Integrando a Educação Física ao Projeto Político Pedagógico: perspectiva para
uma educação inclusiva
===============================================================================
Introdução
A proposta de educação inclusiva e as determinações legais são bastante claras
e objetivas no que tange aos direitos das pessoas com necessidades educativas
especiais. A Constituição_Federal elege como princípio para o ensino "a
igualdade de condições de acesso e permanência na escola", na qual a educação
representa um direito de toda a população. A Lei_nº._9.394/1996 reforça os
preceitos constitucionais em seu art. 3º e dá tratamento específico à Educação
Especial nos artigos 58 e 59, assegurando aos educandos com necessidades
educacionais especiais currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e
organização específica para atender às suas necessidades, garantindo, desta
forma, o direito à educação escolar a todos os cidadãos.
Legalmente, a questão da inclusão de alunos especiais está muito bem amparada;
teoricamente, estamos diante de um novo paradigma de educação inclusiva.
Contudo, é muito grande o abismo entre os preceitos legais/teóricos e a prática
da inclusão; entre o direito que é garantido e o que, de fato, é proporcionado
na escola. Há que se considerar que a legitimidade desse processo advém da
"capacidade de mobilização, articulação e de ação das forças identificadas com
a necessária transformação da nossa organização escolar" (VENÂNCIO, 2005, p.
29).
Nesse sentido, Rezende (2007, p. 64) adverte que "não cabe mais definir modelos
normativos passivos e dicotomizados sobre situações absolutamente irreais. È
necessário compatibilizar os pressupostos filosóficos e legais à concretude da
escola pública".
O problema aumenta mais quando se trata da Educação Física escolar, cujo
desenvolvimento nem sempre ocorre de forma concernente com as diretrizes e
metas educacionais, baseada numa concepção dualista de homem, "tendo como
princípio o rendimento, a competição e o confronto". Nessa perspectiva o corpo
é valorizado enquanto corpo físico, subordinado, obediente, desfavorecido e o
homem pode ser tratado a partir de um padrão comum, homogêneo, semelhante.
(SANTIN, 1987, p. 52)
Assim entendida, a disciplina pode ser um instrumento de exclusão,
desconsiderando a importância da prática da cultura corporal principalmente
para aqueles que não têm o corpo perfeito conforme os padrões socialmente
estabelecidos, mas que são seres essencialmente humanos e, como tais, devem ter
o direito de participação na vida social e nas atividades escolares como um
todo.
Considerando o status conferido à Educação Física no § 3º do artigo 26 da LDB,
que a reconhece como componente curricular da educação básica integrada à
proposta pedagógica da escola abre-se um leque de possibilidades para a efetiva
participação dos profissionais da Educação Física na definição da proposta
pedagógica da escola. Essa prerrogativa incorpora os conhecimentos da área aos
demais saberes que compõem o currículo escolar, indicando uma proposta de
inclusão da prática da cultura corporal no projeto da escola e,
conseqüentemente, dos alunos na prática da cultura corporal, podendo favorecer
o trabalho educacional interdisciplinar e a definição e execução de ações
pedagógicas integradas que corroborem para uma prática educacional mais
coerente, democrática e inclusiva da educação física na escola.
Desta forma, o objetivo deste estudo é discutir a importância da Educação
Física integrada ao Projeto Político Pedagógico visando à inclusão de alunos
com necessidades educativas especiais na prática da cultura corporal.
O paradigma da inclusão: dos preceitos legais à vivência escolar
Na Constituição_Federal_de_1988 são expressas como fundamento da república a
cidadania e a dignidade humana (art. 1º, incisos II e III), e como um dos
objetivos fundamentais a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem,
raça, cor, sexo, idade ou qualquer outra forma de discriminação (art. 3º,
inciso IV). Baseando-se nesses preceitos, entende-se que todos devem ser
tratados igualmente, de forma digna, em todos os ambientes e no convívio
social.
A Lei_nº._9.394/1996 elege como princípio para o ensino "a igualdade de
condições de acesso e permanência na escola" (Art. 206, inc. I), onde a
educação representa um direito de toda a população, independente de suas
peculiaridades físicas, cognitivas, comportamentais e/ou psicossociais,
significando dizer que o sistema escolar deve receber toda e qualquer clientela
que busque o seu direito de acesso à escolaridade básica em escolas regulares,
oferecendo tratamento igualitário e inclusivo, buscando estratégias para
garantir, também, a permanência do aluno na escola.
A LDB reforça os preceitos constitucionais em seu artigo 3º e dá tratamento
específico à Educação Especial nos artigos 58, 59 e 60, garantindo, desta
forma, o direito à educação escolar a todos os cidadãos, e opondo-se a qualquer
forma de exclusão das pessoas em razão de sua origem, raça, sexo, cor, idade ou
deficiência.
Sabe-se, contudo, que o atendimento educacional às pessoas com necessidades
especiais, até meados do século XX, era realizado como atendimento médico ou
sócio-educacional de forma inadequada e segmentada, em que os alunos eram
segregados em ambientes que não promoviam sequer o direito humano de convívio
social, interação e troca de conhecimento. Os avanços alcançados nos últimos
anos são, sem dúvida, o resultado das muitas lutas travadas por homens e
mulheres, médicos, pais e professores que se comprometeram nesse processo. As
conquistas e iniciativas governamentais não ocorreram ao acaso, como lembra
Januzzi (2006):
Enquanto era possível e conveniente, os deficientes eram segregados
da sociedade, ao passo que, mais tarde a defesa da educação dos
anormais foi feita em função da economia dos cofres públicos e dos
bolsos dos particulares, pois assim se evitariam manicômios, asilos e
penitenciárias, tendo em vista que essas pessoas seriam incorporadas
ao trabalho (p. 53).
Os movimentos internacionais pela inclusão de alunos especiais no ensino
regular e alguns direitos que passam a ser garantidos legalmente provocaram em
vários países o despertar para um novo paradigma educacional e novas
possibilidades para a educação do deficiente. O paradigma inclusivo é entendido
aqui como uma fase de mudança nas concepções teóricas e nas práticas (ações
legais, políticas e sociais) voltadas à inclusão das pessoas com deficiências
(GLAT, 2006).
Para Sassaki (2005) todas as formas de acesso escolar já existentes sempre
supõem a coexistência de dois sistemas de educação: o regular e o especial. Em
oposição a essa política discriminatória e excludente, a inclusão compreende a
adequação da sociedade (escolas, empresas, espaços urbanos, etc.) visando
eliminar os fatores de exclusão e atender as necessidades de todos os
indivíduos.
O paradigma da inclusão vai-se disseminando e, em diversos países, alguns
autores se destacaram por manifestarem sua insatisfação em relação ao
tratamento dado aos alunos especiais nos sistemas de ensino e por defenderem o
movimento da inclusão, tais como Fulcher e Slee, na Austrália; Barton, Booth e
Tomlinson, no Reino Unido; Ballard, na Nova Zelândia; Carrier, em Nova Guiné;
Biklen, Heshusius e Sktirc, na América do Norte (SANCHES, 2005).
Nessa direção, Reynolds e Birch; Wang, Reynolds e Walberg evidenciam que o
lançamento da REI Regular Education Iniciative foi um grande passo para
incentivar o estabelecimento e fortalecimento de parcerias entre a educação
especial e o ensino regular, uma vez que sua finalidade primordial era
desenvolver formas de atender aos alunos especiais em turmas do ensino regular
(STAINBACK;_STAINBACK, 1999).
Portanto, como pôde ser observado, esse movimento pela inserção dessas pessoas
no sistema de ensino regular, desencadeado no contexto educacional norte-
americano, ainda que de forma restrita, influenciou outros sistemas de ensino
no sentido de dar a largada no processo de inclusão social e educacional de
alunos especiais, quando sugere que todos devem participar da vida educacional
e social juntamente com os grupos de sua mesma idade.
Glat (1998) mostra que esse modelo:
[...] parte da premissa de que todas as pessoas portadoras de
deficiência têm o direito de usufruir de condições o mais comuns ou
normais possíveis na comunidade onde vivem. Ou seja, elas devem
participar das mesmas atividades sociais, educacionais, recreativas
freqüentadas por grupos de sua mesma idade (p. 22).
O paradigma da inclusão surge na década de 1990 e busca incluir as pessoas com
necessidades especiais no sistema regular de ensino, tendo como referências
documentos como a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, assinada
durante a Conferência Mundial promovida pela ONU, em Jomtien, Tailândia (1990);
a Declaração de Salamanca, assinada na Conferência Mundial sobre Necessidades
Especiais, promovida pela ONU (1994) na Espanha; a Convenção da Guatemala
Decreto nº. 3.956/2001; e o Fórum Consultivo Internacional para a Educação para
Todos, ocorrido em Dakar (Senegal) em 2000.
Cabe aqui destacar a Declaração_de_Salamanca (1994), que contribuiu de forma
significativa para alavancar o processo de educação inclusiva em todo o mundo.
Seus princípios serviram de base para a proposição de políticas inclusivas nos
sistemas de ensino, uma vez que definem que todas as crianças têm direito à
educação e deve-se dar a elas a oportunidade de alcançar e manter um nível
aceitável de conhecimentos, garantindo que as pessoas com necessidades
educacionais especiais devem ter acesso às escolas comuns, e estas devem
representar um meio mais eficaz para combater as atitudes discriminatórias,
criar comunidades acolhedoras, construir uma sociedade integradora e alcançar a
educação para todos.
Considerando o que estabelece a Declaração de Salamanca, concordamos com
Sanches (2005, p. 12), ao afirmar que "a educação inclusiva é antes de tudo uma
questão de direitos humanos, já que defende que não se pode segregar nenhuma
pessoa como conseqüência de sua deficiência, dificuldade de aprendizagem,
gênero ou etnia".
Para Sassaki (1997), a inclusão é entendida como uma via de mão dupla, no que
tange ao provimento de oportunidades a todas as pessoas, pois consiste tanto na
adaptação da sociedade para incluir as pessoas com necessidades educacionais
especiais como, também, na luta dessas pessoas para alcançar um lugar ao sol,
ou seja, para assumir uma colocação no contexto da sociedade em que vivem.
No Brasil, baseado nas referidas conferências e pautadas na Constituição
Federal_de_1988, na Lei_nº._9.394/1996, no Plano Decenal de Educação para Todos
(MEC) e no Estatuto da Criança e do Adolescente Lei nº. 8.069/1990, o
processo de inclusão escolar vem sendo paulatinamente implantado nas escolas de
ensino regular. E, para que esse processo possa ser efetivado com êxito, o
sistema escolar como um todo deve passar por grandes transformações, que vão
desde as adaptações físicas até as pedagógicas e curriculares, para que a
clientela de alunos inseridos nas unidades de ensino possa sentir-se
verdadeiramente incluída, apesar de toda a diversidade presente no contexto
escolar.
Em relação a essa adaptabilidade, Sassaki (2005) sugere diversas medidas de
adequação necessárias para que as escolas regulares se transformem em unidades
inclusivas:
Acessibilidade arquitetônica: sem barreiras ambientais e físicas;
acessibilidade comunicacional: sem barreiras na comunicação
interpessoal, escrita, virtual; acessibilidade metodológica: sem
barreiras nos métodos e técnicas de estudo; acessibilidade
instrumental: sem barreiras nos instrumentos e utensílios de estudo,
nas atividades da vida diária e de lazer, esporte, recreação
(dispositivos que atendam às limitações sensoriais, físicas e
mentais, etc.); acessibilidade programática: sem barreiras nas
políticas públicas; acessibilidade atitudinal: práticas de
sensibilização, conscientização e convivência na diversidade humana,
quebra de estigmas, preconceitos, estereótipos e discriminações (p.
23).
Assim, considerando a realidade de nossas escolas, com suas mazelas e
dificuldades de toda ordem, esse é o grande desafio que está posto não só para
as escolas, para os profissionais da educação e pais, mas, principalmente, para
os sistemas mantenedores da educação nos estados brasileiros, "buscando
identificar o modo mais seguro de evitar que, apesar dos direitos constarem
solenemente nos discursos, não continuem a ser tão lamentavelmente, violados na
prática. A violação de direitos é um dos mais significativos entraves à
democracia e à paz" (CARVALHO, 2007, p. 19).
E, especialmente neste particular, essa violação tem se dado tanto em nível
macro, na esfera governamental, com a ausência de políticas públicas capazes de
favorecer o desenvolvimento desse projeto inclusivo no seio da escola e da
sociedade, como, também, em nível menor, dentro do lócus que seria o mais
apropriado para esse exercício de convivência com a diversidade, que é o espaço
escolar.
Nas escolas ainda é comum nos depararmos com situações de discriminação e
exclusão dos alunos especiais à luz de diversos fatores, que vão desde a falta
de materiais, equipamentos e espaços adequados até a falta de preparo por parte
dos profissionais para dar conta do trabalho com esses alunos. Isso denota que,
de fato, o maior impedimento diz respeito às atitudes negativas e pessimistas
dos educadores em relação à inclusão desses alunos, pois acabam centrando o
olhar mais na deficiência do que nas capacidades e habilidades a serem
desenvolvidas através do processo ensino-aprendizagem que deve ocorrer na
escola.
Portanto, o conhecimento, o entendimento e a aceitação do processo de inclusão
por parte dos professores atuantes nas salas de aula do ensino regular é também
um fator primordial para que as "barreiras atitudinais" sejam aos poucos
derrubadas e a relação professor-aluno deficiente se torne mais próxima e mais
produtiva para ambos.
Isso nos remete à questão da vontade política de todos os envolvidos, do
compromisso e da postura da equipe escolar, buscando efetivar uma prática
pedagógica capaz de acolher o aluno (ser humano) e mantê-lo na escola,
oferecendo o direito de estudar normalmente em um espaço adequado à construção
de conhecimentos e troca de experiências, à socialização do saber a partir do
convívio com o outro. O que na concepção de Delors (1999) seriam as
aprendizagens fundamentais: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a
viver junto e aprender a ser, compreendendo assim os pilares para uma formação
integral e mais humana que respeite a diversidade e a pluralidade, podendo ser
desfrutada ao longo da existência de cada cidadão.
E ainda, assinala o autor, a preocupação com a desumanização do mundo
ressaltando a importância de se conceber a educação como um todo, uma vez que
os sistemas educacionais tendem a privilegiar o acesso ao conhecimento em
detrimento de outras formas de aprendizagem.
Nesse contexto, a inclusão requer novas formas de entendimento e condução dos
processos de ensino e de aprendizagem e conceitos atualizados de educação,
sendo um motivo para que os professores modifiquem a sua maneira de ensinar. O
intuito é de que ela seja uma conseqüência do empenho das escolas na direção de
inovações e mudanças de suas práticas. Afinal, o princípio democrático de uma
"educação para todos" só se evidencia naquelas instituições que se dedicam a
todos os seus alunos, sem distinção, e não apenas a alguns por apresentarem
necessidades educativas especiais (MANTOAN, 2002).
Isso significa dizer que a escola inclusiva deve estar apta a atender qualquer
pessoa, pois na concepção de escola inclusiva tem-se como pressuposto básico
"uma educação de qualidade para todos", onde os alunos possam ter o mesmo
direito de acesso a um currículo escolar significativo e desfrutem das relações
sociais promovidas no espaço de uma escola que reconheça e valorize a
diversidade como meio de enriquecimento do currículo e não como entrave ao
processo de ensino-aprendizagem. Pois, para Stainback_e_Stainback (1999, p. 22)
"quando existem programas adequados, a inclusão funciona para todos os alunos
com e sem deficiências, em termos de atitudes positivas mutuamente
desenvolvidas, de ganhos nas habilidades acadêmicas e sociais e de preparação
para a vida na comunidade".
Dentro dessa perspectiva, a educação para os indivíduos com necessidades
especiais deve levar em consideração que o desenvolvimento é um processo
contínuo e interativo, devendo todos os indivíduos ser trabalhados juntos,
independente de sua deficiência, para que, a partir dessa diversidade, ocorra o
verdadeiro ato educativo. É através da interação com o diverso, no contato com
as diferenças individuais e culturais que os seres se desenvolvem como seres
humanos, agregando conhecimentos e valores indispensáveis à sua formação,
contribuindo, assim, para o avanço de todos.
Para que a escola realmente seja esse espaço inclusivo, onde se faça valer o
direito a uma aprendizagem significativa, de valores éticos, de troca de
experiências e crescimento recíproco, ela tem que passar por toda uma
reestruturação, em nível operacional, físico, administrativo e pedagógico.
Tomando por base uma visão sociológica, essa escola é que precisa ser
transformada para atender as necessidades individuais de todos os alunos e não
o oposto, onde a escola visualiza a homogeneização como forma de adaptá-los ao
contexto da escola. "Desta forma, o ambiente escolar precisa se construir como
um espaço aberto, acolhedor, preparado e disposto a atender às peculiaridades
de cada um" (FERREIRA, 2007, p. 551). Isso é o que se busca da escola atual, ou
seja, sua transformação num ambiente de relações amenas e mais prazerosas,
assim como favorecedor da aprendizagem, inclusive de valores humanos e
axiológicos, algumas vezes desconsiderados das ações educativas na escola.
Outro aspecto relevante para que o processo inclusivo escolar favoreça a
aprendizagem de todos diz respeito ao currículo e à avaliação, uma vez que "
[...] a educação inclusiva se propõe a aumentar a participação de todos os
alunos no currículo escolar e a redução da exclusão escolar e social [...]"
(SANCHES, 2005, p. 12).
Nesse contexto, um currículo escolar voltado para a aprendizagem de todos, de
forma indiscriminada, deve ter como característica principal a flexibilidade,
com isso permitindo que os conteúdos curriculares possam ser apresentados de
forma acessível a todas as crianças, jovens e adultos em processo de
escolarização. Principalmente elaborado sob forma de estratégias de ensino
participativas, dinâmicas, integradoras e inovadoras, que favoreçam a
aprendizagem colaborativa e autônoma, cuidando-se para não cair em armadilhas
que possam reforçar as desigualdades, conforme nos fala Perrenoud (2001):
O Currículo, como seqüência organizada de experiências formativas, é,
em última instância, individual: dois alunos sentados lado a lado não
vivem a mesma jornada. Nem todos os alunos recebem a mesma parcela de
consideração, de atenção, de estímulo, de calor, de apoio, de amor,
de humor e confiança, etc. E, com freqüência, essas diferenças
reforçam as desigualdades (p. 25).
É nesse sentido que o currículo real deve ser transformado no contexto da
prática cotidiana escolar, formando circuitos de conhecimento e significação em
oposição a currículos fechados, inflexíveis e descontextualizados. Pois ele
precisa funcionar no âmbito da ação educativa como uma ponte entre aquilo que é
formalmente estabelecido e o que se efetiva no cotidiano escolar, entre o
desejado e o realizado, entre o que é preciso e o que ocorre de fato no chão
das salas de aula, das quadras e de outros espaços de aprendizagem.
Em relação ao processo de avaliação do desempenho dos alunos também é
necessário que seja compreendido e efetivado numa nova abordagem, deixando de
ser uma avaliação classificatória, com ênfase apenas no resultado final, na
aptidão física, no grau de rendimento físico e esportivo, passando a ser uma
avaliação dinâmica, contínua, de análise de percurso, com ênfase no processo,
"observando-se o grau de acervo corporal do aluno (significância dos avanços
obtidos), o grau de apreensão dos valores ético-políticos que formam a cultura
corporal e o processo de socialização" (CASTELLANI_FILHO, 1997, p. 16).
É preciso cuidar para não incorrer na falha de se usar a avaliação como prêmio
aos alunos considerados bons ou mais capazes e castigo para os ruins ou menos
capazes, sob pena de cometimento de injustiça e agravamento das desigualdades e
discriminações contra os alunos deficientes, que podem, nesse contexto, ser
taxados de inaptos, ou ainda, incapazes. Pois, segundo Perrenoud (2001, p. 21)
"a excelência, o sucesso e o fracasso são realidades construídas pelo sistema
escolar e muitas vezes a avaliação cria suas próprias desigualdades quando
inclina a estimativa das competências a favor dos bons alunos ou de crianças
socialmente favorecidas".
Assim, a possibilidade de ensinar a todos, sem discriminação e com grande
possibilidade de crescimento e desenvolvimento de uma proposta verdadeiramente
inclusiva de ensino, advém da reconstrução do projeto pedagógico da escola como
um todo e, consequentemente, da prática educativa que deve ajustar-se às
exigências desse novo projeto. Desta forma, estabelecendo, os alicerces para
que a escola possa cumprir o seu papel de educar na diversidade e, com essa
prática, possa contribuir no combate à exclusão e à injustiça social.
O Projeto Político Pedagógico como instrumento de promoção de políticas
inclusivas na escola.
É inegável a importância da educação escolar e do papel da escola diante das
demandas de uma sociedade cada vez mais complexa dar conta da tarefa
educacional, buscando atender de forma satisfatória à clientela de alunos que
procura escolarização e formação que possibilite o preparo para a participação
efetiva na vida social. Assim, os sistemas de ensino e as escolas como lócus do
saber sistematizado desempenham uma função social preponderante, necessitando
ampliar o seu papel na promoção dessa educação de qualidade e pela garantia de
acesso e permanência do aluno na escola.
A comunidade escolar atual apresenta características diversificadas e
necessidades educacionais também diferenciadas, exigindo da equipe escolar um
esforço conjunto no sentido de sua organização, planejamento das ações e
definição de estratégias de ação que respondam às necessidades da sociedade em
que está inserida.
Cada unidade de ensino possui um modo próprio de funcionar, de estabelecer
relações entre os grupos, com suas práticas, crenças, valores, significados,
modos de agir. Isso caracteriza uma cultura própria que, além de poder ser
modificada pelas pessoas que a constituem, possa ainda, ser discutida,
avaliada, planejada, num rumo que responda não só aos propósitos da direção, do
corpo técnico, do corpo docente, mas também da comunidade escolar.
Isso justifica a importância da formulação conjunta do PPP e da gestão
participativa, visando promover o envolvimento das pessoas no trabalho escolar
por meio de colaboração ativa, tendo sempre como referência os objetivos
propostos, com o intuito de promover as condições, os meios e os recursos
necessários ao bom funcionamento da escola e do trabalho em sala de aula. Tudo
buscando garantias em termos de uma efetiva aprendizagem por parte de todos os
alunos.
Tal fato sugere que um Projeto Político-pedagógico requer vivência
contínua, sistemática e comprometida de todos os sujeitos da práxis
educativa, sendo que o planejamento participativo se apresenta como
um procedimento eficaz, podendo constituir-se como instrumento
facilitador entre o refletir e o agir. A participação amplia o grau
de organização da população e, em relação à escola, contribui para a
melhoria da qualidade do ensino (LIMA, 2007, p. 13).
Enquanto instrumento político, definido e elaborado no plano teórico-
metodológico norteador das ações escolares, o PPP deve funcionar como guia de
ação de cada unidade de ensino, sendo o documento orientador das atividades
escolares, definindo sua identidade e metas para melhoria das práticas
pedagógicas, congregando as propostas educacionais no âmbito da escola,
delineando as grandes linhas de atuação da instituição, com base nos objetivos
definidos de forma conjunta para o fortalecimento do processo educacional.
O projeto é, portanto, o desenho das intenções, é a planificação das ações, a
previsão de um futuro diferente. È político uma vez que alinhava um caminho
para alcançar suas finalidades, sugerindo transformações e melhorias no âmbito
da ação educativa. No campo pedagógico busca a concretização da
intencionalidade da escola que é a formação do cidadão. (VEIGA, 2007)
Dentro dessa linha de pensamento, deve-se considerar a importância do PPP de
cada unidade de ensino como
[...] uma ação intencional com um sentido explícito, com um
compromisso definido coletivamente. Por isso ele é político por estar
articulado aos interesses reais e coletivos da população majoritária
e pelo seu compromisso com a formação do cidadão para um tipo de
sociedade. É pedagógico no sentido de definir as ações educativas e
as características necessárias à escola de cumprirem seus propósitos
e sua intencionalidade (VEIGA, 2007, p. 13).
Assim, podendo, o PPF, funcionar como mecanismo de gestão democrática da
escola, conferindo-lhe autonomia administrativa e pedagógica que possibilite
definir e gerenciar suas ações, utilizando-se de procedimentos adequados às
necessidades específicas daquela comunidade escolar.
Essa prerrogativa é proclamada na LDB, que confere à escola a autonomia
financeira, administrativa e pedagógica, possibilitando à comunidade escolar a
participação e a tomada de decisão, sendo garantida a participação dos
profissionais da educação na construção do projeto político-pedagógico da
escola, bem como da comunidade em conselhos, colegiados e outros.
Pela primeira vez verifica-se na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Brasileira a preocupação com a organização pedagógica da escola através da
determinação de obrigatoriedade na proposição de um projeto que defina as
políticas internas da escola para a consecução de um ensino voltado para os
anseios e condições de sua clientela e que considere as peculiaridades da
comunidade.
Assim, a escola tem em mãos a autonomia almejada, e nesse processo não cabem
mais as posturas autoritárias e centralizadoras, implicando a criação de novas
relações sociais em seu contexto que possibilitem estabelecer parcerias,
intercâmbio e cooperação mútua através de um trabalho mais engajado e integrado
entre a equipe.
Essa autonomia e participação, enquanto pressupostos do PPP, não devem
constituir-se apenas em princípios teóricos escritos em um documento formal,
mas ser princípios realmente vivenciados no momento da definição das ações da
escola desde o processo de planejamento, na programação de atividades diversas,
nos colegiados, enfim, nas decisões que envolvam a comunidade escolar (GADOTTI;
ROMÃO, 1997).
Com o respaldo legal, a escola passa a ter grandes possibilidades de realização
de propostas pensadas, construídas e discutidas pela e na escola. Isso ratifica
a importância da construção e execução de um projeto próprio de forma
participativa e integrada, para que funcione como exercício de autonomia e
gestão participativa. Desta forma, comungamos do pensamento de Veiga (2007, p.
22) ao aludir que o projeto pode ser "um instrumento de luta, de contraposição
à fragmentação e rotinização do trabalho pedagógico, à dependência e aos
efeitos negativos do poder autoritário e centralizador dos órgãos da
administração central". Entendemos, pois, que, na medida em que a escola se
organiza de forma integrada e coesa, ela se fortalece e torna-se cada vez mais
autônoma para conquistar o que almeja em termos de melhorias no seu trabalho
educativo e no cumprimento de sua função social.
Para Vasconcelos (2002, p. 21),
[...] o projeto tem uma importante contribuição no sentido de ajudar
a conquistar e consolidar a autonomia da escola, criar um clima, um
ethos onde professores e equipe se sintam responsáveis por aquilo que
lá acontece, inclusive em relação ao desenvolvimento dos alunos. De
certa forma é o projeto que vai articular, no interior da escola, a
tensa vivência da descentralização e, através disto, permitir o
diálogo consistente e fecundo com a comunidade e com os órgãos
dirigentes.
Por isso ele precisa ser abraçado pela comunidade escolar e entendido como
diretriz para a organização e coordenação do trabalho escolar e como
possibilidade real de efetivação das atividades pedagógicas. Desta forma, o
projeto pedagógico vivenciado no contexto escolar representa uma ação
transformadora decorrente da reflexão, do diálogo, da soma dos esforços, da
planificação participativa, sendo um elemento fundamental para a melhoria das
condições de ensino e aprendizagem na escola, visando à garantia de acesso e
permanência de todos os alunos no ensino regular.
Se, "[...] a inclusão é um processo mundial irreversível" e "o mundo caminha
para a construção de uma sociedade cada vez mais inclusiva" (SASSAKI, 2005, p.
22), a escola como agência formadora dos indivíduos para o convívio social não
pode ficar à margem desse processo. É preciso transformar-se em uma unidade de
ensino inclusiva com propostas educacionais que objetivem de fato a inclusão de
todos, ou seja, o projeto pedagógico como retrato da instituição tem que
refletir esse propósito.
Glat_e_Fernandes (2005, p. 38) enfatizam que a inclusão:
[...] implica uma nova postura da escola regular que deve propor no
projeto político-pedagógico, no currículo, na metodologia, na
avaliação e nas estratégias de ensino, ações que favoreçam a inclusão
social e práticas educativas diferenciadas que atendam a todos os
alunos. Pois, numa escola inclusiva a diversidade é valorizada em
detrimento da homogeneidade.
Para congregar a variedade de interesses e necessidades educacionais de seu
alunado, o projeto escolar tem que adotar uma filosofia de trabalho que
incorpore os princípios e a prática da inclusão nas ações cotidianas de todos
aqueles que fazem acontecer o processo educacional na escola, respeitando e
valorizando toda a diversidade humana presente nela, já que o aluno emana uma
variedade de manifestações, interesses e estilos de aprendizagem que passam a
requerer do educador e da escola um aprimoramento constante de suas práticas.
Assim, para a implementação de políticas escolares voltadas ao processo de
inclusão, os princípios e propostas educacionais inclusivas devem constar do
projeto político-pedagógico para que sejam assimiladas e incorporadas por toda
a equipe escolar, na execução das atividades diárias, e recebidas pelos alunos
em forma de acolhimento, ações educativas, posturas inclusivas e respostas
positivas de aprendizagem.
Uma vez estabelecidos os princípios, normas e as ações educacionais pelos
próprios membros da equipe escolar, as possibilidades de comprometimento e
esforço para a sua execução e para o seu sucesso serão bem maiores. E os
momentos de elaboração da proposta podem ser considerados espaços de
qualificação dos profissionais da escola na medida em que impõem variadas
discussões, estudo, pesquisa e intenso processo decisório sobre a
intencionalidade das ações que a escola quer definir (CARVALHO, 2007).
É nesse processo que o projeto pedagógico, enquanto mecanismo da gestão
democrática e da autonomia escolar, também se torna um poderoso instrumento de
inclusão na medida em que promove a participação e envolvimento de todos os
profissionais da escola, tornando-os co-participes nas decisões acerca das
ações e do processo educacional como um todo. A oportunidade de participação
efetiva aos membros da comunidade escolar gera mais possibilidades de serem
considerados os interesses e a diversidade cultural presentes na escola.
Portanto, esse projeto pressupõe "envolvimento e vontade política da comunidade
escolar para criar a utopia pedagógica que rompe com os individualismos e
estabelece a parceria e o diálogo" (VEIGA, 2007, p.51).
Para Venâncio (2005) é preciso analisar e compreender a organização do trabalho
pedagógico para que se possa gestar uma nova organização que amenize os efeitos
nocivos decorrentes da fragmentação e da hierarquização do trabalho no contexto
da escola. Para tal, é fundamental a definição de uma proposta pedagógica para
a educação física enquanto componente da base nacional comum que requeira
políticas públicas voltadas à formação e aperfeiçoamento dos profissionais que
desejam construir e participar de um projeto coletivo.
A definição clara da filosofia, de objetivos e metas a serem perseguidos por
todos é fundamental para estabelecer uma consciência coletiva voltada à
execução do que foi projetado, ficando-se atentos às ações gerais do mesmo, bem
como aos aspectos específicos da atuação de cada um. Dessa forma, "o trabalho
se organiza segundo as expectativas de diferentes indivíduos ou grupos como se
os seus interesses e objetivos fossem os mesmos" (VENANCIO, 2005, p. 32)
Sob essa visão, a inclusão, enquanto filosofia confunde-se com o próprio
objetivo de formação definido na política de educação para todos, e vai além da
simples inclusão nos espaços escolares, propondo a conquista verdadeira desses
espaços e tempos escolares para a efetiva participação de todos os alunos.
O projeto educacional pensado e construído dessa forma pode transformar-se em
uma proposta verdadeiramente inclusiva, desde a sua elaboração, quando promove
a participação de todos, e, principalmente na sua execução diária, quando a
escola assume o compromisso de levar a todos os alunos a possibilidade de
aprender de forma significativa por meio do reconhecimento e valorização das
diferenças presentes em sua clientela. Desta forma, promovendo vias reais de
acesso, a todos os cidadãos, que busquem o desenvolvimento do seu saber.
A Educação Física Integrada ao Projeto Político Pedagógico na perspectiva da
inclusão na prática da cultura corporal
Um número considerável de estudos na área de Educação Física evidencia a sua
importância para o desenvolvimento da criança em idade escolar, incluindo os
benefícios que vão desde o se crescimento e desenvolvimento físico como,
também, de suas capacidades cognitivas, afetivas e sociais.
Na pequena infância, o corpo em movimento constitui a matriz básica
da aprendizagem pelo fato de gestar as significações do aprender, ou
seja, a criança transforma em símbolo aquilo que pode experimentar
corporalmente, e seu pensamento se constrói, primeiramente, sob a
forma de ação (GARANHANI, 2002, p. 109).
Para Neira (1997):
O movimento é uma importante dimensão do desenvolvimento saudável e
da cultura humana. As crianças se movimentam desde que nascem
adquirindo um controle crescente sobre seu próprio corpo e se
apropriando cada vez mais das possibilidades de interação com o mundo
(p. 27).
Entendendo-se esses pressupostos, chega-se a uma conclusão de que no contexto
da escola o "viver" da criança não pode ser diferente. As atividades motoras
sempre estarão presentes no dia a dia das salas de aula, nas diferentes
atividades e manifestações dos alunos.
Assim, a Educação Física destacada como componente curricular da educação
básica (Lei_nº._9.394/1996, art. 26, § 3º) tem um papel fundamental na educação
de crianças e jovens, considerando a prática do movimento que possa
possibilitar às mesmas, uma gama diversificada de experiências e desafios que
favoreçam a criatividade, a descoberta de novos movimentos, dos próprios
limites, visando conhecer o próprio corpo, socializar-se na convivência com os
outros e expressar seus sentimentos por meio da linguagem corporal (BASEI,
2008).
De acordo com a abordagem construtivista, a construção dos conhecimentos ocorre
a partir da interação do sujeito com o mundo. Esta proposta também vem indicar
uma alternativa aos métodos diretivos, muito utilizados na prática da Educação
Física, propondo o respeito ao universo cultural do aluno, valorizando suas
experiências, explorando diversificadas possibilidades educativas, incluindo-
se, aí, os jogos e brincadeiras, pois no momento em que brinca ou joga a
criança também aprende de forma lúdica e prazerosa (DARIDO, 2001).
Nessa perspectiva, evidencia-se a importância da Educação Física na escola de
educação básica como componente curricular, que busca resgatar a cultura
infantil e juvenil através da valorização dos conhecimentos e experiências que
este aluno já traz e das possibilidades de novas construções, novas
aprendizagens que serão possibilitadas a partir da interação com os outros e da
aposta que o professor e a escola fazem na competência dos alunos.
A Educação Física, se assim for compreendida, deve ser um componente curricular
obrigatório ao longo da vida escolar para todas as crianças e jovens, uma vez
que atua com o movimento, o corpo, jogos e esporte, oferecendo-lhes
oportunidades para adquirirem competências de movimentos, identidades,
desenvolverem conhecimentos e percepções necessárias para um engajamento
independente e crítico na cultura corporal. Como nos diz Darido (2001, p. 7),
"não basta ensinar aos alunos a técnica dos movimentos, as habilidades básicas
ou, mesmo, as capacidades físicas. É preciso ir além e ensinar o contexto em
que se apresentam as habilidades ensinadas, integrando o aluno na esfera da sua
cultura corporal".
Parece razoável e pueril essa tarefa, já que é ou deveria ser própria da
Educação Física. Contudo, não podemos desconsiderar as idéias e práticas
contrárias que, ao longo do tempo, prevaleceram nessa área no contexto da
escola brasileira, preocupando-se mais com a aptidão física dos alunos. Essa
visão dual que separa corpo e mente, aptos e inaptos, bons e ruins é cruel e
reforçadora do fracasso escolar; por conseguinte, da exclusão. E esse tipo de
prática vivenciada na Educação Física escolar tem sido responsável pelas
"representações reducionistas socialmente construídas sobre o professor de
educação física, visto como descomprometido, disciplinador, alienado do
conjunto de responsabilidades pedagógicas escolares" (DEBORTOLI_et._al., 2006,
p. 97).
Mas sabe-se, também, que toda e qualquer mudança significa romper com algo que
está posto, mas já não atende aos anseios dos sujeitos num determinado momento
histórico. Isso implica quebrar paradigmas e, nessa direção, acreditamos que
muitos desses entraves que descaracterizam a Educação Física como componente
essencial do currículo escolar já vem sendo quebrados, seja por novas idéias e
discussões teóricas que fortalecem uma nova perspectiva da cultura corporal,
seja por experiências diferenciadas e inovadoras que vem mostrando resultados
positivos e servem como balizadoras e difusoras de novas práticas nas escolas.
Segundo Castellani_Filho (1997, p. 12), "compete, assim, à Educação Física dar
tratamento pedagógico aos temas da cultura corporal, reconhecendo-os como
dotados de significado e sentido porquanto construídos historicamente". E, para
avançar nesse processo, precisa efetivar sua participação nos processos
pedagógicos discutidos e desenvolvidos no contexto escolar, fazendo parte da
construção e reconstrução coletiva das ações e conteúdos pertinentes à Educação
Física e à educação escolar como um todo. Para isso, é fundamental que a
educação física escolar se desenvolva com base nos princípios da motricidade
humana, buscando a transposição do dualismo corpo-mente e a superação dos
entraves que historicamente vem limitando e empobrecendo a prática corporal no
contexto escolar. Desta forma, amplia-se a concepção de homem percebido e
sentido holisticamente como ser verdadeiramente humano e inteiro.
Pensar uma Educação Física escolar nessa perspectiva pressupõe novas práticas,
novas formas de planejar e executar as ações relativas ao movimento e à
construção da cultura corporal na escola. Isso requer comprometimento do corpo
docente com o projeto pedagógico, já que o projeto da Educação Física se
integra ao projeto maior da escola.
Nesse contexto, a Educação Física integrada em outras áreas do currículo
escolar deve permitir ações interdisciplinares, que favoreçam o processo
educativo como um todo, assumindo um papel fundamental no processo de superação
da visão fragmentada sobre o corpo e também suplantando as práticas pedagógicas
que têm produzido outros tipos de fragmentação: na relação professor-aluno, na
relação aluno-conhecimento, na relação aluno-aluno, na relação entre o contexto
escolar e a realidade social.
Como enfatizam Debortoli_et._al. (2006):
A fragmentação dos saberes escolares e a sua hierarquização reduzem o
fazer pedagógico da educação física ao lugar de atividade
eminentemente prática, destituída de saberes e possibilidades de
reflexão. O movimentar-se humano é visto apenas como ato motor,
descontextualizado e desculturalizado. Tal fragmentação reforça a
lógica dual que separa corpo-mente, sensibilidade/razão, agir/pensar,
teoria-prática, retirando da educação física elementos necessários à
sua organização como área de conhecimento escolar e ao seu diálogo
com os demais saberes escolares (p. 98).
A proposta apresentada pelos Parâmetros_Curriculares_Nacionais (PCNs) da
Educação Física visa romper com essa concepção, oferecendo subsídios para as
discussões, os planejamentos, as avaliações da prática de educação física nas
escolas, com o intuito de democratizar, humanizar e diversificar a prática da
cultura corporal, ampliando sua visão, antes centrada nos aspectos biológicos,
para a incorporação das dimensões afetivas, cognitivas e socioculturais dos
alunos. Assim, deve auxiliar os professores a refletir, repensar e reorganizar
as ações pedagógicas referentes à sua área de atuação.
Darido (2001) ressalta três aspectos dos PCNs da Educação Física que considera
importantes e desafiadores para a melhoria da qualidade do trabalho docente
nessa área: o princípio da inclusão; as dimensões dos conteúdos (atitudinais,
conceituais e procedimentais) e os temas transversais. Trata-se de um projeto
ousado e inovador com atividades para todos os alunos, visando à sua integração
na cultura corporal e, ao mesmo tempo, contextualizando-as sempre com as
questões sociais maiores.
Aponta, também, o princípio da inclusão, propondo de forma efetiva o
desenvolvimento de práticas pedagógicas voltadas à diversidade, através de uma
Educação Física aberta a todos os alunos, independente de suas diferenças.
Define que para ser considerada inclusiva faz-se necessário uma nova postura da
escola comum, que propõe no projeto político-pedagógico ações que demonstrem a
sua opção por práticas heterogêneas e favoreçam a integração social.
Transformar esses elementos norteadores em práticas pedagógicas verdadeiramente
inclusivas é um grande desafio aos sistemas de ensino, às unidades escolares, a
equipe técnico-administrativa e aos professores, uma vez que isso requer que as
escolas modifiquem não apenas as suas atitudes e expectativas em relação a
esses alunos, mas que se organizem numa grande rede pela desconstrução das
especialidades e reconstrução de uma escola realmente inclusiva, que comporte e
acolha a todos.
Isso requer mudanças de toda ordem: físicas, pedagógicas, atitudinais, enfim,
no aprimoramento das condutas, no acesso ao currículo escolar; pois este deve
refletir o caráter integral que a escola passou a assumir na formação dos
indivíduos. Para Sacristán (2000, p. 55) "assumir esse caráter global supõe uma
transformação importante de todas as relações pedagógicas, dos códigos do
currículo, do profissionalismo dos professores e dos poderes de controle destes
e da instituição sobre os alunos".
É preciso, então, o reconhecimento da diversidade presente no contexto escolar
atual e a urgência em oferecer respostas adequadas em termos educacionais, como
a flexibilização curricular e sua dinamização, sendo flexível e passível de
adaptações. Seu foco principal deve ser a redução de barreiras atitudinais e
conceituais, e pautar-se na ressignificação do processo de construção do
conhecimento e apropriação dos saberes na escola.
Repensar alguns procedimentos, dando o devido tratamento pedagógico, é
fundamental. Um exemplo é a questão da competição no âmbito escolar, a qual
precisa desse olhar que valorize e enalteça "o competir com, no lugar do
competir contra. Dessa maneira, a competição esportiva presente no espaço
escolar tende a distinguir-se daquela realizada em outros campos, pois deve
estar comprometida com os objetivos da instituição escolar" (CASTELLANI_FILHO,
1997, p. 12), objetivos esses definidos de forma conjunta no projeto
pedagógico.
Esse é um dos desafios da Educação Física atual e da escola que se quer
inclusiva e acolhedora, que ofereça de fato possibilidades reais de mudança.
Assim como as demais atividades escolares, a Educação Física deve estar
inserida no esforço coletivo de promover a inserção e participação de todos nas
ações educativas, mesmo que precise utilizar estratégias diferenciadas que
possam funcionar na remoção de barreiras à participação dos alunos. Isso
implica uma mudança nos princípios que regem as práticas da cultura corporal na
escola, passando a compreender os alunos em seu universo cultural, como seres
humanos, que têm um potencial a ser desenvolvido a partir de suas relações com
o mundo, precisando apenas que lhes sejam oferecidas oportunidades de
exploração dessas potencialidades.
Partindo dessas orientações e dos princípios da motricidade humana, muitos
elementos podem ser agregados à prática dos educadores de forma a melhorar sua
atuação junto aos alunos com necessidades especiais e aproximar a prática
inclusiva cada vez mais do contexto escolar e afastar, até extinguir, as
posturas excludentes das turmas regulares da escola básica.
Sabemos que essa tarefa não é simples, não é imediata e nem fácil de realizar,
mas a sua viabilidade depende do poder de articulação do trabalho pedagógico do
professor como mediador desse processo, que acredita na capacidade aprendente
do aluno como sujeito que atua junto ao docente na tomada de decisões e
intervém ativamente em sua própria aprendizagem (CASTELLANI_FILHO, 1997).
A educação que se quer para o homem atual, situado num mundo tão complexo, não
condiz mais com os corpos dóceis e a domesticação corpórea mencionada por
Foucault no séc. XVII. É preciso romper com tantas restrições e discriminações
estabelecidas e, por vezes, reforçadas no espaço escolar, que limitam a
manifestação corporal, a convivência com a diversidade e o desenvolvimento do
potencial do ser humano. Para além da domesticação, do adestramento, da
padronização, da alienação, da homogeneização, da indiferença, o que se quer na
escola de hoje são corpos vivos, corpos presentes, corpos livres, corpos
conscientes de sua existência neste planeta, mesmo sendo corpos diferentes do
padrão socialmente estabelecido.
Rechineli_et._al. (2008, p. 306) enfatizam que há "[...] uma evolução nos
valores atribuídos ao corpo. Excluído no passado por ser deficiente e
improdutivo, observado no presente como eficiente e capaz e, finalmente,
descoberto como diferente, como todos os seres humanos o são [...]". Inclusive
esses corpos deficientes que podem ser eficientes a partir do momento em que
lhes forem apresentadas oportunidades reais de participação no contexto social
e escolar. E essa oportunidade depende muito daquele que conduz o processo
ensino-aprendizagem, daquele que media e intervém. Nesse sentido, há que se
preocupar com a intervenção docente, que precisa ser eficaz, respeitando os
níveis de desenvolvimento motor e a cultura corporal dos alunos.
A nosso ver, essa é uma proposta extremamente arrojada e ousada se
considerarmos a realidade da escola básica em nosso País. Mas também
acreditamos na força do trabalho conjunto e na vontade política daqueles que
pensam e fazem acontecer a educação, principalmente os docentes. E, como afirma
Fazenda (1999, p. 18), "o que caracteriza a atitude interdisciplinar é a
ousadia da busca, da pesquisa: é a transformação da insegurança num exercício
do pensar, num construir". Essa atitude precisa ser despertada nos docentes
para que se possa "construir com" a comunidade escolar um projeto pedagógico
que contemple todos os anseios e inovações que esse novo paradigma traz como
desafio aos educadores e que venha ao encontro daquilo que se almeja em termos
de inclusão escolar e social.
Para Neira (1997), a contribuição da Educação Física "dar-se-á mediante sua
possibilidade de desenvolvimento de competências valorizadas no Projeto
Pedagógico da instituição" (p. 40). E afirma: "[...] a mera existência de um
programa recreativo ou de horários de treinamento desarticulados do Projeto
Pedagógico poderá contribuir para um afastamento do compromisso educacional do
componente curricular como contribuinte à formação de cidadãos" (p. 41).
Para que ocorra a consolidação do compromisso educacional da Educação Física é
preciso sair definitivamente da clausura, do isolamento pedagógico em relação
ao currículo, às ações integradas, aos projetos interdisciplinares e ao
contexto escolar como um todo. Caso contrário, se a prática da cultura corporal
for ineficiente, inadequada e descontextualizada poderá não dar conta de seu
papel nesse novo contexto, deixando de oferecer sua contribuição à formação de
cidadãos críticos, criativos e competentes para atuação social.
Quanto ao assunto, Bartholo (2000) destaca:
[...] As práticas corporais de movimento precisam se inspirar no
potencial criador do sujeito, como forma de afirmar o respeito por si
próprio, pelo outro e pela vida. A educação física, quando pautada
numa ética criadora, desafia valores estabelecidos na concretização
de um projeto político-pedagógico emancipatório (p. 55).
Dessa forma, a Educação Física integrada ao projeto político-pedagógico da
escola poderá representar um salto significativo dos educadores no sentido de
resgatar o espaço/tempo perdido no contexto escolar e o prestígio desse
componente no quadro curricular, tão essencial na educação dos sujeitos. E,
ainda, valendo-se dos princípios da motricidade e da inclusão, poder contribuir
significativamente para a consolidação de uma formação verdadeiramente
inclusiva, humana e cidadã.
Considerações Finais
Em muitas escolas brasileiras ainda persistem alguns problemas relativos à
educação física escolar, que podem ser considerados elementos desfavoráveis à
proposta de inclusão dos alunos especiais na prática da cultura corporal. Esses
problemas historicamente vivenciados na educação física escolar, juntamente com
outros referentes às condições de trabalho nas instituições públicas de ensino,
como carreira, salário, tipo de gestão escolar, materiais e equipamentos,
aparelhagem de suporte, apoio técnico e outros, acabam dificultando o trabalho
docente e, em alguns casos, servem como álibi para as atitudes descomprometidas
e antiéticas de alguns profissionais, constituindo-se em barreiras atitudinais
para a inclusão.
A fragmentação das ações escolares e o retraimento da Educação Física ainda são
visíveis no contexto da escola. Longe de oferecer possibilidade de participação
a todos os alunos, a Educação Física e o PPP, destarte divergentes, ainda pouco
contribuem para a materialização de um processo legitimamente inclusivo. A
dificuldade de implementação do planejamento participativo das ações escolares
está diretamente relacionada à ineficiência desse projeto, que se reflete em
problemas de toda ordem dentro da escola, causando a fragmentação da estrutura
física, das pessoas, dos esforços, dos projetos transversais, dos recursos,
enfim, da visão de homem que se tem na escola. Ao invés de somar esforços, a
escola divide e fragmenta o trabalho pedagógico escolar, acarretando a perda da
visão de totalidade dos aspectos mais gerais e também do currículo e dos
saberes referentes à formação dos alunos.
Nesse sentido, alguns equívocos recorrentes na prática da Educação Física
escolar precisam ser reconhecidos e enfrentados, dentre eles "[...] o reforço
nas práticas escolares da dualidade corpo-mente, materializado no isolamento
pedagógico, espacial e temporal da disciplina [...]"(DEBORTOLI_et._al., 2006,
p. 94); para que seja superada a concepção negativa de uma disciplina alheia ao
projeto escolar e sem objetivo pedagógico.
Sem desconsiderar essas dificuldades reais presentes na escola, acreditamos
também que isso não pode se constituir como entrave ou impossibilidade para a
implementação de uma proposta educacional emancipatória. Ao contrário, deve
funcionar como mola propulsora para a transformação desse quadro, estimulando
uma atitude reflexiva que tenha em vista a criação de um sistema escolar
organizado, integrado e competente o suficiente para constituir-se e
fortalecer-se como espaço de luta constante por melhorias em prol dos alunos
que, na sua maioria, conta somente com essa escola para promover a sua formação
geral.
É imperativo buscar-se a superação dessas dificuldades a partir da
implementação de um projeto pedagógico articulado e vivo na prática diária de
todos os membros da comunidade escolar, que considere e valorize os princípios
da motricidade humana e da educação inclusiva, contemplando as práticas do
movimento humano na perspectiva da autonomia, da cooperação, da participação
social e de valores éticos. Não somente para atender à demanda de alunos
especiais, mas visando à melhoria da qualidade da Educação Física para todos os
alunos da escola básica.
Não é tarefa fácil para a escola e para os profissionais da Educação Física
assumir o compromisso de promover a inclusão dos alunos no universo da cultura
corporal de forma crítica, mas é o grande desafio que se coloca para eles:
compreender a sua função e finalidade no processo educacional, legitimando a
Educação Física na perspectiva da motricidade humana, pois nesta Educação
Física que considera a complexidade do ser humano e sua diversidade existem
possibilidades reais de benefício aos alunos especiais, que se movimentam
intencionalmente buscando superar-se (RECHINELI, 2008).
Nesse sentido, o PPP, o que se precisa na escola atual é aquele que deixou de
ser letra morta em um documento formal e que pode funcionar, de fato, como o
elo entre a escola que temos e a escola que queremos, traduzindo a realidade
vivenciada na escola, com vistas ao compasso entre o discurso e a ação dos
profissionais da educação. Esse projeto vivo no dia-a-dia da escola e sentido
por todos em forma de uma educação de qualidade, viável e acessível a todos,
nos aproximará cada vez mais da escola inclusiva que almejamos.
Gozar da prerrogativa de integração ao projeto pedagógico escolar visando
transformar em conquista cotidiana esse "status" decretado à Educação Física é
oferecer aos alunos a possibilidade de acesso a uma Educação Física escolar
mais humana, crítica e libertadora e, ao mesmo tempo, enfraquecer até suprimir
as ações excludentes que, porventura, insistirem em aflorar no decorrer dessa
empreitada.
Desse modo, as portas dessa escola estarão efetivamente abertas ao acesso, à
inclusão e à permanência exitosa de todos os alunos com ou sem deficiência,
pois tomando por base os princípios da motricidade humana não se pode
classificar o ser humano como deficiente ou eficiente, uma vez que os corpos
sujeitos de sua aprendizagem e conscientes de sua condição neste planeta
estarão sempre buscando superar-se no convívio com o outro. Isso implica a
possibilidade de suplantar os limites que se apresentem no seu movimento
cotidiano, na transposição de barreiras, num processo de ensino-aprendizagem
desafiador e, ao mesmo tempo, engajado num projeto de educação libertadora.