Biblioterapia para crianças em idade pré-escolar: estudo de caso
1 Introdução
O Brasil é um país que possui uma série de problemas ocasionados pela falta de
investimentos na educação e na cultura do seu povo. As pessoas não têm acesso à
leitura, pois o livro possui tem custo alto, não sendo acessível à maioria da
população, os problemas se agravam com maior intensidade pela educação que
resulta numa grande massa de decifradores de códigos, e não de leitores
críticos capazes de mudar o seu contexto embasado nas leituras e no
conhecimento dos seus direitos e deveres como cidadãos.
Para que o bibliotecário atue estreitamente na mudança dessa realidade, é
preciso muito mais do que saber catalogar, indexar, organizar e disseminar
informação. Faz-se extremamente necessário o engajamento deste profissional em
equipes multidisciplinares que tenham por objetivo comum a melhoria da
qualidade de vida e o bem-estar sócio-cultural dos cidadãos.
O bibliotecário não deve assumir o papel de guardião de livros como acontecia
há alguns anos. A realidade dos campos de atuação desse profissional está
ampliando-se cada vez mais e assumir esse momento é essencial para o
fortalecimento e reconhecimento da profissão.
De maneira alguma diminui-se a importância da técnica da profissão do
bibliotecário, afinal é a sua essência. Porém, exercer o papel social é, de
certa maneira, o ápice, considerando à realidade atual do país, que tem sede de
cidadãos leitores e de agentes fomentadores da leitura.
A biblioterapia é um exemplo desse novo momento da profissão. Há muito tempo
ela vem sendo exercida por profissionais da saúde, psicólogos e terapeutas.
Embora ainda haja a predominância desses profissionais na aplicação da
biblioterapia, existem casos em que esta vem sendo aplicada por bibliotecários
e apresentando ótimos resultados.
Além da biblioterapia ser uma nova oportunidade de atuação no campo de trabalho
do bibliotecário, as atividades relacionadas a ela são ótimas para o
desenvolvimento da criatividade, incentivo ao gosto pela leitura e a
pacificação das emoções.
Este artigo teve como objetivo geral identificar as contribuições da aplicação
da biblioterapia nas crianças em idade pré-escolar matriculadas em período
integral no Centro de Educação Nossa Senhora da Boa Viagem, e, como objetivos
específicos, pretendeu estimular a criatividade, promover à leitura,
proporcionar lazer e diversão, instigar o imaginário, proporcionar a catarse,
possibilitar o contato com diferentes tipos de textos e desenvolver atividades
lúdicas, objetivos estes voltados para as crianças com idade de quatro anos
matriculadas em período integral na escola.
O trabalho teve como característica a realização de um estudo exploratório, que
assumiu a forma de estudo de caso, ou seja, análise e observação da reação do
grupo de crianças acerca da aplicabilidade da biblioterapia proposta visando à
obtenção de resultados positivos e a compreensão do assunto investigado.
Optou-se pela abordagem qualitativa, pois o objetivo do trabalho foi analisar a
reação das crianças individualmente e em grupo, não sendo necessários dados
estatísticos. A coleta de dados foi obtida por meio da observação do
comportamento.
A observação realizada foi participativa, com o pesquisador desenvolvendo as
atividades biblioterapêuticas propostas no projeto. Foram realizadas diferentes
sessões de biblioterapia em dias alternados, e toda atividade bem como a reação
dos participantes foi registrada por meio de vídeo.
A população estudada foi composta por 22 crianças matriculadas na pré-escola em
período integral no nível maternalIII (4 anos de idade), que passam a maior
parte do seu dia longe do ambiente familiar.
2 BIblioterapia: conceito, método, objetivos, aplicabilidade e avaliação.
A primeira pergunta que surge é: o que é, afinal, a biblioterapia? De acordo
com a etimologia da palavra, biblioterapia significa terapia por meio de
livros. Surge, então, outra questão: o que é terapia? Terapia, do grego
therapeia, tem o sentido de velar pelo próprio ser. Não se confunde, portanto,
com medicina, do grego iatriké, que significa cuidar do próprio corpo.
A palavra terapia, tanto no grego como no hebraico, tem o sentido de atitude
preventiva. O terapeuta significava aquele que cuida, e os primeiros terapeutas
foram os filósofos ' cuidavam do corpo e do espírito. Ocupavam-se do corpo e do
sopro da vida que anima o corpo (OUAKNIN,1996).
Os estudiosos da biblioterapia associam-na à saúde mental, ajustamento pessoal
e social, resolução de conflitos internos, exteriorização dos problemas íntimos
e consideram-na como coadjuvante terapêutico na medicina e na psiquiatria.
Partindo do princípio que terapia é velar pelo ser, cuidar do ser, tem um
sentido holístico. Como bem disse Ouaknin (1996, p. 14): "O ser humano vivo é
um corpo falante. O sopro da vida passa pelo sopro da palavra. O terapeuta
cuida da palavra que anima e informa o corpo. Curar alguém é fazer falar e
observar todos os obstáculos a essa palavra no corpo".
Assim, pode-se dizer que o papel do biblioterapeuta é cuidar do fôlego da vida.
Permitir que a pessoa respire, isto é, que desbloqueie suas tensões, que
desabroche, que desate os nós que travam a livre circulação do sopro. O
biblioterapeuta vale-se, portanto, da palavra, da conversa, do diálogo.
Em vista disso, Caldin (2001) considera biblioterapia uma atividade que une
leitura dirigida com posterior discussão no grupo, de forma a favorecer a
interação entre as pessoas, levando-as a expressarem seus sentimentos,
angústias, receios. A troca de vozes, de experiência e de afetividade não é um
detalhe na biblioterapia ' ela é o cerne de toda a atividade biblioterapêutica.
A biblioterapia vale-se, essencialmente, da palavra.
Mas... cuidado! A palavra pode causar alegria, tristeza, esperança, desespero,
dor, alívio, angústia, contentamento, entusiasmo, desânimo. Pode conduzir ao
amor ou ao ódio. Pode ferir e pode curar.
De acordo com Freud (197-) as palavras são bons meios para provocar
modificações psíquicas naquele a quem são dirigidas. E, muito antes de Freud a
Bíblia já dizia: "a língua dos sábios é uma cura". (Provérbios 12:18).
Então, na biblioterapia quem deve falar? De quem é a palavra? A palavra é,
basicamente, do livro. É ele o ponto de partida para se entabular uma conversa.
O livro lança uma idéia ' o leitor/ouvinte a assimila e, valendo-se de sua
liberdade de interpretação, infere novos sentidos ao lido.
Todo livro conta um segredo, mas não é qualquer gente que consegue
decifrá-lo, não senhor. Os livros são tímidos e precisam confiar
muito no leitor para revelar o segredo que guardam. O leitor tem que
ser amigo dos livros, visitá-lo sempre, conversar com eles, até
chegar o dia em que o livro, assim baixinho de repente, sussurre
ligeiro o segredo de uma história que ele vai contar para sempre
(VALADARES, 2001, p. 30-31).
Vê-se, portanto, que o livro fala. Conta um segredo. Cada um desvenda esse
segredo do seu jeito, do jeito que mais gostar, do jeito que provoque suas
emoções, que afaste a dor, que propicie a ilusão de ser outra pessoa, que
permita atribuir à personagem seus medos e fraquezas, que admita a apropriação
de qualidades desejáveis da personagem, que favoreça a reflexão.
Leitura/contação - Interpretação - Diálogo ' nesse tripé fundamenta-se o método
biblioterapêutico.
Não basta ler/ouvir e guardar para si as palavras e as emoções que as palavras
fizeram aflorar. A troca de interpretações é fundamental no diálogo
biblioterapêutico. Palavras e gesto ' voz e corpo ' se unem para fornecer a
garantia de que o sujeito não está sozinho ' ele pertence a um grupo e se apóia
nele. A intercorporeidade, aliada à intersubjetividade transforma a leitura
coletiva em um ato terapêutico.
Há quem defenda a biblioterapia como uma relação com o livro, a leitura e a
interpretação - como sendo uma prática solipsista - encontro solitário de um
homem consigo mesmo por intermédio de um livro. Isso é possível. No entanto, de
maneira geral, a biblioterapia vale-se da leitura solidária, e não da leitura
solitária.
Leitura, leitor, texto literário ' tudo isso nos remete ao livro. O que pode
ser considerado como livro?
Segundo os dicionários, livro é uma publicação não-periódica que reúne páginas
impressas; qualquer coisa que pode ser estudada e interpretada como um livro.
Nessa segunda acepção, muita coisa pode ser enfocada como livro ' desde que
seja passível de estudo ou interpretação. Dessa forma, diz-se: livro da
natureza, livro da vida e utiliza-se a expressão: falar como um livro.
Como bem disse Freire (2000, p. 11) "a leitura do mundo precede a leitura da
palavra". Isso significa que leitura não é apenas a decodificação de sinais
gráficos. Mas, basicamente, quando se fala em livro, pensa-se em um texto
escrito.
É nesse sentido que se pensa a biblioterapia: ela deve ter um texto de suporte.
O texto escrito permite, entretanto, certa flexibilidade na forma de aplicação
das atividades biblioterapêuticas: pode ser lido, contado ou dramatizado.
A leitura destaca o estilo do autor, concede primazia a uma linguagem mais
elaborada, diferente da linguagem do cotidiano, permite o distanciamento
necessário para que o leitor sinta-se livre para inferir sentidos de acordo com
a interpretação que lhe apraz.
O narrar, mesmo baseando-se em um texto escrito, privilegia a memorização, a
gestualidade, a performance, a modulação da voz, o ritmo e a autoridade da voz.
O narrador manipula a recepção e conduz a narrativa a seu bel prazer.
O dramatizar, isto é, a arte de representar, não prescinde do texto literário.
O teatro traduz em palavras o que estava escrito. As personagens falam e agem
conforme o texto que o autor montou, pois, para passarem a mensagem do poeta,
necessitam do enredo ' que significa texto escrito.
Tanto o ler, como o contar e o dramatizar necessitam de alguns ingredientes
para atingirem efeitos terapêuticos. De acordo com Caldin (2001, 2005) são
componentes terapêuticos: a catarse (pacificação das emoções), o humor
(rebelião do ego contra as circunstâncias adversas, transformando o objeto de
dor em objeto de prazer), a identificação (assimilação de um aspecto ou
atributo de outro ocasionando a transformação total ou parcial segundo o modelo
desse outro), a introjeção (passar para dentro de si, de modo fantasístico,
qualidades do outro), a projeção (transferência ao outro, de idéias,
sentimentos, expectativas e desejos) e a introspecção (reflexão, percepção
interior).
O que se pretende alcançar com todos esses componentes biblioterapêuticos?
Quais são os objetivos da leitura com possibilidades terapêuticas? Pode-se
listar, entre outros, os seguintes objetivos: proporcionar a catarse; favorecer
a identificação com as personagens; possibilitar a introjeção e a projeção;
conduzir ao riso; aliviar as tensões diárias; diminuir o stress; facilitar a
socialização; estimular a criatividade; diminuir a timidez; ajudar no usufruto
da experiência vicária; criar um universo independente da vida cotidiana;
experimentar sentimentos e emoções em segurança; auxiliar a lidar com
sentimentos como a raiva ou a frustração; mostrar que os problemas são
universais e é preciso aprender a lidar com eles; facilitar a comunicação;
auxiliar na adaptação à vida hospitalar, escolar, prisional, etc.; desenvolver
a maturidade; manter a saúde mental; conhecer melhor a si mesmo; entender (e
tolerar) as reações dos outros; verbalizar e exteriorizar os problemas; afastar
a sensação de isolamento; estimular novos interesses; provocar a liberação dos
processos inconscientes; clarificar as dificuldades individuais; aumentar a
auto-estima.
A dúvida de muitos bibliotecários é a seguinte: que textos usar na
biblioterapia?
Aristóteles (1966) já dizia que a poesia é universal, pois conta as coisas que
poderiam suceder. Definiu poesia como imitação, mímesis. A capacidade de
imitar, inerente ao homem e o prazer que sente na imitação são os fatores que
geram a poesia.
Cumpre lembrar que os gregos desconheciam a prosa de ficção. O aparecimento
desta deu-se na Idade Média. Assim, por extensão, o texto narrativo ficcional,
permeado de metáforas, em que o autor procura deleitar e comover o leitor,
configura-se como uma obra poética.
É isso que conta na seleção de uma história para ser lida, contada ou
dramatizada: as obras nas quais é dominante a função estética ' um texto que
admita múltiplos significados e sentidos, que seja um texto de prazer, que
produza a fruição, que contemple, pelo menos, um dos componentes
biblioterapêuticos.
Assim, na escolha de uma história para atividade de biblioterapia, deve-se
evitar textos: moralizantes; didáticos; informativos; pobres em conteúdo;
aborrecidos; muito longos; fragmentados.
Como bem disse Candido (1995) a literatura é necessária para a compreensão da
realidade. Assim, ficção e real se interligam ' a fantasia participando da
realidade. Há quem diga que a arte imita a vida. Entretanto, diz-se, com muita
propriedade, que a vida imita a arte.
Outra dúvida que surge é: onde aplicar a biblioterapia?
Responde-se sem titubear: em qualquer lugar em que haja ser humano. Creches,
escolas, orfanatos, centros comunitários, prisões, hospitais, casas de repouso,
asilos. Não há restrições de idade. Nem de público-alvo. Crianças, jovens,
adultos, idosos, portadores de necessidades especiais, doentes crônicos,
dependentes químicos ' todos são merecedores dos efeitos benéficos da leitura.
A esse respeito pode-se listar algumas atividades biblioterapêuticas
contempladas em dissertações de mestrado, abaixo citadas.
Pereira (1987) desenvolveu uma pesquisa prática de leitura para enfermos em um
hospital psiquiátrico, envolvendo deficientes mentais apenados utilizando a
técnica de leitura em grupo.
Fernández Vasquez (1989) realizou um estudo de caso com aplicação de
biblioterapia em uma instituição de idosos valendo-se de sessões de leitura
recreativa em grupo e sessões de leitura individuais.
Pereira (1989) apresentou um estudo sobre as possibilidades de aplicação da
biblioterapia em instituições de deficientes visuais partindo de questionários
que indicassem temas de interesse para os cegos a fim de utilizar leituras por
eles indicadas.
Cruz (1995) investigou as condições de leitura e estudos de adolescentes
carentes de escola pública de periferia, tendo como metodologia leitura oral
seguida de redação.
Seitz (2000) experienciou a prática biblioterapêutica com pacientes adultos
internados em clinica médica em hospital público universitário por meio de
leitura de revistas como fonte de lazer e informação.
Caldin (2001) analisou vários projetos de leitura, com finalidade terapêutica,
para crianças em hospitais de Santa Catarina e Rio Grande do Sul como meio de
humanizar os procedimentos hospitalares.
Silva (2005) verificou a produção documental sobre biblioterapia no Brasil
concluindo que, apesar de a biblioterapia ser um objeto de investigação pouco
divulgado, existe uma produção documental significativa consistindo a prática
biblioterapêutica uma atividade prioritariamente nas áreas de biblioteconomia e
da psicologia.
É bom lembrar que alguns cuidados devem ser tomados antes de iniciar as
atividades de biblioterapia: é necessário obter o consentimento da instituição
e dos interessados; realizar um diagnóstico sobre a instituição, do público a
ser atendido; verificar as preferências de leitura; atentar para a diversidade
de interesses, cultura, valores; respeitar as diferenças e, acima de tudo,
realizar a atividade com amor.
Questiona-se como avaliar as atividades biblioterapêuticas, visto a
biblioterapia ser considerada mais como arte e menos como ciência.
Como a ela constitui-se em atividade interdisciplinar, pode ser desenvolvida em
parceria com profissionais de diversas áreas como a biblioteconomia, letras,
pedagogia, psicologia, enfermagem, artes. Dessa maneira, cada profissional, na
sua área de atuação e conhecimento, pode contribuir na avaliação da atividade.
Basicamente, utilizam-se como recursos de avaliação a observação, os
depoimentos do público-alvo, os depoimentos dos encarregados das instituições e
familiares e a intuição/percepção dos aplicadores.
Concluindo, considera-se pertinente registrar os dez direitos imprescritíveis
do leitor, segundo Pennac (1998):
O direito de não ler; O direito de pular páginas; O direito de não
terminar um livro; O direito de reler; O direito a ler qualquer
coisa; O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível); O
direito de ler em qualquer lugar; O direito de ler uma frase aqui e
outra ali; O direito de ler em voz alta; O direito de calar.
3 Atividades biblioterapêuticas : planejamento e descrição.
As atividades foram desenvolvidas duas vezes por semana com o mesmo grupo de 20
crianças do maternal III (4 anos) de creche pública. A equipe foi composta por
duas professoras-pesquisadoras, sendo uma do curso de biblioteconomia da UDESC
e outra do curso de Biblioteconomia da UFSC, ambas orientadoras do trabalho,
uma pedagoga e uma formanda em biblioteconomia da UDESC, que desenvolveu as
atividades de contação de história. Todas as atividades foram filmadas e
fotografadas para registro da memória e para retirar destes documentos
informações para o posterior relato das atividades desenvolvidas. O grupo de
crianças contava ainda com uma professora (pedagoga) e uma auxiliar de sala
(ensino médio) que participaram das atividades.
Em seguida faz-se o relato das atividades desenvolvidas ao longo das semanas de
encontros com as crianças, bem como as impressões percebidas com a aplicação do
método biblioterapêutico:
1º Encontro
No primeiro encontro formal iniciou-se o trabalho com uma conversa da contadora
com as crianças para que acontecesse a apresentação do grupo. Nesse momento as
crianças foram questionadas sobre os seus gostos de leituras, sobre os contatos
que estas tinham com a leitura, procurando-se identificar quais os elementos da
família que contribuíam de alguma forma no que diz respeito às questões do
incentivo ao gosto de ler.
Logo que cada um fez a sua apresentação contando à equipe um pouco da sua
história, deu-se início à preparação do clima para a contação da história. Com
uma pequena bolsa nas mãos, fazendo um grande mistério, a pesquisadora/
contadora comentou que havia algo mágico naquela bolsa e que, de alguma forma,
eles precisariam adivinhar qual seria o objeto para que a história pudesse
acontecer. Logo em seguida percebeu-se um grande interesse por parte das
crianças: será que é um pozinho? perguntou B. Continuando no clima da
brincadeira, insinuou-se que o objeto que estava dentro da bolsa possuía
poderes mágicos e todos que o tocassem poderiam ficar mágicos também. Os
olhinhos encheram-se de curiosidade, e a alegria pareceu tomar conta do
momento. Então, para divertimento das crianças, um chapéu de bobo da corte foi
retirado da bolsa e passado de mão em mão, até retornar à contadora que,
imediatamente, iniciou a história A Margarida Friorenta.
Logo após a contação, fez-se a seguinte pergunta: O que vocês fariam para que a
margarida não sentisse mais frio? "Eu dava um cobertor bem grande pra ela"
respondeu C parecendo muito preocupada com a situação da personagem, fato que
comprova o seu envolvimento com a história narrada. As crianças também tiveram
vontade de contar sobre suas plantas em casa, e faziam questão de dizer que
cuidavam delas com carinho. "Eu tenho uma rosa bem grande" disse
D,entusiasmado. Deu-se então o momento da atividade lúdica em que foram
distribuídas máscaras de margarida sugerindo-se que todos brincassem de dar
abraços e beijos uns nos outros imitando os personagens da história, e a
maioria participou alegremente. Foi realizada também a brincadeira da ginástica
da margarida, quando fizeram muita algazarra tremendo e trocando carinhos como
acontecia com os personagens na história.
Para finalizar, as crianças pediram para ouvir outras histórias, e quando a
contadora foi retirar o chapéu para despedir-se, F gritou preocupada: "Pura
amor de Deus não tira que não fica mais mágica e não conta mais história"1,
atitude esta que deixou claro o estado de encantamento que se encontra uma
criança após a contação de histórias.
Neste primeiro contato pode-se observar que a turma em geral é muito
participativa, e que demonstrou interesse e gosto pelas atividades
desenvolvidas, exceto A e E que estavam com alguns problemas familiares, porém,
no momento da contação, estavam atentos e demonstravam curiosidade.
2º Encontro
No segundo encontro as crianças aparentavam estar muito mais interessadas e
curiosas. A e E que estavam bem indiferentes no primeiro encontro, apresentaram
uma melhora no entrosamento, porém, ainda um pouco arredios.
A história escolhida desta vez foi O Rei Bigodeira e sua Banheira, devido às
belíssimas ilustrações do livro, que são ricas em ludicidade e beleza,
proporcionando momentos de alegria a quem tem oportunidade de conhecê-la.
Durante toda a contação da história, os olhares curiosos e as expressões de
risos denunciavam o encantamento em que se encontravam as crianças. Após a
contação, quando questionadas sobre o que fariam para convencer o rei bigodeira
a sair da banheira, as crianças responderam divertidamente: "Eu puxaria ele
pelo braço" disseE."Eu dava um beijinho nele" completou H sorrindo. "Eu usava a
batera (barco) do meu pai" concluiuJ. Nas diferentes respostas, se pode
perceber os vários tipos de interpretação que a criança chega ao final da
história, de acordo com o seu contexto social, quando J, por exemplo, cita o
barco de seu pai, certamente é porque este tem uma ligação muito forte com o
pai e com o mar, isto o deixou à vontade para comentar um final diferente e
divertido para todos, pois, certamente como a contadora, as crianças passaram a
imaginar um barco salvando alguém em uma banheira, todos sorriram de alegria.
Para continuar a metodologia de estímulo à criatividade e à imaginação, adotou-
se a brincadeira do encontro anterior que utilizou a fantasia do objeto mágico,
"Dessa vez não é um chapéu" disse H intrigada. "Aposto que é um pote mágico"
afirmou I. Os objetos utilizados dessa vez foram narizes de palhaço.
Durante a atividade posterior à contação, as crianças puseram o nariz de
palhaço e pintaram uns aos outros com ajuda da equipe, imitando um possível
bobo da corte. Foi sugerido que imaginassem estar numa grande banheira, e que
poderiam brincar nela do que quisessem. Brincaram de bolinhas de sabão, e com
uma escova enorme fingiam estar tomando banho.
Ao final do encontro ficou claro que as crianças já possuíam algum tipo de
envolvimento com a equipe pois estavam mais falantes e carinhosas, atitude esta
que acabou impressionando a todos, principalmente quanto ao modo rápido que
demonstraram afeto.
Esta confiança das crianças na equipe ficou retratada quando estas comentaram
que ficariam com saudades e que gostariam de ouvir mais histórias.
3º Encontro
No terceiro encontro, com nítida aceitação da equipe pelo grupo, utilizou-se do
método de contação com figurino e a personagem lagartixa interpretada pela
contadora que entrou em cena para o divertimento das crianças. Com um sotaque
de interior a personagem contou o conto popular A festa no céu. Antes de
iniciar, a personagem teve uma longa conversa com as crianças. Nesse momento a
criança A surpreendeu a todos, mostrando-se muito interessada e participando
sorridente e com menos timidez que nos primeiros encontros, fato que aparentou
uma melhora no seu relacionamento com a equipe e com os colegas.
Na brincadeira do objeto mágico, logo após a pergunta, a criança / matou a
charada: É um livro, ficando muito alegre por acertar o mistério.
No decorrer da história pode-se perceber que o nível de concentração foi bem
maior do que nas outras vezes, atitude que acabou por aparecer na conversa
posterior à história. Todos queriam contar suas experiências com os bichos.
Quando feita à pergunta: Quais foram os bichos sem asa que ajudaram a tartaruga
a colar o casco? A criançaE acabou surpreendendo e respondeu com entusiasmo: um
pingüim. A gargalhada foi geral e a partir deste momentoE passou a participar
mais. Assim, já se constatava uma melhora no seu humor, o que deixou claro a
importância das histórias na vida das crianças que apresentam algum tipo de
problema físico ou psicológico. Em seguida,H disse: "Eu tenho um jacaré em
casa" e arrancou mais risos dos colegas. / comentou: "Eu vou ganhar um cachorro
com cara de leão", e E finalizou: "Eu montei no cachorro da minha mãe". Todos
queriam contar suas experiências e a atividade pareceu divertir-lhes muito.
A maioria pareceu estar bastante envolvida no clima, exceto B,que estava muito
doente, prestou atenção na história mais não pode brincar, permanecendo o tempo
todo no colo da monitora escolar.
A despedida deste encontro teve algo de novo: pediam para que a equipe não
fosse embora, e, quando se argumentou que a despedida era necessária pois
estavam na hora do lanche, a criançaG gritou: "Hoje não tem lanche!".
Foi muito gratificante a atitude deGque estava abrindo mão do seu lanche para
permanecer mais tempo com a equipe, comportamento este que retificou que a
troca de afeto entre equipe e as crianças estava se tornando cada vez mais
intensa, e que os resultados das histórias mostravam reações positivas das
crianças, como interesses pelo mágico, pelo lúdico, por ouvir mais histórias e
pela ânsia de estar em contato com o livro e seus personagens.
4º Encontro
Este encontro foi atípico. Dessa vez as crianças não estavam quietinhas
esperando a história como das outras vezes; muito pelo contrário, falavam o
tempo inteiro querendo descobrir o que estava por acontecer, perguntavam sobre
a história e os personagens. Neste mesmo dia uma criança tinha acabado de
chegar à turma. Talvez este fato explique um pouco a euforia de todos, que
pareciam estar o tempo inteiro se exibindo para a nova colega que aparentava
estar um pouco tímida, mas muito interessada no que estava acontecendo. A
criança G tentava chamar a atenção da contadora para ela, parecendo estar
demarcando território e demonstrar que neste dia, especialmente, precisava de
uma atenção maior.
No momento da contação pareceu que o grupo não estava prestando muita atenção à
história escolhida, A Bela e a Fera. Porém, no momento da brincadeira do objeto
mágico, a primeira impressão foi descartada, pois quando passado o espelho para
cada um e questionados sobre com quem mais se pareciam, com Bela ou com Fera,
as respostas foram as mais variadas.
O que chamou mais atenção foi àquelas crianças que fugiram das respostas
comuns, como por exemplo: "Eu pareço com o príncipe" disseE, e Fcomentou: "Eu
sou o pai da Bela",respostas estas que confirmaram a capacidade de
identificação com os personagens.
Como proposta de atividade lúdica foi entregue a cada criança a cópia da capa
do livro, sugerindo-se que poderiam fazer o que desejassem com o desenho:
pintura, colagem ou recorte. G perguntou: "É nosso mesmo? Pra gente levar pra
casa?",e sorridente, agradeceu. Durante a atividade as crianças solicitavam o
livro para descobrirem quais cores utilizariam na pintura do desenho. G e K
cantarolavam uma música enquanto pintavam. Constatou-se que o mais divertido
para estas crianças foi a idéia de poderem estar livres para fazerem o que
desejassem com o seu desenho. Este comportamento deixou clara a importância de
se valorizar o lado criativo. Quando isso acontece as crianças ficam à vontade
para projetar no papel o seu estado de contentamento.
Outro fato bastante inusitado deste encontro foi que, propositalmente, a
contadora utilizou o chapéu de bobo da corte para observar quais as reações das
crianças. Todos queriam tocá-lo, o que enfatizou a importância do lúdico e da
fantasia, pois, para elas, aquele chapéu, de alguma forma, possuía poderes
mágicos e precisava ser tocado mais uma vez.
5º Encontro
Durante a contação de Cachinhos de Ouro as crianças grudaram na contadora para
observar a ilustração, e os que já o conheciam contavam junto à história.
Constatou-se que, quando utilizado o livro para a contação, as crianças ficavam
mais dispersas, porém, isso não significou que o interesse foi menor. Quando
não se utilizava o livro, elas permaneciam mais tempo concentradas tentando
imaginar o fato narrado, e com o livro à mostra, elas preocupam-se em observar
as ilustrações, para perceber o ocorrido no enredo.
Ficou visível que o fato de conhecerem a história tornou a contação mais
divertida. Ficavam orgulhosos de contar um fato e, no meio da contação,
associavam a eles as peripécias dos personagens.
A atividade realizada após a contação foi um jogo gigante, em que eles jogavam
o dado, e, com o número sorteado, pulavam os quadrados do tabuleiro até
chegarem à casinha da Cachinhos de ouro. Muitos não queriam esperar a sua vez,
preferiram pular juntos. Corriam de um lado para outro, e o rumo da brincadeira
acabou mudando. Fizeram um trenzinho e andavam em volta do tabuleiro
demonstrando divertimento junto com a pedagoga. É importante ressaltar que, na
atividade biblioterapêutica, é essencial fazer aquilo que a criança almeja para
se sentir feliz naquele momento, mesmo que isso acarrete mudanças em todo o
planejamento da atividade.
6º Encontro
A contadora pintou o rosto com bichos e plantas para ver a reação das crianças.
Ficaram curiosos para descobrir qual a relação do rosto pintado com a história.
Fperguntou: "Porque você pintou o rosto hoje? Na história tem isso?". Esta
reação revelou a reflexão das crianças sobre os acontecimentos do enredo, mesmo
antes da história iniciar.
Na preparação do clima, a contadora pediu para que todos dessem as mãos e
fechassem os olhos imaginando como seria o local da história e o que teria
nela, as respostas foram diversas: "Um grilo!, Um castelo!, Um cachorrinho!,
Ai... um príncipe bem lindo!, Um jacaré". A brincadeira de imaginar foi
interessante, pois demonstrou a criatividade e o interesse deles. A criança K
foi a que mais chamou a atenção durante a brincadeira, pelo nível de
concentração que se encontrava; permaneceu por muito tempo com os olhos
fechados enquanto os outros a observavam ela exclamava: "Ai que lindo! Tá tudo
tão lindo!". A imaginação da criança possibilita contato com o sonho, o
fascinante, o inesperado, enfim, com o impossível.
A história contada foi A Bela adormecida.As crianças adoraram o seu final,
suspiravam, e as expressões dos rostos eram de alegria e encantamento,
comentando que gostaram porque tinha príncipe e fadas.
Para continuar no clima de fantasia foram distribuídas estrelinhas para as
crianças e a contadora comentou que aquelas estrelinhas passariam a ser suas
varinhas de condão.J comentou: "ai que bom, vou fazer mágica pra fazer viver
meu passarinho que morreu", e os amigos sorriram. Depois de distribuídas as
estrelas sentaram-se nas mesas e pintaram com cola e brilho imaginando que
aquele pozinho fosse mágico, sorriam uns para os outros e comentavam as mágicas
que poderiam fazer. Nesse encontro constatou-se a importância do sonho e da
esperança no mundo infantil. Na finalização pareciam estar muito mais alegres
do que quando a equipe chegou.
7º Encontro
Este encontro teve um sabor especial para as crianças, pois foi explorada e
valorizada a capacidade de criação de cada um.
Após a distribuição de folhas de papel A4 em branco, a equipe sugeriu que estes
desenhassem as suas próprias histórias. Enquanto desenhavam, os integrantes da
equipe passavam nas mesas perguntando para cada um o que estava acontecendo na
sua história e enquanto eles contavam, a equipe registrava na mesma folha o
significado dos desenhos. Depois de terminados os desenhos, a contadora juntou
todos e comentou que eles haviam criado a sua própria história, cujo título
seria A história maluca, e logo em seguida, iniciou a leitura dos desenhos.
No momento da contação se podia observar todas as reações quando as crianças
reconheciam o momento em que sua parte na história estava sendo narrada, faziam
caras e bocas e demonstravam satisfação pelo que haviam produzido. Essa
atividade pareceu ser muito importante para o grupo. Comentavam o tempo inteiro
que a equipe permaneceu na sala, a alegria de escrever uma história, e que
havia ficado engraçada.
Quando ainda conversavam sobre as peripécias da história, a criançaE perguntou
sobre a madeira que faltava para terminarem as varinhas de condão (iniciada no
encontro anterior). Foi um tremendo alvoroço, todos queriam saber como ficaria
a varinha mágica. A contadora distribuiu as madeiras e ajudou-os a construí-la.
Em minutos estavam todos com sua varinha na mão, dando saltos de alegria e
contando uns para os outros as mágicas que fariam quando chegassem às suas
casas. E pareceu o mais curioso sobre as mágicas que a varinha poderia fazer.
Ficou um bom tempo concentrado; decepcionado, olhou para a contadora e falou:
"Mais não funciona". A contadora explicou que se ele se concentrasse
funcionaria na sua imaginação.E fechou os olhos e bem baixinho falou: "Ah!
Agora eu entendi" e deixou a sala sorrindo.
Outra criança que acabou surpreendendo foi D, que nos outros encontros quase
não falava e, embora ainda muito tímido, conversou mais com os com os colegas,
e, pela primeira vez, sorriu mais vezes.H demonstrou cada vez mais sua doçura e
carinho.L aproximou-se da contadora e pediu um abraço.
Os laços de amizade ficavam cada vez mais estreitos e as crianças pareciam
estar mais unidas no momento de compartilharem suas idéias de mágica. Todos
ouviam atentamente o que os outros tinham a dizer mostrando interesse nos
colegas e sugerindo novas idéias. As crianças, que antes resistiam às
brincadeiras e eram um pouco arredias, demonstraram todo seu afeto pela equipe
quando viram prontas suas varinhas de condão.
8º Encontro
A história escolhida para a realização da contação foiMaria-vai-com-as-outras.
A contadora utilizou desenhos dos personagens para ilustrar a história.
Percebeu-se que a diversificação na maneira de apresentar a história é muito
importante para as crianças. Elas gostam de coisas novas e têm diferentes
interesses a cada narração.
No momento da contação estavam atentos ao que acontecia no enredo, e alguns
olhavam para os colegas como que para descobrir qual a reação do outro perante
um fato, revelando, assim qual o momento da história que mexera com os
sentimentos de cada um.
Após a contação, as crianças foram instigadas a descobrir o motivo pelo qual a
ovelha Maria sempre seguia as outras em tudo o que faziam. Grespondeu: "É
porque elas são amigas ora!" "Nada disso! Ela não quer ficar sozinha"retrucou
H. E assim todos queriam dar a sua opinião e começaram a refletir sobre o
assunto. Ficaram um bom tempo conversando até que G perguntou: "E agora nós não
vamos fazer mais nada?" A contadora respondeu que havia trazido uma ovelha
Mariapara cada um deles e que poderiam levá-la para onde ela quisesse passear.
Foram distribuídos desenhos de ovelha para as crianças que queriam pintar da
maneira como a contadora mostrou a personagem principal no momento da história.
Divertiram-se muito com a sua ovelha Maria e aparentavam estar cada vez mais
alegres com a presença da equipe, demonstrando que o trabalho estava
apresentando bons resultados, unindo mais as crianças entre si e elas com a
equipe.
Essa demonstração de carinho parece aumentar a cada encontro, quanto mais as
crianças percebem o afeto da contadora por elas, mais estas sentem-se à vontade
para pedir algo que almejam, como novas histórias, novos objetos mágicos, e
algumas formas de carinho: um abraço, um beijo, uma conversa em particular em
algum canto da sala, quando ninguém está olhando. Elas parecem cada vez mais
confiantes no trabalho desenvolvido pela equipe e já possuem a certeza de que,
quando a equipe chega na sala, algo de bom vai acontecer para a turma.
9º Encontro
Neste encontro as crianças estavam muito eufóricas e conversadeiras. Faziam mil
perguntas sobre tudo, contavam o que haviam feito na semana em casa, queriam
contar sobre suas histórias. No início a contadora conversou com eles mostrando
interesse pelas novidades que tinham para contar. Logo em seguida começou o
clima para a contação. A professora ajudou a contadora a arrumar o cenário para
a história: Os três porquinhos.
Uma casinha de caixas de leite que as crianças estavam construindo juntamente
com a professora foi o cenário da história.
Na janela da casinha a contadora narrou a história utilizando como personagens
fantoches de papel e varetas. Antes de iniciar, as crianças já estavam
curiosas, querendo saber e descobrir logo o que estava para acontecer.
Quando avistaram os primeiros personagens houve alguns minutos de silêncio.
Quando perceberam que a história era conhecida, foi uma euforia; disputavam o
lugar da frente, querendo ficar mais próximos dos personagens, faziam perguntas
no meio da contação e tiravam suas conclusões. Quando terminou a história a
contadora questionou qual era o motivo da disputa de lugares e se de onde eles
estavam, não conseguiam enxergar os personagens. Perceberam que haviam
aprontado e davam muitas risadas. A contadora, fingindo tristeza, disse que
eles não haviam prestando atenção na história. Aconteceu então uma surpresa:
todos começaram a contar a história com entusiasmo.
Logo em seguida fez-se uma roda com as crianças para a realização da
brincadeira da batata quente, em que o objeto utilizado foi um livro. Quando a
música iniciava, eles passavam o livro uns para os outros; quando a música
pausava, a criança que estivesse com o livro na mão imitava o lobo mau.
Pareceu muito divertido para todos. Até os mais tímidos participaram da
brincadeira, exceto A, que nunca gosta de ser o centro das atenções, porém se
divertiu muito com a interpretação dos colegas. Esse avanço para a criança A é
muito importante, visto que, anteriormente, parecia uma criança muito triste e
a cada encontro tem mostrado um salto significativo e apresenta sinais de
alegria e entrosamento com os colegas. Isso mostra que as atividades
biblioterapêuticas, de alguma forma, estão auxiliando algumas crianças a
socializarem-se com mais facilidade, mesmo em um curto período de tempo,
ratificando a importância dessas atividades para recreação, ocupação e inclusão
de algumas crianças no grupo.
10º Encontro
Foi utilizada a técnica de contação com avental: conforme se narra a história,
gruda-se os personagens para ilustração no avental. A história contada foi Medo
do escuro.
Como se utilizou uma técnica diferente de contação, que ainda não haviam
presenciado, as crianças permaneceram o tempo inteiro da contação em pleno
silêncio. Os olhares curiosos demonstravam o gosto pela história.
Ao final, as crianças foram questionadas sobre seus medos. A maioria respondeu
que não tinha medo de nada.E falou: "Eu saio do meu quarto sozinho à noite e no
escuro pra fazer xixi". Todos gargalharam e falavam que a contadora parecia ser
medrosa, se divertiram com a história e até pediram para contar outra vez.
Na atividade posterior à história as crianças aguçaram seu lado artístico e
pintaram pedras de diferentes formatos e tamanhos com tinta guache. Pela
maneira como se portaram durante as atividades pareciam estar muito satisfeitas
com os seus trabalhos, que foram expostos em cima do armário da sala, para
orgulho de todos.
11º Encontro
Neste encontro foi utilizado o conto de fadas: Cinderela. As reações das
crianças foram as esperadas: depois de um conto clássico, geralmente elas
sentem necessidade de mostrar que já ouviram a história, quem contou para elas,
onde ouviram.
A atividade posterior à história pareceu agradar às crianças, porque permitiu
um intenso contato físico com os integrantes da equipe. Foi esticado um pedaço
de papel pardo no chão e, com tinta guache e pincel, a monitora escolar pintava
os pezinhos de cada criança. Com a ajuda da contadora caminhavam sobre o papel,
que ficou carimbado com todos os pezinhos e, logo em seguida, a professora
lavava e secava os seus pés.
As crianças pareciam muito seguras para desenvolver a atividade depois de
caminharem carimbando o papel. Pediam para caminhar mais uma vez e ficavam
procurando quais eram os seus pés no meio dos carimbos. Além de ser agradável,
por estarem em contato com as pessoas da equipe, a atividade proporcionou muita
diversão, por deixá-los à vontade com a tinta, um material que, geralmente, as
crianças gostam.
Posteriormente o trabalho foi exposto no corredor da escola, com intuito de
valorizar a produção dos trabalhos, estimulando a criatividade.
12º Encontro
O penúltimo encontro teve na programação uma atividade biblioterapêutica
diferente: as crianças ganharam seus próprios livros e puderam contar suas
histórias.
O que impressionou foi a maneira como contavam. Assim como a contadora
desenvolveu as atividades, elas mostravam o livro e se portavam da mesma
maneira, na tentativa de imitá-la.
Mesmo as crianças mais tímidas quiseram contar a sua história para os colegas
com a diferença de que contavam mais baixo, porém muito concentrados nas
ilustrações, para poderem extrair o máximo de informações.
Outro fato que cabe destacar foi que a primeira criança sentou-se no colo da
contadora no momento de sua narração e todas as outras repetiram o mesmo gesto,
comportamento que reforça a importância do contato físico.
Pareciam estar muito felizes por terem ganhado o livro e depois da contação
mostravam-no uns para os outros, com a finalidade de descobrir como eram os
personagens dos exemplares dos colegas. Quando, no momento da contação, alguma
criança esquecia de mostrar a ilustração, os outros cobravam, exigentes.
Neste encontro pode-se perceber que as crianças estavam envolvidas com o
trabalho. Pelo comportamento, demonstraram interesse nos livros que ganharam e
achavam importante contar a sua história.
13º Encontro
Este foi o encontro de despedida durante o qual foi realizada uma festa de
encerramento.
A equipe despediu-se explicando para eles a importância do desenvolvimento do
trabalho. Na conversa de despedida a contadora questionou sobre as atividades e
histórias que mais gostaram, comentaram sobre um pouco de cada coisa e até a
professora da turma deu a sua opinião dizendo: "gostei mais da história do rei
bigodeira e aquela brincadeira com a escova grande".
Pelos comentários e respostas percebeu-se a satisfação de todos na realização
do trabalho. Depois de lanchar, as crianças questionaram se haveria, ou não,
uma contação. Sentiram falta das histórias, e o objetivo era este mesmo,
despertar a curiosidade deles para a leitura e a resposta da equipe teve um
sabor instigante: de agora em diante eles precisavam buscar as suas histórias,
contarem uns para os outros e pedirem para que os membros de suas famílias e
seus professores também pudessem contar historias para eles.
Então surgiram os seguintes comentários: "Nós vamos ser como vocês",disse G
empolgada. "Eu vou contar as histórias"continuou F. "E também vou filmar". "E
eu vou tirar fotos" completou H, e, em seguida, começaram a cochichar
combinando quem faria o que nos papéis da equipe.
No momento da despedida, de certa forma as crianças pareciam já sentir falta
das atividades, sabiam que o trabalho estava acabando e então demonstravam todo
o seu carinho pela equipe, cada um à sua maneira, uns com beijos e abraços,
outros com sorrisos e sinais de positivo e aprovação, e no olhar de cada
criança pôde-se perceber a sua gratidão que deixou a equipe emocionada e
satisfeita com o trabalho realizado.
4 Análise dos encontros
Cada encontro possibilitou ao grupo de crianças contato com diferentes tipos de
textos e atividades lúdicas, o que permitiu uma grande satisfação das crianças
pelo fato de estarem presenciando atividades diferentes das realizadas em sala
de aula com objetivos pedagógicos.
Por serem biblioterapêuticas, era permitido que eles desenvolvessem as
atividades propostas como desejassem, não sendo cobrado quando alguma criança
recusava-se a participar de qualquer solicitação da equipe. O objetivo foi
justamente este, deixá-las cada vez mais à vontade para que confiassem na
equipe e colocassem para fora seus anseios, inquietações e sentimentos, como
também, permitir o desenvolvimento da criatividade e proporcionar a catarse,
aliviando as tensões da rotina escolar.
Em cada encontro as crianças reagiram de diferentes maneiras em relação às
histórias, porém, o que ficou muito claro, foi o fato de que, no momento da
contação, de uma maneira ou de outra, procuravam sugar o que fosse possível do
enredo, mesmo que, muitas vezes, não permanecessem em silêncio durante a
narração, a mensagem das histórias foi captada pelas crianças, fato este
comprovado nos relatos e comentários após cada contação.
O lúdico e o imaginário foram extremamente explorados, percebido pelas reações
das crianças após as histórias que, geralmente, faziam um comentário fantasioso
sobre o enredo e/ou os personagens, algo que gostariam que acontecesse em
relação à sua própria realidade.
No decorrer dos encontros houve algumas mudanças no comportamento das crianças:
alguns, que apresentavam muita timidez, ficavam mais à vontade a cada sessão;
os que, de início não trocavam nenhuma palavra com a equipe, demonstravam um
enorme carinho pela contadora, e mesmo falando pouco, monstraram todo o seu
afeto e satisfação. Aqueles que gostavam de uma atenção especial, e tentavam
chamar a atenção da contadora, nos últimos encontros estavam mais entrosados
com o grupo, e procuravam prestar atenção nos colegas, o que possibilitou mais
união entre eles. Alguns que apresentavam dificuldades no relacionamento com
colegas acabaram por ficar mais entrosados com o grupo.
O fato marcante foi que, a cada encontro, as crianças demonstraram um afeto
maior por toda a equipe, o que não levou muito tempo para acontecer,
demonstrando que as atividades biblioterapêuticas permitem com mais facilidade
a aproximação das pessoas.
Dentro deste contexto, pode-se constatar que as atividades biblioterapêuticas
trouxeram como contribuição para as crianças do Centro de Educação Nossa
Senhora da Boa Viagem o envolvimento com diferentes tipos de textos literários,
ampliando a visão das crianças e fornecendo acesso à cultura geral. As crianças
também puderam realizar atividades de recreação, que permitiram uma
interpretação mais ampla dos textos utilizados, e ainda auxiliaram no estímulo
a criatividade e leitura.
O contato físico e afetivo com toda a equipe proporcionou às crianças momentos
de alegria, de descontração pois elas ficavam à vontade para falar dos seus
problemas, de suas dificuldades e também partilharam suas alegrias com a equipe
e com os colegas.
Durante todo o tempo em que a equipe permaneceu na sala de aula, pode-se
constatar um envolvimento de amizade com as crianças, o que amenizou os efeitos
causados pela rotina escolar e o afastamento familiar prolongado.
A atividades biblioterapêuticas contribuíram ainda na socialização do grupo e
na aprendizagem das crianças.
5 Considerações finais
A motivação desta pesquisa deu-se, primeiramente, pelo fato da biblioterapia,
no Brasil, ser um campo de atuação recente para o profissional bibliotecário
necessitando de estudos que visem fortalecer as atividades sócio-culturais da
profissão, ampliando as possibilidades da biblioteconomia contribuir para a
construção da cidadania.
Neste contexto, cabe ressaltar a importância de ações que busquem envolver
atividades práticas de leitura com finalidades terapêuticas e recreacionais que
possam subsidiar o desencadeamento de cidadãos instigados a melhorarem sua
qualidade de vida a partir de conhecimentos adquiridos durante as atividades de
leitura.
A biblioterapia aplicada com crianças é uma excelente forma de despertar o
gosto pela leitura mesmo antes da alfabetização. As atividades
biblioterapêuticas, além de serem estimuladoras da leitura, facilitam a
socialização em grupo, propiciam momentos que desinibem as demonstrações de
afeto e solicitações de ajuda para determinados males e anseios.
Essas atividades também permitem proporcionar às crianças momentos de
descontração e lazer, oferecendo práticas que estimulem a criatividade,
oferecendo meios que amenizam os efeitos causados pelo afastamento prolongado
da família.
Os objetivos deste trabalho foram alcançados com êxito, como se pode comprovar
pela análise dos resultados. Já o fato das atividades tornarem as crianças
leitores no futuro dependerá de outras técnicas, estímulos e da continuação
dada pelos responsáveis (família) e educadores, pois a proposta era a do
acendimento da chama, o despertar da curiosidade pelo livro, o plantio da
semente que precisa ser regada e cuidada para então dar frutos.
Por esse motivo, ressalta-se a importância da formação de equipes
multidisciplinares envolvidas em programas de leitura com finalidades
terapêuticas. O bibliotecário pode ser o profissional a subsidiar esses
projetos e deve estar atuante nas questões sócio-culturais do país,
contribuindo para a melhora da qualidade de vida dos cidadãos.
A realização deste trabalho contribuiu de maneira significativa para o bem
estar social das crianças estudadas. Elas pareciam muito felizes e gratas pela
atenção, carinho e dedicação recebida, ratificando que atividades como as
desenvolvidas em todo o trabalho podem auxiliar no amadurecimento afetivo,
emocional e físico das crianças envolvidas.