O papel dos organismos internacionais na evolução dos estudos populacionais no
Brasil: notas preliminares
Introdução
A oportunidade de participar da reunião bianual da Abep em 2004, depois de
alguns anos de ausência, foi para mim motivo de muita alegria. Entre outras
coisas, pude presenciar o enorme crescimento da nossa Associação, assim como
sua maturidade, apesar de ela ainda não ter completado 30 anos de vida. A
profusão de caras novas na reunião, a diversidade de temas, bem como o perfil
profissional mais diversificado dos participantes, deram-me uma sensação muito
viva não somente de ebulição, mas também de evolução na nossa Abep.
Por outro lado, junto com a impressão de estar vendo tanta gente nova, foi
muito marcante para mim a ausência de algumas figuras tradicionais, fundadoras
da nossa Associação e presença obrigatória tanto nas assembléias como nos
debates intermináveis na borda da piscina. Deu-me a sensação de que estava
ocorrendo uma rápida substituição e troca da guarda. Esta, por sua vez,
provocou-me uma reação que deve ser pavloviana em todos nós que estamos ficando
mais velhinhos. Pensei: "Puxa, alguém teria de contar para eles a nossa
história. Garanto que a grande maioria dos que estão aqui hoje não tem a mínima
idéia do que foram as nossas origens como associação ou como campo de estudos.
Nós mesmos estamos arriscados a esquecer nossa trajetória e nossas belas
conquistas!". Foi nesse exato momento que chegou a Bete Bilac, então editora
desta revista, com uma proposta que me pareceu sensacional: montar um número
especial da Rebep que buscaria, justamente, fazer um retrospecto de todo o
processo de constituição do campo da demografia no Brasil. Feliz coincidência e
brilhante idéia!
Segundo a divisão de trabalho proposta pela Rebep, caberia a mim fazer uma
retrospectiva da participação dos organismos internacionais na evolução dos
estudos populacionais no Brasil. Topei a parada (ainda se usa essa expressão
dos meus bons tempos?), enfim, aceitei o desafio! Não porque tenho informações
privilegiadas a respeito, e muito menos porque tenho uma memória prodigiosa '
na verdade, o meu disco duro já apresenta tantas falhas que parece queijo suíço
', mas sim porque acho imprescindível alguém tentar cobrir esse aspecto
importante da nossa história. Embora não tenha o pedigree necessário para ser
historiador (fora a idade avançada!), eu me disponho a dar um primeiro passo
nesse sentido. Tenho a esperança de que este esforço servirá para que outras
pessoas possam aperfeiçoar, corrigir, enfim, melhorar esse pequeno relato
preliminar. Como o leitor já terá observado, para escrever este ensaio
abandonei o estilo formal clássico de trabalhos profissionais. Trata-se de uma
visão pessoal, baseada parcialmente em relatos pessoais, e não vejo razão para
dissimular essas vivências subjetivas com pseudo-academicismos. Várias pessoas
contribuíram com depoimentos orais ou escritos a este pequeno ensaio
histórico.1
O neomalthusianismo e a explosão dos estudos demográficos
Embora os estudos de população e a demografia sejam relativamente antigos, eles
eram, até pouco tempo, propriedade de um grupo relativamente restrito de
especialistas, geralmente atuários e estatísticos. Na década de 40, começou a
primar o interesse acadêmico pela "teoria da transição demográfica". Esta
teoria enfatizava a importância de mudanças estruturais como precondição para
mudanças no comportamento reprodutivo e nos níveis de fecundidade. Na década de
50, a percepção de que uma explosão demográfica global estava por ocorrer,
devido aos níveis de crescimento dos países pobres, gerou um súbito interesse
público pelos temas populacionais. É notável como, nesse momento, a visão da
transição demográfica lenta e gradual foi rapidamente substituída por uma
atitude positivista dirigida a controlar o crescimento demográfico iminente que
estava sendo projetado pelos especialistas.
De fato, nessa época, os estudos de Notestein, Davis, Hauser, da Escola de
Princeton e muitos outros apontavam para um provável aumento acelerado do
crescimento populacional e analisavam os perigos que este representava
(Szreter, 1993; Hodgson, 1991). Esses autores deram legitimidade a esforços
bilaterais e multinacionais para controlar a fecundidade dos países pobres.
Lograram convencer a opinião pública de que não convinha esperar as lentas e
complexas transformações econômicas e culturais que, segundo a teoria da
transição demográfica, teriam que preceder uma redução significativa da
fecundidade. Campanhas massivas de planejamento familiar, anteriormente
menosprezadas como um "quick fix" ineficaz, passaram então a ser amplamente
preconizadas. Imediatamente, começaram a surgir recursos, fundações, institutos
e organismos internacionais dedicados, explicitamente, cada qual à sua maneira,
a combater a ameaça do rápido crescimento demográfico.
A formulação clássica daquilo que viria a ser chamado de neomalthusianismo
encontra-se no trabalho de Coale e Hoover, do final da década de 50. Em
seguida, vários outros argumentos da mesma natureza foram sendo elaborados,
condenando a alta fecundidade. Embora tenham aparecido, imediatamente, sólidos
argumentos econômicos que relativizavam as ameaças preconizadas pelo
neomalthusianismo ' inclusive o famoso livro das Nações Unidas, Determinantes e
conseqüências das tendências populacionais (United Nations, 1953) ', esta
segunda linha de argumentação nunca conseguiu neutralizar a simplicidade
atraente da tese controlista. Não obstante, é interessante constatar que,
depois de suas primeiras incursões no neomalthusianismo, a maioria dos
demógrafos e cientistas sociais passou logo a adotar, na década de 60, posturas
mais cautelosas (Wilmoth e Ball, 1992). Apesar disso, o caudal dos controlistas
foi sendo engrossado por gente poderosa como John D. Rockefeller. Como os
cientistas sociais de sua própria Fundação relutavam contra a idéia de
envolver-se em atividades "pragmáticas" na área populacional, foi criado, por
iniciativa de Rockefeller, o Population Council.2 Rockefeller foi acompanhado,
nessa preocupação, por várias outras entidades, inclusive a Fundação Ford.
Entretanto, o evento mais importante na cruzada contra o crescimento
demográfico foi a estréia da United States Agency for International Development
(Usaid) no campo populacional, no ano de 1965. Depois de muita relutância, a
Usaid estava entrando definitivamente em ação, com uma estratégia simplificada
de planejamento familiar que deixava de considerar todas as sutilezas das
discussões ocorridas nas duas décadas anteriores (Demeny, 1994, p. 7). Essa
entrada em cena da Usaid deu uma nova agressividade a todos os esforços
controlistas. Mais tarde, em 1969, foi criado o Fundo de População das Nações
Unidas (FNUAP), que em 1971 passou a ser o organismo das Nações Unidas
responsável por "programas de população".
No plano intelectual, não parece ser coincidência o fato de que foram os
biólogos e os ecologistas que tomaram a bandeira neomalthusiana a partir de
meados da década de 60. Desde esse momento, eles têm mantido aceso o debate a
respeito dos impactos do crescimento demográfico. Seguiram incursionando sem
temor nem remorso em temas sociopopulacionais complicados, alguns dos quais os
próprios cientistas sociais evitavam tocar, ou tratavam com muito cuidado.
Inclusive é divertido ver que, no prólogo de seu penúltimo livro, Paul Ehrlich
comenta, com muito orgulho, que ele tinha conseguido uma transição fácil do
estudo das populações de mariposas (sua especialidade) ao estudo das populações
humanas! (Ehrlich et al., 1995, prefácio).
O fato de que a visão neomalthusiana era muito simples e atraente, tanto para o
público como para os políticos dos países desenvolvidos, acabou gerando uma
cruzada global a favor da redução da fecundidade. A maioria dos países
subdesenvolvidos do mundo inteiro foi instada a formular "políticas de
população", entendidas, basicamente, como "políticas de planejamento familiar
que levariam à redução da fecundidade". Para ajudar a convencer o público e os
políticos da necessidade de tais políticas, e para implementá-las eficazmente,
foram direcionados recursos vultosos para a formação de recursos humanos em
demografia e temas conexos, assim como para a geração de dados e a análise dos
mesmos. Também foram inventados e apresentados, ad nauseam, vários modelinhos
destinados a demonstrar ao mundo inteiro a desgraça que ocorreria se os países
pobres não conseguissem reduzir rapidamente seu crescimento.
O que tem tudo isso a ver com o desenvolvimento dos estudos populacionais no
Brasil? Muito! Tudo! De alguma maneira, a maioria de nós que trabalhamos na
área de população somos produto e beneficiários da preocupação (quase paranóia)
nascida em torno à explosão demográfica. De fato, essa preocupação
neomalthusiana está na origem da rápida expansão dos estudos de população no
mundo inteiro, a partir da década de 60. Apesar de a atenção da área
populacional estar centrada, naquela época, nas formas de reduzir a
fecundidade, criou-se, paralelamente, um espaço privilegiado de estudos,
pesquisas, conferências e publicações em torno do tema populacional lato sensu.
Isso estimulou uma expansão muito rápida da demografia. O apoio que os estudos
de população recebeu, em comparação com as outras áreas sociais, é bastante
privilegiado, particularmente no período 1965-95. Ao longo das últimas décadas
foram disponibilizados muito mais recursos fáceis para trabalhar questões de
população do que para analisar outros temas sociais igualmente importantes como
nutrição, delinqüência, marginalidade, analfabetismo etc.
No Brasil, especificamente, é notável o crescimento da área de demografia. Em
1960, o país ainda tinha poucos profissionais com formação na área de
população. Quinze anos depois, o crescimento desse grupo havia sido tão rápido
que possibilitou a formação da Abep, com a participação de amplos setores da
academia, associação que hoje reúne centenas de pessoas interessadas nos temas
relacionados à população. Não creio que haja outra disciplina, pelo menos nas
ciências sociais, que possa competir com esse crescimento. Queiramos ou não,
este avanço foi impulsionado, em parte, pela preocupação internacional com o
crescimento populacional e pelos recursos colocados à nossa disposição.
Isto, obviamente, não quer dizer que todos nós que estudamos demografia, tanto
na década de 60 como posteriormente, sejamos neomalthusianos. Muito pelo
contrário! Quando o neomalthusianismo chegou com força no Brasil, a partir de
meados da década de 60, ele já enfrentou uma predisposição crescente da
intelectualidade a rejeitar toda forma de "imperialismo" ' inclusive essa
tentativa, vinda do exterior, de influenciar os padrões de reprodução da
população brasileira. Nesse particular, é interessante observar que a questão
populacional era um dos poucos temas no qual direita e esquerda se encontravam.
A maioria dos militares e seus amigos conservadores ' ciosos da soberania
nacional, desconfiados das intenções controlistas alheias e ainda confiantes na
força do número de braços ', conjuntamente com os antiimperialistas de
esquerda, opunham-se a qualquer iniciativa estrangeira que pudesse influenciar
o ritmo de crescimento demográfico do país.
Esse sentimento de que tudo o que cheirava demografia e estudos populacionais
teria laços com o imperialismo teve diversas conseqüências no início dos
estudos populacionais, tanto brasileiros como latino-americanos. Por um lado, o
patrulhamento ideológico, inclusive dos colegas, estava sempre a um passo dos
pioneiros e dos doadores na demografia brasileira.3 Essa envoltura ideológica
contribuiu, inter alia, para retardar o reconhecimento de que milhões de
mulheres brasileiras buscavam desesperadamente acesso a serviços de saúde
reprodutiva desde a década de 60.
"O significado real do planejamento familiar para os indivíduos e
famílias de baixa renda ' que carregavam o ônus da responsabilidade
pelas rápidas taxas de reprodução ' não foi objeto de discussão
explícita na época, em vista da reação extremamente negativa às
pressões internacionais e da predominância de atitudes de laissez-
faire com respeito ao assunto." (Martine e Faria, 1986, p. 7).
Por outro lado, os organismos internacionais que queriam influenciar a questão
populacional no Brasil tiveram de optar por um de dois caminhos. A Usaid e o
FNUAP (até a época do Cairo) terminaram se aliando quase exclusivamente às
entidades que se dedicavam a promover o planejamento familiar e, por esse
caminho, a redução da fecundidade. Outros, como a Fundação Ford, a Organização
Pan-Americana de Saúde (Opas), o Population Council e a Fundação Rockefeller,
adotaram uma estratégia menos direta, que acabou sendo mais proveitosa para o
Brasil. Resolveram estimular a formação de uma massa crítica de brasileiras e
brasileiros capazes de assumir a iniciativa do pensamento político na área
populacional. Para tanto, promoveram a capacitação de recursos humanos e a
atividade científica, deixando que o melhor conhecimento da dinâmica
demográfica ' e não a postura neomalthusiana ' levasse à devida consideração
dos fatores demográficos no planejamento nacional. A seguir, passo a relatar
alguns lances e histórias de iniciativas que, como pequenos rios, se juntaram
para formar o caudal dos estudos populacionais no Brasil.
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|Quem diria? A influência estrangeira na demografia brasileira também tem raíz|s
|no fascismo europeu! |
|Pois é, um dos primeiros e maiores demógrafos no Brasil foi um judeu italiano,|
|Giorgio Mortara, o qual já tinha mostrado toda sua clarividência e sua |
|capacidade de fazer projeções ao fugir do fascismo no final da década de 30. |
|Mortara chegou ao Brasil, aos 54 anos de idade, em 19 de janeiro de 1939. Como|
|tantos outros intelectuais, tivera de deixar sua terra natal para escapar da |
|desenfreada perseguição racial com que as feras do fascismo e nazismo manchara|
|de vergonha a velha Europa [...] Contam os fatos que sua decisão de escolha do |
|nosso país para imigrar, entre outros tantos motivos de foro íntimo, que só l|e
|pertenciam, deve ter sido determinada pelo convite formulado por autoridades |
|brasileiras para que viesse colaborar na preparação do recenseamento geral de |
|1940. (Berquó e Bercovich, 1985, p. 21-22). |
|Logo em seguida, Mortara criou escola. Nas palavras de Valdecir Lopes, um dos |
|pioneiros do IBGE: O ilustre professor Giorgio Mortara, nascido na Itália e |
|vindo para o Brasil em razão da II Grande Guerra, encontrou a melhor acolhida n|
|IBGE. Ali o professor Mortara, como era conhecido, encontrou campo fértil para |
|criar seu Laboratório de Estatística, para onde atraiu jovens ibgeanos com cer|a
|formação matemática, e os encaminhou no trato com a demografia, usando a |
|simplicidade que lhe era peculiar para salvar a falta de dados primários |
|existentes no país e utilizar, muitas vezes, métodos alternativos ou não |
|convencionais em seus estudos. (Lopes, 2004, p. 1). |
|Embora seja difícil dizer exatamente quantos trabalhos Mortara legou ao Brasil,|
|a lista de suas obras chega à casa de 973 publicações, versando sobre os mais|
|diferentes temas. Mesmo considerando que muitas delas versam sobre o mesmo |
|tema, apresentado em revistas diferentes, ainda assim, trata-se de uma volumosa |
|bibliografia, que testemunha sua grande e contínua capacidade de trabalho. [...|
|vale a pena salientar que a despeito do relativo vazio de informações [...] a |
|grande capacidade técnica e a experiência acumulada por Mortara no trato dos |
|fenômenos demográficos [...] aliada à extrema sensibilidade, conferiu-lhe a a|te
|de intuir ou conjeturar [...] Por outro lado, a carência encontrada permitiu a |
|Mortara desenvolver métodos e técnicas originais que desde logo passaram a |
|beneficiar outros países sofrendo da mesma falta de estatísticas do estado civ|l
|ou censos incompletos e pouco fidedignos. (Berquó e Bercovich, 1985, p. 22 e |
|24).____________________________________________________________________________|
Os principais atores internacionais nos estudos populacionais no Brasil
Sem fazer uma pesquisa mais aprofundada é difícil atrever-se a listar ou
classificar as contribuições das diversas entidades que apoiaram, de uma forma
ou de outra, o desenvolvimento dos estudos populacionais no Brasil. Vou fazer,
pois, um relato das informações que consegui colher, com a esperança de que
isso sirva para que outras pessoas, com melhores dados, possam ir corrigindo e
ampliando o que segue. Primeiro, traço rapidamente a evolução do ensino da
demografia no Brasil e, depois, analiso o papel das entidades e doadores
internacionais na promoção dos estudos demográficos no país.
O ensino da demografia e o apoio internacional
Celade
A primeira instituição latino-americana a oferecer cursos de demografia de
forma regular foi o Centro Latino-Americano de Demografia (Celade).
Estabelecido por um convênio entre as Nações Unidas e o Governo do Chile, o
Celade iniciou suas atividades em agosto de 1957, sob a competente direção de
Carmen Miró, reunindo um reduzido grupo de demógrafos com experiência
internacional. Seus objetivos eram então:
1. organizar cursos sobre técnicas de análise demográfica para
estudantes de países latino-americanos e fomentar o estabelecimento
de cursos semelhantes em seus países;
2. promover estudos sobre problemas demográficos, com base nas fontes
de informação existentes ou em estudos de campo;
3. atuar como órgão de consulta sobre problemas demográficos dos
governos de países latino-americanos ou de seus organismos. (página
Web, Celade)
A importância do Celade é ressaltada no seguinte depoimento de Valdecir Lopes:
Cabe ao Centro Latino-Americano de Demografia um papel de destaque,
por suas atividades multiplicadoras em prol da demografia e dos
estudos de população, não só no Brasil, mas em toda a América Latina.
[...] Além dos cursos realizados em suas sedes de Santiago do Chile e
de San José da Costa Rica, o Centro promoveu cursos intensivos em
associação com entidades de ensino superior, como a Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, entre outras, de onde saíram
muitos dos atuais demógrafos que atuam no país.
[...]
Não menos importante foi a influência do Celade em pesquisas
inovadoras, realizadas nas décadas de 60 e 70, em busca de solução
para os problemas das projeções demográficas em países com
estatísticas incompletas, como era o caso do Brasil e de muitos
países da região. Assim é que, em 1961, realizou-se, em caráter
experimental, a "Pesquisa da Guanabara", mediante o procedimento de
visitas sucessivas à população estudada, com a assistência técnica do
Centro, em colaboração com o IBGE. Não deixaram, também, de
representar uma contribuição as projeções de população elaboradas
pelo Celade e os vários estudos comparados, abrangendo países da
região. Entre estes, destacam-se as análises realizadas a partir das
amostras dos censos demográficos da década de 1970, reunidas no Banco
de Dados do Centro. Pode-se afirmar, portanto, que a atual demografia
brasileira, que ocupa posição de relevo no continente, muito deve à
contribuição recebida de ilustres demógrafos nacionais e de outros,
vinculados a organismos internacionais, como o Centro Latino-
Americano de Demografia, dirigido, na época, por Carmen A. Miró, uma
das mais brilhantes figuras da América Latina nessa área de
atividade. (Lopes, 2004, p. 2)
A isto vale agregar que o Celade realizou cursos, estudos e pesquisas de campo
no Brasil. As pesquisas Pecfal-Urbana e Pecfal-Rural geraram dados importantes
para o estudo da dinâmica brasileira, além de introduzir inovações
metodológicas. Além do ensino a vários jovens demógrafos brasileiros, o Centro
também promoveu cursos de iniciação aos estudos demográficos no Brasil. Pela
relação fornecida pelo próprio Celade, 70 brasileiros teriam feito cursos
promovidos pela instituição seja no Brasil, seja no Chile. Pelos nomes citados,
observa-se que muitos deles são abepianos que iniciaram seus estudos
demográficos via Celade.
Cedip
Diante da necessidade de dotar o país de centros universitários de pesquisa e
ensino voltados para o estudo das questões populacionais, Elza Berquó, então
responsável pelo Departamento de Estatística Aplicada da Faculdade de Saúde
Pública da Universidade de São Paulo, contatou a Organização Pan-Americana de
Saúde (Opas) a fim de buscar apoio para viabilizar tal iniciativa. Em 1965, a
Opas propiciou a vinda a São Paulo da consultora dra. Irene Taueber, da
Universidade de Princeton, então uma das mais destacadas demógrafas em âmbito
mundial e com particular interesse na área da saúde. De um trabalho conjunto
entre a dra. Taueber e Elza Berquó materializou-se a idéia de criar o Centro de
Estudos da Dinâmica Populacional (Cedip), anexo ao Departamento de Estatística
Aplicada da Faculdade de Saúde Pública da USP.
A Opas aprovou recursos para financiar a criação e o funcionamento do Cedip por
um período de cinco anos, após os quais o compromisso seria assumido pela
Faculdade de Saúde Pública. Além disso, financiou também os estudos de cinco
profissionais, oriundos de várias disciplinas. Assim, Paul Singer, economista,
foi fazer um doutorado na Universidade de Princeton; Neide Patarra, socióloga,
foi para a Universidade de Chicago; João Yunes, médico, foi para a Universidade
de Michigan; Jair Lício Ferreira Santos, estatístico, para Chicago (e
posteriormente, Berkeley), e Cândido Procópio Ferreira de Camargo, sociólogo de
notório saber, recebeu financiamento para visitas a diversos centros de
população no mundo mais desenvolvido. Elza Berquó foi a primeira diretora do
Cedip, que passou a funcionar em 1967, oferecendo um curso em demografia e
iniciando algumas pesquisas.
Entretanto, o Cedip foi seriamente afetado pelo AI-5, que afastou Elza Berquó e
Paul Singer da USP. Com a saída de Berquó, Cândido Procópio Ferreira de Camargo
assumiu a direção do Centro, mas a iniciativa foi perdendo ímpeto. Além do
mais, a USP não honrou o compromisso de financiamento do Cedip depois dos
primeiros cinco anos de funcionamento. As atividades de pesquisa e ensino em
demografia na USP passaram, então, a ser exercidas, durante alguns anos, sob a
liderança de Neide Patarra, no Programa de Estudos em Demografia e Urbanização
(Prodeur), dentro da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Por outro lado, uma
doação da Fundação Ford permitiu a criação do Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento (Cebrap) em 1969, no qual se abrigou parte do núcleo original do
Cedip. A partir dessa migração, o Cebrap passou a ser um dos principais esteios
dos estudos populacionais no Brasil.
O Cedip e o Cebrap foram, portanto, as primeiras entidades não-governamentais a
desenvolver estudos demográficos de modo sistemático no Brasil. A incursão de
jovens pesquisadores, já reconhecidos na academia e politicamente
progressistas, nesse tema fez muito para legitimá-lo perante a comunidade
intelectual e política. Nas palavras de Martine e Faria (1986, p. 11):
Os estigmas de intervencionismo estrangeiro e de imperialismo que
pesavam, de forma difusa, sobre os estudos populacionais foram se
desfazendo gradativamente, à medida que intelectuais de prestígio,
perseguidos abertamente pelo regime, passaram a se dedicar aos
estudos populacionais e contribuíram de maneira estratégica para a
concepção de abordagens originais sobre a questão populacional na
América Latina. Essas contribuições independentes ajudaram a
legitimar e difundir ainda mais o interesse pela área.
Cedeplar
A trajetória do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar),
da Universidade Federal de Minas Gerais, também deve muito ao apoio
internacional recebido, conforme descrito na página Web da instituição:
Desde sua criação, o Cedeplar vem mantendo estreitos laços de
relacionamento com instituições nacionais e internacionais, sejam
acadêmicas ou de outra natureza, que lhe garantiram considerável
ajuda para sua criação e consolidação institucional. Assim é que, em
seus primeiros anos de existência, instituições como BNDES, Ipea,
Fundação Ford, USP, Institute of Social Studies de Haia tiveram
importância decisiva na formação dos [seus] quadros acadêmico e
administrativo, seja por meio de apoio técnico-científico, seja por
meio de financiamentos de suas atividades.
[...]
Posteriormente, outras instituições, como órgãos federais e estaduais
da administração pública (os diversos ministérios, a FIBGE etc.),
Fundações Rockefeller, Hewlett, as Nações Unidas, através do FNUAP,
desempenharam papel importante no esforço de ampliação e consolidação
das atividades do Centro. <http://www.cedeplar.ufmg.br/
sobreocedeplar.html#HISTORICO>
As primeiras aulas de demografia na UFMG foram dadas no Programa de Mestrado de
Economia Regional, em 1969. Conforme o depoimento de Elza Berquó:
[a Ford] contribuiu para que fossem abertos cursos com o fim de
aglutinar economistas interessados nessa especialização.
Paralelamente, com suas bolsas de doutoramento, tornou possível o
treinamento, em renomados centros do exterior, de um grupo de
economistas-demógrafos. De volta ao país, iniciaram eles, em 1974, um
importante programa de Demografia com a introdução de uma área de
concentração nessa disciplina no mestrado em economia. (Berquó, 1992,
p. 170)
Um dos jovens economistas beneficiados com uma bolsa da Ford foi José Alberto
Magno de Carvalho, que partiu para fazer seu doutorado na London School of
Economics em 1970, de lá regressando no final de 1973 com seu Ph.D. na mão.
Posteriormente, José Alberto viria a ser o primeiro presidente eleito da Abep
e, anos mais tarde, presidente da União Internacional para o Estudo Científico
da População (IUSSP).
Entre 1970 e 1979, a Fundação Ford apoiou a vinda ao Cedeplar de professores
visitantes para dar maior consistência e caráter internacional ao ensino da
demografia. O Cedeplar inaugurou seu programa de mestrado em demografia em 1976
e seu doutorado em 1985. Para tanto, recebeu contribuições importantes tanto da
Fundação Rockefeller como da Fundação Hewlett.
Nepo
De acordo com a sua página Web, o Núcleo de Estudos de População (Nepo)
é uma unidade de pesquisa interdisciplinar e multidisciplinar na área
de Demografia e Estudos de População da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). Criado pela Portaria GR 28, de 25 de maio de
1982, consolidou-se com a Deliberação do Conselho Universitário
(Consu) de 27 de novembro de 1991. O Nepo está vinculado à
Coordenadoria de Centros e Núcleos (Cocen) e à Coordenadoria Geral da
Unicamp. <http://www.unicamp.br/nepo>
Embora os Núcleos da Unicamp não sejam unidades docentes, o Nepo participa
ativamente do Programa de Pós-Graduação em Demografia do Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas.
A trajetória do Nepo difere daquela do Cedeplar, no sentido de que a
instituição não recebeu aportes específicos estrangeiros para a implementação e
realização do seu programa básico. Nesse particular, foram mais importantes os
auxílios financeiros recebidos da Finep e do CNPq. Entretanto, na realização
dos seus trabalhos de pesquisa e de cursos especializados, o Nepo recebeu
apoios significativos da Fundação Ford, do FNUAP e de outros, conforme
relacionado no Quadro_1 em anexo. Vale mencionar, especialmente, o apoio da
Ford para o Programa de Saúde Reprodutiva e Sexualidade (1990-2004) e para o
Programa Interinstitucional de Treinamento em Metodologia de Pesquisa em
Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva (1994-2004), assim como o apoio do
FNUAP para o Programa Interinstitucional de Avaliação e Acompanhamento das
Migrações Internacionais no Brasil.
Outras instituições de ensino
A Universidade Federal do Paraná, em Curitiba, tem oferecido cursos de mestrado
e doutoramento em demografia histórica. De acordo com um dos seus professores
mais ilustres, Sérgio Nadalin, estes cursos não tiveram apoio internacional. Em
seu depoimento, por e-mail, Nadalin informa:
Gostaria de lhe dar algo substantivo, mas em verdade tudo o que nosso
programa de pós-graduação conseguiu realizar foi muito mais em função
da "presença" de Altiva e Cecília, naqueles tempos, nos nossos
organismos financiadores ' pelo que eu me lembro, Capes e CNPq. Foi
dessa maneira que trouxemos vários franceses, inclusive Louis Henry e
Jacques Dupâquier, para Curitiba.
Em compensação, o Centro de Recursos Humanos (CRH) da Universidade Federal da
Bahia, apesar de não ter recebido apoio sistemático de nenhuma entidade
internacional específica, conseguiu, desde o início da década de 70, um grande
número de apoios para eventos e pesquisas. A lista dessas contribuições,
gentilmente preparada pelo CRH, por intermédio de Guaraci Adeodato Alves de
Souza, inclui 27 financiamentos para pesquisas e 10 bolsas oriundas de
organismos internacionais. O Quadro_2 (em anexo) revela a grande variedade de
fontes de financiamento obtidas pelo CRH, desde 1970, para trabalhos e estudos
na área de população.
Depois dessa rápida incursão no mundo do ensino, passo agora a examinar a
contribuição de alguns organismos e financiadores internacionais.
Organismos e financiadores internacionais dos estudos populacionais
Fundação Ford
A julgar pelas informações disponíveis, o doador internacional com mais
influência nos estudos populacionais no Brasil, ao longo do tempo, tem sido a
Fundação Ford. Por esse motivo, e pelo fato de que um artigo da professora Elza
Berquó já nos traz uma valiosa fonte de informações históricas a respeito da
atuação da Ford no Brasil, este vai ser o maior capítulo desta minha novela.
Os primeiros tempos de atuação da Ford no campo populacional no Brasil não
foram registrados, mas fica claro que essa fundação já tinha uma estratégia bem
articulada desde meados da década de 60. No âmbito dos países industrializados,
a partir do momento em que McGeorge Bundy assumiu a presidência da Ford, em
1966, a Fundação seguiu uma orientação claramente neomalthusiana. Esta
ideologia institucional somente viria a ser reformulada na década de 80.
Entretanto, todos os escritórios regionais e nacionais da Ford localizados nos
países em desenvolvimento tinham plena autonomia na utilização dos recursos '
sabendo, claro, que o tema tinha prioridade na agenda do presidente da Fundação
(Harkavy, 1995, p. 38-39). Esta política descentralizada permitiu ao escritório
da Ford no Brasil fazer uma leitura mais correta da sensibilidade política da
questão populacional no país e, conseqüentemente, propor medidas mais
apropriadas a esse contexto.
Conforme Berquó (1992, p. 167),
na esfera de preparação de recursos humanos no âmbito acadêmico dos
estudos populacionais, a Fundação Ford iniciou suas atividades em
nosso país na segunda metade da década de 1960, principalmente por
meio de bolsas de estudos no exterior.
A intenção clara da Ford (seguida posteriormente por outros como o Population
Council, a Fundação Rockefeller e, mais recentemente, a Fundação Hewlett) era
fortalecer a capacidade nacional para analisar as questões demográficas
brasileiras. O primeiro oficial de programa da Ford para assuntos populacionais
no país de que se tem conhecimento foi José Hernandez, um jovem demógrafo
porto-riquenho simpático e de bem com a vida. Em 1969, o escritório brasileiro
da Ford recebeu uma missão de consultores e demógrafos americanos, liderados
por Ansley Coale, que, aparentemente, teria sido fundamental na definição da
estratégia da Fundação para o país. Logo depois, Robert McLaughlin chegou ao
Brasil para assumir a função de oficial de programa para assuntos de população
e planejamento familiar.
Paralelamente, conforme já mencionado, a Ford teve um papel decisivo na
estruturação do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), organismo
que acolheu os professores da USP demitidos pelo AI-5 em 1969.
Com recursos institucionais da Ford e, específicos para pesquisa, do
International Development Research Center (IDRC), do Canadá, o Cebrap
conduziu, em meados da década de 1970, a Pesquisa Nacional sobre
Reprodução Humana. Essa pesquisa, dado seu escopo, trouxe
consideráveis subsídios para a elucidação de questões básicas da
problemática populacional, mediados pelo papel das instituições.
(Berquó, 1992, p. 70)
Após o regresso dos bolsistas da Ford ao Brasil, em 1973-74, a Fundação lançou
mão de uma outra iniciativa destinada a fortalecer o ensino da demografia no
país.
Com a dupla finalidade de oferecer oportunidade e condições de
trabalho de investigação a seus bolsistas, quando do regresso ao
país, e atrair para a pesquisa em população professores e
investigadores com treinamento em campos afins, a Fundação Ford
criou, em 1972, um Programa de Bolsas de Pesquisa. [...] o Programa
concedeu em apenas seis anos um total de 68 bolsas para investigação.
(Berquó, 1992, p. 169)
A Ford também teve um papel importante no desenvolvimento do ensino acadêmico
da demografia dentro do Brasil. Até o final dos anos 60, as únicas entidades
acadêmicas na região latino-americana com cursos de pós-graduação em demografia
eram o Celade e El Colégio de México. Em 1970, a Fundação Ford apoiou a vinda
de professores visitantes para dar cursos de demografia no Mestrado de Economia
do Cedeplar. Em 1972, o Population Council enviou um consultor, Axel Mundigo,
para sondar as perspectivas institucionais para o fortalecimento do ensino da
demografia no Brasil. Após visitar várias instituições acadêmicas brasileiras,
juntamente com McLaughlin (da Ford), Mundigo concluiu que, naquele momento, o
Cedeplar era o programa em melhores condições para promover o avanço do estudo
acadêmico da demografia no país (Mundigo, 2004).
Para apoiar os novos demógrafos que retornavam ao Cedeplar, a Ford financiou a
vinda de um demógrafo norte-americano, Tom Merrick, contratado como professor
adjunto no Cedeplar. Enquanto permaneceu nesse posto, entre 1970 e 1974,
Merrick foi um ator fundamental, junto com McLaughlin, no posicionamento da
Ford e, conseqüentemente, na promoção dos estudos populacionais no Brasil. Seu
sucessor, Charles Wood, continuou exercendo o mesmo papel de apoio, no Cedeplar
e na Ford, de 1974 a 1979.
Em 1976, Axel Mundigo voltou ao Brasil para substituir Robert McLaughlin como
oficial de programa da Ford. Juntamente com Merrick e Wood, Mundigo teve um
papel destacado na formação da própria Abep. A intenção da Ford, naquele
momento, era transferir a coordenação de estudos demográficos para uma entidade
brasileira de caráter associativo (Berquó, 1992, p. 171). Observando o rápido
crescimento dos estudos demográficos no país, eles se articularam com algumas
figuras mais representativas da demografia brasileira nascente ' João Lyra
Madeira, Elza Berquó, José Alberto M. de Carvalho, Manoel Costa, Helio Moura,
inter alia ' para propor uma primeira reunião nacional sobre o progresso dos
estudos populacionais brasileiros. Esta foi realizada em 1976. Carmen Miró,
Ansley Coale e Isaac Kerztenestsky estavam entre os ilustres convidados a esse
evento e, segundo suas próprias palavras, estiveram muito impressionados com a
capacidade de pesquisa que estava sendo mostrada naquela reunião.
Os resultados da reunião foram publicados na forma de alguns livros, dos quais
tive a honra de editar um chamado, singelamente, Migrações internas (Martine,
1977). No prefácio desse livro leio:
O Simpósio sobre o Progresso da Pesquisa Demográfica no Brasil foi
realizado no Rio de Janeiro, em junho de 1976, sob os auspícios da
Fundação Ford, com o objetivo de estabelecer uma maior comunicação
entre os cientistas interessados em demografia. Pesquisadores de todo
o país e do exterior reuniram-se para apresentar resultados e
conclusões de seus trabalhos e debater a atual e futura situação dos
estudos populacionais no Brasil.
Axel Mundigo, referindo-se a esse evento, recorda que muitas das pesquisas
apresentadas no simpósio haviam sido financiadas pela Ford.
Entretanto, o resultado mais importante do simpósio foi, sem dúvida, a criação
da Abep. Mundigo (2004, p. 2) relata:
Em conversas com o professor Lyra Madeira, o reconhecido decano dos
estudos populacionais no Brasil dessa época, e com Elza Berquó,
surgiu a idéia de usar a reunião do Sheraton para apresentar à
Assembléia a possibilidade de criar uma associação de população no
Brasil. Na medida em que essa idéia foi circulando na rede de pessoas
interessadas, a reação foi muito positiva.
Um pequeno comitê, apoiado na sua logística pela Ford, foi criado para redigir
os estatutos da nova associação, cuja situação foi institucionalizada
legalmente em fevereiro de 1978. O primeiro Encontro da Abep, para o qual o
apoio da Ford foi novamente fundamental, foi realizado em Campos do Jordão
(SP), durante o mês de outubro de 1978. Posteriormente, a Ford continuou
financiando várias reuniões técnicas menores da Abep.
A partir de 1979, cortes nos recursos orçamentários da Ford para o seu
escritório regional fizeram com que o Brasil deixasse de ter um oficial de
programa na área de população. A Abep assumiu então a administração do Concurso
de Bolsas de Pesquisa.
Nos dez anos que se seguiram, concursos anuais foram realizados,
totalizando aproximadamente uma centena de projetos de pesquisa [...]
cobrindo os mais variados temas no âmbito dos estudos populacionais
[...] Com a retirada do suporte financeiro da Fundação Ford, em 1989,
o programa é interrompido (Berquó, 1992, p. 171 e 173).
A própria Revista Brasileira de Estudos Populacionais (Rebep), fundada em 1982
(e cujo primeiro número apareceu em 1984), contou com o apoio decisivo da Ford
para cobrir os custos de sua edição.
De 1985 a 1990 a Abep contou com expressivas e contínuas dotações
para a execução de seu amplo programa editorial, que além da revista
inclui também um boletim informativo trimestral, anais de encontros
bianuais e publicações avulsas de seminários temáticos. Infelizmente,
o apoio foi interrompido a partir de 1990. (Berquó, 1992, p. 174).
Finalmente, a Ford beneficiou a Abep com um endowment de valor equivalente ao
dobro da contraparte brasileira. Este permitiu à Associação gerar uma renda
pequena, mas estável, para financiar parte de suas atividades. Com mais esta
iniciativa, a Ford pretendia dar à Abep uma base financeira suficiente para
poder enfrentar seus compromissos técnico-administrativos.
Fundação Rockefeller, Population Council, Fundação Hewlett e IDRC
Conforme observado anteriormente, o Population Council foi fundado em 1952 como
o braço mais operacional da Fundação Rockefeller na área de população.4
Entretanto, o Council recebeu recursos de muitas outras fontes, inclusive US$
88 milhões da Fundação Ford, entre 1957 e 1993 (Harkavy, 1995, p. 13). Vale a
pena contar algo aqui sobre a história brasileira da Rockefeller e do
Population Council, inclusive porque suas políticas no Brasil foram muito
parecidas com aquelas aplicadas pela Ford. De fato, Harkavy relata que, no
âmbito de suas respectivas sedes, as três instituições compartiam estratégias
explicitamente e colaboravam freqüentemente no desenho e execução de projetos
(idem, p. 44-45).
De acordo com as informações obtidas, a primeira colaboração de um organismo
internacional aos estudos populacionais brasileiros teria sido feita pela
Fundação Rockefeller, em 1959. O beneficiário desse apoio foi a Fundação
Joaquim Nabuco, de Recife. De acordo com Mary Kritz, oficial de programa da
Rockefeller nas décadas de 70 e 80 e atual secretária-geral da IUSSP, tratava-
se de um recurso relativamente pequeno, que se destinava a avaliar as
conseqüências do crescimento demográfico no Nordeste. Em 1973, a Rockefeller
também apoiou um estudo da Universidade Federal da Bahia sobre emprego e
subemprego no Nordeste. Também naquela época, financiou um estudo realizado
pela Universidade Federal do Ceará. A Abep recebeu uma só contribuição da
Rockefeller, no valor de US$ 3,5 mil, em 1977. O Cebrap foi o beneficiário de
um apoio de US$ 88,5 mil para realizar uma pesquisa, coordenada por Paul
Singer, sobre os determinantes demográficos da participação na força de
trabalho.
Entretanto, a maior contribuição da Rockefeller aos estudos populacionais no
Brasil foi, sem dúvida, seu apoio ao Cedeplar. De acordo com o depoimento de
Mary Kritz, a Rockefeller fez uma primeira doação ao Cedeplar, em 1976, de US$
150 mil. Esse grant foi renovado, com valores diferentes, a cada três anos, até
1995. A Rockefeller, ao contrário da Ford, não tinha uma estrutura autônoma
local e esse tipo de grant não se coadunava muito com as políticas da sede.
Conseqüentemente, segundo Kritz, cada novo grant requeria uma longa negociação
na sede da própria Rockefeller, para convencer os diretores da Fundação da
importância do Brasil e do papel crítico de uma instituição como o Cedeplar.
De certa forma, a Rockefeller também copiou a estratégia da Ford ao enviar
profissionais americanos para fortalecer o corpo técnico do Cedeplar. Porém, em
vez de demógrafos já mais experientes, a Rockefeller enviou jovens recém-
formados para que aprendessem algo a respeito dos países em desenvolvimento. Em
si, esta estratégia ' de usar o Cedeplar para capacitar jovens norte-americanos
' demonstra que o ensino da instituição brasileira já estava sendo reconhecido
como estando em outro patamar de qualidade no final da década de 70. Desta
forma vieram para o Brasil os jovens Steve Vosti e Frank Goza, entre outros. Os
recursos da Rockefeller também permitiram a vinda de bolsistas africanos de
língua portuguesa durante vários anos.
Adicionalmente, a Rockefeller forneceu US$ 1 milhão para a área de biologia
reprodutiva. Os principais beneficiários destes recursos foram o Centro de
Pesquisas de Doenças da Unicamp (Cemicamp), cuja figura central era Aníbal
Faundes, e a Universidade Federal da Bahia, no centro coordenado por Elzimar
Coutinho.
Segundo Kritz, a Fundação Hewlett associou-se à iniciativa da Rockefeller em
benefício do Cedeplar. Anne Murray era a oficial de programa da Hewlett, uma
fundação nova e pequena, que foi influenciada pela Rockefeller no sentido de
também apoiar o Cedeplar. A intenção destas contribuições era, claramente,
desenvolver instituições fortes capazes de oferecer um ensino de boa qualidade
e de realizar pesquisas no Brasil, em vez de mandar estudantes brasileiros para
instituições acadêmicas nos países desenvolvidos. A Hewlett também deu um apoio
importante aos estudos populacionais brasileiros de forma indireta, ao
financiar um programa de população na Universidade de Austin, Texas. Este
programa, coordenado pelo conhecido brazilianist Joe Potter, recebeu vários
bolsistas e professores brasileiros e até instituiu um prêmio em honra a Vilmar
Faria, destinado a profissionais brasileiros.
Conforme já mencionado anteriormente, o International Development Research
Center (IDRC), organismo de assistência bilateral do governo canadense, já
tinha apoiado, inter alia, a Pesquisa Nacional sobre Reprodução Humana
realizada pelo Cebrap. Juntamente com a Ford, a Rockefeller e o Population
Council, o IDRC apoiou a criação, em 1973, de um programa latino-americano ' o
Pispal ' e, através deste, várias pesquisas no Brasil. O objetivo deste
programa era gerar um interesse maior pelos temas populacionais na região, por
intermédio de pesquisas realizadas por uma grande variedade de instituições.5
Esse programa durou até 1985, momento em que os doadores começaram a canalizar
seus recursos diretamente para as ONGs. No total, estima-se que o IDRC
dispensou recursos no valor de aproximadamente US$ 1,5 milhão ao Pispal.
Em suma, esses diversos doadores tiveram um papel importante no desenvolvimento
dos estudos populacionais no Brasil. Seguindo a trilha marcada pela Fundação
Ford, eles apoiaram estudos e pesquisas em diversos âmbitos.
Fundação MacArthur
A trajetória da Fundação MacArthur no campo populacional no Brasil diverge de
todas as contribuições anteriores de várias maneiras. As especificidades da
trajetória da MacArthur têm seu início na nomeação de uma cientista social
brasileira, Carmen Barroso, para o posto de diretora da recém-criada Divisão de
População da Fundação, em 1989. Conhecida por seus trabalhos e sua militância,
particularmente nas questões relacionadas com a saúde da mulher e gênero,
Barroso imprimiu, através da MacArthur, uma nova orientação ao financiamento
dos temas populacionais. Com o apoio da comunidade brasileira, o Programa da
MacArthur foi, de certa forma, antevendo a visão mais ampla do Cairo sobre a
questão populacional.
Em vez de trabalhar em todos os países, a MacArthur decidiu concentrar seus
recursos em apenas quatro grandes países em desenvolvimento, entre os quais o
Brasil. Em cada um destes países a Fundação começou seu trabalho com um amplo
diagnóstico da questão populacional. Esse diagnóstico foi elaborado por um
painel representativo de vários setores da sociedade, e não apenas com
especialistas na área de população (Martine, 1991). Tratava também de temas
muito mais abrangentes, enfatizando questões como a promoção da igualdade, o
repúdio ao controle populacional e, vários anos antes do Cairo, já abordava
questões de saúde sexual e reprodutiva.
Em suma, fundamentada na visão progressista e socialmente comprometida de
Barroso, a MacArthur foi precursora de uma concepção mais abrangente dos temas
populacionais; com isto a Fundação se distanciava claramente das outras
entidades internacionais, e dilatava a compreensão do conceito de estudos
populacionais. O modus operandi da Fundação também discrepava dos outros
doadores no setor. Em vez de financiar pesquisas ou formação acadêmica, a
MacArthur decidiu abrir um concurso para jovens profissionais com o intuito de
selecionar, anualmente, oito profissionais ou ativistas que seriam agraciados,
cada um, com uma bolsa de três anos. Os concursos eram abertos a uma grande
variedade de profissionais e temas, incluindo jornalistas e artistas.
Pretendia-se que, com estes recursos, os bolsistas tivessem a tranqüilidade
financeira para desenvolver pesquisas, trabalhos, estudos, publicações, ações
etc. que requeriam um horizonte de tempo mais extenso. Por outro lado, a
MacArthur propiciava encontros e apoio técnico aos bolsistas e, eventualmente,
viagens de estudo e reconhecimento.
Esta modalidade de apoio, aplicada no Brasil por doze anos, permitiu a um
número significativo de profissionais talentosos desenvolver suas capacidades
e, ao mesmo tempo, realizar atividades de ação e/ou pesquisa em prol do
desenvolvimento brasileiro. Indiretamente, essas atividades também serviram
para ampliar a visão dos estudiosos de população no Brasil, dando maior
destaque a questões de gênero, saúde reprodutiva, comunicação, meio ambiente e
outros.
Com a mesma filosofia, a MacArthur também apoiou um grande número de entidades
brasileiras destacadas tanto por seus compromissos ativistas como por sua
excelência técnica, incluindo a Abep. É importante constatar que os primeiros
GTs da Abep (Meio Ambiente e Gênero) também devem seus inícios a uma dotação da
MacArthur. Um total de 73 entidades são listadas no relatório final do programa
da Fundação no Brasil (MacArthur, 2003) como tendo recebido seu apoio.6 Embora
o Brasil já não conste como um dos quatro países com tratamento preferencial,
um endowment da MacArthur permite a continuação de apoios específicos.
Usaid
O papel da United States Agency for International Development (Usaid) no campo
populacional é muito conhecido nas áreas de planejamento familiar e controle
demográfico, nas quais passou a ser um dos principais atores mundiais a partir
de 1965.7 Menos conhecido é o seu papel no campo da informação e da pesquisa
demográfica. Na verdade, a Usaid foi um dos líderes mundiais na implementação
de programas internacionais para o aprimoramento das fontes de dados básicos.8
No Brasil, deu uma assistência técnica considerável ao IBGE durante a década de
60. Sua influência foi particularmente marcante na origem das PNADs, que foram
gestadas e desenvolvidas dentro da concepção de pesquisas contínuas
domiciliares proposta para as Américas pelo US Bureau of the Census.9 Como
resultado dessa iniciativa, as PNADs foram implantadas num momento estratégico.
De fato, até aquela data, as fontes de informações básicas limitavam-se,
essencialmente, aos censos decenais. Pior: o Censo Demográfico de 1960 havia
afundado num marasmo de dificuldades operacionais e ninguém era capaz de prever
se, ou quando, estas informações poderiam aparecer.
A idéia original dessa colaboração era
[...] criar um sistema relativamente fácil de manter, que
investigasse algumas dezenas de milhares de domicílios de cada vez,
permitindo, a nível agregado, [...] um acompanhamento sistemático do
quadro socioeconômico do País. (US Bureau of the Census, 1969, s/p.)
Para tanto, o Plano Atlântida desenvolvia, detalhadamente, todos os aspectos de
uma pesquisa contínua em base domiciliar: objetivos, conteúdo e desenho dos
questionários, plano de amostragem, princípios de expansão da amostra,
organização dos trabalhos de campo, manuais para entrevistadores etc. Os
documentos do Plano Atlântida eram baseados na própria experiência do US Bureau
of the Census, mas também incorporavam explicitamente as recomendações da ONU e
dos acordos interamericanos.
Calcadas nas sugestões do Plano Atlântida, as PNADs foram implantadas no
segundo trimestre de 1967, com periodicidade trimestral e cobertura geográfica
parcial. No contexto sociopolítico daquele momento, o Brasil iniciava a era de
ouro do planejamento tecnocrático. Começava também o período de grande
generosidade dos empréstimos externos para financiar os programas e projetos
colossais de infra-estrutura e outros empreendimentos promovidos pelo governo
militar (hoje conhecidos como "dívida externa"). A ausência de informações
confiáveis em setores básicos era um empecilho importante a esse avanço da
tecnocracia. As informações geradas pela PNAD eram uma promessa de que tais
lacunas poderiam ser preenchidas.
Até meados da década de 70, a PNAD constituía, praticamente, a única fonte
confiável, abrangente e contínua de dados sobre emprego e renda. Outras fontes
foram surgindo e a PNAD foi incorporando outros temas. Embora tenham sido
interrompidas durante alguns anos, as PNADs foram ganhando em substância,
periodicidade e cobertura geográfica até se transformarem, já na década de 80,
na principal fonte de informação socioeconômica corrente no país. A
contribuição da Usaid a esse aspecto dos estudos populacionais é inegável.
Entretanto, durante a década de 70, a Usaid restringiu seu apoio à área de
controle populacional e, com isso, ficou relegada a um papel inexpressivo no
cenário brasileiro.
Posteriormente, conforme é sabido até pelas gerações mais jovens, a Usaid foi o
principal financiador das pesquisas de reprodução humana, as Demographic Health
Surveys (DHS). Neste levantamento, feito por amostragem, coletam-se dados sobre
fecundidade, nupcialidade, planejamento familiar, mortalidade infanto-juvenil e
saúde materno-infantil, a partir de entrevistas domiciliares. A população alvo
da pesquisa é composta por todas as mulheres de 15 a 44 anos de idade,
independentemente do estado civil, e residentes nos domicílios visitados. No
Brasil, essa pesquisa foi realizada em nível nacional em 1986 e 1991 e no
âmbito apenas do Nordeste em 1996.
FNUAP
Conforme menção anterior, o Fundo de População das Nações Unidas (FNUAP) foi
criado em 1969, tornando-se, em 1971, o organismo das Nações Unidas responsável
por "programas de população". A história do FNUAP no Brasil pode ser dividida
em dois períodos bem marcados, os quais correspondem a duas eras diferentes na
trajetória do próprio Fundo.
No seu primeiro quarto de século de vida, o FNUAP era claramente parte do
elenco de instituições internacionais criadas para propagar o planejamento
familiar e, desta forma, estabilizar o crescimento populacional. Entretanto,
esse objetivo central era mais diluído no Fundo que em outras instituições do
gênero, pelo fato de que sua orientação e seu trabalho dependiam de um Conselho
Executivo, no qual eram representadas as visões muito heterogêneas dos países
integrantes da ONU sobre a questão populacional. De fato, pelo menos duas
grandes regiões, África e América Latina, questionavam sistematicamente a
solução do desenvolvimento via redução do ritmo de crescimento do denominador.
Por causa destas discrepâncias, o FNUAP foi obrigado a adotar, na sua atuação
em diferentes países, uma postura mais política e cautelosa, em relação ao
controle populacional, que outras entidades doadoras. Para atender às demandas
dos países em desenvolvimento e, ao mesmo tempo, escapar às acusações de
controlista, o FNUAP apoiou, na maioria dos países, uma programação bastante
ampla na qual o apoio ao planejamento familiar era balanceado com atividades de
pesquisas, bolsas de estudos, geração ou melhoria de fontes de dados etc.
Implicitamente, esperava-se que tais atividades levariam os diferentes países a
formular políticas de população, entendidas essencialmente como políticas de
redução da fecundidade. Nesse contexto, é interessante observar que no Brasil,
país no qual a oposição ao controlismo era das mais intensas, essa abordagem
mais equilibrada e diversificada custou muito a ser adotada pelo escritório
local. De fato, até o período preparatório à Conferência Internacional de
População e Desenvolvimento (CIPD) do Cairo, em 1994, a maior parte dos
recursos do FNUAP aplicados no Brasil foi destinada às atividades e entidades
de planejamento familiar. Tal discrepância pode ser explicada, pelo menos em
parte, pela organização descentralizada do Fundo, cujos representantes locais
acabavam tendo muita autonomia no manejo dos recursos institucionais, e pela
postura da própria comunidade demográfica brasileira, que evitava demandar seus
recursos, por entender ser o Fundo um agente do controlismo populacional.
Diversos fatores acabaram levando a uma mudança radical de postura do FNUAP a
partir da Conferência do Cairo. Por um lado, continuavam as divergências entre
os países a respeito da eficácia do controle populacional. Por outro, a ronda
de censos de 1990 indicava claramente que a fecundidade estava caindo a ritmos
inesperados e que o espectro da explosão demográfica estava definitivamente
afastado, exceto em alguns países mais pobres. No entanto, o fator mais
importante foi provavelmente a crescente oposição dos movimentos sociais,
particularmente do movimento de mulheres, ao que se considerava uma atitude
controlista do FNUAP e de outras entidades na área populacional. As diferentes
"PrepComs" que antecederam a CIPD catalisaram essa oposição e obrigaram o Fundo
a dar uma guinada de 180 graus na sua interpretação da questão populacional,
sem a qual seu apoio político poderia ser irremediavelmente abalado.
Os avanços proporcionados pela Conferência do Cairo são sobejamente conhecidos
e não valem a pena ser discutidos aqui. O importante, para a nossa finalidade,
é observar a virada que este evento deu na atuação do FNUAP no Brasil. Já no
período preparatório ao Cairo, o escritório local tratava de dar maior apoio
aos estudos populacionais e à Abep. No período posterior à CIPD, e com uma
liderança mais progressista na Divisão para América Latina e o Caribe, o Fundo
passou a entender melhor a problemática brasileira e a apoiar uma série de
atividades ligadas a gênero, população e desenvolvimento, e ensino, além de
saúde reprodutiva.
Embora os recursos financeiros disponíveis para o programa do Fundo no Brasil
estejam mais minguados, o impacto desse programa é hoje bastante mais
significativo. De fato, tem havido uma relação cada vez mais sinérgica entre o
FNUAP e a comunidade de estudos populacionais. Por um lado, o apoio do Fundo
tem sido absolutamente crítico na realização das atividades da Comissão
Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD) e da própria Abep. Por outro, a
CNPD e a Abep têm propiciado uma maior visibilidade e legitimidade ao FNUAP,
participando ativamente da formulação do seu programa e na realização de
atividades de promoção do Fundo.
Conclusão
Malgrado as óbvias limitações das informações apresentadas neste ensaio, o
papel central dos organismos e fundações internacionais nos estudos
populacionais brasileiros fica bastante claro. Na formação profissional, na
geração de dados, na realização de estudos e atividades de ensino, na formação
de redes, a influência externa aparece como forte, quase imprescindível. Apesar
disso, os intelectuais da demografia brasileira sempre se comportaram com muita
independência e desprendimento, tanto no aspecto acadêmico como no ideológico.
De fato, nasceram daqui muitas das contestações ao controlismo que acabaram
encontrando ressonância e uma maior difusão na CIPD.
O grande desafio, nessa época em que os recursos internacionais para atividades
na área de população estão minguando, é garantir a sustentabilidade dos estudos
de população no contexto brasileiro. O fato concreto é que nos encontramos num
momento de inflexão no que se refere ao financiamento dos estudos de população.
É preocupante a falta de auto-suficiência, tendo em vista a retirada dos
recursos privilegiados que a área de população recebia para capacitação e
pesquisa. Isto tudo nos obriga a pensar em novas estratégias de renovação para
manter vivo o interesse nos temas populacionais e para garantir que eles
conservem e mesmo aumentem sua relevância nas agendas nacionais. De outra
forma, é inevitável que o esforço feito na área de população durante os últimos
40 anos definhe. Portanto, temos aí um grande desafio: como sobreviver e
crescer em tempos de recursos externos declinantes? Certamente, a criatividade
da nossa juventude, apoiada pela sabedoria dos mais "experientes", será capaz
de gerar soluções adequadas.