Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

BrBRCVHe0034-71672013000200014

BrBRCVHe0034-71672013000200014

National varietyBr
Year2013
SourceScielo

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Diferentes configurações da violência nas relações pedagógicas entre docentes e discentes do ensino superior

INTRODUÇÃO Apresentaremos alguns aspectos das relações pedagógicas que ainda são pouco visíveis e que ocorrem entre docentes e discentes no contexto do ensino superior. Estas relações podem ser marcantes para ambos os sujeitos, docentes e discentes, mas alguns contextos em que elas se produzem de forma muito hierarquizada e assimétrica, o que contribui para a emergência de determinados fenômenos indesejados no espaço pedagógico, dentre eles a violência simbólica, tema que abordaremos ao longo do artigo.

Nas instituições universitárias mais tradicionais ainda compete aos docentes pensar o processo pedagógico desde o planejamento de todas as atividades teóricas e práticas, até diferentes formas de implementar o ensino planejado, os locais onde ocorrerão as práticas, como estas devem acontecer, por quanto tempo e com que finalidades e eles também precisam avaliar se os discentes alcançaram as competências desejadas ao final do processo de ensino- aprendizagem. Este modelo pedagógico, que traz várias marcas do que chamaremos no texto como ensino tradicional, repõe o docente como centro do processo, como o sujeito que pensa a quase totalidade do ensino e o discente é aquele que dependerá, em grande parte, das decisões e formas de atuar dos primeiros para progredir na sua vida acadêmica e conseguir, ao final dela, o diploma universitário.

Mas nossa compreensão do lugar e da importância do docente no processo pedagógico foge em muito deste perfil ainda comum no ensino tradicional. Na trajetória do ensino mais inovador e reflexivo, que nos interessa e de onde partimos, se caminha privilegiando a relação entre o aluno e o saber e ao professor compete o papel de 'apoio ao aluno na construção e na configuração desse saber'. Neste contexto mais reflexivo e mesmo político, se reafirma a importância do docente como elo entre o aluno e os saberes e conhecimentos necessários ao discente para atuar com competência formal e política no seu futuro como profissional em qualquer área do conhecimento. Do docente se exige muito mais, ele precisa pensar e agir como um formador de profissionais cidadãos e dominar tanto os aspectos formais como os aspectos políticos da difícil tarefa de educar(1).

Consideramos que a educação é a base primeira da construção do sujeito político, aquele que se mostra capaz de superar imposições, arbitrariedades, medos e/ou constrangimentos tanto para mudar o presente para si e para outros, como também sabe criar oportunidades de futuro, exercitando constantemente a politicidade. Esta é uma habilidade humana, onde se aprende saber pensar e, mais que isto, intervir na realidade e ser capaz de reconstruí-la permanentemente de modo reconstrutivo e político. Nesse sentido, o bom professor é aquele que sabe fazer a difícil mediação entre o conhecimento e a educação, pois sabe que é esta última que imprime a qualidade política e ética que o conhecimento necessita(1).

Frente a estas concepções sobre educação e suas importantes diferenças com o conhecimento, o lugar e as competências que são exigidas do bom professor, nos voltamos para definir o objetivo deste estudo, que foi melhor compreender como se configuram a violência e o poder simbólicos nas relações pedagógicas entre docentes e discentes no ensino superior desde a perspectiva e vivências destes últimos. Adotamos como referência teórica para interpretar os dados de campo os estudos de Pierre Bourdieu sobre a violência simbólica e o poder simbólico nas relações escolares(2).

PERCURSO METODOLÓGICO Trata-se de uma pesquisa de campo de abordagem qualitativa, tipo descritiva e exploratória. O estudo foi realizado no campus de Cuiabá da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Escolhemos os cursos de graduação de Economia e Direito, da área de conhecimento das Ciências Humanas e Sociais; os cursos de Engenharia Civil e Arquitetura e Urbanismo da área das Ciências Exatas; e os cursos de Enfermagem e Medicina, da área das Ciências da Saúde, todos da UFMT, campus de Cuiabá.

Essa pesquisa contou com a autorização prévia da Pró-Reitoria de Ensino de Graduação da UFMT, bem como a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do HUJM/ UFMT, protocolo 777/2010, atendendo as exigências da Resolução 196/96.

Fizemos a procura pelos sujeitos da pesquisa nestes seis cursos da UFMT e definimos como critério de escolha dos mesmos, o fato de serem acadêmicos matriculados no último ano ou último semestre do curso escolhido. Este critério foi estabelecido por acreditarmos que estes discentes teriam maiores vivências sobre os processos pedagógicos de seus cursos, pois ja teriam passado por praticamente todos os semestres. Iniciamos a coleta no mês de novembro, quando todos estavam finalizando o curso. Fizemos um convite eletrônico e também telefônico. Confirmado o interesse dos acadêmicos, agendamos as entrevistas em local e hora indicados pelos mesmos. Trabalhamos com 12 sujeitos e um foi entrevistado duas vezes, pois tivemos problemas na transcrição do material.

Para manter o anonimato dos entrevistados, cada sujeito desta pesquisa recebeu uma codificação ao realizarmos as entrevistas, código este que foi utilizado na apresentação dos resultados. Também alteramos os nomes dos professores citados nas entrevistas substituindo-os por códigos, bem como dos nomes das disciplinas citadas. Utilizamos a entrevista não estruturada como principal técnica para coleta de dados desta pesquisa. As entrevistas ocorreram entre novembro a dezembro de 2010, no final de semestre letivo.

Como técnica para análise dos dados foi escolhida a análise de conteúdo na modalidade de análise temática. Ao organizar os dados, encontramos três grandes eixos que se configuraram como nossos grandes temas de análise: no primeiro aprofunda-se na dinâmica do processo pedagógico, no segundo eixo procura-se entender as causas da violência no contexto estudado e no terceiro são apresentadas algumas das configurações mais explícitas do fenômeno que ocorre no ensino superior nos cursos estudados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Processo pedagógico: o fenômeno da reprodução, da violência e do poder simbólico A sociedade e suas instituições mais consagradas são espaços privilegiados de reprodução da ordem social(3). Dentre estas citamos a igreja, a família, o Estado e também a universidade, nosso lócus privilegiado de pesquisa. Esta sobrevive e se reforça pelo reconhecimento que emana de outras instituições da sociedade, que a legitimam como o lugar onde além de se produzir conhecimentos diversos, vitais para a vida humana, também se formam os profissionais dos diversos campos que a sociedade precisa.

Também um forte senso comum que perpassa a sociedade e que compreende a universidade como um "poderoso mecanismo de ascensão social, cabendo destacada valorização para o ensino oferecido pelas universidades públicas"(4). Além disso, é no meio universitário que circulam diversos saberes e conhecimentos, bem como as formas de legitimação destes, pela via da avaliação e outros processos, mediados pelos docentes e também pelos diversos colegiados, que são constituídos, em sua maioria, por docentes.

Partimos do pressuposto que o processo educativo, quando adequadamente conduzido, diga-se com competência formal e política por parte dos docentes, pode produzir importantes mudanças nas formas de funcionamento social, ampliando a democracia e influenciando na qualidade de vida das pessoas. Mas quando este é inadequadamente manejado pode fazer justamente o inverso, como diz este discente: ... a lei da sala era ele [o professor], era ele que decidia tudo...

Então, assim, a gente achava o cúmulo do absurdo não poder dar [qualquer] opinião na aula dele. (EARQ01).

Esta sala de aula tornou-se um espaço de tal forma hierarquizado que ficou marcado para este aluno como de imposição e arbitrariedade e mesmo achando um absurdo não poder dar opinião na aula deste docente, o discente coloca sua indignação no que a teoria bourdieusiana define como um ritual, onde não se discute a ordem dada naquele campo, mas apenas se cumpre o que o habitus permite, pois é ele que 'assegura a interiorização da exterioridade e adequa a ação do agente à sua posição social'(5).

A importância do estudo do conceito de habitus no contexto pedagógico, reporta- nos a pensar como este se estrutura através dos processos de socialização dos agentes, que comandam a estruturação de novos habitus que serão produzidos por diferentes agências pedagógicas, a família e a escola sendo dois bons exemplos neste sentido. Na noção de habitus repousa a base do fenômeno da violência simbólica, sempre mediada pelo poder simbólico, pois "o habitus tende, portanto, a conformar e a orientar a ação, mas na medida em que é produto das relações sociais ele tende a assegurar a reprodução dessas mesmas relações objetivas que o engendraram"(5).

É o poder simbólico que permite que haja a concordância entre os agentes do processo pedagógico, docente e discente e é ele também que define o lugar de cada agente nos processos sociais. Ele se define como um tipo de dominação suave, que encobre as relações de poder que regem os agentes e a ordem da sociedade como um todo, assim se reconhece a legitimidade dos valores produzidos e administrados pelos que estão no topo da hierarquia social, espaço que no ensino superior é ocupado pelos docentes. É o poder simbólico que permite atitudes como esta: ...simplesmente ela [a professora] senta numa mesa, passa um exercício no quadro, te a resposta depois de cinco minutos, a aula como dada, aplica a prova, mas não corrige, e te aprova na disciplina. No primeiro momento isso é ótimo pra você, principalmente com o aluno de segundo e terceiro ano, que o intuito dele é ir pra frente, é um diploma, mas a gente sabe que não é bem assim. (EENG01).

No momento em que os discentes estão imersos nessa zona que denominamos como 'nebulosa' do processo pedagógico, o poder simbólico é mantido e alimenta-se através de estratégias que aparentemente ofuscam a capacidade crítica do sujeito que aprende, de forma que este não consegue se organizar para confrontar-se com o que está dado naquela ordem simbólica, uma vez que ela se apresenta como vantajosa para ele, que sucumbe e não resiste à arbitrariedade e as formas equivocadas com que alguns docentes pensam e realizam o ato de ensinar. Como diz este acadêmico.

...a gente tentou reclamar, que viu que não resolvia, decidimos largar de mão e acabou que todo mundo foi sendo aprovado...

(EARQ02).

O conteúdo da fala acima expressa que o recuo tácito que mantém a inércia dos discentes perante à situação de não aprendizado ao qual foram submetidos. Se o poder simbólico permite ao docente aprovar todo mundo, ele também torna possível a "concordância entre as inteligências", pois os alunos se informam e sabem de antemão quais são as estratégias dos professores com os quais virão a ter contato, sabem quais são rigorosos apenas no nível ritual, mas que depois facilitam o processo de progressão dos alunos para não ter que fazer maiores esforços ou enfrentamentos com um ou outro aluno mais exaltado. É este mesmo poder que permite a construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem que define o mundo social conforme os interesses dos dominantes, neste estudo identificados pelos docentes universitários(2).

Apesar de o sistema de ensino universitário, em alguma medida, assegurar ao docente a imunidade sobre possíveis atitudes não pedagógicas, que não promovem o aprendizado do aluno, esse é o mesmo sistema que também cuida de não inviabilizar a reação dos discentes, mesmo que esta se situe no nível do ritual, do 'tenho que protestar', para que estes últimos possam sentir-se minimamente sujeitos do processo. Para tal é permitida a presença, ainda que numericamente mínima, dos alunos em praticamente todos os colegiados da universidade, que são as estruturas que avaliam e deliberam sobre os processos burocráticos e institucionais eventualmente movidos pelo alunado.

Considerando a diversidade de percepções e vivencias que estão postas no ambiente universitário, os mesmos discentes que tem contato com docentes autoritários e de pouco diálogo, também reconhecem vários bons docentes, que são, no entendimento deles, os que permitem a reflexão sobre suas experiências pedagógicas, como verificamos nas entrevistas dos acadêmicos., dentre as quais destacamos a desta acadêmica de Arquitetura e Urbanismo: Tem os professores que você busca e sempre ele está ali disponível pra falar com você, pra tirar sua dúvida (...) que realmente são comprometidos, que não faltam na hora de dar aula (...) que sempre estão com conteúdo planejado pra fazer a aula acontecer (...) repete tudo de novo pra você entender , passa exercícios, se tiver dúvida, faz aulas de revisão (...) são professores assim que a gente que realmente vale a pena, . (EARQ01).

O ensino é o cenário onde se encontram docentes e discentes, É o encontro de múltiplas possibilidades onde professores e alunos têm a possibilidade de fazer trocas, descobertas e experimentações. Além disso, salientamos aqui que o ensino não é sinônimo de educação, e que ensinar não é da mesma natureza que educar. Ensinar pode ser uma prática social emancipatória, como pode ser aquela que coloca pessoas com diferentes necessidades em relação e realizada por pessoas que possuem interesses, privilégios e detêm poderes sobre aquelas que aprendem. Portanto, ensina-se tanto para a produção de sujeitos autônomos e éticos, como também reproduzindo maneiras de perpetuar submissões e hierarquias, por meio de um exercício e uma aplicação inadequada do conhecimento pelos docentes(6-8).

Ao pensar as cargas horárias e planejar o ensino, os docentes algumas vezes, sobrecarregam os discentes de tal forma que estes não têm espaços para exercitar sua politicidade e autonomia pela absoluta falta de tempo para si, como expôs a acadêmica de Economia lembrando em breve estar "livre" da universidade: ...porque isso [estar ligada à universidade] impede minha vida em tudo, em várias coisas, por exemplo, eu gosto muito de aula de dança, fazia academia, mas se eu for fazer isso à noite, quando eu estava estudando, que horas que eu vou estudar? A faculdade me impediu de várias coisas, claro que é uma coisa boa faculdade, eu gostava de estudar, mas eu não via a hora de formar pra ficar livre pra depois fazer minhas outras coisas que eu gosto também. (EECO02).

Alguns depoentes ainda relatam que tentam 'não pensar muito' nas arbitrariedades a que estão expostos no contexto pedagógico (EDIR02).

Os privilégios concedidos pelo conhecimento aos sujeitos que o manejam diretamente, no caso os docentes, podem fazer com que estes não alcancem seus propósitos - ...ele tem um conhecimento vasto, imenso, porém, ele dando aula ele deixa um pouco a desejar... (EARQ02) - ou extrapolem seus limites e utilizem seus 'poderes' de maneira arbitrária, como constatamos na fala do acadêmico de Direito: ... teve uma aluna que foi debater na aula de Filosofia e ele questionou isso 'você por ser uma estudante de Direito, você está tentando equiparar o seu raciocínio, a sua inteligência comigo? Não você não vai conseguir porque eu sou doutor em Filosofia e você é uma mera estudante de Direito (EDIR01).

O conteúdo da fala acima revela o manejo inadequado do processo pedagógico pelo docente, que verticaliza as relações e não se aproxima dos sujeitos interessados no aprendizado. Seu efeito é inverso, pois afasta os discentes do processo pedagógico, fazendo-os se desinteressar por ele. De fato, essa relação pedagógica deveria deixar de ser vertical e de imposição cultural para ser uma relação de construção conjunta do conhecimento, no entanto, a intensa verticalização da relação de poder entre docentes e discentes, neste caso descrito, provoca assimetrias e desinteresse por parte dos alunos e acaba por produzir mais exclusão(9).

Através dos relatos dos sujeitos de estudo percebemos que a avaliação no processo pedagógico se mostrou em vários momentos como uma das ações pedagógicas que mais define a autoridade docente. As diferentes práticas realizadas pelos docentes relatadas nesse estudo também demonstraram a utilização do poder simbólico para outros fins que não as necessárias para atender os ideais da educação que busca a qualidade formal e política. Assim citamos vários depoimentos como o de EECO02 que fala sobre o propósito de reprodução da avaliação por prova através da memorização(10) em detrimento da capacidade de raciocínio e interpretação dos discentes: Pessoas que sabiam interpretar e colocar da cabeça, mas estando certo, ele não considerava. Se tivesse igualzinho o livro, sabe, ele considerava certo. (EECO02).

Percebemos então que é nessa zona confusa que emerge a ideia errônea, que pode ser traduzida pelo dizer comum na universidade 'eu finjo que ensino e você finge que aprende', na qual ambos, docentes e discentes entram em acordo tácito. Como diz a depoente: ...simplesmente, ele não dava aula pra gente, assim, ele fingia que dava aula, porque toda aula ele dava a mesma matéria e explicava as mesmas coisas ... (EARQ01).

Sabemos que a avaliação efetivamente faz parte da estruturação das práticas de ensino na universidade, não como não avaliar. Mas vale lembrar que se pode avaliar de muitas maneiras, tanto de forma mais ortodoxa, como de formas mais compartilhadas, em que o processo de avaliação é pensado, planejado e realizado de forma integrada à aprendizagem, tendo por orientação os objetivos educacionais que se quer alcançar e por meio de uma relação que desenvolva entre professores e alunos corresponsabilidade pelo aprendizado(9).

Porém, os docentes que comumente definem como será o processo de avaliação e neste ato, definem muito do que acreditam ser o processo de ensinar e aprender na universidade, como podemos evidenciar na fala do acadêmico de Direito, quando este exemplificou o que seria uma boa avaliação: ...era uma prova de cinco páginas ali escrevendo e eram duas horas seguidas, você saia com a mão doendo, você tinha que estudar muito pra ir fazer a prova. A professora era rigorosa, ela dava uma excelente aula, mas cobrava, mas você aprendia, isso é fato, ninguém ia pra prova sem estudar. (EDIR02).

No relato acima apreendemos a forma como este acadêmico considera 'correto', ou seja, legítimo, uma avaliação em que se exige muito o conteúdo. Este revela na sua fala palavras relativas à docente que exprimem a arbitrariedade, como 'rígida' e 'cobrava'; porém, a concordância, ou no caso a compensação, viria ou se justificaria por esta dar uma aula considerada 'excelente', na qual o produto maior que redimiria a ação pedagógica é a máxima 'você aprendia'.

Seria esta a melhor forma de aprender? O sentido da avaliação teria compromisso com o desempenho da qualidade formal e política discente? Ou seria mais um momento de teste estereotipado desvinculado do processo de aprendizagem? Dentre outras formas de avaliação da aprendizagem, a 'prova', repetidamente citada pelos entrevistados, foi concebida como um ato de imposição de força do docente, que define o que vai cobrar de conteúdo ou atitudes, bem como ainda define como vai fazer isto e quanto vale qualquer ação do discente. Esta se revelou a barreira mais difícil de ser superada pelos discentes e nela muitos potenciais de autonomia que estão se construindo se perdem pelo caminho da formação universitária(10).

No caminho contrário o compromisso essencial da avaliação com o qual concordamos é que a sua razão de ser seja 'garantir a aprendizagem qualitativa do aluno'(10). Porém, outra prática relatada pelo acadêmico de Medicina que ainda parece ser comum no cotidiano acadêmico: prova elaborada para 'prejudicar' o discente, como diz: ...é uma prova que você sente que não foi feita pra avaliar o seu conhecimento, mas são pegadinhas pra pegar o aluno... (EMED02).

A avaliação com vistas a atingir a qualidade formal e política que o processo formador exige, inclui, entre outras coisas, 'não dividir o processo educativo em atos fragmentados, mas concebê-lo e praticá-lo como progressão evolutiva permanente'(10). Dessa forma interessaria menos o erro, o fracasso eventual e o mau desempenho localizado e muito mais o esforço, o envolvimento do discente em superar suas limitações e dificuldades, sempre com a ajuda do docente. Mas estas são marcas da violência simbólica muito naturalizadas na ação pedagógica, pois o docente pode e deve definir formas de avaliar, se possível, dentro de regras bem claras e definidas em conjunto com os discentes, mesmo que elas sejam as mais ortodoxas possíveis, se forem produtos de acordo mútuos poderão ser considerados 'normais'. Como disse este acadêmico: ...[o professor] mandou que fosse feito um trabalho, deu uma data, chegou e o pessoal entregou, nem todos, uma menina que não e ele deu a mesma nota mínima pra todo mundo passar... (EMED02).

Assim, demarcadas as posições dos agentes no jogo de poder pedagógico, o discente ocupa neste espaço um lugar diferenciado hierarquicamente, porque é ele que vem em busca do saber e do conhecimento que os docentes aparentemente detêm. A teoria bourdieusiana sobre o fenômeno da reprodução que permite assimetrias no processo pedagógico é controversa e seus autores foram alvo de fortes críticas, principalmente por parte dos idealizadores da escola libertadora e democrática brasileira, dentre eles Paulo Freire, por estes apresentarem grande ênfase na argumentação a respeito do sistema escolar e de seus agentes como colaboradores da reprodução social. Mas ao atribuir a cumplicidade dos agentes dessa instituição para legitimar e promover a reprodução da ordem social, a teoria abre caminho para ser questionada, como toda teoria pode ser. Por isso consideramos importante pensar o sistema de ensino superior a partir dela, pois nos parece que a universidade tem muito mais contribuído para conservar as estruturas sociais do que para mudá-las.

As causas da violência nas relações pedagógicas entre docentes e discentes Devido às diferentes lógicas de compreensão da violência nas relações pedagógicas entre docentes e discentes, nos propusemos a compreender um pouco mais sobre as causas da violência nessas relações, a partir da concepção de que a violência simbólica consiste na base das outras configurações do fenômeno que se valem da aparente brandura e naturalidade desta para tomar formas mais atrozes e explícitas no contexto acadêmico. Desse modo, acreditamos que se este tipo de violência permite a emergência das demais tipologias bem mais explicitas do fenômeno, precisa ser compreendida em todos os espaços onde possa ocorrer.

Para Bourdieu, a violência simbólica permite a concordância entre os agentes(2) e, por isso, consideramos este estudo como um terreno fértil para o surgimento de outras configurações da violência. As fronteiras entre o que é e o que não é uma ação violenta acabam por ficar muito borradas e necessitamos de um suporte teórico denso para poder identificar estas configurações mais suaves e invisíveis. Todavia, para compreendermos melhor como os discentes percebem a violência nessas relações, reportamo-nos a outras noções e conceitos para apreender as demais configurações do fenômeno expandindo nosso olhar para as formas mais perceptíveis e captáveis deste nas relações pedagógicas entre docentes e discentes.

Assim, tomamos a perspectiva do discente, que, nos parece, muitas vezes ocupar um lugar de passividade e submissão aos atos dos docentes, mas que, nem por isto, deixa de perceber que, no contexto acadêmico, acontecem certos atos de violência por parte dos docentes. Como pode ser compreendido na fala da acadêmica de Enfermagem acerca da atitude em sala de aula do mesmo docente Alfa, na forma como ele se referia, com ironia e fazendo chacota, aos nomes e sobrenomes dos seus colegas de turma: ...teve uns momentos... de algumas colegas... tipo, a chegar falar que o pai e mãe quando decidiram escolher o nome estavam fumando maconha! Acho que isso é uma falta de respeito não é? Então... assim, eu acho que é uma forma de violência.. (EENF02).

Todavia, comportamentos violentos podem, também, em alguma medida não serem percebidas pelos agentes que as perpetram, os docentes, pois estes ao transfigurar, dar outro significado às suas ações acabam por fazer com que pareçam naturais, como se fossem parte constitutiva da relação que se estabelece entre ambos os agentes naquele espaço. É uma forma a legitimar aquela ação como 'aceita' socialmente, do mesmo modo como ocorre no mecanismo da produção simbólica da violência simbólica de Bourdieu(2).

É o uso do poder de forma equivocada pelos docentes, donde termos incluído a negligência e os atos de omissão para com o aprendizado dos alunos como situações de violência, além dos atos violentos mais óbvios e perceptíveis dessa relação(11). A forma como os docentes utilizam estes poderes de definição para o que vai ocorrer na sala de aula resulta na extrema hierarquização, onde as posições de cada sujeito são bem demarcadas e podem ser percebidas conscientemente pelos acadêmicos, como relata o acadêmico de Engenharia Civil: ... Tem todos os perfis (de professores) aqui dentro: o perfil que cria essa barreira, que se coloca no altar, em cimão...

(EENG01).

Essa hierarquização é proveniente do modelo burocrático que se instalou de forma geral nas universidades brasileiras que embora não atenda ao novo momento da sociedade brasileira ainda é gerador da estrutura centralizada, autoritária e dominante. É exatamente essa cascata de efeitos gerados pelo 'poder' e pelo 'uso de poder' que compõe a base rudimentar sob a qual a violência ganha força e toma forma cada vez mais explícita e configurada, e por meio dessa lógica que foi concebida sua causa, como referência que nos possibilitou uma melhor apreensão e compreensão do nosso objeto de estudo.

O fato é que, para cada vez mais compreendermos a causa da violência, devemos expandir ainda mais nosso olhar, deslocando-o do contexto universitário e direcionando-o para a sociedade brasileira, entendendo que a violência possui uma raiz essencialmente exógena em relação à pratica institucional acadêmica e esta reflete as coordenadas ditadas pelos tempos históricos, pois se trata de uma sociedade autoritária que conserva as marcas da sociedade colonial. Ou seja, a causa da violência nas relações pedagógicas entre docentes e discentes está voltada para os aspectos sociais ou, melhor dizendo, a prática pedagógica se estabelece num contexto cultural, político e econômico sendo afetada pelas políticas públicas nacionais e institucionais que balizam as trajetórias educacionais de modo que um efeito multidimensional entre o macro e micro espaço educativo e que um interfere fortemente no outro(6).

Assim, concebemos que as causas do fenômeno estão localizadas muito além dos muros acadêmicos, constituídas por uma "reprodução socialmente difusa" decorrente dos efeitos dos outros contextos institucionais (família, mídia, economia, política, religião, entre outros) que se fazem refletir no interior das relações pedagógicas(12-13) e através da seguinte lógica compreendemos que a violência possui uma raiz essencialmente exógena oriunda de outros contextos institucionais da estrutura autoritária da nossa sociedade - causa social - esta se propaga refletindo-se no interior das relações pedagógicas entre docentes e discentes, facilitada por sua vez pelas relações desiguais do contexto universitário fortemente assimétrico, balizadas pelo 'poder' e 'uso do poder' que estão embutidos na ação pedagógica, os quais foram delegados pelo conhecimento/saber e chancelados pela estrutura institucional oligárquica, a partir desse momento configura-se em diversas formas possíveis, desde a mais sutil e velada, naturalizada e banalizada pela cultura acadêmica, até as formas mais perceptíveis e captáveis, todas consideradas indesejáveis no contexto educacional.

Configurações mais explícitas de violência nas relações pedagógicas entre docentes e discentes Na configuração da violência se cruzam diversos problemas apontados por Minayo (14) e esta autora apresentou uma classificação ampla do fenômeno a fim de não reduzi-lo ao mundo da delinquência e que utilizamos na construção teórico- analítica deste estudo: violência estrutural, violência de resistência e violência da delinquência. Anos mais tarde Minayo(15) apresentou outra classificação: violência física, violência econômica, e violência moral e simbólica. Igualmente apoiados em Chauí(16) exploramos nesse estudo a violência moral e psicológica.

Os traços da violência estrutural nesse contexto acadêmico estudado puderam ser apreendidos nas falas de alguns sujeitos desse estudo que ressaltam a reincidência de uma mesma situação com as turmas anteriores, reforçando a ideia de reprodução e invisibilidade do fenômeno - naturalização, bem como a inércia do setor responsável que acaba por reforçar a estrutura de dominação - local privilegiado do agente dominante, aquele que 'manda': ...a gente chegou até reclamar com a Coordenação, fizemos um ofício pedindo a troca desse professor, que a gente sabe que não é a primeira turma que reclama dele, mas no final ficou aquilo, elas por elas... (EARQ02).

...a gente mandava, assim, oficio na Coordenação, na Secretaria, falando que a gente estava se sentindo lesado por causa disso, mas assim, sinceramente, nunca obtivemos resposta... (EARQ01) O contexto universitário fortemente marcado pela autoridade docente pode ser considerado violento porque sempre quando um posicionamento assimétrico de um perante o outro na qualidade de representante hierárquico, seja com o intuito que for, estabelece-se uma relação, a rigor, violenta(12-13). Porém este 'poder de violência' que pode ser ou não visível, também pode ou não ser percebido pelos sujeitos a ele submetidos, isto vai depender em grande parte, dos muitos interesses que circulam e definem o espaço pedagógico.

Em decorrência do robusto poder da violência simbólica, tais docentes são percebidos muito negativamente pelos acadêmicos, conforme evidenciado nos depoimentos: ... o curso é difícil, mas o que o torna impossível são eles.

(EENG01); ... tem alguns professores assim (...) bateu ponto, recebeu o dinheirinho e agora é esperar a aposentadoria. (EDIR02).

Desse modo, o docente pode facilitar, favorecer, ou mesmo dificultar e até interditar as aprendizagens à medida que subsidia, fomenta, desvia ou até obstrui a ação do aluno na direção de seu aprendizado(17).

Na tentativa de resistir às negligências, arbitrariedades e imposições dos docentes nas relações pedagógicas evidenciada pela violência estrutural surge outra configuração da violência, a violência de resistência, que é "aquela constituída das diferentes formas de resposta dos grupos, classes, nações e indivíduos oprimidos à violência estrutural"(14), identificada e localizada nesse estudo mediante as falas dos acadêmicos, evidenciada por boicotes às aulas como forma de protestar e conseguir o afastamento dos docentes: ... Conseguiram, , no caso fizeram um boicote , sempre que era aula dele ninguém assistia aula. (EECO01); ... O aluno assim que entrava na aula esperavam um pouquinho, saia pra beber água, voltava a uns dez minutinhos faltando pra acabar a aula (...) eu sei que no final começou um descaso tão grande tanto da parte dele que passou pros alunos, da parte dos alunos também (...) ninguém queria mais, ninguém assistia mais as aulas dele.

(EDIR01).

Além dos boicotes realizados pelos discentes outras estratégias, que apontam a violência da resistência nas relações entre docentes e discentes, foram localizadas nesse estudo como a ameaça e resposta de mesma natureza violenta dirigida ao docente, relatadas pelo acadêmico de Medicina: ... Eu pus o professor na parede 'e ? Como é que você quer me cobrar isso e isso? Sendo que aqui ó, cadê a sua parte? Você não cumpre com a sua parte' , ele se sente ameaçado, entendeu...

(EMED01); ... Eu também estressava, entendeu, ela vinha com uma dessas e eu dava duas ou três patadas nela também, entendeu. (EMED01).

Nos depoimentos acima percebemos que ao resistir à violência os discentes responderam com mais violência, o que reforça a ideia de propagação desse fenômeno em rede, pois este vai passando por várias configurações, tornando-se cada vez mais permeável e assim adquirindo características mais visíveis e perceptíveis. Porém a resposta violenta, mesmo em forma de protesto, é indesejável no processo educativo, pois a resistência que se espera é a conquista política, uma vez que esta utiliza a democracia para exercer seus direitos de cidadania com liberdade para expor suas críticas e assim resistir a opressão que suprime o questionamento e a reflexão do discente perante qualquer estrutura autoritária(1,13).

As diversas configurações da violência vão adquirindo feições cada vez mais captáveis, mesmo onde ela se deixa menos ver. Essas configurações não amenizam a natureza das outras formas que são consideradas socialmente mais brandas que possui elevado potencial de reprodução e ocultação, porém apesar de serem reprovadas socialmente estas continuam ainda a permear o contexto universitário mesmo sendo alvo de grandes críticas. Dentre essas configurações localizamos a violência da delinquência, que se revela nas ações fora da lei socialmente reconhecida, tendo como fatores contribuintes para sua expansão "a desigualdade, a alienação do trabalho e nas relações, o menosprezo de valores e normas em função do lucro, o consumismo, o culto à força e o machismo"(14). Não relatos de casos vivenciados diretamente, porém essa configuração de violência pôde ser observada pelos acadêmicos: ... Além disso, tinha alguns comentários, alguns termos que demonstravam racismo, demostravam assédio sexual, e foi dessa forma durante um semestre... (EMED02); ... Então reclamação também ele teve, uma aluna ia abrir processo contra ele por assédio sexual, mas resolveu melhor não... (EDIR01).

Também foi encontrada na entrevista outra configuração de violência que se aproxima da violência da delinquência, a violência física, esta bem fácil de ser captada por ser bastante difundida e repercutida na mídia. Esse tipo de violência atinge diretamente a integridade corporal e que pode ser traduzida nos homicídios, agressões, violações, torturas, roubos a mão armada'(15), também foi encontrada na entrevista uma experiência observada pelo acadêmico de Medicina com uma colega de grupo de estágio no contexto hospitalar, em que a docente Ômega a agride publicamente: Ômega empurrou uma das minhas colegas, entendeu, e tipo assim, 'o que você querendo ouvir aqui?' o que que é isso? (EMED01).

Esse mesmo acadêmico de Medicina relata haver situações de ameaça física aos discentes por parte dos docentes de seu curso: ... Ao longo dos seis anos desde o inicio até o internato tem situações de que existe essa ameaça, mas assim, chegou até ameaça física. (EMED01) Percebemos por meio das entrevistas que existem situações de violência que se repetiram nas falas apresentando uma natureza distinta das demais configurações, por ser perceptível pelos discentes, mas também ser bastante comum em determinados espaços acadêmicos, onde facilmente é apreendida nas situações de intenso conflito das relações pedagógicas entre docentes e discentes, configurando, assim, outra face da violência, a violência moral e psicológica, definida como aquela que trata da dominação cultural, ofendendo a dignidade e desrespeitando os direitos do outro, evidenciada por comportamentos e atitudes dos docentes que expõem os discentes às ameaças, medos, constrangimentos, humilhações e pressão psicológica(15).

Ao provocar situações de medo e opressão, seja de maneira reiterada e intencional, ou não, alguns docentes degradam o ambiente do ensino, tornando- o um espaço de assimetrias, permeado pela ansiedade, peso e estresse, além de desconfortável e desestimulante ao aprendizado dos acadêmicos.

Situações de humilhação e constrangimento vivenciadas pelos discentes também acontecem quando o docente é requisitado a responder alguma pergunta ou dúvida em sala de aula, principalmente por serem infelizes na elaboração de seus questionamentos em espaços estruturalmente violentos de ensino, e nesse caso parecem ser bastante comuns na cultura acadêmica dos cursos de Ciências Exatas, como no curso de Engenharia Civil do contexto estudado, revelada pelo comportamento de certos docentes, como disse o acadêmico: ... Pra você fazer uma pergunta ela tem que ser muito pertinente ao conteúdo, muito pertinente, porque se ela for mal formulada ou não for pertinente, você corre o risco de ser humilhado no meio da sala de aula (...) quando eu perguntava alguma coisa é que eu estava sabendo e era um mero detalhe, porque se fosse deixar pra aprender na sala eu ia ser humilhado (...) eu tenho vários colegas que não se manifestam. Tem medo de espirrar na sala pra não ser humilhado pelo professor. (EENG01).

Geralmente aos relatos associa-se o sentimento de não merecimento e não reconhecimento da competência formal do discente, acompanhados pela utilização da prática pedagógica, como as notas e a reprovação, como instrumento real de violência do docente, cuja intencionalidade está aparentemente ligada à sua própria vontade, como no relato a seguir: ... Acho que esse era meu medo , por não merecer, se eu deixasse de fazer trabalho, tudo bem, tinha motivo , pra ele dar nota baixa, mas isso não era o caso, a gente sentia que era por implicância mesmo (...) a gente sentiu durante o semestre inteiro uma certa perseguição com relação a isso , sempre as notas mais baixas que as dos outros colegas, nos esforçando, reunindo, às vezes, no feriado, final de semana inteiro pra fazer um trabalho (...) Quanto mais a gente conversava com eles [os professores], a gente via que não mudava nada ? (EARQ01).

Entre os depoimentos dos acadêmicos encontramos esse relato do acadêmico de Engenharia Civil que desabafa: ... Eu não gosto de falar que eu fui perseguido, acho que isso não é legal, eu preferia assumir. (EENG01).

Esse comportamento de EENG01 evidencia o comprometimento da liberdade do discente na estrutura violenta de contestar os atos violentos que são gerados em meio de relações intersubjetivas e sociais definidas, como são as relações pedagógicas entre docentes e discentes, pela opressão, intimidação, pelo medo e pelo terror, aniquilam no outro a subjetividade e a vontade, exercida também através do poder das palavras que negam, oprimem e destroem psicologicamente o outro(15-16).

Essas situações degradam o ambiente educativo, reduzindo e transformando as salas de aulas em locais de terror, tortura e de intensa pressão psicológica, como é evidenciado no relato dos acadêmicos: ... Um semestre inteiro passando por isso, é muito ruim, vou falar pra você, muito ruim mesmo. A gente até falava: 'ah, não vejo a hora de acabar, eu não aguento mais, não aguento mais'. Toda segunda era uma tortura, ninguém gostava, a sala inteira! Toda segunda-feira um martírio (...) sabe, muito ruim, ainda bem que acabou! Ainda bem! Ainda bem! (EARQ01); ... Então os alunos tem que aguentar aqueles professores que não são bons pra eles, então no caso da F [disciplina] nossa, nós tivemos que suportar o professor, tivemos que aguentar ele o ano inteiro.

(EDIR01).

também casos em que professores subestimam a capacidade de aprender dos discentes, desestimulando o aprendizado e disparando neles uma profunda insegurança quanto ao seu potencial formal e criativo, como relata a acadêmica de Enfermagem: ... Antes mesmo de a gente começar o trabalho ela [a professora] falou que não ia esperar muito da gente, porque a gente não tinha capacidade pra fazer aquilo, que ela não esperava muito porque a gente não teria muita capacidade (...) então foi realmente... desmotiva ? Como você vai fazer um trabalho que o professor não espera nada de você porque você não tem tanta capacidade pra fazer aquele trabalho? (EENF01).

Outra situação de violência praticada pelos docentes que interfere na capacidade de aprender dos discentes é a excessiva cobrança e a pressão psicológica exercida pelos docentes na execução de atividades pedagógicas que exigiriam suporte para superar a insegurança ao invés de coação, como relata a acadêmica de Enfermagem: ... Teve professores que exigiam como se a gente tivesse toda a destreza, toda... então te cobravam muito, às vezes até gritavam em cima de você, às vezes fazendo procedimento e professor ali em cima, então você não tem uma tranquilidade, ali você está aprendendo, você está ali pra aprender, então é a primeira vez que você está vendo isso e o professor fica ali em cima, tipo, você está nervosa pela presença dele e ficar ali te... de certa forma coage , então você fica... (...) totalmente nervosa porque não tinha toda a destreza de fazer o procedimento. (EENF01).

Todas as situações de violência, seja em qualquer configuração desse fenômeno, certamente refletem no processo educativo, atingindo os princípios ideais de educação e indo exatamente no sentido inverso do que se entende como 'saudável' no ambiente educativo, como espaço que deveria propiciar, favorecer e reforçar o desejo de aprender do sujeito de ensino, fomentando o exercício de sua politicidade (1). Porém tais situações reforçam as assimetrias e as submissões de uns para com outros, cujo cenário é marcado pelas relações de força e poder de dominação das estruturas autoritárias, reconhecidas como legítimas pela ordem social.

Contudo acreditamos que para reverter essa realidade é preciso que todos os envolvidos nesse processo lancem mão da educação e de seus propósitos para avançar na emancipação do sujeito de aprendizado e na sua politicidade, para que este seja capaz de conduzir as rédeas de seu próprio destino e resistir às imposições e arbitrariedades, e assim, conjugar de forma ética a cidadania e a democracia(1,4,7,18).

É por meio dessa lógica que a prática social de ensinar envolve o desenvolvimento de competências diversas, ligadas não cognição, mas outras que possibilitem ao sujeito que aprende, saber questionar intenções, valores e atitudes. Esta capacidade de discernimento impõe ao docente a necessidade de desenvolver a habilidade de reconstruir o conhecimento, para poder lidar de modo adequado com o discente na garantia o direito de aprender bem, o que exige também da estrutura de ensino uma reconfiguração dos históricos dos papéis atribuídos aos professores e alunos, recolocando-os numa relação mais horizontal, de igualdade, que inclua mais responsabilidades e autorias partilhadas. Por fim, é extremamente importante no processo pedagógico emergir junto com o saber pensar o saber intervir de forma ética na realidade social (1,6,19).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Percebemos que a violência nas relações pedagógicas entre docentes e discentes, sob qualquer configuração, produz determinados efeitos, alterações e consequências imediatas e também tardias que podem ser minimizadas e por isso é importante ressaltar que agir preventivamente na direção de coibir quaisquer atos de violência nas instituições de ensino é também agir no sentido de garantir uma sociedade saudável na qual as hierarquias e assimetrias sejam minimizadas e as pessoas possam se expressar sem medo de retaliações de qualquer natureza.

Realizar este estudo nos possibilitou refletir sobre a forma como temos ensinado e como podemos, a partir das relações pedagógicas nas quais estamos inseridos, causar tanto impacto no processo de formação do discente. Também percebemos que esse sujeito do aprendizado, o discente, necessita saber pensar para intervir na realidade, de forma inclusiva e democrática, e exercitar o respeito mútuo e o diálogo, para que não haja espaço para imposições ou limitações na sua constituição como cidadão autônomo, crítico e ético, possível pelo manejo adequado da educação nos seus aspectos formais e políticos.

uma compreensão de que a prática docente necessita ser regularmente avaliada para poder ser melhorada, processo que pode contribuir para fazer das salas de aulas espaços mais democráticos e para promover a inclusão do discente nos processos educativos, tornando-se também corresponsável pela busca do conhecimento com qualidade formal e política. Além disso, mais estudos nesses contextos são importantes para apreender a subjetividade de ambos os sujeitos da aprendizagem, docentes e discentes, para avançar cada vez mais na compreensão do fenômeno, pois a violência não se reduz a um dado momento ou um determinado dano, mas trata-se de um processo orientado para determinados fins multicausais que permitem a emergência das outras violências.


Download text