Um estudo da qualidade da informação censitária em listas nominativas e uma
aproximação da estrutura ocupacional da província de Minas Gerais
Introdução
Para o período pré-censitário, os estudos de estruturas ocupacionais de
populações de espaços regionais do Brasil basearam-se, em larga medida, em
dados originários de listas nominativas de habitantes.1 Entretanto, parece que
pouco se realizou no sentido de avaliar a qualidade dos dados procedentes dessa
modalidade de fonte demográfica, mormente da informação de ocupação.2
Também é possível afirmar que o exame do comportamento demográfico da população
brasileira do século XIX quase sempre se pautou, ainda que implicitamente, pela
consideração do caráter próprio a sociedades fortemente vincadas pelo relativo
isolamento geográfico, assim como pelo pronunciado condicionamento das
específicas configurações de suas economias regionais. Todavia, parece que
muito se precisa avançar na direção da compreensão da diversidade interna às
grandes unidades político-administrativas ou, em outra forma, de elementos que
imponham tratamento regionalizado dos espaços provinciais.3
Enfatiza-se, ainda, a relevância de procedimentos metodológicos que intentem
enfrentar as dificuldades inerentes a essa modalidade de informação demográfica
ou, em outros termos, ao imprescindível estudo dos limites e possibilidades de
dados demográficos produzidos segundo critérios nunca inteiramente
recuperáveis. Como para qualquer tipo de fonte histórica, a utilização de
listas nominais de habitantes deve ser precedida de crítica que contemple a
consistência interna e externa do documento e estabeleça, como mencionado, suas
possibilidades e limites.
São objetivos deste estudo: evidenciar a necessidade da avaliação da qualidade
da informação censitária em listas nominativas de habitantes do século XIX;
propor classificação, segundo a qualidade da informação, para as unidades
espaciais de informação do Censo de 1831-32, realizado na província de Minas
Gerais; e apresentar resultados preliminares e gerais da estrutura ocupacional
de Minas, com base no referido Censo, que contemplam a diversidade regional da
província.
Uma proposta de avaliação da qualidade da informação de ocupação
O Censo de 1831-32 é, certamente, o mais extenso e circunstanciado levantamento
populacional realizado em Minas Gerais, no período pré-censitário. As listas
nominativas remanescentes apresentam satisfatória cobertura e
representatividade, abrangendo aproximadamente 60% dos distritos de paz e da
população de Minas, em meados da quarta década do século XIX. Foram
relacionados, para cada indivíduo recenseado, o prenome, a condição social, a
cor/origem e a idade. Sobrenome, estado conjugal, ocupação, nacionalidade e
relações de parentesco ou subordinação socioeconômica foram informados para
parcela da população.
No transcurso das últimas três décadas, o Censo de 1831-32 constituiu a base de
dados demográficos mais utilizada por pesquisadores da história de Minas
Gerais, no período provincial. Independente da temática e do recorte espacial,
o Censo de 1831-32 foi inestimável a todos que tencionaram incorporar dados
sobre a população mineira na primeira metade do Oitocentos. Salientam-se também
as múltiplas possibilidades de articulação dessas informações censitárias com
dados originários de outras modalidades de fontes, notadamente de fundos
paroquiais e cartoriais.4
Entretanto, é evidente o descompasso entre a utilização generalizada das
informações do Censo e a preocupação em avaliar a qualidade dos dados. Pouco se
realizou na direção do robustecimento de crítica que contemplasse as
consistências interna e externa dessa documentação, bem como avaliasse suas
possibilidades e limites.5 Por decorrência, não devem ser poucos os problemas
que se acumularam derivados da incompreensão do significado desses dados
censitários, da ausência de estudos sistemáticos que objetivassem salientar os
riscos inerentes à utilização do Censo de 1831-32 sem a imprescindível crítica
documental.
Entre as variáveis do Censo de 1831-32, a informação de ocupação representa o
maior desafio, pela complexidade das categorias apresentadas, diversidade dos
padrões informativos e, principalmente, inexistência de parâmetros ou técnicas
convencionais que permitam a verificação da consistência dos dados. Não se pode
esperar que a informação de ocupação seja submetida aos habituais procedimentos
de correção ou padronização utilizados por demógrafos e economistas. Assim,
essa variável impõe a elaboração de metodologia específica para avaliar a
qualidade da informação e, sobretudo, a conformação de recurso para reduzir ou
suprimir os efeitos da omissão ou distorção informativas.
Dois problemas sobressaem quando se considera a variável ocupação do Censo de
1831-32: predomínio da não-informação; e forte tendência à simplificação da
informação. Para a maior parte da população arrolada, não foi informada a
ocupação. Em parte significativa das listas nominativas, a informação de
ocupação esteve limitada a poucas e genéricas categorias. Dois fatores
adicionais dificultam o entendimento da vigência desses problemas. Em primeiro
lugar, o grande número de listas nominativas em que à omissão informativa está
superposta uma simplificação muito provavelmente distorceu a estrutura
ocupacional. O segundo fator compreende a impossibilidade de determinar um
padrão informativo, a partir de critérios coevos, que permita a classificação
das listas nominativas segundo a qualidade da informação de ocupação.
A omissão informativa é problema com incidência tendencialmente variável no
Censo de 1831-32. Além das crianças (entendidas como a população nas duas
primeiras faixas etárias, 0-4 e 5-9 anos), a não-informação de ocupação é muito
mais incidente para escravos, em geral, e para mulheres livres, em particular.
A cor ou raça também determinou a ocorrência da não-informação, conquanto de
forma menos regular, resultando em omissão maior para indivíduos de cor em
relação aos brancos. É provável que outras variáveis também tenham interferido
no recolhimento e registro da informação de ocupação, mesmo que de forma ainda
menos regular, como o estado conjugal, com tendência a privilegiar indivíduos
casados. Verificou-se, ainda, a recorrência de padrão informativo que destacou
o chefe do fogo e relegou os demais indivíduos, ou os não-chefes. A tendência
foi informar a ocupação do chefe e omitir a dos demais integrantes do fogo.
Esse procedimento de arrolamento, provavelmente, assentava-se no pressuposto de
que a profissão ou setor de atividade do chefe determinava a ocupação dos não-
chefes, que eram entendidos como subordinados ou dependentes.
A mencionada informação de ocupação simplificada ou genérica produziu efeitos
de distorção que atingiram preferencialmente certas categorias ocupacionais do
Censo de 1831-32. Em uma estrutura ocupacional simplificada, ganharam relevo
categorias abrangentes e, muitas vezes, indeterminadas. Realidade marcada por
pronunciada heterogeneidade ocupacional, característica de economia
diversificada (MARTINS, 1982; PAIVA, 1996), foi apresentada reduzida a poucas
categorias. Da mesma forma, não foram poucos os casos de distritos em que a
estrutura ocupacional ficou quase resumida a duas categorias ocupacionais, uma
para homens e outra para mulheres.
Com a metodologia que será apresentada e discutida na sequência, objetiva-se a
formulação de proposta de classificação das listas nominativas do Censo de
1831-32, segundo a qualidade da informação de ocupação. Pretende-se a
hierarquização das listas segundo o grau de vulnerabilidade aos referidos
problemas de omissão e distorção informativa. Aspira-se a quadro que
possibilite a identificação de universo de listas nominativas com reduzida não-
informação de ocupação e pequena incidência de padrão informativo inclinado à
simplificação ou generalização. A esse objetivo imediato segue o desígnio de
constituir banco de dados que permitirá aproximação, que se acredita sólida, do
conhecimento da estrutura ocupacional da província de Minas Gerais.
Resta ainda assinalar que a classificação das listas nominativas, segundo a
qualidade da informação de ocupação, muito provavelmente implica determinar
hierarquia válida para as outras variáveis do Censo de 1831-32. Significa
afirmar que a variável ocupação, pela referida complexidade que lhe é própria,
pode se constituir em aferidora da qualidade geral de todas as informações.
Sugere-se, portanto, que a proposta de classificação, que será apresentada e
discutida a seguir, deve representar medida geral, ou para todas as variáveis,
da qualidade da informação censitária das listas nominativas do Censo de 1831-
32.
Foram definidos 16 índices para mensurar a qualidade da informação de ocupação
das listas nominativas do Censo de 1831-32. Atribuiu-se peso diferenciado a
cada índice, segundo importância presumida na determinação da qualidade da
informação de ocupação. Quando se afirma a importância presumida dos índices
considerados, reporta-se às salientadas tendências por parte dos responsáveis
pelo arrolamento em privilegiar determinadas parcelas da população no que se
refere à informação de ocupação. Visto que estas tendências são
estatisticamente demonstráveis, considera-se que a incidência da informação de
ocupação para determinados grupos da população é indicador da qualidade da
informação.
Os 16 índices se dividem entre os que se referem à incidência (ou quantidade)
da informação de ocupação para determinadas parcelas da população e aqueles que
buscam mensurar a amplitude (ou qualidade) da variação da informação de
ocupação por categorias e grupos ocupacionais. A divisão dos índices em três
grupos com pesos distintos foi presidida pela consideração da vigência de
escala hierárquica de fatores que determinaram o grau de zelo dos responsáveis
pelo arrolamento da população. Significa dizer que, quando do máximo de zelo, a
informação de ocupação é de boa qualidade segundo todos os índices propostos.
No sentido inverso, tende a apresentar desempenho crescentemente negativo, ou
menor zelo progressivo no arrolamento da informação de ocupação, uma vez que se
desconsiderou o arrolamento da informação de ocupação para certas parcelas da
população e/ou se reduziu a qualidade da informação por meio de procedimentos
simplificadores ou generalizantes. Segue a relação dos índices e respectivos
pesos.
Peso I - pontuação 0/4/8
1. Percentual da população total com informação de ocupação.
2. Percentual de não-chefes de fogo com informação de ocupação.
3. Percentual de adultos com informação de ocupação.
4. Percentual de homens escravos com informação de ocupação.
5. Percentual de mulheres escravas com informação de ocupação.
Foram definidos como índices de peso I as mensurações da qualidade da
informação de ocupação entendidas como principais. Nestes casos, as listas
nominativas com padrão informativo de melhor qualidade receberam a máxima
pontuação (8), as intermediárias ou na média receberam metade da pontuação (4)
e aquelas com padrão informativo de pior qualidade ficaram sem pontuação (0).
Foram incluídas, como índices de peso I, as mensurações que cobrem segmentos
populacionais com elevada omissão de informação de ocupação (não-chefes de fogo
e escravos dos dois sexos), a medida geral da cobertura da informação de
ocupação (população total) e a mensuração específica que exclui as crianças
(população adulta).
A ausência ou baixa incidência de informação para os não-chefes de fogo, ou o
exclusivo ou quase exclusivo arrolamento da ocupação para os chefes, padrão
vigente em significativa parcela das listas nominativas de 1831-32, resulta em
estrutura ocupacional que, como mencionado, não espelha a diversidade
ocupacional de Minas Gerais no século XIX. O não arrolamento ou baixa
incidência da informação de ocupação para escravos dos dois sexos impede a
diferenciação das atividades tipicamente escravistas, impossibilita o
conhecimento de divisão social do trabalho em todos os seus matizes setoriais,
regionais, étnicos, entre outros. A cobertura geral da informação de ocupação é
indicador primeiro para se mensurar o alcance quantitativo da variável
ocupacional. A exclusão da população infantil e a mensuração da informação de
ocupação para a população adulta significam filtrar categoria que tende não
apenas a não ter informada a ocupação, mas também, em grande medida, a estar
excluída do mercado de trabalho.
Peso II - pontuação 0/2/4
6. Percentual da população com informação de ocupação, excluídas as idades sem
informação.
7. Percentual de chefes com informação de ocupação.
8. Percentual de idosos com informação de ocupação.
9. Percentual de mulheres livres com informação de ocupação.
10. Número de ocupações com frequência.
11. Número de grupos ocupacionais com frequência.
Os índices de peso II incluem as medidas da qualidade da informação de ocupação
entendidas como intermediárias ou menos importantes do que as de peso I. Para
estes casos, as listas nominativas com padrão informativo de melhor qualidade
receberam a máxima pontuação (4), as intermediárias ou na média receberam
metade da pontuação (2) e aquelas com padrão informativo de pior qualidade
ficaram sem pontuação (0). Foram definidas como índices de peso II três ordens
de medidas: a proporção de informação de ocupação em três segmentos de
população, sendo dois em que a omissão tende a ser baixa (chefes de fogo e
idosos) e um com elevada não-informação (mulheres livres); a mensuração da
informação de ocupação a partir da idade em que foi arrolada a ocupação para
pelo menos um indivíduo; e o número de ocupações e de grupos ocupacionais com
frequência.
Os índices agrupados como peso II foram considerados aferidores da incidência e
qualidade da informação de ocupação em posição relativa de segunda importância
por incidirem sobre parcela da população que tendeu a ter a informação de
ocupação relacionada em todas as listas nominativas (chefes de fogo) e,
inversamente, apresentou baixa ou ausente informação no conjunto das listas
(idosos). São de segunda importância porque contemplam parcela da população
(mulheres livres) para a qual, excluído número menor de listas nominativas, os
responsáveis pelo arrolamento inclinaram-se pela omissão ou simplificação, como
pode ser constatado pela comparação da estrutura ocupacional da população
segundo o sexo, em que a amplitude de categorias de ocupação para as mulheres
livres é muito menor do que para os homens livres.
O índice 6 (percentual da população com informação de ocupação, excluídas as
idades sem informação) foi incluído no grupo de peso II pelo seu caráter
complementar ao índice 3 (percentual de adultos com informação de ocupação),
por refinar medida geral com a consideração de particularidades locais e/ou dos
responsáveis pelo arrolamento no que tange à determinação de faixa de população
entendida como em idade aquém da necessária para a inserção no mercado de
trabalho. Também decidiu-se pela inclusão dos índices 10 e 11 (que medem o
número de ocupações e grupos ocupacionais com frequência), entre as medidas
intermediárias, por se referirem a medidas qualitativas, portanto subordinadas
às de peso I. Significa dizer que são medidas relevantes, visto que permitem
ultrapassar a simples mensuração da incidência da informação de ocupação,
contemplando também a qualidade por meio da amplitude informativa, ainda que
não possam ser consideradas mais importantes do que a avaliação da presença da
informação ocupacional, da qual dependem para serem mensurados.
Peso III - pontuação 0/1/2
12. Idade a partir da qual informa a ocupação.
13. Percentual de crianças com informação de ocupação.
14. Percentual de homens livres com informação de ocupação.
15. Percentual das outras ocupações, excluídas as quatro com maior frequência.
16. Percentual dos outros grupos ocupacionais, excluídos os quatro com maior
frequência.
No peso III foram incluídos os índices que aferem a qualidade da informação de
ocupação considerados de menor importância em relação aos pesos I e II. Nestes
casos, as listas nominativas com padrão informativo de melhor qualidade
receberam a máxima pontuação (2), as intermediárias ou na média receberam
metade da pontuação (1) e aquelas com padrão informativo de pior qualidade
ficaram sem pontuação (0). No peso III estão medidas entendidas como
complementares e que se dividem em duas modalidades. Na primeira, encontram-se
as mensurações de segmentos populacionais específicos e que tendem a apresentar
comportamento pouco variável nas listas nominativas: as crianças, que quase
sempre são arroladas sem informação de ocupação; e os homens livres, que
invariavelmente constituem a faixa de população com menor omissão. A segunda
modalidade inclui medidas complementares a algumas mensurações de peso II:
idade a partir da qual a informação de ocupação foi relacionada ao menos para
um indivíduo; proporção de outras ocupações excluídas as quatro com maior
incidência; e percentual de grupos ocupacionais excluídos os quatro com maior
incidência.
Na Tabela_1 são apresentados os parâmetros provinciais, ou que compreendem
todas as listas nominativas do Censo de 1831-32, balizadores das mensurações
realizadas para cada distrito, ou para cada lista nominativa. Apurou-se o
resultado provincial para cada índice, ou o resultado que compreende toda a
população (primeira coluna da Tabela_1). A partir desses resultados, foram
calculadas as médias que representaram os parâmetros para verificação da
qualidade da informação de ocupação em cada lista nominativa do Censo de 1831-
32 (segunda coluna da tabela). Realizou-se o cálculo por meio da determinação
de variação compreendendo faixa de 10% acima a 10% abaixo do resultado
provincial. Por exemplo, para o índice 1, percentual da população total com
informação de ocupação, foi realizado o cálculo da variação de 10% abaixo e 10%
acima de 39,6%, resultando em média provincial entre 35,6% e 43,6%. Na
determinação da pontuação, para todos os índices, considerou-se a máxima
pontuação quando acima da média provincial, pontuação intermediária quando
dentro dessa média e sem pontuação quando abaixo da média.
O índice 12, idade a partir da qual informa a ocupação, resultou da
determinação da idade a partir da qual a informação de ocupação era regular.
Ou, em outros termos, a idade a partir da qual não se identificaram vazios de
frequência. Em nível desagregado, ou quando se considerou o resultado para cada
lista nominativa, a determinação desse índice alcançou relativa precisão, tendo
em vista que o exame da frequência simples das idades permitiu a pronta
identificação do ponto em que a informação se tornava regular, e que
apresentava incidência significativamente maior do que a encontrada nas idades
que lhes eram inferiores. Para a determinação do índice 12 para a província,
foi necessário proceder de forma diversa. Neste nível de grande agregado, não
existiam vazios de frequência e a apuração baseou-se exclusivamente, a partir
do exame da frequência simples das idades, na determinação do ponto a partir do
qual a incidência da informação de ocupação tornava-se relativamente alta ou
muito maior do que nas idades inferiores. O índice 6 (percentual da população
com informação de ocupação, excluídas as idades sem informação) foi calculado
com base na população total subtraída dos indivíduos com idade inferior àquela
determinada pelo índice 12.
O índice 10, número de ocupações com frequência, compreende todas as ocupações
(categorias ocupacionais) constantes da frequência simples. Ou seja, todas as
ocupações que foram arroladas pelo menos uma vez. Da mesma forma, o índice 11,
nú-mero de grupos ocupacionais com frequência, abarca todos os grupos
ocupacionais (corresponde aos subsetores do Quadro_1) representados com pelo
menos uma ocupação na frequência simples. Assim, estes índices para a província
cobrem todas as ocupações e grupos ocupacionais com frequência no Censo de
1831-32.
Tendo em vista que, para o cálculo da média provincial, não faria sentido
considerar os resultados totais (775 ocupações e 40 grupos ocupacionais), pois,
naturalmente, nenhum distrito de paz poderia ser submetido a esse parâmetro
para aferição da qualidade da informação de ocupação, adotou-se procedimento
diferenciado. Presumiu-se que a adoção de dois terços dos grupos significaria
ajuste para contemplar a diversidade que se queria aferir. Dessa forma, foi
definida a variação entre 24 e 29 grupos (variação de 10% abaixo e 10% acima de
26,5, ou de dois terços dos 40 grupos) como parâmetro para a média provincial.
Para a média de ocupações, adotou-se o procedimento de dobrar os números da
variação dos grupos, pressupondo a incidência média de duas ocupações por grupo
como parâmetro. Assim, foi definida a variação entre 48 e 58 ocupações como
média provincial.
Com o índice 15 (percentual das outras ocupações, excluídas as quatro com maior
frequência), buscou-se mensurar o peso relativo da preferência por certas
categorias. Na determinação do índice para Minas Gerais, procedeu-se à
subtração da fre-quência das seguintes ocupações: lavrador (30,4%), fiadeira
(24,5%), costureira (5,5%) e jornaleiro (4,5%). Portanto, as demais 771
categorias respondiam por 35,1% da frequência das ocupações da província. Para
a determinação da média, adotou-se a variação percentual válida para os demais
índices. No caso do índice 16 (percentual dos outros grupos ocupacionais,
excluídos os quatro com maior frequência), realizaram-se os mesmos
procedimentos do índice 15.
A classificação das listas nominativas do Censo de 1831-32, segundo a qualidade
da informação de ocupação, salientou grandes disparidades (ver classificação no
Anexo). Considerada a pontuação máxima (74 pontos), constatou-se que pouco mais
de um terço das listas nominativas (94 distritos) superou 50% da pontuação (39
a 74 pontos). A lista nominativa do distrito de Cachoeira do Campo, pertencente
ao município de Ouro Preto e à região Mineradora Central Oeste, obteve a
pontuação máxima em todos os índices. Abaixo de 50% da pontuação (até 33
pontos), foram classificados quase dois terços das listas nominativas (144
distritos). Sete listas nominativas, correspondentes a distritos de vários
municípios e regiões, não pontuaram em todos os índices. Em síntese, não se
pode descurar das pronunciadas divergências na qualidade da informação de
ocupação do Censo de 1831-32 e, consequência inarredável, é necessário ponderar
seu efeito sobre a estrutura ocupacional.
Regionalização para a província de Minas Gerais
Um dos principais atributos da economia e sociedade provinciais era a
diversidade regional (PAIVA; GODOY, 2002). As várias configurações da formação
natural e a diferenciada evolução histórica do processo de ocupação do
território imprimiram marcantes traços distintivos entre os múltiplos espaços
de Minas Gerais (GODOY, 1996). Na primeira metade do século XIX, as
características da organização econômica e os componentes sociodemográficos
evidenciavam marcantes contrastes regionais (PAIVA, 1996).
A segmentação do território provincial em unidades regionais é essencial à
avaliação da representatividade, assim como a qualquer intenção de análise
conjunta dos dados arrolados no Censo de 1831-32. Desconsiderar a diversidade
regional como atributo indissociável de Minas Gerais implica submeter-se a
sérios riscos de perceber homogeneidade e padrões universais para realidade
heterogênea e fortemente vincada por particularismos.
A proposta de regionalização adotada baseou-se, exclusivamente, na percepção do
espaço de viajantes estrangeiros que percorreram quase todo o território de
Minas Gerais, na primeira metade do século XIX. Do inter-relacionamento de
fatores fisiográficos, demográficos, econômicos, administrativos e históricos,
logrou-se a divisão de Minas Gerais em 18 regiões (Mapa_1). Embora os aspectos
de natureza econômica tenham ocupado posição central, as identidades regionais
resultaram de combinações específicas de múltiplos aspectos (GODOY, 1996).6
Classificação das ocupações do Censo de 1831-32
Entre sinônimos, variantes vocabulares, ocupações simples e associadas, foram
relacionadas milhares de designações no Censo de 1831-32. Sistematizadas e
classificadas, as ocupações foram reunidas em quase 800 categorias. Para o
estudo da estrutura ocupacional, procedeu-se a setorização desse amplo universo
de ocupações. No Quadro_1 estão relacionados os setores e respectivos
subsetores.
Estimativa Populacional para 1831-35
A Estimativa Populacional para 1831-35 foi originalmente elaborada com vistas a
avaliar a representatividade e cobertura espacial das listas nominativas
remanescentes do Censo de 1831-32 (PAIVA, 1996, p. 49-53 e 69-74). Iniciativa
inédita para a primeira metade do século XIX, a Estimativa permitiu conhecer o
tamanho e a distribuição regional da população da província. Excetuado o Censo
de 1872-73, que faculta a desagregação da população por paróquias, a Estimativa
Populacional para 1831-35 é a única fonte de informação para o período imperial
mineiro que possibilita o conhecimento do tamanho de toda a população, segundo
pequenas circunscrições administrativas.
Os dados da Estimativa foram recolhidos em quatro bases, com largo predomínio
do Censo de 1831-32 e dos Mapas de 1833-35, que juntos responderam por quase
90% dos distritos e população (Tabela_2). A identificação temporal da
Estimativa decorre desse predomínio dos dados referentes ao primeiro quinquênio
da década de 1830. A conferência da versão original da Estimativa logrou a
incorporação de nove distritos e o acréscimo de 11.709 indivíduos, com a
consequente ampliação da qualidade dos dados estimados (GODOY, 2004, p. 679-
710).
Na Estimativa Populacional para 1831-35 é pronunciada a sub-representação dos
indígenas. Foi recenseada apenas pequena parcela dos índios nômades e aldeados,
que se distribuíam por várias regiões de Minas Gerais. A baixíssima enumeração
é especialmente grave nos casos de Minas Novas, Sertão do Rio Doce e Mata,
regiões em que o contingente de indígenas era expressivo e chegava, para parte
considerável de seus territórios, a superar a população não-indígena.
A sub-representação também é ponderável para as populações não-indígenas das
áreas em processo de colonização - como porções dos territórios das regiões do
Triângulo, Sertão do Alto São Francisco e Mineradora Central Leste - e dos
espaços com reduzida densidade populacional, ausência ou precariedade de rede
urbana e economia baseada na pecuária extensiva (especialmente, faixas dos
territórios das regiões Extremo Noroeste, Paracatu, Sertão e Minas Novas).
Embora observadas essas restrições que seguramente afetaram, em graus variados,
o dimensionamento das populações de determinadas regiões, a Estimativa deve ser
considerada a mais apurada e desagregada avaliação geral da população de Minas
Gerais, para a primeira metade do século XIX.7
Amostra com listas nominativas selecionadas segundo a qualidade da informação
de ocupação e a representatividade regional
Com o objetivo de demonstrar a validade da proposta de classificação das listas
nominativas do Censo de 1831-32, segundo a qualidade da informação de ocupação,
elaborou-se amostra constituída por distritos quase sempre com elevado padrão
informativo.
Embora na definição da amostra tenha-se conferido prioridade para inclusão de
listas nominativas com elevado padrão informativo, também prevaleceu a
preocupação com a mais estrita representatividade regional. Em outros termos, a
amostra foi constituída igualmente referenciada na distribuição relativa da
população pelas regiões, revelada pela Estimativa Populacional de 1831-35. Em
resumo, buscou-se o equilíbrio entre a pontuação das listas nominativas e a
proporcionalidade na distribuição da população pelas regiões.
Na composição da amostra foi possível a larga incorporação de listas
nominativas com elevada qualidade da informação de ocupação. Dos 60 distritos
selecionados (identificados com asterisco, no Anexo), 50 (ou 83%) apresentaram
classificação acima de 50% da pontuação (39 a 74 pontos), ou 53,2% das 94
listas nominativas do Censo de 1831-32 classificadas nesta faixa. Apenas dez
distritos da amostra (ou 17%) apresentaram classificação abaixo de 50% da
pontuação (até 33 pontos), ou 6,9% das 144 listas nominativas do Censo de 1831-
32 classificadas nesta faixa.
Ainda em relação ao Censo de 1831-32, os 60 distritos e 113.903 habitantes da
amostra representam, respectivamente, pouco mais de um quarto das listas
nominativas e quase um terço da população. Se cotejada com a distribuição
regional dos distritos da Estimativa Populacional de 1831-35, a amostra
apresenta poucas discrepâncias (Tabela_3). Apenas para quatro regiões não foi
possível estabelecer a necessária proporção: Sertão, Sertão do Rio Doce,
Triângulo e Sertão do Alto São Francisco. Portanto, a amostra corrigiu a
maioria das distorções da distribuição relativa dos distritos que compõem o
Censo de 1831-32 em relação à Estimativa, que provavelmente resultaram da
aleatoriedade das listas nominativas remanescentes.
A composição da população por condição social e idade, na amostra, não
apresentou nenhuma divergência de monta em relação ao Censo de 1831-32. Na
primeira, os escravos representam 31,7% da população e, no Censo de 1831-32,
perfazem 33,1%. Como demonstram os Gráficos_1 e 2, a distribuição pelas faixas
etárias, tanto para indivíduos livres como para cativos, também não evidenciou
distinções relevantes.
Estrutura ocupacional da província de Minas Gerais
Demonstrada a representatividade da amostra, realizou-se estudo da estrutura
ocupacional em três distintos níveis: provincial, regional e distrital.
Estabeleceu-se regular cotejo entre a estrutura do Censo de 1831-32, ou a
totalidade das listas nominativas remanescentes, e a estrutura da amostra, ou
os 60 distritos selecionados. Como referido, buscou-se evidenciar os efeitos da
omissão e distorção informativas. Acredita-se que a metodologia para a
classificação das listas nominativas e a proposição da amostra permitiram
consistente aproximação da estrutura ocupacional da província de Minas Gerais,
corrigida dos efeitos da grande subenumeração e larga simplificação que
predominam na informação de ocupação do Censo de 1831-32. Cabe ainda anotar que
todos os resultados compreenderam a população com dez anos e mais, ou com a
exclusão dos indivíduos das duas primeiras faixas (0 a 4 e 5 a 9 anos).
No nível mais agregado, ou considerada toda a província, os resultados
salientaram grande diferença entre as estruturas ocupacionais comparadas
(Tabela_4). Constatou-se que o elevado patamar de não informação, sobretudo
para a população escrava, afetou sobremaneira a estrutura ocupacional do Censo
de 1831-32. Todos os setores, mais ou menos, apresentaram participação relativa
inferior à da estrutura ocupacional da amostra, excetuadas as funções públicas.
Entretanto, a omissão e distorção informativas afetaram mais incisivamente
determinados setores. Tendo em vista que a não informação de ocupação para a
população total da amostra (17,9%) é 62,7% menor do que no Censo de 1831-32
(48,0%), ressalta-se o impacto diferenciado sobre os setores ocupacionais.
Assim, a participação relativa da agropecuária, mineração e atividades manuais
e mecânicas apresentou variação mais ou menos correspondente (mais 60%, 57% e
58%, respectivamente), enquanto a do comércio ficou muito abaixo (5%) e a do
serviço doméstico muito acima (157%) e, como mencionado, as funções públicas
apresentaram participação relativa maior no Censo de 1831-32 em relação à
amostra (15%).
O exame dos resultados segmentados por condição social é elucidativo quanto ao
significado das variações nas estruturas ocupacionais comparadas. Considerando-
se que a não informação de ocupação para a população livre da amostra é 56,8%
menor do que no Censo de 1831-32 (17,0% e 39,4%, respectivamente), verifica-se
que as diferenças entre as estruturas comparadas são bem menos importantes do
que na população total, conquanto destacadas para as atividades manuais e
mecânicas (51% maior) e serviço doméstico (111% maior). Para a agropecuária e
mineração não chegam a um terço para mais (29% e 21%), enquanto o comércio
apresenta participação relativa praticamente igual (menos 1%) e as funções
públicas são relativamente mais expressivas no Censo de 1831-32 (menos 15%). Já
para a população escrava, que na amostra apresenta não informação de ocupação
69,4% menor do que no Censo de 1831-32 (19,7% e 64,4%, respectivamente),
salientaram-se distinções invariavelmente muito mais pronunciadas do que na
população total: os escravos são 125% mais incidentes na agropecuária, 180% na
mineração, 93% nas atividades manuais e mecânicas, 99% no comércio e 180% no
serviço doméstico.
A comparação da participação relativa de livres e escravos evidenciou outras
importantes divergências entre a amostra e o Censo de 1831-32. Enquanto no
Censo as proporções de livres e escravos na agropecuária não são muito
diferentes (19,5% e 17,3%, respectivamente, ou 11,0% a menos para os cativos),
na amostra não somente a participação de escravos é maior (39,1%), como supera
a dos livres (25,2%) em 55,2%. Da mesma forma, se no Censo as proporções de
livres e cativos na mineração não apresentam distinção acentuada (1,6% e 1,9%,
respectivamente, ou 18,3% a mais para os escravos), na amostra a participação
relativa de cativos é bem maior (1,3% e 5,4%, ou 315,4% superior).
Em termos absolutos, o problema da qualidade da informação de ocupação para os
escravos apresentou-se de forma incontrastável, como quando se constatou que,
embora a população cativa da amostra represente 28,2% daquela registrada no
Censo de 1831-32 (29.844 para 105.909), os escravos na mineração da amostra
perfizeram 78,9% dos cativos do Censo de 1831-32, 63,5% da agropecuária, 54,3%
das atividades manuais e mecânicas, 56,1% do comércio e 78,9% do serviço
doméstico.
Em síntese, a comparação das estruturas ocupacionais revelou que os efeitos da
omissão e distorção informativas alteraram sobremaneira a qualidade da variável
ocupação no Censo de 1831-32 e, além de reduzir substantivamente a participação
relativa de quase todos os setores, responderam por específicas modificações na
estrutura ocupacional, como na particular acentuada redução da participação de
escravos na mineração e no geral esvaziamento da importância do serviço
doméstico. Entretanto, em outro sentido, a incidência seletiva do problema da
qualidade da informação também foi demonstrada com o efeito relativamente
reduzido sobre as funções públicas. Assim, pode-se afirmar que a omissão
informativa repercutiu de forma assimétrica sobre os setores ocupacionais,
indicando, de forma inequívoca, que também a distorção informativa deve ser
considerada.
A estrutura revelada pela amostra sobrelevou a diversificação ocupacional da
população total, ainda que marcada pelo predomínio da agropecuária e das
atividades manuais e mecânicas. Para a população livre, a proeminência desses
setores era ainda maior, conquanto o comércio respondesse por posição mais
expressiva do que na população total. Para os escravos, observou-se inversão na
posição relativa dos maiores setores, com a agropecuária perfazendo quase o
dobro da participação das atividades manuais e mecânicas, além da significativa
importância da mineração e, principalmente, do serviço doméstico.
Do nível provincial para o regional, examina-se agora a estrutura ocupacional
da região Mineradora Central Oeste (Tabela_5). A escolha justifica-se pela
incontrastável importância demográfica e econômica da região (PAIVA, 1996;
GODOY, 1996), por compreender o espaço mais importante da economia do ouro do
século XVIII (VENÂNCIO, 2001) e por deter a mais desenvolvida malha urbana da
província (RODARTE, 1999).
A análise das estruturas ocupacionais regionais comparadas convergiu para
constatações muito próximas das salientadas quando da apreciação das estruturas
provinciais. A participação relativa dos setores, excetuadas as funções
públicas, apresentou-se subestimada na base de dados do Censo de 1831-32 em
relação à da amostra.
Posto que a não informação de ocupação para a população total da amostra
(12,6%) é 69,4% menor do que no Censo de 1831-32 (41,3%), destacam-se distintas
repercussões sobre os setores ocupacionais. Dessa forma, as participações da
agropecuária, das atividades manuais e mecânicas e do comércio ficaram abaixo
da variação da informação de ocupação (mais 36,7%, 38,9% e 15,6%,
respectivamente), as da mineração e do serviço doméstico muito acima (mais
129,3% e 194,9%) e as funções públicas apresentaram, como no caso da comparação
das estruturas ocupacionais provinciais, participação maior no Censo de 1831-32
do que em relação à amostra (28,9%). Portanto, também para a estrutura
ocupacional da população total da região Mineradora Central Oeste, repetiram-se
acentuadas divergências que sobrelevaram impactos diferenciados da omissão e
distorção informativas.
Segmentada a população por condição social, ganharam projeção determinadas
variações nas estruturas ocupacionais comparadas. Visto que a não informação de
ocupação para a população livre da amostra é 57,5% menor do que no Censo de
1831-32 (13,4% e 31,6%, respectivamente), constatou-se que, como no caso da
comparação das estruturas provinciais, as divergências entre as estruturas
regionais comparadas dos livres são bem menos significativas do que na
população total, ainda que mais expressivas para a mineração (52,8% maior) e,
principalmente, serviço doméstico (120,0% maior). Para as atividades manuais e
mecânicas, a diferença pouco ultrapassou em um terço (35,7%), a agropecuária e
o comércio quase mantiveram a mesma participação relativa (1,1% e 4,2% maior) e
as funções públicas, novamente, apresentaram-se relativamente mais expressivas
no Censo de 1831-32 (menos 28,9%). Como no cotejo entre as estruturas
provinciais, para a população escrava da região Mineradora Central Oeste, que
na amostra apresentou não informação de ocupação 80,8% menor do que no Censo de
1831-32 (11,2% e 58,2%, respectivamente), verificaram-se distinções quase
sempre muito mais pronunciadas do que na população total. O confronto dos
resultados da amostra com os do Censo de 1831-32 revelou que os cativos são
215,1% mais incidentes na mineração, 132,1% no comércio e 120,0% no serviço
doméstico. Na agropecuária, a diferença ficou um pouco acima da variação da
incidência de informação de ocupação (mais 90,5%) e nas atividades manuais e
mecânicas bem abaixo (mais 44,4%).
O cotejo da participação de livres e escravos sobrelevou outras distinções
relevantes entre a amostra e o Censo de 1831-32. Se, no Censo, a diferença na
proporção de livres (13,3%) e cativos (16,8%) na agropecuária não ganhava muita
expressão (26,3% a mais para os escravos), na amostra ficava evidente a larga
predominância relativa dos cativos (13,5% e 32,0%, respectivamente, ou 137% a
mais para os escravos). Na mineração a divergência das estruturas comparadas
alcançou patamar ainda maior. Se, no Censo, a proporção de livres (2,3%) e
escravos (4,0%) na mineração era bem distinta (73,9% a mais de cativos), na
amostra acentua-se muito mais a diferença (3,5% e 12,7%, respectivamente, ou
262,9% a mais de escravos).
Como no caso das estruturas ocupacionais provinciais comparadas, do cotejo dos
números absolutos do Censo de 1831-32 com os da amostra sobressaíram
inequívocas evidências dos comprometimentos decorrentes do problema da
qualidade da informação de ocupação, mormente para os escravos. Assim,
conquanto a população cativa da amostra (7.767) representasse 22,8% daquela
registrada no Censo (34.083), os escravos na mineração da amostra perfaziam
71,8% dos cativos do Censo de 1831-32, 75,2% do serviço doméstico, 52,9% do
comércio e 43,4% da agropecuária.
As conclusões são as mesmas quando da análise do cotejo das estruturas
ocupacionais da província: elevada influência da omissão e da distorção
informativas na qualidade da variável ocupação do Censo de 1831-32, tendendo à
redução da participação relativa de quase todos os setores, com repercussão
mais incisiva sobre determinados setores e faixas de população e preservação de
certas categorias ocupacionais e segmentos populacionais.
A amostra evidenciou que a região Mineradora Central Oeste apresentava
estrutura ocupacional diversificada, em que pese que as atividades manuais e
mecânicas e a agropecuária respondessem, juntas, por mais da metade da ocupação
de livres e escravos. A mineração ainda era atividade expressiva, sobretudo
para a população cativa, o comércio constituía atividade eminentemente
desenvolvida por indivíduos livres e o serviço doméstico era o terceiro setor
com maior grau de emprego de escravos.
O último movimento ou etapa da análise da estrutura ocupacional destinou-se à
comparação de duas listas remanescentes do Censo de 1831-32. Para respeitar
procedimento de desagregação, em que o nível inferior sempre está contido no
nível superior, foram escolhidos dois distritos da região Mineradora Central
Oeste. Selecionaram-se distritos geograficamente próximos (com sedes a menos de
40 quilômetros de distância) e com evoluções históricas semelhantes, ambas
localidades originalmente mineradoras e que se formaram no início do século
XVIII (BARBOSA, 1971, p. 25 e 320). Congonhas do Sabará ainda não havia
recebido o impacto do estabelecimento de grande mineradora estrangeira - a
Companhia Saint John d'El Rey Mining Company iniciou suas atividades na Mina do
Morro Velho em 1834 (LIBBY, 1984, p. 16) - e apresentava, em 1818, segundo
Saint-Hilaire, quadro de "decadência e abandono".8 Rio de Pedras encontrava-se
no mesmo estado de "decadência" e as condições urbanas impressionavam pelo
elevado grau de deterioração.9
Assim, presume-se que pouco mais de uma década depois, quando da realização do
Censo de 1831-32, Congonhas do Sabará e Rio de Pedras apresentavam quadros
demográfico e econômico inalterados. Os distritos muito provavelmente se
inscreviam em processo que abarcava grande parte das localidades da região
Mineradora Central Oeste. Processo marcado por reestruturação produtiva em
estágio avançado, expresso em mineração pouco dinâmica e crescimento da
agropecuária e atividades de transformação em geral (artesanato e manufatura),
que, em larga medida, baseavam-se no trabalho escravo (GODOY, 1996, p. 62-66).
Os dados apresentados na sequência reafirmam estas características, conquanto
permitam conhecimento muito mais refinado da estrutura ocupacional dos
distritos (Tabela_6). Entretanto, o objetivo precípuo da comparação dos dados
de Congonhas do Sabará com os de Rio de Pedras é demonstrar o quanto o problema
da qualidade da informação pode comprometer o conhecimento da estrutura
ocupacional, assim como de qualquer variável demográfica.
A primeira impressão do cotejo das estruturas ocupacionais é de que a omissão e
distorção informativas comprometeram severamente os resultados. Se aceito o
pressuposto de que esses pequenos distritos deveriam apresentar estruturas
ocupacionais semelhantes, a assimetria da qualidade da informação de ocupação
responde então pelas grandes divergências assinaláveis. A omissão é evidente,
visto que os responsáveis pela lista de Rio de Pedras não informaram a ocupação
para a população escrava. A distorção é presumível como decorrência da ausência
de frequência ou relativa baixa incidência para vários grupos ocupacionais no
arrolamento de Rio de Pedras em relação ao de Congonhas do Sabará.
Da análise dos números absolutos, despontam divergências que só se explicam por
distintos padrões informativos. Embora a população livre de Rio de Pedras (580
pessoas) fosse 17,6% superior à de Congonhas do Sabará (478), para a maioria
dos grupos ocupacionais o número de indivíduos livres listados em Rio de Pedras
era menor, quando não sem frequência. Assim, por exemplo, parece insustentável
supor a inexistência, em Rio de Pedras, de indivíduos livres inseridos em
atividades domésticas, no comércio de tropas, no controle do trabalho escravo e
em atividades de transporte.
Considerada a omissão completa da ocupação dos cativos de Rio de Pedras, bem
como o elevado patamar de informação para escravos de Congonhas do Sabará
(89,3%), depreende-se que o segundo caso pode iluminar o primeiro. Em outros
termos, propõe-se conhecer a estrutura ocupacional de Rio de Pedras pela de
Congonhas do Sabará. É possível afirmar que o extremo da omissão das
autoridades responsáveis pelo arrolamento da população escrava de Rio de Pedras
impediu que se conhecesse a estrutura ocupacional marcada pela concentração dos
cativos em quatro setores ocupacionais (agropecuária, mineração, atividades
manuais e mecânicas e serviço doméstico), além da presença em outros setores,
como no comércio. Em perfeita consonância com o mencionado estágio avançado do
processo de reestruturação produtiva, em curso desde a segunda metade do século
XVIII, a concentração do trabalho escravo na mineração foi substituída,
gradualmente, pelo emprego do trabalho compulsório em múltiplas atividades.
Longe do quadro assinalado pelo ilustre viajante francês, a ponderável
participação de escravos na população dos antigos centros mineradores (30,9% em
Congonhas do Sabará e 23,5% em Rio de Pedras) é indício de economias locais
vigorosas o suficiente para se lastrearem em significativo recurso ao trabalho
cativo. A expressiva participação relativa do setor comercial, entre
negociantes estabelecidos e tropeiros, sugere atividades agropecuárias em
alguma medida integradas ao mercado, certamente a fonte dos recursos que
permitiam a recomposição, ou mesmo ampliação, da população mancípia. Como
asseverou Roberto Martins, a miopia de importante parcela dos contemporâneos,
nativos e adventícios, e também daqueles que se dedicaram ao estudo da história
da província de Minas Gerais, pelo menos até a década de 1980, decorreu da
incompreensão do caráter da economia mineira do século XIX. A pouca
visibilidade de atividades orientadas para o mercado interno foi
equivocadamente interpretada como estagnação, quando não como decadência
(MARTINS, 1982). Não considerar os problemas da informação de ocupação no Censo
de 1831-32, o mais importante repositório de dados sociodemográficos e
econômicos, para a primeira metade do século XIX, pode significar a perda de
insubstituível oportunidade de ampliação do conhecimento sobre a economia e
sociedade mineiras do período provincial.
Considerações finais
Releva concluir que os graves problemas decorrentes da omissão e distorção
informativas, que prevaleceram no recolhimento e registro dos dados do Censo de
1831-32, não podem ser desconsiderados. O estudo da estrutura ocupacional em
três níveis de agregação (provincial, regional e distrital) orientou-se
precipuamente para a mensuração do grau e extensão do comprometimento da
estrutura ocupacional quando examinada sem a imprescindível avaliação da
qualidade da informação censitária.
Constatou-se certa seletividade no arrolamento da informação de ocupação, que
não apenas reduziu, consideravelmente, a participação relativa de certas
categorias, notadamente quando referentes à população escrava, mas também
tendeu a superestimar a posição de alguns setores e grupos ocupacionais, como
no caso das funções públicas. Portanto, os recenseadores da província, muito
mais que omitir dados ocupacionais, parecem ter se inclinado para a alteração,
consciente ou inconscientemente, do peso relativo das ocupações arroladas.
Acredita-se que ficou evidente que o problema da qualidade da informação de
ocupação não pode ser olvidado em qualquer nível de agregação que se considere.
Não parece importar se o objetivo é conhecer a estrutura ocupacional da
província, de regiões ou de distritos. Em qualquer nível a omissão e distorção
informativas comprometeram os resultados a ponto de inverter a participação
relativa de setores e grupos, esvaziar a importância de certas categorias e
superestimar o peso de outras.
Também se espera que a proposta de classificação das listas nominativas do
Censo de 1831-32, segundo a qualidade da informação de ocupação, possa se
constituir em referência para orientar futuras investigações. Não se nutre a
expectativa de que a proposta apresentada e testada encerre a discussão sobre o
tema, no sentido de determinar classificação definitiva. Ao contrário, se
assume a perspectiva de que a proposta de classificação, sobretudo pelos riscos
inerentes às proposições pioneiras, importa mais pela intenção de contribuir
para elevar para outro nível de consistência e potencial explicativo o debate e
o trabalho com dados do período pré-censitário.