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BrBRCVHe0034-71672011000600020

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National varietyBr
Year2011
SourceScielo

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Processo de morte e morrer: evidências da literatura científica de enfermagem

INTRODUÇÃO A temática da morte e o processo de morrer, intrínseco a ela, residem atualmente no ideário coletivo das sociedades ocidentais, sendo propalados indiscriminadamente por veículos de comunicação de larga natureza. A morte é a notícia mais frequente(1), destacando-se os casos nos quais o delinear do morrer se sucede em completo anonimato, na solidão, sem cuidados, em substância, sem uma presença amiga que possa propiciar o aconchego de uma relação humana aliado a cuidados embasados em conhecimentos científicos.

A morte e o morrer são inerentes à existência humana(2). As incertezas e a imprevisibilidade que se dispõem em volta do binômio morte-morrer compelem o ser humano a conviver com a sua presença desde o início ao estágio final do seu desenvolvimento(3).

Partindo deste pressuposto, é justificado os indivíduos concederem à morte um caleidoscópio de significações. Os conflitos acarretados pela morte nos seres humanos, seja em relação à sua própria morte, à de seus familiares, ou mesmo no exercício profissional, deixam em relevo sentimentos diferentes exemplificados pela raiva, pela tristeza, pela barganha e pela negação, os quais carecem de discussão e de análise, de modo a propiciar um enfrentamento mais apropriado do processo de morte e morrer(4).

As distintas formas de se encarar a morte e o morrer são encontrados nos vários períodos da História, traduzindo a diversidade de culturas que existiram no mundo, as variedades de pensamentos e as muitas individualidades que expressam sua ideia(5). Com o rompimento dos paradigmas construídos socialmente pode-se ressaltar ainda a mutação dos contextos concernentes aos rituais funerários e à ascensão do âmbito hospitalar como principal cenário de morte em nossa realidade.

Este fato é justificado porque se vigora a necessidade de se esconder a morte e os mortos, ocultando-se a figura social do moribundo(6). Neste sentido, percebe-se a constante institucionalização de idosos e enfermos na tentativa de evitar quaisquer vínculos afetivos com estes sujeitos.

Denota-se assim, a premência da implementação de ações direcionadas à preparação dos profissionais de saúde, especialmente, de enfermagem uma vez que se acercam a todo instante e de modo íntimo dos sentimentos, das frustrações e dos medos que são próprios da cultura e dos vividos de cada indivíduo que padece. Neste sentido, é relevante valorizar a dimensão emocional da equipe de enfermagem, destacando que antes de cuidar do outro que está morrendo, é preciso cuidar da emoção dos que cuidam(7).

O interesse em estudar a morte emerge do propósito de se promover uma reflexão sobre o fenômeno da morte e do morrer tendo-se em vista as limitações inerentes aos seres humanos, de um modo geral, na convivência com este evento, que é inalienável à nossa realidade existencial.

Com este estudo, esperamos contribuir para o processo de desmistificação da morte e do morrer, tornando-o mais humano, através da substituição da curiosidade, do medo e da insegurança pela necessidade de reformular a assistência com desígnio de priorizar o enfrentamento do fato em detrimento de sua contestação. Esperamos, também, contribuir dando subsídio para outras pesquisas que relacionem esta problemática, tendo em vista a escassez de estudos congêneres.

Considerando a revisão sistemática da literatura como via de acesso ao conhecimento pré-existente e à necessidade dos autores de, a partir de resultados em evidência, refletirem acerca do que se pesquisou sobre o tema em foco, formula-se a seguinte questão: quais as percepções, sentimentos e intervenções efetivas de estudantes e profissionais de enfermagem, diante o processo de morte e morrer no exercício profissional? Partindo desta interrogativa, definimos como objetivos para este estudo: identificar o perfil das produções e analisar percepções, sentimentos e intervenções efetivas diante do processo de morte e morrer no exercício profissional evidenciados na produção científica da enfermagem no período de 1994 a 2009.

METODOLOGIA Estudo de natureza qualitativa e descritiva, desenvolvido por meio de uma revisão sistemática da literatura: recurso que proporciona a incorporação das evidências científicas na prática da enfermagem, tanto na pesquisa, quanto na assistência(8-9).

A pesquisa compreendeu três fases: revisão sistemática da literatura; avaliação crítica dos artigos e metassíntese: método de pesquisa cujo objetivo é a análise minuciosa da teoria, métodos e resultados obtidos por estudos que utilizaram a abordagem metodológica qualitativa(10).

A primeira fase: revisão sistemática da literatura realizada a partir de pesquisa bibliográfica eletrônica, utilizando as bases de dados: PubMed, Lilacs e SciELO a partir dos descritores: morte and enfermagem. Para seleção dos estudos, adotou-se como critérios de inclusão: pesquisas qualitativas realizadas pela enfermagem sobre o processo de morte e morrer, publicados em português, inglês ou espanhol no período entre 1994 e 2009. Foram identificados, inicialmente, 1.458 trabalhos.

Os estudos selecionados deveriam apresentar clareza quanto a alguns aspectos metodológicos, tais como: estudo original com amostra de sujeitos de ambos os sexos; desenho metodológico e enfoque teórico empregado na coleta e análise dos dados; amostras intencionais com critério de seleção explicitado e tamanho definido por processo de saturação de conteúdo; detalhamento da análise dos dados. Foram excluídos capítulos de livros, teses e dissertações, assim como estudos cujo objetivo central fosse o olhar dos pacientes diante da possibilidade da morte.

A segunda fase, a avaliação crítica dos estudos, foi feita com base no Critical Appraisal Skills Programme (CASP) (11) um check list que traça diretrizes para a avaliação da qualidade de pesquisas qualitativas. O CASP é composto por 10 itens que permitem classificar os artigos em categorias de acordo com estrutura metodológica. Os estudos foram classificados em categorias A e B.

A categoria A significa baixo risco de viés e deve atender pelo menos nove dos dez itens propostos: objetivo claro e justificado; desenho metodológico apropriado aos objetivos; apresentação e discussão dos procedimentos metodológicos; seleção da amostra intencional; descrição da coleta de dados: a escolha do instrumentos e o processo de saturação; relação entre pesquisador e pesquisado; procedimentos éticos; análise densa e fundamentada; resultados apresentados e discutidos, apontando o aspecto da credibilidade; descrição sobre as contribuições e implicações do conhecimento gerado pela pesquisa, bem como, suas limitações. A categoria B, por sua vez, corresponde a, pelo menos, cinco dos dez itens e significa que são atendidos parcialmente os critérios adotados, apresentando risco de viés moderado.

A terceira fase: metassíntese foi realizada por quatro revisores independentes.

As categorias utilizadas na avaliação e na metassíntese foram obtidas por consenso entre os avaliadores. Os trabalhos selecionados foram lidos e avaliados a partir do método meta-etnográfico, ou seja, àquele que envolve indução e interpretação, trabalha com a ressignificação (translation) dos resultados entre os trabalhos, permitindo a compreensão e transferência de idéias, conceitos e metáforas ao longo dos diferentes estudos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Embasados na leitura crítica dos títulos e dos resumos de todos os estudos localizados na busca eletrônica, 39 trabalhos preencheram os critérios pré- estabelecidos e foram lidos na íntegra. Ao final desse processo, 10 trabalhos atenderam a estes discernimentos de inclusão. Este conjunto foi então submetido à avaliação de qualidade.

De acordo com os critérios de qualidade aplicados, três estudos foram classificados como A e sete como B. Os estudos selecionados são apresentados na Tabela 1, quanto aos autores, país do estudo, participantes, o método de coleta de dados, enfoques teóricos e nível de qualidade do estudo.

O Quadro_1 mostra o quantitativo de participantes do estudo: os trabalhos sobre o processo de morte e morrer incluem uma amostra diversificada, perfazendo aproximadamente 222 sujeitos entre acadêmicos e profissionais de enfermagem.

Para produção dos dados, as estratégias foram várias: entrevistas semi- estruturadas (12-15,18,20), grupo focal (18,21), entrevista em profundidade (19,21), entrevista aberta (16), dinâmicas de grupo e oficinas (17).

Percepções acerca da morte Os conceitos emergidos diante da morte e do processo de morrer desmembram-se em elementos como: passagem, separação e finitude. O elemento denominado passagem compreende uma concepção espiritual do tema, em que a pessoa tem a morte como transição entre o mundo material e o espiritual.

Eu acho que é uma passagem, uma etapa da vida, eu acho que nosso corpo fica e nosso espírito vai para outro lugar. (13) A morte é uma continuidade, é separação e tristeza, é conseqüência da vida, é descanso, é dever cumprido (14) A morte é uma coisa desconhecida. (20) Morte é o fim de tudo, da manifestação da vida de uma pessoa. É um acontecimento biológico. (21) A morte como passagem é a representação das crenças e convicções espirituais do ser humano (20). Ela é vista como evento que ocorre com todos, num futuro, portanto supostamente desconhecido. A morte vista como o desconhecido traz à tona a emoção do medo, o mistério, o não familiar, que, é também associada a certo fascínio, pois oferece a possibilidade de desvendar algo que não se conhece e que pode ser mais instigante que a própria existência(16).

A morte vinculada à idéia de finitude pode vir acompanhada de tristeza e revolta, considerando que ela interrompe a vida e reflete a idéia de pensar na morte fora de hora. Pode também ser arrostada com indiferença, fatalidade, após ter-se cumprido uma missão; poderá ser chamada de morte na hora certa(18).

Sentimentos relacionados à morte Mediante as diversas formas como os participantes do estudo percebem a morte e o morrer diversos sentimentos emergem. Estes devem ser exaustivamente explorados considerando que o autoconhecimento é um processo importante a ser averiguado a fim de melhor lidar com situações que impliquem manifestação de emoções profundas, principalmente as relacionadas com a morte. Os estudos revelam que os sentimentos são negativos: medo, perda, sofrimento, tristeza, angústia, impotência, frieza, dor, fracasso e erro.

A morte é carregada por um estigma muito grande, um misticismo, isso então cria uma concepção da morte como frustração e dor. (17) A gente sente sim, e sofre bastante com a perda. (15) Eu não consigo definir o que eu senti [...]. É mais do que uma frustração, é um sentimento muito ruim, é uma impotência. (14) Eu fico muito triste. (12) A vivência da frustração é angústia frente à situação irreversível: a perda. A sensação de frustração surge em conseqüência da própria formação direcionada a recuperar a vida. A perda do controle da situação, a iminência da morte, apesar de todos os recursos tecnológicos, faz com que os profissionais se defrontem com suas limitações. Ao reconhecê-las, é como se a habilidade profissional estivesse sendo testada, como se a manutenção da vida dependesse da competência da equipe responsável pelo paciente(17).

também os sentimentos de tristeza e impotência que variam de acordo com as estratégias de cuidado que são utilizadas. Aqueles que se envolveram mais com o paciente, após maior convivência, revelam um profundo sentimento de tristeza e angústia ligado a esse cuidado. Os dados encontrados são similares aos dados da literatura. Sentimentos de frustração e impotência nesse cuidado ineficaz, que acaba no momento da morte do paciente; assim como a própria percepção do despreparo técnico e incapacidade de lidar com os próprios sentimentos são relatados tanto por estudantes como por profissionais de enfermagem(12-21).

Estratégias de enfrentamento diante da morte A dificuldade em se relacionar com pacientes com prognóstico de morte se deve em parte às características apresentadas pelo paciente nesta fase e, principalmente, à dificuldade interna que sentem em lidar com o problema.

De um modo geral, é perceptível que aos estudantes e profissionais de enfermagem não é permitido viver o luto de outros, talvez, na tentativa de se protegerem ou então porque não estão preparados para conviver com essas manifestações somáticas e emocionais. Eles acreditam que sua postura deva ser firme e que reconhecer o seu sofrimento significa ferir sua índole. Ainda a visão de que o profissional deva ser "frio" ou indiferente na situação de morte.

Mentalmente, eu procuro separar um pouco a vida particular de dentro da UTI, porque senão a gente entra em parafuso. Eu procuro separar.

(16) Pra mim, é natural, eu aprendi a lidar tanto com a vida como com a morte. (17) O enfrentamento da morte tem por princípio o desenvolvimento da sua própria compreensão (de sua subjetividade), tendo por dimensão os conceitos de irreversibilidade e universalidade. A irreversibilidade refere-se à compreensão de que o corpo físico não pode viver depois da morte, portanto, inclui o reconhecimento da impossibilidade de mudar o curso biológico ou de retornar a um estado prévio. A universalidade refere-se à compreensão de que tudo que é vivo morre(13,16).

É relevante destacar que o enfrentamento do sofrimento causado pela perda de um paciente pode ser construtivo, desde que se tenha auto-estima elevada e maturidade para encarar este tipo de atividade, orientada pela sua responsabilidade e ética profissional. No entanto, para impedir o sofrimento é necessário que tanto o acadêmico como o profissional busque maneiras para lidar com ele, negando a sua presença ou acostumando-se com a sua existência(18).

CONCLUSÃO Independentemente do método e da forma com que os dados foram coletados, os sujeitos apresentaram percepções, sentimentos e enfrentamentos semelhantes a respeito do processo de morte e morrer.

Evidenciou-se a partir da literatura que acadêmicos e profissionais de enfermagem percebem este processo como passagem, separação e finitude.

Percebeu-se o despreparo, que aparece ao defrontar-se com a situação real. Para todos, foi uma experiência dolorosa. Para alguns, resultou em aprendizado e superação. A evidência da tensão entre o ideal pessoal de cuidar do paciente e a realidade particular que se vive ao cuidar aparece nos discursos e estão permeados de sentimentos de frustração e impotência.

O estudo demonstra que as intervenções mais efetivas diante deste problema é o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento que variam de acordo com a realidade de cada indivíduo: o contexto e o vivido de cada ser. Para os estudantes e profissionais de enfermagem são consideradas efetivas a desvalorização do biologicismo em detrimento a subjetividade que permeia a existência humana em que a morte é inevitável, considerando que o homem é um ser-para-a-morte.

Dentre as evidências práticas relacionadas às estratégias de enfrentamento destaca-se nos estudos: a separação das emoções vividas no trabalho da vida particular; a resistência psíquica à agressão que constituem determinadas atividades inerentes ao trabalho, em especial, àquelas relacionadas à morte.


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