O uso em epidemiologia da família de classificações de doenças e problemas
relacionados à saúde
Introdução
Os dados de morbidade e mortalidade por causas são coletados e codificados para
se elaborar o que conhecemos como estatísticas de doenças.
A interpretação desses dados tem um papel fundamental na prática de saúde e
serve como parâmetro para medidas de prevenção efetuadas individual e
coletivamente, bem como avaliação destas medidas.
Para poder interpretar e analisar as estatísticas de doenças, sejam casos ou
então causas de morte, como toda e qualquer estatística, é preciso classificá-
las de alguma maneira: "é impossível formular generalizações baseando-se
em casos individuais, entretanto é possível generalizar a partir de casos
semelhantes reunidos em grupos" (MacMahon et al., 1965:20).
As estatísticas sobre doenças são apresentadas segundo uma sistematização que
as agrupa de acordo com características comuns, o que possibilita interpretá-
las e analisá-las. O instrumento estatístico classificatório desta variável é o
que se denomina "Classificação de Doenças", ainda que, atualmente, o
nome seja mais extenso e complexo, como se verá a seguir, nesta apresentação.
Um dos aspectos mais interessantes sobre as estatísticas é a possibilidade de
comparação das doenças no tempo e, particularmente, em diferentes lugares; para
tanto é preciso que todos usem o mesmo instrumento classificatório. Até o final
do século XIX, houve um trabalho árduo para a criação de uma classificação de
doenças (na época classificação de causas de morte) de uso internacional, o que
foi finalmente conseguido em 1893 e, desde então, com revisões periódicas,
geralmente a cada dez anos, é publicada uma nova revisão da "Classificação
Internacional de Doenças" (CID) (Laurenti, 1991).
A classificação em uso atualmente é a 10a revisão.
Excetuando-se as doenças infecciosas, particularmente algumas delas que eram
responsáveis por epidemias, e registradas por meio de notificação, as
estatísticas de doenças eram, quase que exclusivamente, estatísticas de causas
de mortes. Não existiam estatísticas rotineiras de doenças, ainda que muitas
delas fossem bastante importantes pela freqüência, pelo absenteísmo e pelos
custos diretos e indiretos que acarretavam, independente de serem causas de
morte.
As estatísticas de causas de morte serviram muito bem às finalidades da saúde
pública enquanto esta lidava, principalmente, com o controle das doenças
transmissíveis. Como comenta Moriyama (1979:8): "Entretanto, com o
declínio na incidência de doenças infecciosas, houve uma gradual modificação na
ênfase da saúde pública para as doenças crônicas e para os riscos ambientais.
Para muitos, por várias razões, os dados de mortalidade não serviam para
avaliar essa transição. Uma das razões é que, freqüentemente, é difícil
determinar a causa básica da morte para doenças crônicas. Também a tradicional
maneira de se selecionar uma única causa para cada morte resultaria na perda de
informações úteis sobre doenças e condições associadas. Finalmente, as doenças
não fatais representam um problema, visto que não estão adequadamente
representadas nas estatísticas de mortalidade".
Do exposto acima e também por outros motivos, surgiu a necessidade de se ter
estatísticas rotineiras de doenças, independente de ser ou não causas de morte.
Tal fato fez com que, a partir da 6a Revisão da CID, posta em uso em 1950, ela
passasse a ser uma "Classificação Estatística Internacional de Doenças,
Lesões e Causas de Morte". Isto é, deixou de ser apenas uma classificação
de causas de morte, nela existindo, inclusive, doenças ou afecções banais e
mesmo motivos de consulta que não eram propriamente doenças (Laurenti, 1991).
A partir da década de 50, os países foram elaborando estatísticas de morbidade,
mais freqüentemente as chamadas "estatísticas hospitalares", e
também, algumas vezes, aquelas de demanda ambulatorial. As sucessivas revisões
da CID foram incorporando especificações de uma mesma doença, fato que era de
interesse para morbidade e não para mortalidade. As especialidades médicas
passaram a solicitar adaptações da CID para suas áreas de atuação, surgindo
várias destas adaptações que são publicações separadas cujo núcleo, todavia, é
a CID.
O avanço da medicina fez com que se curasse, cada vez mais, maior número de
casos, porém, muitas vezes, mesmo deixando de existir a doença ou a lesão,
permanecia uma seqüela ou uma "conseqüência da doença". Esses casos
foram aumentando de tal forma que, quer para finalidades epidemiológicas quer
administrativas, passou-se a necessitar de um instrumento classificatório para
descrevê-las e analisá-las. Surgiu assim uma "Classificação de
Conseqüência das Doenças". Esta, diferentemente das adaptações para
especialidades, não tem a CID como núcleo, o mesmo ocorrendo com outras
classificações para uso em saúde, como por exemplo a "Classificação de
Procedimentos em Medicina".
A CID, suas adaptações e demais classificações, como a de conseqüências de
doenças e outras, constituem um conjunto que, atualmente, é conhecido como
"Família de Classificações", constituindo um instrumento bastante
útil para as áreas de epidemiologia e de administração de serviços de saúde.
É importante salientar que essas várias classificações foram surgindo em
resposta às demandas específicas e, portanto, coexistem na prática de
elaboração das estatísticas.
A mais recente, que é, a Classificação de Conseqüências das Doenças, vem
adquirindo grande importância e a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem
enfatizado e estimulado sua utilização.
No entanto, as estatísticas de causa de morte, as mais tradicionais, são
elaboradas, tanto em nível local como internacional, utilizando a CID, que é o
instrumento desenvolvido especificamente para essa finalidade.
O objetivo desta apresentação é descrever resumidamente as três fases ou
períodos das estatísticas de doenças. Inicialmente as estatísticas de
mortalidade por causas que serviram de base para numerosos estudos
epidemiológicos, seguindo-se as estatísticas de morbidade, particularmente as
hospitalares, chegando-se finalmente às estatísticas que utilizam as adaptações
da CID como as mencionadas acima.
Essa divisão tem a finalidade de facilitar a apresentação histórica das
classificações e sua utilização frente a cenários epidemiológicos diferentes.
Estatísticas de mortalidade por causas e o instrumento para suas apresentações
As estatísticas de mortalidade segundo causas constituem a mais antiga maneira
de apresentar a freqüência das doenças na população e, ainda hoje, se revestem
de grande importância. Tendo-se em vista esse fato, é interessante abordar o
histórico de seu início.
No século XVI várias cidades da Europa registravam acontecimentos como batismo,
casamento e enterros, sempre ligados ao ato religioso. Na Inglaterra, em 1538,
por decreto de Thomas Cromwell, Lord Chanceler de Henrique VIII, as paróquias
inglesas deveriam conservar o registro de batizados, casamentos e enterros e,
em 1597, um ato da rainha Elizabeth I determinou que a transcrição desses
registros deveria ser enviada, anualmente, a um órgão central a que se
subordinavam as paróquias, devendo dessa forma, centralizar os dados. Nesse
período ocorreram várias epidemias de peste e, em uma delas, houve uma
determinação governamental a fim de que, além das variáveis já registradas para
os casos de enterros, se acrescentasse a causa da morte. No caso específico, a
informação sobre se a morte era devido à peste ou não. Trata-se, portanto, do
primeiro uso das estatísticas de mortalidade por causa com a finalidade de
vigilância. Esses registros passaram a ser transmitidos semanalmente ao órgão
central, constituindo o que se conhece como Bills of Mortality.
De início o interesse era ser ou não ser peste, mas os registradores passaram a
declarar todas as demais causas de morte, mesmo após terminada a epidemia de
peste. Dessa maneira, passou-se a ter arquivado os registros das mortes em que
constavam informações sobre sexo, idade, procedência, causa e outras. Ainda que
as autoridades dispusessem desses registros e não raro obtivessem informações
sobre o quadro da mortalidade por causas, não existiu nenhuma publicação que
explorasse devidamente os dados. Isso somente ocorreu em 1662 com o brilhante
trabalho de John Graunt.
John Graunt era um cidadão londrino que trabalhava em uma loja como camiseiro e
sua obra é citada em todos os livros de epidemiologia e de estatísticas de
saúde, pois é considerado o "pai da epidemiologia".
Swaroop (1964:29) no seu clássico livro Estadísticas Sanitárias assim se refere
a ele: "Não era um estudioso, como dizia de si mesmo, porque não era
matemático nem físico. Ganhava a vida como camiseiro na cidade de Londres,
porém estava interessado nos registros que continham dados sobre as mortes,
anotados pelas autoridades paroquiais. Centenas de milhares de pessoas já
haviam visto essas anotações antes, durante mais de meio século. John Graunt
foi diferente! Concebeu fazer um estudo sobre as causas que levaram à morte, em
que idade, em qual estação do ano etc. Usando métodos simples, de sentido
comum, para analisar os dados, Graunt formulou certas leis que são corretas
ainda hoje como foram em 1662".
Rothman (1996), em um trabalho interessante denominado Lessons from John
Graunt, refere-se a ele como o primeiro epidemiologista e demógrafo que teve
uma atuação marcante ao explorar admiravelmente a fonte de dados que existia -
as Bills of Mortality-, produzindo seu único trabalho científico. Seu livro,
editado em 1662, era uma publicação com poucas páginas e com um título muito
formal e até certo ponto esnobe: "Natural and Political Observations
Mentioned in a Following Index, and Made upon the Bills of Mortality".
Essa publicação, de 1662, teve algumas reproduções mais recentes, entre as
quais uma da The John Hopkins Press (1939, Baltimore, MD) e uma outra da Arno
Press (1975, New York).
Para Rothman (1996) "essa publicação acrescentou muito mais ao
conhecimento humano do que a maioria de nós poderia razoavelmente aspirar
durante toda uma carreira completa". Dentre as descrições de Graunt (é de
se destacar que este foi o primeiro a documentar que nasce mais meninos do que
meninas) apresentou uma das primeiras tábuas da vida; mostrou pela primeira vez
a tendência de várias doenças, inclusive levando em conta o tamanho da
população; descreveu novas doenças e apontou outras que pareciam aumentar no
tempo, identificando esse falso aumento com as mudanças de classificação;
apresentou evidências epidemiológicas que refutavam a teoria de que a peste se
espalhava por contágio direto, bem como afastou a crença de que a epidemia de
peste coincidia com o início do reinado de um novo rei.
A apresentação das estatísticas de causas de morte, como é feita atualmente,
sob vários aspectos, é praticamente igual àquela que fez Graunt. Para
apresentar suas estatísticas, Graunt listou 83 causas de morte, o que
constituiu a primeira proposta de classificação. A rigor este não é o termo
adequado, visto que a ordem de entrada foi alfabética; por outro lado, não era
também uma nomenclatura no sentido exato do que isso representa, pois não
continha um verbete descritivo para cada item ou causa. Independente do rigor
usado para definir sua lista como classificação ou nomenclatura é por todos
reconhecido o fato de ser essa a primeira "lista de causas de morte".
Na lista de Graunt estavam incluídas algumas causas explicitamente etiológicas
(shot, smothered and stifed, drowne, plague); outras levando a algum tipo de
indicação da patogenia (apoplex, quinzey, worms) e outras, ainda, referindo-se,
principalmente, às circunstâncias que causaram a morte ou os sintomas e sinais
que a precederam (abortive and stillborn, aged, cancer, convulsion, senfet).
Comentando esse trabalho de Graunt, Last (1984:35) diz o seguinte: "...
mostra a dificuldade - ainda hoje existente - de construir uma nosografia que
apresente um conceito uniforme de doença. Somos incapazes de escapar de uma
classificação híbrida onde algumas condições referem-se ao conhecido ou suposto
etiologicamente, outras aparecem segundo a morfologia ou a fisiopatologia, bem
como outras segundo o sistema afetado ou ainda segundo circunstâncias
externas".
Motivadas ou não pelo trabalho de Graunt, começaram a surgir, vários anos após,
em outros países europeus, estatísticas de mortalidade por causas e, após pouco
mais de um século, as Juntas ou Conselhos de Saúde, na Itália, passaram a
exigir um atestado de óbito para permitir o enterramento; prática que logo se
espalhou para outros países europeus. Além do nome, idade e sexo, esse atestado
continha a causa da morte, e seus dados serviam para monitorizar epidemias em
várias cidades européias (Moriyama et al., 1994).
A comparação das doenças que levavam à morte passou a ser de interesse de
vários países, no entanto cada local utilizava uma forma de apresentação das
estatísticas, sem uniformidade, isto é, não havia comparabilidade. Faltava uma
classificação única, uma forma comum de apresentar as causas de morte.
Greenwood (1948), historiando as estatísticas médicas, particularmente as de
mortalidade por causas, no período que vai do século XVII, com Graunt, até o
século XIX com Farr, dá-nos conta das várias tentativas que foram feitas para
se obter uma classificação de doenças. Assim, em 1680, Felix Platter elaborou
uma sistematização baseada nos sintomas; também no século XVII o médico inglês
Sydenham propôs uma classificação segundo os aspectos das doenças
identificáveis externamente. Várias outras classificações de doenças ou de
causas de morte foram propostas no século XVIII, como a de Linneu (Genera
Morborum); François Besier de Lacroix (Nosologia Methodica) e, além desses,
houve também Vogel (1772); Mc Bride (1772) e Cullen (1785). Na primeira metade
do século XIX citam-se as classificações elaboradas por Crichton (1804); Parr
(1810); Young (1813) e Mason Good (1817). De todas essas classificações a única
que teve maior prestígio e passou, inclusive, a ser utilizada para finalidades
estatísticas foi a de Cullen, denominada Synopsis Nosologiae Methodicae, que
chegou a ser adotada na Inglaterra e País de Gales.
No século XIX, particularmente na sua segunda metade, tornou-se mais intenso o
interesse em uma classificação de causas de morte que fosse de uso
internacional, uma vez que todas as tentativas anteriores nesse sentido não
tiveram êxito. A necessidade de comparar causas de morte segundo áreas ou
regiões de um país e, principalmente, entre países foi a principal responsável
pelo interesse no uso de uma mesma classificação por todos. Ao se descrever os
esforços para se obter um instrumento de uso internacional, não se pode deixar
de mencionar o nome de Willian Farr, também inglês como John Graunt. Ambos são
considerados marcos importantes na história das informações em saúde: Graunt
foi o iniciador da produção das estatísticas de mortalidade por causa e Farr, o
batalhador que visava melhorar as estatísticas de mortalidade e,
particularmente, sua comparabilidade. Além disso contribuiu muito para a
análise das estatísticas de mortalidade de seu país, utilizando também
variáveis sociais e abordando a influência destas nas causas de morte.
Farr foi o primeiro médico a assumir, em 1837, as funções de estatístico no
General Registrar Office, órgão encarregado, na Inglaterra, da produção das
estatísticas, inclusive as vitais. O grande interesse de Farr pela produção e
pelos usos das estatísticas de mortalidade fica bem evidente nas apresentações
que fez no Annual Report of the Registrar General. Assim, o relatório de 1843
inclui uma carta de Farr sugerindo que as doenças são mais facilmente
preveníveis do que curadas e que o primeiro passo para sua prevenção é a
descoberta de suas causas e que "como as mortes e causas de morte são
fatos científicos elas admitem uma análise numérica": "The deaths and
causes of deaths are scientifics facts which admit of numerical analyze; and
science has nothing to offer more inviting in speculation than the laws of
vitality, the variations of those laws in the two sexes at different ages, and
the influence of civilization, occupation, locality, seasons and other physical
agencies, either in generating diseases and inducing deaths or in improving the
public health" (Farr, 1843, apud Nissel, 1987: 101). Nessa mesma
manifestação Farr argumenta sobre a importância de uma classificação uniforme
de doenças e queixa-se de que, sobre isso, que a ele parecia tão óbvio, havia
sido dada pouquíssima atenção: "Cada doença tem, em muitos casos, sido
identificada por três ou quatro termos e cada termo tem sido aplicado a várias
doenças diferentes, assim, nomes vagos e inconvenientes vêm sendo utilizados ou
complicações tem sido registradas em lugar da doença primária" (Farr,
1843, apud Nissel, 1987:102).
É muito interessante e até hoje válida a observação de Farr de que
"complicações têm sido registradas em lugar da doença primária". De
fato, aqueles que trabalham com estatísticas de mortalidade e os
epidemiologistas em geral, fazem freqüentemente essa crítica quanto à exatidão
das estatísticas de mortalidade por causa, visto que os médicos quase sempre,
declaram as manifestações ou complicações da causa básica da morte e esquecem
ou não sabem que é esta que deve ser anotada em lugar apropriado do atestado de
óbito.
Os escritos, as idéias e as preocupações de Farr, sempre em relação às
estatísticas de mortalidade por causa e sua aplicabilidade em epidemiologia e
saúde pública, estão sempre manifestos nas apresentações que fazia nos Report
of the Registrar General e cujos trechos são reproduzidos em Nissel (1987).
Assim, por julgar oportuno, transcreve-se a seguir o parágrafo inicial da carta
anual ao Registrar Generalsobre as causas de morte na Inglaterra, que aparece
no Thirty-second Report of the Registrar General, 1874:
"Letter to the Registrar General on the Causes of Death in England, by W.
Farr, Esq., M.D., F.R.S. Year 1874
Sir,
The causes of death recur in these ages with great constancy. None of those
great plagues which once swept away so many thousands of the people of England
have been recently observed. At the same time, in modified forms, all the
diseases that have been recorded in medical history remain; they are not easily
stamped out; they are fatal year after year to certain numbers, and have to be
kept under constant observation. The increase of population, the extension of
navigation, the new industries, the marvellous chemical operations going on,
the explosive forces, the machines, and the power of steam, every year in
increased activity, have developed dangers unknown in other days; and have to
be encountered by new remedies. Then nations are now so associated by
intercourse that a disease generated among the lowest races in unfavourable
conditions may spread to every other race, and carry off many victims."
(Farr, 1874, apudNissel, 1987)
Laurenti (1991:43), ao historiar a criação de uma classificação de doenças de
uso internacional e o papel que teve Farr, comenta o seguinte: "Realmente
não é possível descrever a história de uma classificação internacional de
doenças sem referir-se a William Farr (1808-1883), que foi o primeiro médico
estatístico do 'General Registrar Office of England and Wales'. A partir de
1837, quando assumiu seu posto, além de várias atividades no campo das
estatísticas de saúde, procurou tirar o maior proveito possível das
classificações então existentes, as quais julgava bastante imperfeitas, assim
como elaborar uma classificação e muito trabalhou para se obter uniformização
internacional quanto ao uso. Farr discutiu bastante no primeiro Relatório Anual
do Registro Geral os princípios que deveriam orientar uma classificação
estatística de doenças e a importância de se ter uma classificação uniforme e
de uso generalizado. Descreveu e comparou as finalidades de uma nomenclatura e
de uma classificação e, descrevendo esta última como um método de generalização
diz 'qualquer classificação que inclua em grupos doenças que tenham bastante
afinidade ou que são possíveis de serem confundidas entre si, favorecem a
dedução de princípios gerais.
Ao propor uma classificação para as causas de morte, Farr acentuou que as
doenças poderiam ser classificadas de diferentes maneiras visando servir a
propósitos estatísticos; e quanto à finalidade de estudar causas de morte ele
foi influenciado pela maneira como havia feito Linneu em suas classificações
hierarquizadas, botânica e zoológica. Farr propôs uma classificação, como se
verá a seguir, e que se reconhece como a base estrutural da atual classificação
internacional de doenças."
Os esforços de Farr foram compensados quando foi reconhecida a necessidade de
uma classificação e fortemente recomendado seu uso internacional, no Primeiro
Congresso Internacional de Estatística realizado em Bruxelas, 1853, tendo os
participantes indicado William Farr e Marc d'Espine, de Genebra, para preparar
uma nomenclatura uniforme de causas de morte aplicável a todos os países (WHO,
1967).
Em 1855, em Paris, realizou-se o Segundo Congresso Internacional de Estatística
tendo Farr e d'Espine apresentado listas separadas e baseadas em eixos
diferentes de classificação. A classificação proposta por Farr continha 5
classes ou capítulos, dispostos da seguinte maneira:
Classe 1 - Doenças epidêmicas, endêmicas e contagiosas
Classe 2 - Doenças constitucionais
Classe 3 - Doenças localizadas
Classe 4 - Doenças do desenvolvimento
Classe 5 - Doenças ou mortes violentas
Essas classes eram divididas em ordens e, particularmente para a Classe 3,
existiam 8 ordens que, como pode ser observado a seguir, foi a matriz para a
atual classificação internacional:
Ordem 1 - Doenças do Sistema Nervoso
Ordem 2 - Doenças da Circulação
Ordem 3 - Doenças da Respiração
Ordem 4 - Doenças da Digestão
Ordem 5 - Doenças do Sistema Urinário
Ordem 6 - Doenças da Reprodução
Ordem 7 - Doenças da Locomoção
Ordem 8 - Doenças do Sistema Inter-tegumentário
Cada ordem era composta por uma série de doenças e a cada uma delas era
atribuído um código, o que hoje denominamos categoria.
A lista apresentada por Marc d'Espine agrupava as doenças de acordo com sua
natureza, segundo concepção vigente na época: gotosa, hemática, herpética etc.
(WHO, 1967). O Congresso adotou uma lista de 139 rubricas (códigos ou
categorias), mantendo a estrutura proposta por Farr. Os congressos seguintes de
1864, 1874, 1880 e 1886 revisaram essa lista. Essa primeira relação que
apresentava 139 rubricas e suas sucessivas revisões não foi universalmente
aceita, mas é preciso destacar que o princípio de agrupar as doenças,
facilitando a análise estatística, como havia sido proposto por Farr,
sobreviveu e influenciou fortemente a futura classificação de doenças de uso
internacional (Laurenti, 1991).
Laurenti (1991:411) comenta o seguinte: "Em 1891 o então criado 'Instituto
Internacional de Estatísticas', em Viena, substitui os Congressos
Internacionais de Estatística quanto a questões relativas a classificações e,
neste ano, formou uma Comissão para preparar uma nova classificação. Essa
Comissão estava sob a direção de Jacques Bertillon (1852-1922), de Paris, e
preparou uma classificação de causas de morte que ficou conhecida como
'Classificação das Causas de Morte de Bertillon'.
Bertillon era o chefe dos serviços de estatísticas da cidade de Paris, função
semelhante a que tinha tido Willian Farr na Inglaterra, e a classificação que
elaborou apresentava 14 grupos ou capítulos; este último nome persiste até hoje
para as grandes divisões da Classificação Internacional de Doenças. Os 14
capítulos tinham, em conjunto, 161 categorias ou causas de morte.
A Classificação de Bertillon foi adotada em 1893 pelo Instituto Internacional
de Estatísticas e recomendado o seu uso internacionalmente, o que foi adotado
por vários países. É considerada a primeira classificação internacional de
causas de morte. É interessante apresentar como eram identificados seus 14
capítulos e que está a seguir, devendo-se notar que os capítulos estavam
ordenados segundo números romanos, tradição que se segue até hoje.
Classificação de Bertillon
I ) Doenças Gerais
II ) Doenças do Sistema Nervoso e Órgãos do Sentido
III ) Doenças do Aparelho Circulatório
IV ) Doenças do Aparelho Respiratório
V ) Doenças do Aparelho Digestivo
VI ) Doenças do Aparelho Geniturinário e de seus Anexos
VII ) Estado Puerperal
VIII) Doenças da Pele e do Tecido Celular
IX) Doenças dos Órgãos da Locomoção
X ) Vícios de Conformação
XI ) Primeira Idade
XII) Velhice
XIII ) Afecções Produzidas por Causas Externas
XIV) Doenças Mal Definidas
Observando-se a terminologia utilizada por Bertillon, alguns comentários podem
ser feitos. Assim, o termo 'afecção' tornou-se um jargão ainda hoje muito
utilizado entre os usuários da Classificação Internacional de Doenças, porém,
com o significado amplo de 'doença', 'diagnóstico', 'patologia', 'lesão'.
Bertillon utilizou-o no Capítulo XIII (Affection) com o significado de 'lesão'
ou mesmo 'conseqüência', diferenciado de 'doença' (Maladie) utilizado nos
outros capítulos. Quase certamente foi o introdutor da terminologia 'Doença Mal
Definida' ou pelo menos, a partir dele,este termo passou a ser muito utilizado,
visto que apareceu pela primeira veze continua aparecendo nas sucessivas
revisões da Classificação Internacional. Na Classificação de Farr, mostrada
também nesta apresentação, existiam 5 classes, todas com terminologia que
expressam causas 'bem definidas'. Além dessas, Farr deixava um resíduo que
chamou de 'Ignorado Estatístico', não utilizando a terminologia 'Mal Definida'.
Voltando-se bastante no tempo verifica-se que,para Graunt, em sua lista de
causas de morte, não existiam causas mal definidas. Ou melhor, ele não listou a
expressão 'causa ignorada' ou 'mal definida', ainda que muitos diagnósticos que
aparecem em sua lista sejam considerados mal definidos atualmente (Bleeding,
Colick, Convulsion, Spleene muitos outros)".
A Classificação de Bertillon, como ficou conhecida a primeira classificação de
uso internacional teve uma primeira revisão em 1900 e a segunda em 1909,
seguindo-se o que havia sido proposto, de revisar a cada dez anos. As revisões
da "Lista Internacional de Causas de Morte", da primeira a quinta,
foram aprovadas nas chamadas "Conferência Internacional de Revisão da
Classificação de Bertillon" ou "Classificação Internacional de Causas
de Morte", convocadas pelo governo francês.
A partir da Sexta Revisão, CID-6, inclusive, a Organização Mundial da Saúde
(OMS) passou a ser a responsável pela elaboração, publicação e divulgação das
revisões da CID.
Desde a CID-6 a OMS inclui nas revisões as Regras Internacionais de Seleção de
Causa Básica de Morte, as definições de uso em estatísticas de saúde,
particularmente as definições dos eventos vitais e aquelas de uso em morbidade.
É de se destacar que na primeira revisão, de 1900, a CID-1, havia 179
categorias, que passaram a 200 na CID-4 e CID-5. Na CID-6 esse número aumentou
para 1.010, chegando, na CID-10, a mais de 2.000. Esse grande aumento não foi
devido ao aparecimento ou descrição de novas doenças, visto que isso, embora
ocorrendo, não justifica o aumento observado; tal foi devido ao fato que, até a
CID-5, o que existia era uma classificação estatística de causas de morte e a
partir da CID-6 passou-se a ter uma classificação estatística de doenças. Desta
forma, foram incluídas as doenças não mortais e, inclusive, motivos de
consultas por problemas de saúde que não necessariamente doenças. Esse aspecto
será discutido mais adiante neste trabalho.
A existência de uma classificação de doenças de uso internacional, propiciou o
aparecimento de grandes estudos e, mais importante, alargou o uso das
estatísticas de mortalidade, particularmente em epidemiologia. Possibilitou,
não somente o que tanto havia sido almejado, a comparabilidade de dados entre
áreas, regiões e países, mas também a uniformidade terminológica, mesmo sendo
uma classificação e não uma nomenclatura de doenças.
Baseando-se em Moriyama (1974), que fez uma apresentação muito didática sobre
os usos das estatísticas de mortalidade por causa em saúde pública de uma
maneira geral e, em especial, em epidemiologia, apresentam-se, muito
resumidamente, alguns exemplos. Na epidemiologia descritiva, os dados de
mortalidade, apresentados segundo a CID, têm sido muito utilizados para abordar
a magnitude dos problemas de saúde e doença em relação ao tempo, lugar e
características das pessoas. Há alguns trabalhos bastante citados como, entre
outros, os de Poll & Chan (1969) que observaram o declínio das taxas de
mortalidade por tuberculose na população Maori na Nova Zelândia, devido quase
certamente à melhoria da tecnologia médica no período após Segunda Guerra
Mundial. Outro exemplo de programas aplicados no pós-guerra e que utilizaram
estatísticas de mortalidade para descrever a situação e avaliar as atividades
programáticas é descrito por Pampana (1954), que mostrou dados de seis países
com programas de controle de malária, sendo que em todos eles observou-se um
rápido declínio nas taxas de mortalidade geral e infantil após a aplicação de
DDT.
Um dos enfoques da epidemiologia é a questão da causalidade das doenças. As
estatísticas de mortalidade têm dado importante contribuição aos estudos de
etiologia das doenças; citam-se como exemplo, os estudos com imigrantes, em que
se compara a mortalidade desse grupo, após a migração, com a dos países de
origem. Teoricamente os fatores genéticos e culturais permanecem constantes e
as diferenças observadas na mortalidade são presumivelmente atribuídas às
diferenças ambientais, no mais amplo sentido. Gordon (1957) comparou a
mortalidade de japoneses nos Estados Unidos, Hawai e Japão, e Gotlieb et al.
(1989) fizeram a mesma comparação com a população de imigrantes japoneses na
cidade de São Paulo e, os japoneses no Japão. Em ambos os estudos verificou-se
que as características da mortalidade por várias causas não estariam ligadas a
fatores genéticos mas, principalmente, a fatores ambientais.
Laurenti et al. (1998) descreveram a mortalidade por causas, comparando vários
países das Américas com a tentativa de estabelecer um enfoque de gênero nas
diferenças observadas, quase sempre com desvantagens para o sexo masculino. Um
estudo desse tipo, como outros, não seria possível se os países estudados não
utilizassem uma mesma classificação de doenças como instrumento estatístico
para a apresentação da mortalidade por causas.
Muitos outros trabalhos baseados em estatísticas de causas de morte poderiam
ser citados, estudos que foram e continuam sendo elaborados e publicados em
numerosos países. Entre nós também tem sido muito comum esse tipo de estudo de
epidemiologia descritiva. Pode-se citar, entre outros, os de Laurenti (1967,
1973, 1974, 1975), Laurenti & Fonseca (1976, 1977), Milanesi & Laurenti
(1967), Mello-Jorge (1982, 1988, 1998).
O uso das estatísticas de mortalidade por causas em estudos retrospectivos
também tem trazido importantes contribuições para o conhecimento de fatores
causais de várias doenças. É de se citar o clássico trabalho de Doll & Hill
(1956) sobre câncer de pulmão e outras causas de morte relacionada ao hábito de
fumar e o trabalho de MacMahon (1962) sobre exposição pré-natal ao Raio X e
câncer infantil.
As estatísticas de mortalidade têm também servido de base a estudos
prospectivos com a análise dos dados de duas populações definidas, uma a
"experimental", ou que está exposta, e a outra como comparação, a
"controle", estabelecendo-se as coortes a serem seguidas. Doll (1955)
e Knox et al. (1968) verificaram que a mortalidade por câncer de pulmão poderia
ter como um dos fatores de risco importante o fato de se trabalhar com
asbestos. Seltzer & Sartwell (1965), Matanoski et al. (1975), Curt &
Doll (1958) comparam a mortalidade de radiologistas com outras especialidades
médicas, encontrando um excesso de risco entre aqueles especialistas.
As estatísticas de mortalidade são úteis também na epidemiologia das exposições
ocupacionais, principalmente as relacionadas a doenças graves, como o caso do
asbesto e câncer de pulmão, citado, entre outros. Vários estudos de coorte
retrospectiva utilizam os registros de mortalidade como fonte de informações
sobre o efeito da exposição estudada (Milham, 1982; Thomas et al., 1987; Speer
et al., 1988; Savitz & Loomis, 1995).
O uso das estatísticas de doenças e de morte em epidemiologia não se limita aos
estudos do tipo mais clássicos como os já citados. Uma consulta às publicações
mais recentes mostra a continuidade e a atualidade desses dados em trabalhos
epidemiológicos.
Vários grupos têm tentado investigar tumores como os de cérebro ou de mama e a
associação com exposição ocupacional a certos agentes (Speer et al., 1988;
Savitz & Loomis, 1995; Feychting et al., 1998).
Os dados de mortalidade constituem material importante em estudos ecológicos,
como os relacionados à poluição ambiental, fatores climáticos etc. (Penna &
Duchiade, 1991; Katsouyanni et al., 1996).
Recentemente os estudos de mortalidade têm sido mais abrangentes, usando todas
as informações da parte médica da declaração de óbito. Estes constituem o grupo
de estudos sobre causas múltiplas de morte que analisa todas as causas
mencionadas no documento, permitindo uma análise ampla da relação entre as
diferentes doenças (Laurenti, 1974). Esse tipo de estudo tem sido adotado por
um número cada vez maior de pesquisadores da área, mostrando a grande utilidade
dos dados de mortalidade.
Além do uso dos dados de mortalidade por causas em estudos epidemiológicos,
pode-se citar também sua utilização na construção de indicadores de saúde, na
definição de prioridades, na avaliação de serviços de saúde e de programas e
ações específicas para uma doença e, na vigilância epidemiológica, uma das mais
importantes atividades da área de saúde pública.
Evidentemente, além das vantagens da utilização dos dados de mortalidade por
causas, apontam-se também suas limitações; algumas destas, inclusive, já muito
bem comentadas por Willian Farr e até mesmo por John Graunt. Entretanto, é de
se destacar que as vantagens superam muito as limitações e esse material
continua sendo ainda no final do século XX, a principal fonte de dados para
avaliar a saúde da população e para muitos tipos de estudos epidemiológicos.
Certamente essa utilização continuará sendo vantajosa e as estatísticas de
mortalidade serão ainda usadas de várias formas, no século XXI que se aproxima.
Isso se deve ao fato de existir um documento legal, o atestado de óbito, como
parte de um bem estabelecido sistema de registro, sendo que as mortes são
registradas de maneira contínua à medida que vão ocorrendo, mas também deve-se
ao fato de que se conseguiu, no final do século XIX, elaborar um instrumento
estatístico de uso internacional, para classificar uma variável (a causa ou a
doença responsável pela morte) com numerosas classes ou categorias. Sem esse
instrumento - a CID - não teria sido possível valer-se dos dados de mortalidade
para os múltiplos usos antes descritos.
O uso da CID e suas adaptações em estatísticas de morbidade
A necessidade de mensurar a morbidade da população já era uma preocupação de
Willian Farr e de outros no século XIX. Entretanto, foi a partir da metade do
século XX que ela se tornou mais intensa, havendo uma demanda por uma
classificação de doenças e não somente uma classificação de causas de morte,
como era até a CID-5. Propostas para uma classificação de morbidade foram
apresentadas em várias "Conferências Internacionais Para as
Revisões", da CID-2 a CID-5, mas foi somente na "Conferência Para a
Sexta Revisão", de 1948, sob a responsabilidade da OMS, que se adotou uma
classificação de uso mais abrangente, aplicável também para morbidade. Desde
então, a utilização da CID disseminou-se rapidamente, sendo que nos últimos 20
anos ou pouco mais, ela foi adaptada para especialidades médicas, servindo
atualmente para usos estatísticos e não estatísticos.
Quanto à necessidade de estatísticas de morbidade, particularmente as
hospitalares, um dos principais responsáveis para que se criasse uma
classificação de doenças que permitisse uma ordenação sistemática e que
facilitasse sua análise, foi seu uso administrativo. É de se destacar, porém,
que a partir da geração das estatísticas de morbidade, começou a haver certa
insatisfação com as estatísticas de mortalidade e passou a se ter uma sensação
de que era a morbidade e não a mortalidade a fonte de dados necessária para os
propósitos da saúde pública.
A demanda para estatísticas de morbidade cresceu e, pelo menos nos Estados
Unidos, culminou com a aprovação do Health Survey Act, em 1955, que propunha e
normatizava a operacionalização para a coleta, em nível nacional, de dados para
a produção de estatísticas de morbidade e de deficiências (Moriyama, 1979).
Esse inquérito, de base nacional, foi o primeiro a coletar dados, até então
inexistentes, de deficiências para uma amostra populacional. Porém, pela sua
natureza, não tinha condições de produzir dados de doenças. Para se conseguir
esse objetivo, as entrevistas por leigos passaram a ser complementadas por
exames médicos em uma subamostra da população. A isso seguiu-se inquérito de
uma amostra da morbidade hospitalar e, depois, inquérito sobre assistência
ambulatorial. Como comenta Moriyama (1979), com esses inquéritos que vêm se
repetindo desde o final da década de 50, conseguiu-se muita informação sobre
assistência médica, sob múltiplos aspectos, entretanto muito pouco foi
conseguido sobre incidência ou prevalência de doenças na população geral. Este
inquérito não permitiu conhecer a tendência das doenças nem para o país como um
todo, nem para subdivisões políticas do país. A necessidade de dados de
diagnósticos para a população geral, assim como necessidade de dados para áreas
menores, criou um renovado interesse pelas estatísticas de mortalidade.
É de se realçar, entretanto, que a partir do final da década de 50 e durante
toda as décadas de 60 e 70, a produção de estatísticas hospitalares referente
às causas de internação difundiu-se por numerosos países que atualmente as
elaboram rotineiramente e há também, não tão rotineiramente, estatísticas
ambulatoriais referentes às causas de demanda. As estatísticas hospitalares,
embora tenham como sua principal aplicação as finalidades administrativas, sob
alguns aspectos têm servido para estudos epidemiológicos.
Quanto ao instrumento para a apresentação das estatísticas de morbidade, como
se comentou antes, foi com a CID-6 que isso aconteceu, quando passou a
incorporar todas as doenças, inclusive as mais banais e os motivos de consulta
que não eram propriamente doenças.
A expansão do uso da CID em morbidade fez com que surgissem adaptações para
algumas particularidades relacionadas a sua utilização. Assim, a classificação
expandiu-se com a criação de subcategorias que traduzem especificações ou
manifestações de uma mesma doença. Em mortalidade o interesse é a causa básica,
independente das complicações ou manifestações dela; em morbidade, ao
contrário, o interesse são os motivos de internação ou atendimento, os quais,
geralmente, são as complicações ou as diferentes manifestações de uma doença.
A descrição de uma adaptação com o exemplo que se segue, torna mais claro seu
entendimento. Assim, o diabetes mellitus na CID-7 era uma doença representada
por apenas uma categoria, sem subcategorias (260).
Com a expansão do uso da CID em morbidade fez-se uma adaptação da CID-7, onde o
código de diabetes passou a ter quatro algarismo para proporcionar
especificidade, isto é, para suas subcategorias (OPS, 1966). Essa
"adaptação" do código do diabetes ficou da seguinte maneira:
260 Diabetes Mellitus
Exclui:
diabete bronzeado (hemocromatose) (289.3)
diabete insípido (272.9)
diabete renal (glicosuria renal) (289.5)
Requer:
código adicional para indicar qualquer efeito sobre o recém-nascido (769.1), se
a doença ocorrer durante a gravidez
260.0 Sem complicações especificadas
260.1 Com complicações do olho
Inclui:
catarata diabética
irite diabética
melanose diabética da córnea
mudança na refração devida ao diabete
retinite diabética (hemorragia)
Requer:
código adicional para indicar os estados patológicos específicos (370 - 389.3)
260.2 Com complicações do sistema nervoso
Inclui:
encefalomielopatia devida ao diabete
esclerose dorsal diabética
mielorradiculopatia devida ao diabete
neuropatia diabética
Requer:
código adicional para indicar os estados patológicos específicos (340-369.9)
260.3 Gangrena ou úlcera diabéticas
260.4 Acidose ou coma diabético
260.5 Glomeruloesclerose intercapilar diabética
260.9 Outras complicações especificadas
Inclui:
nefrose devida ao diabetes
xantoma diabeticorum
A CID-9 incorporou, com pequenas modificações, a expansão do código do diabetes
acrescentando o quarto dígito, possibilitando ainda o uso opcional de um quinto
dígito ou algarismo, caso se desejasse especificar o "tipo adulto" ou
"tipo juvenil". Na CID-9 o código do diabetes, isto é, a categoria,
passou a apresentar subcategorias do (.0 ao .9), ampliando assim, de tal forma
a incorporar todas as complicações.
Nas sucessivas revisões da CID as especificações, detalhes ou manifestações das
doenças passaram a ser gradativamente incorporadas. Quanto a esse aspecto,
Laurenti (1991) comenta que, durante a preparação da Oitava Revisão, houve
pressões por parte de alguns países, particularmente aqueles que vinham
elaborando há tempos estatísticas de morbidade (hospitalar, ambulatorial, para
pagamentos de procedimentos segundo diagnósticos e outros) no sentido de que a
classificação fosse muito mais voltada para esses usos. Esse objetivo não foi
muito atingido na Oitava Revisão, mas pretendeu-se atingi-lo na Nona, que foi
bastante expandida; se não no número total de categorias, foi particularmente,
nas chamadas subcategorias, muitas das quais foram criadas para possibilitar
várias especificações ou manifestações de uma mesma doença. Além deste fato a
Nona Revisão passou a ter para muitas doenças uma dupla classificação, quando
se atribuiu um código (assinalado com uma cruz) para a etiologia da doença e
usado para mortalidade e outro código (assinalado por asterisco) para a
manifestação ou manifestações (mais de um asterisco, isto é, para um código de
etiologia pode haver várias subcategorias de asterisco, sendo uma para cada
manifestação).
Este fato é um tanto paradoxal, uma vez que uma sistematização ou classificação
aceita que um dos objetos a ser classificado, no caso doença ou diagnóstico,
possa aparecer em dois ou mais lugares. Esta, porém, foi uma concessão feita a
fim de se ter uma classificação possível de ser utilizada para morbidade. Por
outro lado, isto foi motivo de muitas críticas, pois criou certa dificuldade
para sua utilização. Pior ainda, não satisfez plenamente os usuários, e fazendo
com que alguns países, como os Estados Unidos, mantivessem e melhorassem uma
adaptação - a chamada modificação clínica da CID (ICD-CM, International
Classification of Diseases - Clinical Modification).
A atual Décima Revisão (CID-10) ampliou enormemente o número de categorias e,
especialmente, subcategorias, visando satisfazer plenamente os usuários em
morbidade. Assim, novamente usando o mesmo exemplo, o diabetes mellitus, passou
a ter cinco categorias (de E10 a E14) sendo, cada uma delas com dez
subcategorias (.0 a .9). É uma ampliação voltada especificamente ao uso da CID
em morbidade.
Essa expansão da CID e as suas adaptações, como a norte americana, a ICD-CM ou
outras semelhantes como a australiana ICD-AM (International Classification of
Diseases - Australian Modification) são utilizadas para estatísticas
hospitalares, de uma maneira geral. Ainda assim não satisfaziam os usuários em
relação ao uso em especialidades médicas e, dessa maneira, passaram a existir
as adaptações da CID para especialidades.
Algumas dessas adaptações já vinham sendo publicadas desde a CID-8, como é o
caso da "Adaptação da Classificação Internacional de Doenças para
Odontologia e Estomatologia". Até o presente já foram publicadas pela OMS
as adaptações da CID para psiquiatria, odontologia e estomatologia, neurologia
e oncologia. As futuras adaptações a serem publicadas são: pediatria,
reumatologia e ortopedia.
Tem-se, portanto, atualmente um grupo de classificações, formando o que se
convencionou chamar a "Família de Classificação", cujo conceito está
expresso na CID-10. Assim, "durante a preparação da Nona Revisão percebeu-
se que a CID, por si só, não poderia abranger todas as informações necessárias
e que apenas uma 'família' de classificações sobre doenças e outros problemas
relacionados à saúde poderia suprir as várias necessidades de uma demanda
crescente. Desde o final da década de 70, várias soluções possíveis têm sido
consideradas, uma das quais aponta para uma classificação central (CID) com uma
série de módulos, alguns hierarquicamente relacionados e outros de caráter
suplementar" (OMS, 1995:20).
Portanto, a família de classificações é formada por um núcleo (o core, como é
chamado na publicação oficial original, em inglês) que consiste na CID com três
caracteres, o nível exigido para informações internacionais, assim como o
necessário para a formação do banco de dados de mortalidade da OMS e para as
comparações internacionais. As subcategorias de quatro caracteres, embora não
exigidas em nível internacional, são recomendadas para muitos propósitos e são
parte integrante da CID, assim como as listas especiais de tabulação (OMS,
1995).
A família de classificações apresenta dois tipos distintos de membros. Há um
grupo que é utilizado para informações relacionadas aos diagnósticos e ao
estado de saúde cujas classificações são derivadas diretamente da CID, quer por
condensação, quer por expansão da lista tabular; as expandidas são as já
comentadas adaptações para especialidades médicas. As condensadas são as listas
abreviadas para apresentações estatísticas.
As classificações do segundo grupo que pertencem à família são aquelas que
tratam de problemas de saúde que não são diagnósticos atuais, mas relacionados
a eles (como, por exemplo, deficiências, incapacidades etc.), bem como
classificações relacionadas à assistência à saúde, como a de procedimentos
médicos e cirúrgicos, e também a de motivos de consulta com provedores leigos.
Com base na CID-6, que foi a primeira classificação de uso internacional e que
incorporou "doenças não mortais", chegou-se, atualmente, a uma
classificação bastante expandida, a CID-10, que passou a ser denominada
"Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde". A CID, que começou como instrumento estatístico
para enumerar e analisar causas de morte, evoluiu e está, atualmente, muito
mais dirigida ao uso em morbidade do que à mortalidade.
A partir da CID-6, quando foi decidido que se teria apenas uma classificação
para mortalidade e para morbidade, alguns problemas ligados ao uso em
mortalidade apareceram. Caso a opção tivesse sido por duas classificações de
usos distintos, provavelmente teria sido melhor. De fato o grande detalhamento
atual da CID dificulta sua aplicação no uso mais tradicional e antigo, que é em
mortalidade. Não se pode negar, contudo, que sua expansão e as adaptações
decorrentes trouxeram uma contribuição importante para a administração de
serviços de saúde, além do conhecimento da situação de demanda e, para as
especialidades médicas está servindo, de uma certa maneira, como padrão
terminológico.
Ainda que o maior uso das estatísticas de morbidade não seja o epidemiológico,
é interessante lembrar, como comenta Heasmam (1984) que os pacientes internados
representam apenas fases mais graves do espectro da doença, quer em relação a
grupos de doenças ou no curso de uma doença específica que acomete o indivíduo.
Desta maneira, tendências mostradas pelas estatísticas hospitalares podem
indicar mudanças na incidência mas, também, podem sofrer influências das
mudanças de conduta clínica, o que altera a tendência, confundindo sua análise.
No Brasil a DATASUS vem elaborando as estatísticas de morbidade hospitalar
referente aos hospitais do SUS ou a ele conveniados. Essas estatísticas,
facilmente disponíveis em publicações ou CD-Rom, ainda não estão sendo muito
utilizadas por pesquisadores, como ocorre com as estatísticas de mortalidade.
Todavia, podem oferecer numerosas informações de interesse epidemiológico, e a
disseminação do uso, quase certamente, muito contribuirá para aperfeiçoá-las.
Estatísticas de conseqüência das doenças
As doenças que são "banais", isto é, de menor gravidade, que são
curadas naturalmente ou suscetíveis à prevenção correspondem a uma parte apenas
do grande espectro da morbidade. Essa morbidade é mensurável e para isso se
utilizam alguns instrumentos como a CID e suas adaptações, tema deste trabalho.
O avanço científico e tecnológico em medicina propiciou a cura de numerosas
doenças, porém em certo número de casos permanece, após a cura, um
"resíduo de condições" que, a rigor, não se incluem propriamente na
categoria de doenças. Condições como, por exemplo, efeitos de traumatismos,
deficiências de órgãos do sentido, retardo mental, limitações devido a doenças
crônicas, particularmente em idosos e, ainda, as limitações próprias da idade
não são identificadas ou classificadas como doença. Esses transtornos começam a
dominar o quadro de "morbidade atual", entendida esta,
principalmente, como as de demanda a serviços de saúde e a outros tipos de
assistência.
A CID, com os códigos para manifestações de doenças é útil para identificar o
tipo de demanda aos serviços. No entanto, todas as conseqüências da doença e
sua evolução, não são privilegiadas na classificação. A CID pode ser usada para
estudar a história natural das doenças, mas raramente serve como instrumento de
medida para mudanças nas condições do indivíduo após o contato com o sistema de
assistência à saúde. As dificuldades surgem devido à limitação do modelo médico
da doença, adotado pela CID. Esse modelo pode ser representado simbolicamente
como mostrado a seguir (WHO, 1980):
Etiologia®Patologia®Manifestação
A CID é baseada nesse modelo, sendo que essas três componentes podem ser
identificadas dentro dela. É de se destacar, porém, que o modelo falha por não
conter toda a gama de problemas que levam as pessoas a procurar o sistema de
assistência à saúde e ainda que, na prática diária, forneça uma eficiente
aproximação quanto aos transtornos que podem ser prevenidos ou curados, ele é
incompleto porque não contempla as conseqüências das doenças. Estas últimas,
por sua vez, têm grande importância nas atividades da vida diária e vêm
representando parte importante da demanda aos serviços, tornando-se necessária
a existência de um instrumento para mensurá-las; isso é particularmente
verdadeiro para os distúrbios crônicos progressivos e irreversíveis. Assim, a
seqüência que começa na doença básica e evolui com conseqüências pode ser
mostrada com as seguintes fases (WHO, 1980):
Doença®Deficiência®Incapacidade® Desvantagem
Essas conseqüências podem ser conceituadas como se segue:
Deficiência:Representa qualquer perda ou anormalidade da estrutura ou função
psicológica, fisiológica ou anatômica. Pode ser conseqüência de qualquer doença
ou lesão e representa alterações em nível corporal.
Incapacidade:Reflete as conseqüências de deficiências em termos de realização
funcional e de atividade. Representa, portanto, alterações em termos da pessoa.
Desvantagem:Representa um impedimento para uma dada pessoa, resultante de uma
deficiência ou de uma incapacidade, que limita ou impede o desempenho de uma
atividade que é considerada normal (levando em consideração a idade, o sexo e
fatores sociais e culturais). Diz respeito à inserção ou papel da pessoa na
sociedade.
Para melhor compreensão desses três tipos de conseqüências das doenças,
apresenta-se na Tabela_1 um exemplo da OMS (WHO, 1980).
Tendo-se em vista o aumento da freqüência dessas condições na população, a
necessidade de conhecê-las melhor e, particularmente, o aumento como demanda
aos mais diferentes tipos de serviços, a Organização Mundial da Saúde, levando
em conta a natureza dessas três diferentes dimensões (deficiências,
incapacidades e desvantagens) e seus conceitos ou definições, propôs um sistema
de classificação para cada uma delas. Essas classificações aparecem como três
grandes seções ou capítulos em uma publicação da OMS, cujo título original em
inglês é International Classification of Impairments, Disabilities and Handcaps
(WHO, 1980) e que passou a ser conhecida internacionalmente com a sigla em
inglês ICIDH. Em português passou a ser conhecida como "Classificação
Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens", sendo que no
dia-a-dia é também conhecida pela sigla em inglês.
Essa classificação foi utilizada em alguns países durante uma década e meia e
tal uso foi quase sempre como um teste ou "piloto" para avaliar suas
vantagens e desvantagens. Até mesmo passaram a existir na Europa três
"Centros Colaboradores da OMS para a ICDIH", visando ao estudo e à
aplicabilidade desse instrumento. Nesse período, ganhou-se considerável
experiência e se verificou a necessidade de se fazer uma revisão, tendo-se em
vista, notadamente, as novas necessidades dos serviços de saúde.
A atual versão reflete as mudanças sugeridas por um número grande de usuários,
de peritos, dos Centros Colaboradores da OMS e de outros. Essa versão ou
revisão atual denomina-se International Classification of Impairments,
Activities and Participation (A Manual of Dimensions of Disablement and
Functioning; WHO, 1997). É uma classificação de inaptidões (ou invalidez ou
incapacidade, lato sensu, do inglês disablements) e de funcionalidade (ou
funcionamento, do inglês, functioning) e que agrupa sistematicamente, isto é,
classifica as conseqüências devidas às condições de saúde (doenças, transtornos
ou lesões). As inaptidões (invalidezes ou incapacidades) e a funcionalidade são
termos gerais que cobrem três dimensões: (1) as estruturas ou funções
corporais, (2) as atividades pessoais e (3) a participação na sociedade. Essas
três dimensões relacionadas à saúde são, na nova versão, denominadas
deficiências de funções e deficiências de estruturas, atividades (na primeira
versão da ICIDH, denominada incapacidades) e participação (antes denominada
desvantagens).
A atual revisão contém as classificações destas três dimensões - Deficiências,
Atividades e Participação - em nível de 1 e 2 dígitos e uma classificação
detalhada. Inclui também uma "Lista de Fatores Ambientais". A
classificação é apresentada como a versão Beta-1 Draft for Field Trials,
indicando que é um instrumento que está sendo testado e cuja versão final
deverá ser publicada no ano 2000 ou logo após.
Tanto a primeira versão, de 1980, como a atual, de 1997, fazem parte da
"família de classificações". No caso, pertencem ao segundo tipo de
membro, a saber, sem ligação direta ou não derivadas do núcleo central, que é a
CID.
A atual versão da ICIDH é uma classificação com múltiplos propósitos e
construída com a finalidade de servir ou ser utilizada em diferentes
disciplinas e setores, bem como fornecer um arcabouço comum para o entendimento
e a comunicação das diferentes dimensões das incapacidades e funcionamento.
Os principais objetivos dessa classificação (WHO, 1997) são os seguintes:
oferecer uma base científica para compreender e estudar as conseqüências das
doenças ou condições de saúde.
construir ou estabelecer uma linguagem comum para descrever as conseqüências
de condições de saúde, visando melhorar as comunicações entre os profissionais
de assistência à saúde, outros setores e pessoas com incapacidade ou invalidez.
oferecer uma base para a compreensão do impacto do fenômeno da incapacidade/
invalidez na vida das pessoas e suas participações na sociedade.
definir as conseqüências das condições de saúde visando melhorar a
assistência e os serviços e, assim, melhorar a participação na sociedade
daquelas pessoas com esses problemas.
Desde a primeira versão, em 1980, a ICIDH tem sido utilizada para várias
finalidades, como:
instrumento estatístico para a coleta e o registro de dados (em estudos
populacionais, inquéritos ou no gerenciamento do sistema de informações).
instrumento de pesquisa - para medir os resultados dos serviços, qualidade de
vida ou influência dos fatores ambientais.
instrumento clínico - avaliação de resultados, comparação de tratamentos para
condições específicas e avaliação de reabilitação.
instrumento para políticas sociais - planejamento de seguro social, sistemas
de compensações, planejamento e implementação de políticas.
instrumento educacional - planejamento de currículos em várias áreas, não
somente os de saúde, mas incluindo os sociais.
A ICIDH usada para coletar dados para avaliação da oferta e demanda de
assistência à saúde, serve também como avaliação de políticas e financiamentos.
Desta maneira é útil para a prática da assistência, da administração, da
pesquisa, da educação e das políticas, contribuindo para melhorar a saúde da
população. Serve como moeda transprofissional, visto que oferece uma
uniformidade de conceitos e terminologia, facilitando a padronização e
melhorando a comparabilidade de dados (WHO, 1997).
Fica bem claro que a utilização da ICIDH favorece os estudos epidemiológicos
sobre a freqüência das conseqüências das doenças e sua distribuição segundo
diferentes variáveis, estudos prospectivos, retrospectivos e outros. É inegável
sua contribuição para o melhor conhecimento da história natural das doenças.
Comentários finais
O conhecimento da freqüência das doenças na população de um ponto de vista de
apresentação de dados (ou estatísticas) iniciou-se há aproximadamente três
séculos e meio com John Graunt. Esse conhecimento referia-se a uma contagem das
causas de morte. O desenvolvimento de uma classificação de causa de morte de
uso internacional no final do século XIX possibilitou grande desenvolvimento
das estatísticas de mortalidade por causa e, sobretudo, sua comparabilidade
intra e internacional, bem como análises de tendências e características
individuais dos casos. Isso permitiu o desenvolvimento de numerosos estudos
epidemiológicos, o que muito contribuiu para o conhecimento das doenças e
serviu de base para sua prevenção e mesmo, em muitos casos, o tratamento.
Contribuiu, ainda, para o conhecimento da história natural das doenças.
Na metade do século XX houve um aumento do interesse sobre as estatísticas de
morbidade e para que isso se concretizasse houve a necessidade de um
instrumental; assim, a classificação de causas de mortes tornou-se mais
completa, transformando-se numa classificação de doenças que incluía as não
mortais, mesmo as mais simples que, porém, eram motivo de atendimento médico.
A estrutura dessa classificação possibilitou adaptações para uso em
especialidades médicas. Desta maneira, passou a ser possível apresentar as
estatísticas de morbidade de uma forma mais geral (internações ou ambulatório)
e de modo mais específicos ou detalhado para especialidades. Teve-se, então um
conjunto de classificações que, a partir da CID-9, foi denominado "família
de classificação". Esse instrumental foi e continua sendo de grande
utilidade em saúde pública, em especial para administração de serviços de
saúde, planejamento e avaliação. Possibilitou também vários tipos de estudos
epidemiológicos.
O que vem se observando é a ocorrência de uma mudança na cena da atenção à
saúde durante o século XX, passando do tratamento de doenças agudas para o
predomínio dos cuidados com os processos crônicos. Isso trouxe a necessidade de
se focalizar as conseqüências das doenças e não apenas seus quadros clínicos.
Tendo-se em vista esse problema emergente, foi necessário um novo paradigma.
Para muitas doenças agudas, de curta duração, um diagnóstico correto e uma
atenção episódica eram suficientes e, dessa maneira, a medicina tinha (e ainda
tem, nesses casos) interesse no diagnóstico. Com o aumento das condições ou
doenças crônicas não transmissíveis e o envelhecimento da população, as
conseqüências das doenças ganham importância, notadamente porque necessitam de
cuidados por longos períodos. Em vez da cura, o manejo, ou controle funcional
dessas condições, passou a ser a meta, e os resultados da atenção à saúde
tornaram-se o padrão para medir o desempenho e a eficácia desta atenção (WHO,
1997).
O esquema da CID por si só tornou-se insuficiente para responder a essas
necessidades, já que o desejado pelos profissionais de saúde não podia ser
avaliado com base no diagnóstico apenas (modelo CID). Assim, a OMS desenvolveu
uma classificação de conseqüências de doenças.
Logo, o setor saúde dispõe, hoje, de uma "família de classificações"
para múltiplos usos, desde a clássica e tradicional "estatísticas de
mortalidade", passando por vários tipos de detalhamento das estatísticas
de morbidade e chegando atualmente às estatísticas de conseqüências das
doenças. Os instrumentos para essas utilizações foram desenvolvidos pela OMS; a
aplicabilidade destas estatísticas são múltiplas, desde os mais simples aos
mais complexos estudos epidemiológicos, até o amplo uso na administração,
planejamento e avaliação de programas de serviços de saúde.