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BrBRCVHe0034-71672006000500016

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National varietyBr
Year2006
SourceScielo

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Cooperação versus colaboração: conceitos para o ensino de enfermagem em ambiente virtual REVISÃO

Cooperação versus colaboração: conceitos para o ensino de enfermagem em ambiente virtual

Cooperation versus collaboration: concepts for nursing teaching in virtual environment

Cooperación versus colaboración: conceptos para la enseñanza de enfermería en ambiente virtual

Ana Luísa Petersen Cogo Enfermeira. Mestre em Educação. Professora Assistente da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS

1. INTRODUÇÃO A educação na modalidade à distância vem sendo difundida nos últimos anos na enfermagem, demonstrando as amplas possibilidades que estes recursos oferecem no ensino do cuidado. No atual estado do conhecimento, percebe-se que a enfermagem tem relatado suas experiências no desenvolvimento de tecnologias computacionais no ensino, seja no desenvolvimento de software ou de atividades via Internet.Desta forma, com as experiências na utilização de ambientes virtuais de aprendizagem, acredita-se que neste momento devam ser aprofundados conceitos, como o de cooperação e o de colaboração, que subsidiem essas práticas de ensino, em especial na enfermagem.

As tecnologias da informação e da comunicação, quando empregadas em atividades de ensino, possuem uma lógica de funcionamento diferenciada das atividades presenciais. Enquanto a modalidade presenciai privilegia a oralidade e as expressões gestuais entre o educador e os alunos nas atividades em tempo síncrono, a modalidade à distância resgata a comunicação escrita e abre a possibilidade das atividades de aprendizagem ocorrerem em tempo assíncrono(1).

Em relação à modalidade à distância, outra característica que vem sendo explorada é o trabalho em grupo. Esta técnica permite romper com a monotonia do trabalho individual, servindo como estímulo mútuo entre os participantes, e assim promove trocas de aprendizagem, rompendo com a hierarquia professor- aluno, pois o professor torna-se um facilitador do processo. A concepção de ensino apresentada é colocada por autores(2) como uma utilização inteligente do computador na educação, na qual o aluno usaria as ferramentas no intuito de construir conhecimento, criando, pensando e manuseando diferentes tipos de informação.

Essas peculiaridades das atividades de aprendizagem mediadas por computador requerem dos educadores a habilidade de empregarem conceitos como o de cooperação e o de colaboração. No entanto, observam-se dúvidas entre educadores ao buscarem um conceito que expresse a dimensão atingida nos processos de aprendizagem mediados por computador por eles desenvolvidos. Afinal, os alunos teriam interagido trocando informações entre si ou aprofundado esta interação realizando trocas significativas para o seu aprendizado? Acredita-se que o desdobramento dos conceitos de cooperação e de colaboração merece uma investigação mais minuciosa e elaborada. Existem, com freqüência, divergências conceituais no meio acadêmico entre cooperar e colaborar. No entender de alguns autores, entre estes pode-se citar Campos(3), a cooperação é um nível intermediário de compartilhamento das atividades em comunidades virtuais, com discussão temática e estabelecimento de normas de trabalho coletivo no intuito de realizar uma tarefa. A colaboração compreenderia a construção de conhecimentos com objetivos estabelecidos e compartilhados com os participantes desta comunidade virtual, sendo superior o nível de relação social. No entanto, cooperação e colaboração são apresentadas por Piaget de forma inversa, sendo a cooperação o grau mais elevado de socialização.

Este artigo pretende contribuir, apresentando uma revisão conceitual sobre cooperação e colaboração; para tanto, optou-se como referencial teórico pela teoria da epistemologia genética de Jean Piaget, por entender que a proposta construtivista-interacionista é relevante na proposição de práticas pedagógicas em enfermagem mediadas por computador. O texto apresentado é decorrente do trabalho apresentado na disciplina 'As coordenações das ações sociais na obra de Jean Piaget' do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ministrada pela Prof.ª Dr.ª Maria Luiza Becker.

2. CONTEXTUALIZAÇÃO DOS CONCEITOS 2.1 Epistemologia Genética A epistemologia genética pode ser compreendida como uma teoria processual, a qual concebe a construção do conhecimento na ação do sujeito. O conhecimento, no entendimento de Jean Piaget(4), não está pré-determinado nas estruturas internas do sujeito, nem nas características do objeto, mas sim na interação que ocorre entre o sujeito e o objeto. Portanto, o desenvolvimento do sujeito epistêmico possui uma dimensão social, e não apenas individual, na construção do conhecimento e do pensamento(5).

A concepção de que não existe um conhecimento absoluto, que cada sujeito faz o seu percurso cognitivo passando de um patamar mais básico para um mais elaborado de conhecimento, e especialmente que não se faz este percurso sozinho, mas na interação com outros sujeitos, são algumas das questões presentes nesta teoria concebida como sendo construtivista-interacionista(4).

O momento histórico vivenciado por Jean Piaget, de reflexão pedagógica na busca de mudanças frente à denominada pedagogia tradicional, fez com que este biólogo aproximasse os seus estudos de temas de interesse para a educação, demonstrando uma preocupação política e intelectual pelas ações educativas na virada do século XIX para o XX(6).

O movimento da Escola Nova, tendo como um dos seus difusores Pierre Bovet, surgiu nesta fase de mudanças propondo métodos novos, os quais privilegiavam a construção da autonomia e a aprendizagem pela atividade, partindo dos interesses dos alunos. O enfoque central passa a ser no aluno, e não no professor como nas práticas tradicionais(7).

Frente ao momento sócio-histórico, Piaget contribuiu com as fundamentações psicológica e epistemológica necessárias para dar sustentação às propostas da pedagogia ativa. Em 1932, às vésperas da Guerra Mundial, apresentava em um congresso as contribuições da Educação Nova para o progresso social, desenvolvendo a sua argumentação a partir do conceito de egocentrismo, apontando a relação entre liberdade e constrangimento na sociedade, reforçando que a sociedade deveria preocupar-se com a cooperação e com a reciprocidade(7).

Como foi demonstrado, a proposta da Educação Nova surgiu como um movimento, em diferentes países, de repensar as práticas pedagógicas em um momento histórico marcado por políticas autoritárias e de intolerâncias raciais. O argumento central desta proposição, e que pode-se transpor ao início do século XXI, é a força existente na educação como uma prática transformadora. Para tanto, deve- se resgatar o fazer docente, revendo os métodos tradicionais.

Os métodos propostos pela pedagogia ativa compreendem procedimentos como o trabalho em grupo e o self-government, que visam favorecer a formação do pensamento, a pesquisa e a promoção da autonomia. Nesta perspectiva, as relações professor-aluno e aluno-aluno serão construídas fundamentadas no respeito mútuo, na reciprocidade e na cooperação. Os alunos, nas atividades do trabalho em grupo, realizam trocas entre si, colaborando mutuamente, mas a construção de uma lógica do pensamento ocorrerá quando a cooperação estiver estabelecida(8).

Como está sinalizado, colaborar e cooperar possuem perspectivas qualitativas diferenciadas no entendimento de Piaget. Essas dimensões serão analisadas a seguir, destacando-se os aspectos psicológicos que as constituem.

2.2 Cooperação e Colaboração O homem é essencialmente um ser social, que não pode ser pensado fora desta perspectiva, ocorrendo através das interações sociais o desenvolvimento da inteligência humana. A socialização do sujeito não é expressa da mesma forma nas diferentes faixas etárias, utilizando como critério a qualidade das trocas intelectuais. O social nas relações de uma criança é qualitativamente diferente do social presente nas relações de um adolescente(9).

Para que haja uma compreensão dos conceitos de cooperação e colaboração, faz-se necessário destacar alguns aspectos do desenvolvimento psicológico dos indivíduos. Piaget(3) identificou quatro estágios do desenvolvimento que seriam a fase sensório-motora, que precede a linguagem; a pré-operatória, que corresponde ao período das representações iniciando com a linguagem; a das operações concretas e a operatória formal. Essas etapas seriam sucessivas no desenvolvimento do indivíduo, variando apenas cronologicamente.

A socialização da inteligência inicia-se com a aquisição da linguagem; antes, na fase sensório-motora, a criança basicamente não realiza trocas sociais, permanecendo em uma perspectiva individual(9).

Na fase pré-operatória irá sobrepujar-se o egocentrismo cognitivo, definido como "(...) uma atitude epistêmica que impressiona por sua apreensão não- crítica do objeto de conhecimento e sua tendência à indiferenciação, em razão da supremacia da perspectiva própria"(10). Portanto, o termo egocentrismo refere-se à impossibilidade do sujeito descentrar-se para poder compreender a perspectiva de outros sujeitos(11).

A descentração corresponde à capacidade do indivíduo refazer o percurso cognitivo de outro sujeito, buscando compreender o pensamento do outro afastando-se da sua lógica individual. Deve-se destacar que todo indivíduo adolescente ou adulto preservará, em menor ou maior grau, traços de egocentrismo, necessitando descentrar-se para cooperar. O pensamento egocêntrico constitui-se em uma fase pré-social, antecipando a cooperação presente nos aspectos sociais do conhecimento(10).

Nesta perspectiva, não uma separação entre social e não social, mas graus de socialização entre sujeitos em nível operatório, ou seja, com a possibilidade de socialização do pensamento e de trocas intelectuais, elementos imprescindíveis para que os indivíduos possam descentrar-se e, conseqüentemente, cooperarem(9).

O termo operatório refere-se a operações mentais, compreendidas como "elementos constitutivos do pensamento lógico"(10), caracterizando-se por ser uma ação interiorizada, reversível e constitutiva de uma estrutura.

No entendimento de Piaget, cooperação é um método construído na reciprocidade entre os indivíduos, que ocorre pela descentração intelectual, havendo a construção não apenas de normas morais, mas também racionais, tendo a razão como produto coletivo(10,12).

A colaboração seria uma interação em que existem trocas de pensamento, seja por comunicação verbal ou coordenações de pontos de vista, de discussão, sem ocorrer operações racionais, não havendo uma estrutura operatória(13).

Comparativamente poder-se-ia afirmar que a colaboração representa uma etapa das trocas sociais anterior à cooperação.

A cooperação está vinculada à interação, a qual requer a formação de vínculos e a reciprocidade afetiva entre os sujeitos do processo de aprendizagem. As interações interindividuais possibilitam a modificação do sujeito na sua estrutura cognitiva e do grupo como um todo, não em caráter somatório, mas em uma perspectiva de formação de um sistema de interações. Neste entendimento, a construção do conhecimento ocorrerá através da cooperação(13).

A interação sócio-cognitiva demonstra que os sujeitos, ao cooperarem, solucionam problemas cognitivos de forma qualitativamente diferente do que teriam realizado individualmente(14). No entanto, para que a cooperação ocorra a necessidade de existir respeito mútuo e reciprocidade entre os sujeitos que estão interagindo, que são os componentes de uma moral autônoma(15).

Cabe diferenciar a moral heterônoma da moral autônoma. A moral heterônoma refere-se as relações nas quais prevalecem a imposição, a coação e a coerção exercida por um indivíduo sobre os demais. A submissão é a resposta do grupo as ações exercidas, não havendo uma troca de valores justa, o respeito ocorre de forma unilateral. Portanto, não ocorrerá a construção de um espaço social de autonomia e responsabilidade. Na moral autônoma, os sujeitos participam da composição das regras de respeito mútuo, portanto percebem os seus limites de forma mais justa e construtiva(15).

Como foi demonstrado, a cooperação, diferentemente da colaboração, é um processo criador de realidades novas, e não somente de trocas entre os indivíduos(10).

3. APLICAÇÃO NA EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA EM ENFERMAGEM Entende-se cooperação como um dos conceitos fundamentais da Teoria de Jean Piaget, que subsidia a proposta de aprendizagem construtivista-interacionista.

Na busca de uma coerência com a proposta de Piaget, a cooperação em processos de aprendizagem em ambientes virtuais pode ser desenvolvida em atividades síncronas (chat)ou assíncronas (fórum, correio eletrônico), com a possibilidade de utilização das tecnologias computacionais em consonância com uma proposta pedagógica que desenvolva a autonomia e a construção do conhecimento.

Frente a esta perspectiva, cabe destacar que o uso das tecnologias computacionais não garante por si a aprendizagem, cabendo ao professor a proposição de projetos que integrem os recursos disponíveis em uma abordagem pedagógica construtivista(16). A figura do professor é descentralizada, esta fica intermediada pelo computador, fato este que auxilia a desconstruir o papel heterônomo do docente, promovendo a interação entre os sujeitos envolvidos.

A perspectiva ativa do aluno no processo de aprendizagem em ambiente virtual na enfermagem implica em aprender a aprender coletivamente, proporcionando ao mesmo o desenvolvimento de projetos que o desafie, que instigue a sua capacidade criativa e de resolução de problemas (17). Da mesma forma, o professor torna-se um facilitador do processo, deixando de ser um informador (18).

A enfermagem, que durante a sua construção sócio-histórica esteve muito voltada às práticas pedagógicas presenciais centradas na atividade, beneficia-se da perspectiva construtivista aplicada em ambiente virtual. O processo de aprendizagem cooperativo antecipa aos alunos a experiência de convívio mútuo e de relacionamentos interpessoais que terão em práticas de estágio e no contato com o cliente e sua família.

Da mesma forma, o desenvolvimento de projetos em grupos possibilita ao aluno a construção de regras de convívio mútuo, que são quesitos importantes para a inserção profissional do futuro enfermeiro, uma vez que o trabalho da enfermagem desenvolve-se coletivamente.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento de atividades em ambientes virtuais de aprendizagem, neste caso na área da enfermagem, requer a contextualização teórica dos conceitos que estão sendo empregados. Como procurou-se demonstrar os autores muitas vezes utilizam indiscriminadamente as palavras cooperação e colaboração, o que deve ser desvelado para compreender-se a dimensão que a atividade educativa atingiu.

Na perspectiva de Piaget, a construção do conhecimento somente ocorrerá se os alunos cooperarem. A colaboração refere-se à troca de informações entre os sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem, com a conotação de ato solidário.

Como foi mencionado, o que faz a diferença no uso dos recursos tecnológicos na área da educação não são os equipamentos, mas o que os educadores podem propor através destes. Existe hoje uma grande variedade de recursos computacionais, mas somente com a sua otimização e a aplicação de uma prática pedagógica cooperativa e crítica é que consegue-se avançar em relação às práticas ditas tradicionais.


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