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BrBRCVHe0034-71672003000500011

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National varietyBr
Year2003
SourceScielo

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O modelo do sol nascente e razão sensível na enfermagem O modelo do sol nascente e razão sensível na enfermagem

The sun rising model and sensitive reason in nursing

Modelo del sol naciente y la razón sensible en la enfermeira

Bernardette Kreutz ErdtmannI; Alacoque Lorenzini ErdmannII IEnfermeira, Especialista em Biossegurança, Mestre em Enfermagem, Bolsista do CNPq, autora do estudo. E-mail:bekreutz@pop.com.br IIDoutora em Filosofia de Enfermagem. Professora do departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Orientadora deste estudo. E-mail: alacoque@newsite.com.br

1 Introdução Ao se pensar em um cuidado de enfermagem culturalmente congruente, apoiado na razão sensível, teve-se como motivação a própria experiência profissional em oito anos de prestação de serviço de enfermagem domiciliar. Nesta caminhada, tem-se observado que os padrões culturais, embora existam, apresentam-se menos rígidos e mais suaves. Diante de tal constatação, percebeu-se que a teoria transcultural, conquanto significativa para o estudo, apresentava lacunas em um tempo não tão abstrato e absoluto. Ao se fazer parte do Núcleo de Pesquisa e Estudo sobre o Quotidiano, Imaginário e Saúde de Santa Catarina (NUPEQUES/SC), vinculado ao programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina, o gosto pelas falas dos tempos pós-modernos passou a constar do pensamento e da lista de leituras. Seria possível vincular a teoria transcultural de Leininger com a razão sensível de Maffesoli? Essa foi a interrogação, iniciando-se, então, uma peregrinação na busca de livros com esses temas. Mas foi com a ajuda de experts,que vêm desenvolvendo estudos na área da antropologia abordando a teoria transcultural, o cuidado transcultural e a razão sensível, que me aproximei da temática.

Como toda pesquisa em seu estágio final, o pesquisador se depara com uma imensidão de dados. Não obstante, tudo estivesse metodologicamente planejado, a duvida persistiu, como trabalhar essas informações? Sempre se teve certa curiosidade de utilizar os dados de pesquisa com o Modelo do Sol Nascente de Leininger. Surgiu, então, a idéia de projetar as informações obtidas no próprio desenho, e pôde-se vislumbrar um Sol Nascente para os tempos pós-modernos.

Portanto, com este estudo, deseja-se contribuir para uma melhor compreensão da análise da teoria transcultural, trazendo à luz do reconhecimento e a valorização de elementos que incorporam o dia-a-dia do cliente e do profissional de enfermagem.

Trata-se de uma prática assistencial e investigativa de enfermagem, desenvolvida no domicílio de dois clientes, tendo o questionamento de como oferecer um cuidado de enfermagem, apoiado na razão sensível, congruente com a cultura do cliente e pessoas de seu convívio familiar. Para responder tal problemática, trabalhou-se com o objetivo de compreender o sígnificado que o cliente e as pessoas de seu contexto familiar atribuem à enfermeira, ao processo saúde­doença e à enfermagem domiciliar nos tempos pós-modernos. A expressão domiciliar vaí além do cuidado de enfermagem domiciliário, ou domiciliar, termos utilizados para designar o ­feito no domicílio. A dimensão da enfermagem domiciliar abrange a compreensão do conjunto ao valorizar os diversos e diferentes elementos do contexto, contemplando toda a carga de emoções que emergem no cotidiano destes tempos pós­modernos(1).

Alguns autores caracterizam tempo pós-moderno como sendo aquele que vem depois do tempo moderno, definindo tempos pós-modernos como a (re)ligação entre certos elementos da Pré-Modernidade com alguns da Modernidade(2).

Então, pensamento sobre a Pós-Modernidade pode ser entendido como sendo [...] a mostra de um contexto da diversidade considerando elementos da pré-modernidade, tais como: os sistemas de parentescos; religião; sistemas comunitários; a tradição e o contato com a natureza, por outro lado, a modernidade empresta outras dimensões, como a razão, vigilância, a lógica do dever ser e uma visão mais para o futuro (3,4).

Assim, a Pós-Modernidade é entendida como sendo "uma leitura do que está acontecendo quando se traz as nuanças de que está acontecendo, é uma leitura do que é"(3). E essa sutileza apresenta um contexto de diversidade e coexistência de distintas culturas que formam de fato um "espectro de características muito diferentes, ainda que ínterdependentes"(3:34).

A justificativa para a escolha do referencial teórico, norteador deste estudo, que aborda a cultura numa perspectiva transcultural e a razão sensível na perspectiva da sociologia compreensiva, é fruto dos ensinamentos dos muitos cotidianos apreciados no dia-a-dia dos clientes. É preciso relembrar que é no domicílio que as práticas e os hábitos estão presentes e representam a maneira de viver das familias e de seus membros, é onde se tem a apresentação da cultura em um contexto de microcosmo, em um tempo que é plural, com a diversidade como fator significativo para a compreensão das relações.

A teoria Transcultural do Cuidado apresenta para a enfermagem a premissa de que o ser humano tem seus significados e entendimentos sobre como deseja ser cuidado(4). Esta teoria tem como propósito o conhecimento da natureza, essência, propósitos sociais, assim como o desenvolvimento e melhoria do cuidado de enfermagem, que tem funções culturais específicas e universais.

Algumas das suposições dessa teoria podem ser aqui citadas: desde o surgimento da espécie humana, o cuidado tem sido essencial para o crescimento, desenvolvimento e sobrevivência dos seres humanos; o cuidado próprio e outros padrões de cuidado existem entre as culturas; o cuidado humanizado é universal, existindo diversos padrões que podem ser identificados, explicados e conhecidos entre as culturas; não pode haver cura sem cuidado, mas pode haver cuidado não sendo para cura; a razão da existência da enfermagem é que ela é uma profissão de cuidado com conhecimento disciplinado sobre ele; o cuidado na perspectiva transcultural é essencial para desenvolver e estabelecer a enfermagem como uma profissão universal; as práticas profissionais e populares de cuidado da saúde são derivadas da cultura e influenciam as práticas e os sistemas de enfermagem; o cuidado, valores, crenças e práticas culturais influenciam na forma pela qual os clientes esperam que a prática do cuidado de enfermagem seja administrada.

A prática de enfermagem domiciliar, sendo integrante de um contexto no qual o ritmo do dia-a-dia está configurado como um singular e único espaço-tempo e tendo na diversidade cultural o reconhecimento das manifestações dos clientes, necessita que a enfermeira mergulhe no entendimento do cotidiano. As nuanças que emergem no aquie agorase constituem em pontos interessantes para o cuidado com a saúde. Nesse sentido, é possível encontrar na microssocio­antropologia os constitutivos para uma enfermagem domiciliar apoiada na razão sensível.

Maffesoli(2) aborda a questão do cotidiano na perspectiva da sociologia compreensiva, trazendo uma leitura contemporânea da sociedade. A enfermagem, na perspectiva da sociologia compreensiva, abarca uma dimensão teórico­científica ao trazer o cuidado sensível para si.

Diante das exigências e da complexidade da sociedade, certos dogmas são revistos e questionáveis. Convém lembrar que "talvez seja quando o sentimento de urgência se faz mais premente que convém pôr em jógo uma estratégia da lentidão"(5:11). Assim, valores culturais e religiosos, bem como a certeza absoluta das ideologias, que caracterizaram a modernidade, apresentam-se um tanto recluso, dando espaço para a convivência prazerosa.

"A socialidade reside num misto de sentimentos, paixões, imagens, diferenças que incitam a relativizar as certezas estabelecidas e a uma multiplicidade de experiências coletivas direciona um olhar para a sabedoria relativista"(4:38), mantendo a ciência e a busca pelo intelecto em um desafio de considerar as diversas situações, num aquie agora,que o ser humano está presente. Convém à enfermagem elaborar, sob a tríade do saber/fazer/sentir, na perspectiva de "um espírito de simpatia, de finura e discernimento", sendo que a atenção da enfermeira também se voltaria "à paixão, à emoção, numa palavra, aos afetos de que estão impregnados os fenômenos humanos"(5:12).

Trata-se conseqüentemente de um desafio, a elaboração de um marco referencial, cuja disciplina presenteia um querer viver-deixar viver,o mais próximo possível da realidade do cliente, seus familiares e pessoas de seu convívio. Tal cuidado precisa ser harmonioso, num respeito às crenças, valores, práticas e hábitos de todos os envolvidos, como Leininger tem teorizado, agora, também, para a enfermagem domiciliar.

A teoria de Leininger é apresentada em forma esquemática, através do Modelo de 801 Nascente, desenvolvido para mostrar a dimensão da Teoria Transcultural(5).

8ua concretude, ou seja, a demonstração de como acontece na prática, com dados reais, despertou na imaginação, para este estudo, o traçado de um 801 Nascente.

O ensaio que ora é desenhado, mantendo o modelo original de Leininger, pretende aguçar os ânimos numa tentativa de mostrar a interligação do cuidado transcultural através da união dos pontilhadoscom a razão sensível.

Leininger utilizou o sol para mostrar simbolicamente uma teoria que estava nascendo com todos os seus elementos estruturais. Não se pretende ser tão ousada, porém, ao contemplar o desenho de Leininger, observa-se que o mesmo apresenta traços pontilhados, permitindo a transposição dos diferentes elementos de uma determinada realidadel6'. Convém lembrar das brechas que são criadas pelos fatos sociais, ou seja, a socialidade presente(5'.

Destarte, buscar-se compreender o significado filosófico da representação do sol, como figura, é uma tarefa difícil, podendo-se, então, começar-se a pensar em uma linguagem poética para a luz. O sol é a expressão máxima da claridade, da luminosidade, do colorido e também da energia, como combustão vital, que o verde vegetal capta da energia solar, tendo-se, portanto, a condição da própria vida(7). Rousseau desenha o sol como "motor dos rios, das ondas, e distribuidor da chuva ( ... ) sobre a terra, nos ares, sobre o mar, tudo se move - máquinas ou seres humanos - utilizam a energia do Sol(7:35). Isso lembra a vitalidade pela aceitação da vida Esta aceitação é possível porque o tempo da vida cotidiana, vivido individual e socialmente é cíclico ou tempo circular da repetição que nega a linearidade que nela se , não existindo um fim absoluto a ser perseguido, mas a busca de formas de enfrentar a precariedade e a permanência de um mundo de ambivalência(8:34).

E, por isso, é lícito dizer que é nas ambivalências dos elementos constitutivos do cotidiano que os animadores deste estudo seguem a lógica do querer viver e deixar viver.Porque também a luz apresenta uma dicotomia: noite e dia; dia nublado e ensolarado; preto e branco. Em um sentido simbólico, a luz representa a vida, e no entendimento espiritual é a Luz Divina­Deus Paique, nas religiões e nos mitos, tem sempre um duplo significado, o físico e o intelectua(7).

Este ensaio de buscar correspondência entre o sol, luze palavral (7),representados no Modelo do Sol Nascente, mostra não somente a sensibilidade, mas também todo o movimento em torno de uma ciência para a enfermagem, não tão absoluta. É preciso, pois, que o cientista pegue emprestado os óculos dos animadores do processo, ou seja, é o enxergar pelo olhar do outro sem perder seu próprio oIhar(3). Assim, o vínculo mágico da dimensão de um cuidado transcultural pela razão sensível desperta para o luminoso que existe em qualquer lugar e pessoa, nas pequenas insurreições do dia-a-dia, que de fato vão constituir um todo maior.

Enfim, a manifestação do cliente e das pessoas de seu convívio familial apresenta informação através do dito e do não dito. Segue-se, então, a apresentação dos participantes deste estudo, suas percepções sobre o que é o processo saúdel doença e como desejam ser cuidados pelos profissionais afins.

2 Metodologia A primeira etapa consistiu em eleger uma estratégia para a implementação da metodologia que contemplasse simultaneamente a prática assistencial e a investigativa, para tanto se optou pela modalidade de pesquisa de campo convergente-assistencial(9)."A pesquisa de campo convergente­ assistencial inclui atividade de cuidado/assistência dos clientes", conseqüentemente, esse tipo de pesquisa "articula a prática profissional com o conhecimento teórico, e os pesquisadores formulam temas de pesquisa a partir das necessidades emergidas dos contextos da prática"(9:26).

Assim sendo, essa forma de investigação: [...] é conduzida para descobrir realidades, resolver problemas específicos ou introduzir inovações em situações específicas, em determinado contexto da prática assistencial, portanto se caracteriza como trabalho investigativo, porque se propõe refletir a prática assistencial a partir de fenômenos vivenciados no contexto, o que pode incluir construções conceituais inovadoras. O ato de assistir/ cuidar cabe como parte de processo da pesquisa(9:27).

Se a(o) profissional não estiver muito preparado, poderá sentir-se inseguro diante dos diferentes elementos que vão surgindo durante a prática. A enfermeira domiciliar desenvolve de maneira especial as forças sensoriais como o tato, visão, audição e as usa na identificação dos fatores que estarão influenciando no processo de viver saudável: a observação é um ato contínuo e uma aprendizagem permanente. A observação participante é parte essencial para uma investigação na pesquisa qualitativa e pode ser considerado um método em si mesmo para a compreensão da realidade. O pesquisador está face a face com a população em estudo, compartilhando da sua vida, em seu ambiente cultural, assim, ao mesmo tempo, em que está sendo modificado, modifica o contexto(10).

Nessa perspectiva, o contexto da enfermagem domiciliar se volta para compreender as estruturas de relevância para o cliente e a família, respeitando suas formas alternativas de compreensão de ser saudável. Assim, na pesquisa convergente-assistencial, a enfermeira pesquisadora intervém através do cuidado e realiza concomitantemente a coleta dos dados investigativos.

2.1 A prática assistencial e investigativa e o ser humano e família participante deste estudo A prática assistencial e investigativa foi desenvolvida na cidade de Florianópolis, Estado de Santa Catarina, Brasil. Fizeram parte deste estudo dois clientes, suas respectivas famílias e pessoas próximas. Tal escolha respeitou a Resolução nO 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, sobre pesquisa envolvendo seres humanos. De comum acordo com os participantes foram empregados nomes fictícios.

Os participantes foram divididos em Tribo Familiar 1 e 2.

A tribo familiar 1 era constituída pelos seguintes anímadores: seu Francisco/ dona Hortência e as empregadas domésticas e cuidadoras Ana e Maria. Foram realizados quatorze atendimentos durante o período do estudo - dezembro de 2001 a janeiro de 2002. A Tribo familiar 2 era formada por dona Agnes, seu filho Mário e a empregada doméstica e cuidadora Fátima. Foram realizados dez atendimentos durante o período do estudo - dezembro de 2001 a janeiro de 2002.

3 Apresentação dos dados Ao se apresentar os diferentes elementos colhidos dos diversos encontros, através dos registros e da observação, tais elementos foram sendo identificados e correlacionados com as práticas diárias das Tribos Familiar 1 e 2, sendo que alguns pontos foram considerados significativos no processo saúde/ doença por essas famílias e pela enfermeira.

Visão de mundo do cuidado cultural: Definida como aquela com a qual o indivíduo ou o grupo vêem o mundo, atribuindo-lhe valor, imagem ou perspectiva sobre sua vida e o próprio mundo (4). Portanto, é um ensaio para ver e sentir os elementos que compõem o contexto de cada tribo, por eles, manifestados, nas diversas dimensões.

Dimensões das estruturas culturais e sociais: Tribo Familiar 1, descendente de origem portuguesa, sendo as empregadas domésticas e cuidadoras açorianas. Tribo Familiar 2, descendente de origem americana e alemã, sendo a empregada e cuidadora descendente de origem italiana. Os clientes principais pertenciam à classe social A e B, e as empregadas domésticas e cuidadoras à classe social D.

Fatores tecnológicos: Aparelho de telefone e relógio despertador especial para cego (dona Agnes); CD- playercomprogramação auto-regulável (dona Agnes); acesso à televisão a cabo; forno microondas; alimentos prontos para o consumo; lavadora de roupa para Maria, empregada de seu Francisco, que a salvava de tanta roupa para ser lavada;materiais e produtos para prevenção de lesões; medicamentos de última geração e processo de enfermagem para acompanhar toda a evolução do cuidado.

Tanto a tribo Familial 1 como a 2 tinham acesso à medicina de ponta.

Fatores religiosos e filosóficos: Dona Agnes e Mário, adeptos da Era Ciência Cristã, acreditando no poder da mente para a cura; Fátima, católica; seu Francisco e dona Hortência, católicos, todos os sábados recebendo a visita da Ministra da Igreja que trazia a Comunhão para dona Hortência; Ana, católica e Maria, evangélica, acreditando que dona Hortência necessitava de rezas para tirar o encosto,ao relacionar com os quadros de confusão mental que a mesma apresentava, seqüelas de um acidente vascular cerebral (AVC).

Fatores familiares e sociais: Dona Agnes, mesmo cega, cuidava e se preocupava com o filho Mário (sofredor psíquico), referindo sentimento de tristeza pela ausência das netas e dos bisnetos que não a visitavam, não aceitando a condição de saúde do filho e estando de relações rompidas com seu único irmão que mora no Brasil. Foi possível observar a exclusão social: dona Agnes somente se ausentava de casa para ir ao médico, recebia a visita da filha Inês às quartas-feiras, embora essa mantivesse contato e cuidado com a mãe e o irmão sempre que necessário.

Esporadicamente, aos domingos, a amiga C. de dona Agnes a visitava. Sua relação social, então, estava restrita ao Mário, à filha Inês, à Fátima e Flávia, suas empregadas domésticas e cuidadoras e à enfermeira, tendo dona Agnes observado: vocês são os meus anjos.De outra parte, dona Hortência, acamada, dependente total para os cuidados, eventualmente recebia a visita de sua irmã de 91 anos, da sobrinha T., e aos sábados a Ministra da Igreja católica levava a Comunhão e fazia orações. Dona Hortência dizia que sua doença era estarsó e quando era atendida pela enfermeira sempre solicitava a mesma para ficar mais um pouco.Seu Francisco, ao receber a visita de sua irmã, procedente de São Paulo, principalmente em datas especiais como o Natal, expressava felicidade. Quando estava muito estressado, a enfermeira e as empregadas domésticas e cuidadoras organizavam um esquema para que ele viajasse até São Paulo para visitar a irmã.

Queixava-se da impossibilidade de freqüentar a Associação dos Veterinários e rever os colegas. Não recebia visita específica para ele, mas telefonava muito para os amigose antigos colegas de serviço.

Valores culturais e estilo de vida: Em ambos as tribos foi possível observar a dignidade e a honestidade como valores norteadores dos atos dos seres humanos, sendo que o estilo de vida se limitava no diário, cada dia era um dia a ser vivido. A exceção era para as empregadas domésticas e cuidadoras que faziam planos para o futuro, como Maria que planejava comprar um carrinho de cachorro-quente e Ana que projetava um futuro promissor para seu filho adolescente na Escola da Marinha.

Fatores políticos e legais: Exclusão social, podendo estar vinculada à falta de uma política mais ativa, voltada para o idoso. Seu Francisco e dona Agnes teciam criticas às políticas governamentais, federal, estadual e municipal. Dona Agnes certo dia disse: ogoverno do FHC tem obrigação de cuidar dos idosos,das crianças edos adolescentes para que tenham educação, masele prefere dar odinheiro para quem está junto aele; assim,não tem dinheiro para asegurança, saúde epara aeducação.

E seguia falando sobre a carga tributária e a criação de novos impostos como a CPMFe o seguro apagão.

Fatores econômicos: Foram observadas queixas, nas duas tribos, referentes à queda de padrão de vida nos últimos anos. O salário da aposentadoria cobria os custos e zerava as contas cada final de mês, assim, quando surgia uma despesa extra, a dificuldade financeira era eminente. Dona Agnes estava providenciando, junto ao INSS, a inscrição de Mário como seu dependente, para ele poder receber uma pensão após a morte dela. As empregadas domésticas e cuidadoras, embora recebessem salários, além da média paga para a categoria em Florianópolis, apresentavam dificuldades também: Ana estava separada e não recebia a pensão dois filhos, e os maridos de Maria e Fátima estavam desempregados.

Fatores educacionais: Seu Francisco com o 3o Grau completo e dona Hortência com o 1o Grau; dona Agnes estudou em vários colégios, mas se denominava autodidata, falando e lendo inglês, alemão e francês. Dona de uma memória fantástica relatava suas leituras com uma precisão de menestrel. Mário, com o 3o grau incompleto, mesmo com dificuldade para se expressar, demonstrava grande conhecimento. As empregadas domésticas e cuidadoras, todas com o 1o grau incompleto.

Influências sobre o processo saúde-doença manifestadas pelos clientes: Apareceram elementos do cuidado como o respeito, dignidade, carinho, ter sentido, sentimento, entendimento, responsabilidade, conhecimento técnico- científico e confiança no profissional de saúde.

Indivíduos, amigos, grupos, comums e instituições em sistemas de saúde diversos: Indivíduos e amigos - em ambos os contextos, centravam­se em uma ou duas pessoa, assim consideradas, inclusive a enfermeira; família - restrito aos filhos, como no caso de dona Agnes, porém seu Francisco e dona Hortência, sem filhos, consideravam a irmã dele como pertencente à família; Igreja ­somente seu Francisco e dona Hortência manifestavam a importância de uma vivência mais próxima da Igreja, a empregada doméstica e cuidadora Maria era evangélica e considerava significativa a oração; bairro - Centro/Florianópolis, bairro nobre com infra-estrutura adequada para um viver saudável; sistema de saúde - com atendimento personalizado e os serviços de enfermagem domiciliar - Enf' Bernadette Kreutz Erdtmann, que acompanhou os clientes por longa data. Nesta dimensão, é possível resgatar o domusque, são os elementos próximos, tais como, o bairrismo, Igreja, rua, vizinhança, condomínio predial, enfim, a social idade presente(5).

Sistema genérico: são os recursos que os clientes lançam mão para a manutenção de um viver saudável e o enfrentamento do processo de doença que estão vivenciando. Os de maior incidência foram: dieta rica em fibras; conforto; segurança; higiene; uso do sal para elevar a pressão; uso de rodelas de batatas sobre a fronte para aliviar dor de cabeça; exposição ao sol; música; uso de chá de maracujá como calmante; melissa para desconforto intestinal; uso de loção hidratante para pele, massagem relaxante, entre outros.

Cuidado profissional de enfermagem domiciliar: A enfermeira durante a prática assistencial e investigativa, ao mesmo tempo, analisava, planejava e implementava o cuidado de enfermagem considerando a correspondência entre todos os elementos e dimensões apreciadas pelos clientes e pessoas próximas. Inclusive, destacando a ponte realizada com outros profissionais do sistema de saúde: ao acompanhar dona Agnes ao médico cardiologista, eram passados à enfermeira os aspectos relevantes sobre o processo saúde-doença dessa cliente, quando retomavam ao lar, a profissional repassava aos familiares e à empregada doméstica e cuidadora os encaminhamentos e as orientações médicas.

Sistema profissional: Acompanhamento de profissional médico, entre eles, geriatra, cardiologista, neurologista, psiquiatra, oftalmologista e dermatologista, assim como laboratórios de exames médicos.

Decisões e ações do cuidado de enfermagem domicilial: Processo de Enfermagem Domicilial em Correspon-dência - a concretização do cuidado culturalmente congruente apoiado na razão sensível(1). Para a sua efetivação foram consideradas três etapas: a)levantando_os_dados, correspondente ao levantamento de informação, através de relato do cliente, da família, das pessoas envolvidas no contexto, e também da observação da enfermeira que era realizada por meio de um exame físico, anamriese e observação direta do contexto; b)compreendendo_e_concretizando_o_cuidado, caracterizou-se como sendo o instante em que a enfermeira e o cliente estabeleceram as necessidades de cuidado e em que o mesmo se concretizou; c)avaliando_o_cuidado. visou verificar a evolução do cuidado e se o mesmo era suficiente para manter, acomodar ou restabelecer, acontecendo através da avaliação do cliente, de seu familiar e/ou da pessoa próxima e da própria enfermeira. Nesse processo, configuraram-se elementos do cuidado sob a ótica do cliente, principalmente, no momento, em que acontece a compreensão e a concretização do cuidado, cuja dinâmica das decisões e ações tinham como fio condutor a negociação, visando um cuidado de enfermagem equivalente às expectativas e necessidades dos clientes.

4 Considerações Finais A partir desta apresentação é possível meditar sobre a abrangência da Teoria Transcultural, agora, apoiada na Razão Sensível e sua vinculação com a enfermagem domicilial. Pode­se afirmar que, ao se utilizar o modelo do sol nascente e nele inserir os dados da pesquisa, apresentou-se uma panorâmica nítida da importância deste modelo e sua relação com o cotidiano de quem realiza um estudo investigativo.

Esta visualização teórica dentro do desenho de Leininger aguça a enfermeira pesquisadora a buscar a compreensão do conjunto em sua prática assistencial, ao mostrar a ligação teoria­prática. Assim como, amplia a visão, num horizonte aberto, sobre o cotidiano, proporcionando um cuidado mais harmônico em relação à perspectiva do cliente e família. Ainda, oportuniza ao profissional, reflexões constantes, induzindo-o a mudanças quando elas se fazem necessárias.

I Observam-se os níveis de abstração e de análi~ do referencial teórico em seu conjunto, e suas interligações na macro, médio e microabrangência em um tempo e espaço que contempla a realidade do cotidiano dós clientes e familiares, bem como a da própria enfermeira e pesquisadora. Portanto, neste estudo, as estruturas apresentadas por Leininger estão desenhadas de forma compreensiva e real ao trazerem os elementos culturais, sociais, ambientais e principalmente sentimentais.

A reflexão aqui posta remete a um pensar, fazer e sentir a enfermagem domicilial. Assim, precisa-se permear o cuidado de enfermagem, ao se observar outros elementos, além da cultura, com a intensidade dos movimentos cotidianos, trazendo as nuanças desse querer viver do cliente e pessoas do seu convívio.


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