção do auto-cuidado durante todo o processo de vida é
condição básica para um envelhecimento bem sucedido, visto que a integridade
física e psíquica do corpo, representadas pela capacidade de autonomia do ser
humano no desenvolvimento de habilidades cognitivas, controles fisiológicos do
organismo e controles emocionais, é o marco delimitador entre o processo de
envelhecimento saudável e o patológico, além do que a perda desses controles e
capacidades leva a estigmatização das pessoas idosas (6).
Desta forma um grande desafio posto para os profissionais da saúde que
trabalham com o processo de envelhecimento é saber discernir como se pode
cuidar sem possuir. Em outras palavras, "como cuidar sem anular a autonomia do
cliente?"(5:55).
Pretendo trazer a discussão sobre cuidadores de idosos para este campo teórico
onde os conflitos e as contradições emergem à luz das reflexões do
envelhecimento enquanto processo vital e, da saúde como a capacidade de consumo
da vida. Nesta ótica o cuidado assume a dimensão da manutenção da vida durante
todo o processo de envelhecimento, neste caso em particular na fase da velhice,
onde a meta é preservar a autonomia do ser assegurando o autocuidado,
introduzindo o cuidador de idosos no cenário apenas quando necessário,
respeitando ao máximo a capacidade de tomada de decisão do geronte a ser
cuidado.
3 SUS: (re)vendo caminhos.
Como já mencionado o cenário deste ensaio é o SUS, local onde ocorre o
enfrentamento dos paradigmas da saúde e portanto os relativos à saúde dos
idosos.
Considero a Saúde como um campo ideológico, historicamente concebido e que
espelha o resultado das políticas sociais e econômicas adotadas pelos países e
ditadas por agrupamentos econômicos internacionais. Pode-se afirmar que a área
da saúde veicula interesses e visões de mundo diversos, produto de conflituosas
relações sociais construídas por atores e atrizes políticos com distintos
projetos e objetivos. Majoritariamente identifico a disputa entre dois grupos
ideológicos, um representado pelo pensamento neoliberal que defende o modelo
privativista e elitista das práticas de saúde, com ênfase na utilização de
tecnologia de ponta, o outro, construído à luz do socialismo, idealiza um
sistema de saúde público, eqüânime, de alcance coletivo. Desta forma, a saúde
não é um campo neutro mas um campo de saber portanto local de disputa de
relações de poder (7).
Vale destacar que o SUS tem suas raízes históricas nas lutas sociais dos anos
70 e 80 e surge como uma conquista envolvendo movimentos populares,
trabalhadores da saúde, usuários, intelectuais, sindicalistas e militantes dos
mais diversos movimentos sociais fundamentados no paradigma da saúde pública
(8). Pode-se afirmar que se constitui "na mais importante e avançada política
social em curso no país" (9:141). É formado pelo conjunto de todas as ações e
serviços de saúde prestados por órgãos e instituições públicas federais,
estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das fundações
mantidas pelo Poder Público. À iniciativa privada é permitido participar deste
sistema de maneira complementar (10).
O SUS está consolidado na Constituição Federal de 1988, na Lei Orgânica de
Saúde (8080/90), na Lei Federal 8142/90 e por outras legislações. Tem por
princípios básicos a universalidade, eqüidade e integralidade nos serviços e
ações de saúde, a descentralização dos serviços, regionalização e
hierarquização da rede e participação social.
A sua implantação/ implementação no país tem ocorrido de forma desigual, se em
algumas cidades brasileiras já é possível colher o fruto do bom trabalho
plantado, em outras, infelizmente, a sua operacionalização ainda deixa muito a
desejar. Destaco que o problema não está no sistema em si como esbravejam parte
da mídia e dos porta-vozes do neoliberalismo, mas na escassez de vontade
política, no imobilismo assustador de alguns profissionais de saúde, na
ausência de controle social atuante para efetivá-lo - pontos possíveis de
revisão e intervenção.
Acredito e defendo o SUS como um sistema público e democrático de assistência à
saúde, entretanto não faço de forma passional e irresponsável, sei que ainda
temos um longo caminho para efetivar os seus princípios. No que tange aos
idosos nem sempre o acesso universal à saúde está assegurado, não é rara a
entrada no serviço pelas portas dos pronto socorros. A ausência da capacitação
de profissionais na área da Gerontologia/ Geriatria também é uma realidade,
implicando em enfoques equivocados de assistência.
Situo nesta reflexão a Política Nacional de Saúde do Idoso destacando que está
em conformidade com a legislação e princípios do SUS. Tem como propósito
basilar a promoção de envelhecimento saudável, a manutenção e a melhoria, ao
máximo, da capacidade funcional dos idosos, a prevenção de doenças, a
recuperação da saúde dos que adoecem e a reabilitação daqueles que venham a ter
a sua capacidade funcional restringida, de forma a garantir aos idosos a
permanência no meio em que vivem, exercendo de forma independente suas funções
na sociedade (11).
Compreendo que a tarefa esperada e cobrada do SUS pela sociedade é a de pensar
a enfermidade, o risco de adoecer, para daí inventarmos mecanismos para
produzir saúde (12). O objetivo do SUS é a saúde, mas o objeto de investigação
e de trabalho é a enfermidade ou o risco de enfermar-se, são os processos
saúde-doença-atenção. A indefinição desta questão pode fazer com que
confundamos o papel da Saúde com o das instituições políticas, ou dos
movimentos sociais, ou de outras agências governamentais.
Nesta perspectiva defendo que o SUS tem o dever de assegurar atendimento
integral para todos os brasileiros e brasileiras. Compreendo o cuidado como uma
interface da saúde, portanto também é um direito do cidadão e um dever do
Estado, entretanto trago para discussão a amplitude que a palavra cuidado tem.
Sustento que é de responsabilidade deste sistema o cuidado profissional,
prestado por profissionais e ocupacionais regidos e fiscalizados por conselhos
de classe, que precisam estar comprometidos com a assistência além do
equipamento de saúde, adentrando também nos domicílios, construindo um novo
pensar sobre o processo saúde-doença-atenção. Neste momento temporal não acho
prudente inserir o cuidador de idosos no âmbito funcional e trabalhista do SUS,
ainda não estamos preparados técnica e politicamente para essa amplitude
assistencial, no entanto não nego em absoluto a necessidade do Estado dar
respostas aos idosos e/ou a seus familiares que necessitam da especificidade do
cuidado desempenhado pelo cuidador de idosos formal. A questão está em analisar
qual o melhor setor público para inserir este ocupacional.
A seguir busco apresentar alguns paradigmas referentes ao cuidado enquanto uma
atitude humana, trazendo para a discussão o cuidador de idosos. Espero com isso
ir tecendo argumentos para sustentar a colocação acima.
4 O cuidado e o cuidador de idosos: partes de uma mesma moeda?
Acredito que "o cuidado pelo doente não deve ser apenas coisa dos médicos e dos
enfermeiros, mas também dos familiares, dos conselheiros espirituais
(sacerdotes, pastores e pastoras, rabinos, pais ou mães de santo, etc.) e dos
amigos próximos"(13:96). Entretanto saliento que a prestação do cuidado é
permeada por graus de especificidade, que necessitam ser considerados. Cabe
definir e delimitar as linhas que dividem (embora tenuamente) o cuidado
prestado pelos diferentes atores e atrizes sociais.
Adoto o conceito de que "cuidar é mais que um ato, é uma atitude. Portanto,
abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma
atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento
afetivo com o outro"(14:33).
Sob esta ótica o cuidado é um modo-de-ser do ser humano, expresso na sua
natureza e constituição, portanto corresponde à essência humana - é ontológico.
Sem o cuidado não existe o ser, quem não recebe ou se dá cuidados no curso da
vida não sobrevive. Destaco o fato de que o cuidado significa "desvelo,
solicitude, diligência, zelo, atenção, bom trato" e que a atitude de cuidado
"pode provocar preocupação, inquietação e sentido de responsabilidade"(14:91).
Nesta lógica pode-se dizer que o cuidado surge quando a existência de alguém é
significativa para mim, então me disponho a buscar formas para cuidar dela.
Introduzo nesta discussão o preceito de que existem diferentes formas de
envelhecimento e consequentemente de velhice. O lugar que o indivíduo ocupa na
sociedade interfere na maneira como obtém condições para manejar o cuidado que
dispensa a si. Tal fato remete à afirmação de que a injustiça social impacta na
relação do cuidado, portanto não pode ser desprezada na análise.
A questão do cuidador de idosos veio para mesas de discussão no momento em que
a dimensão do cuidado passou para o âmbito público, uma vez que enquanto a
responsabilidade por ele ficava apenas na esfera do privado, assegurado pelas
famílias, não era tão debatido. Algumas causas são citadas como desencadeadoras
deste processo: como o impacto das mudanças causadas pelas novas conformações
da dinâmica interna das relações familiares; o aumento da expectativa de vida
trazendo consigo novas demandas no que tange ao atendimento das necessidades de
manutenção da vida; o empobrecimento populacional marcado pela má distribuição
de renda; entre tantas outras.
Indubitavelmente as mudanças na sociedade acabam implicando em novos arranjos
sociais para suprir as necessidades sentidas e expressas pela população. O
cuidado, no meu entendimento, entra neste rol de demandas. Não nego a
importância de se discutir as causas desencadeadoras destes arranjos sociais,
entretanto, neste momento creio que o mais emergente é responder às
conseqüências deste processo, neste caso em particular, buscar formas para
estimular a criação de redes de apoio formais e informais ao cuidado de idosos.
Não podemos, enquanto profissionais das áreas da Gerontologia e Saúde, nos
darmos ao luxo de achar que este problema não é nosso, escamoteando-o em
discursos técnicos grandiloqüentes e, porque não dizer, corporativos.
Entretanto este enfrentamento da questão cuidado/ cuidador de idosos deve ser
feita de forma cautelosa e fundamentada tecnicamente, sob o risco de
promovermos uma saúde pobre para idosos pobres. Se do ponto de vista
constitucional o Brasil adota que a
Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos
e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação (15:47),
Isso vale para todos os brasileiros e brasileiras, neste caso em particular,
para todos os idosos e idosas que dela necessitem.
Se algumas famílias e/ou idosos têm condição e desejo de arcar com o custo da
contratação de cuidadores de idosos, e portanto selecionam à luz do mercado o
trabalhador que desejam empregar, cabe ao Estado a discussão sobre alternativas
àqueles idosos que por desejo ou necessidade são dependentes do SUS. Não nego o
fato, em hipótese alguma, de que em ambas as situações postas existe o
desconhecimento das atribuições e habilidades do ocupacional cuidador de
idosos, o que muitas vezes faz com que o cuidado seja passível de imperícia,
negligência e imprudência. Quem contrata no mercado também esta sujeito à
iatrogenias, e porque não dizer à charlatanice, decorrentes da não fiscalização
desta atividade. Entretanto, gostaria de focar a discussão sobre os cuidadores
de idosos na dimensão do setor público, local que enquanto enfermeira
sanitarista, trago algumas inquietações técnicas.
Reforço a idéia central de que não tenho dúvidas sobre a necessidade de se ter
cuidadores de idosos, meus questionamentos ficam muito mais na forma de como
operacionalizar tal demanda e assegurar a sua fiscalização.
Entendo que é papel do Estado construir políticas públicas para atender as
necessidades dos indivíduos, entretanto defendo que as ações governamentais
devam ser compreendidas numa dinâmica de co-responsabilidade com a sociedade
civil, mas com a fiscalização técnica do poder público. Nesta lógica o SUS é um
parceiro a mais no processo de concepção e implantação/ implementação de ações
governamentais voltadas ao cuidado dos idosos, em particular à participação do
cuidador de idosos.
No meu entendimento ao SUS cabe garantir o atendimento com qualidade aos idosos
em todos os seus equipamentos de saúde (Unidades Básicas de Saúde, Unidades de
Saúde da Família, ambulatórios, hospitais gerais e especializados, entre
outros) assegurando a especificidade que este segmento etário requer, discordo
da formação de Centros de Referência exclusivos para idosos. Deve, em
conformidade com estudos de territorialização, implantar serviços de
atendimento e internação domiciliar, com equipe preparada para desempenhar
ações gerontológicas/ geriátricas no domicílio do idoso. Nestas instâncias
certamente o profissional da saúde se deparará com a figura do cuidador de
idosos (familiar ou não) e aí cabe o trabalho de educação in loco visando
maximizar a qualidade do atendimento prestado.
Dado a especificidade do cuidado prestado pelo cuidador de idosos compreendo
que enquanto ações governamentais esse ocupacional deva estar lotado na área da
assistência social. O diálogo com a Saúde ocorre na interface do atendimento
prestado aos idosos, mas a responsabilidade contratual e de acompanhamento
técnico não é do SUS.
5 Considerações finais
Defendo que o cuidado gerontológico precisa ser trabalhado enquanto práxis,
deve se olhar além da doença, no sentido de que o gerador do cuidado é o idoso
(com todas as suas peculiaridades resultantes da sua história de vida) e não o
procedimento decorrente da situação de vida por ele enfrentada. Assim, o
cuidador principal do idoso deve ser o próprio idoso. No entanto, existirão
situações em que ele não será capaz de exercer o autocuidado, necessitando da
ajuda de outra pessoa. Neste momento tem entrado em cena a figura do cuidador -
majoritariamente mulheres que por delegação familiar ou por necessidade de
emprego tomam para si esta ocupação, na primeira situação abdicando de outros
interesses ou afazeres, na segunda vendendo sua força de trabalho cuidando do
outro.
Acredito que por mais que o cuidado seja ontológico, portanto não é
prerrogativa de nenhuma profissão, existem especificidades do cuidado realizado
com idosos que precisam ser consideradas à luz do exercício profissional, sob o
risco da geração de iatrogenias. Definir este território é tarefa de todos
aqueles que estão comprometidos com a área da Gerontologia. É necessário evitar
discussões permeadas apenas por questões corporativas e buscar formas de
inserir o cuidador de idosos também na dinâmica do sistema público. Para tal,
não basta capacitá-los e colocá-los no mercado de trabalho, é necessário
desenvolver um sistema de apoio formal e informal de cuidados para os idosos
que tenham dificuldade na manutenção das atividades de vida diária (AVD) e
instrumentais de vida diária (AIVD), na lógica intersetorial e com controle
social.
Destaco com pesar que a implantação/ implementação de políticas públicas à luz
da intersetorialidade tem sofrido interferência marcante do preceito de
"governabilidade" defendido por alguns prefeitos, que em nome da maioria de
apoio nas bancadas do poder legislativo municipal dividem nacos de poder, nem
sempre pautados na dimensão ética e técnica dos setores envolvidos. Tal fato
vem inviabilizando, em alguns municípios, a operacionalização das políticas
públicas, particularmente àquelas voltadas ao atendimento dos idosos.
Creio que uma saída para este impasse seja o fortalecimento do controle social,
no caso específico do cuidador de idosos, implica em ampliar a discussão para a
sociedade civil e dar subsídios técnicos para o segmento organizado dos idosos
defender seus propósitos e direitos. À nós técnicos cabe o engajamento ético e
político na defesa de uma rede de apoio formal e informal de cuidados aos
idosos.