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EuPTCVAg0871-018X2015000200014

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National varietyEu
Year2015
SourceScielo

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Micobiota associada a adultos do escaravelho das palmeiras (hynchophorus ferrugineus) provenientes de Cascais, Portugal

Introdução As palmeiras são plantas pertencentes à família Arecaceae que é representada por mais de 2400 espécies enquadradas em 189 géneros (Govaerts e Dransfield, 2005). Distribuem-se principalmente por regiões tropicais e subtropicais e muitas espécies são importantes nos ecossistemas onde se inserem pela elevada adaptabilidade e utilidade dos seus produtos. Por outro lado, são elementos marcantes na composição da paisagem onde se inserem e sendo das plantas mais características da flora tropical transmitem aos locais onde estão instaladas o aspeto luxuriante e o fascínio dos trópicos. Assim, não é de estranhar que sejam valorizadas como plantas ornamentais, sendo amiúde utilizadas em alinhamentos de espaços públicos em países tropicais e subtropicais e em países onde o clima ameno permite a sobrevivência das plantas durante os meses mais frios. Nesses países aparece em arranjos paisagísticos, na composição de jardins e de jardins históricos e botânicos e, ainda, como plantas de interior.

No sul da Europa as palmeiras estão de longa data ligadas ao paisagismo urbano e o desenvolvimento do turismo fez crescer a utilização destas plantas.

A enorme procura de plantas de grande porte levou a que fossem importadas palmeiras sobretudo do Egipto, país onde desde 1992 estava referenciado o escaravelho das palmeiras, Rhynchophorus ferrugineus(Coleoptera: Dryophthoridae) (Cox, 1993). As evidências sugerem que o escaravelho das palmeiras foi introduzido na Europa com essas palmeiras, tendo o mesmo sido assinalado em 1994 na Andaluzia, no Sul de Espanha, em Phoenix dactylifera (Barranco et al., 1996). As tentativas de erradicação da praga não foram bem- sucedidas e progressivamente alastrou-se pela bacia mediterrânica, estando atualmente assinalada em praticamente todos os países da região onde existem palmeiras (http://www.cabi.org/isc/datasheet/47472 ). O escaravelho das palmeiras é originário do sudeste da Ásia e é hoje considerado o mais importante inimigo de palmeiras, ameaçando seriamente a produção mundial de coqueiro (Coccus nucifera), tamareira (P. dactylifera) e palmeira dendém (Elaeis guineensis) (Hussain et al., 2013). Contudo, ao chegar ao continente europeu mostrou preferência pela palmeira das canárias (P. canariensis), o que não impede que sejam igualmente observados ataques e destruição de outras espécies, nomeadamente P. dactylifera(Dembilio et al., 2008; Ramos et al., 2013).

A elevada nocividade de R. ferrugineus(Faleiro, 2006; Justin et al., 2008), a dificuldade de deteção precoce dos seus ataques (Nakash et al., 2000) e o elevado valor cultural e patrimonial das palmeiras fizeram com que na Europa, desde cedo, a limitação da expansão do escaravelho da palmeira fosse tentada por imposição de medidas legislativas (decisão 2007/365/CE, alterada pela decisão 2010/467/UE). Mais tarde, a gestão das zonas de risco e das palmeiras atacadas passou a ser feita numa perspetiva de proteção integrada, englobando, para além de medidas legislativas, meios de luta como captura em massa de adultos em armadilhas (uso de feromonas de agregação e de outros produtos atrativos), deteção e eliminação precoce de palmeiras infestadas, tratamento preventivo de palmeiras com valor patrimonial em zona de risco e tratamento curativo de palmeiras infestadas após realização de limpeza sanitária (El- Mergawy e Al-Ajlan, 2011; Dembilio e Jacas, 2012; Hussain et al., 2013). Nos tratamentos realizados preventiva e curativamente alguns inseticidas de síntese estão autorizados nos países da EU assim como o nemátode entomopatogénico Steinernema carpocapsae (Ferry e Gómez, 2002; Llácer et al., 2009; Tapia et al., 2011). Porém, dada a biologia do inseto e as crescentes restrições à utilização de produtos fitofarmacêuticos em espaço urbano, outras abordagens têm sido adoptadas no estudo de meios de luta contra R. ferrugineus,merecendo destaque os trabalhos desenvolvidos sobre os seus inimigos naturais. Numa revisão exaustiva sobre os inimigos dos insetos do género Rhynchophorus, Mazza et al. (2014) registaram a interação de insetos deste género com vírus, bactérias, fungos e nemátodes entomopatogénicos, ácaros, insetos, aves e ratos e referiram, no entanto, que não conseguiram até à data controlar a dispersão de espécies do género Rhynchophorus. Contudo, os fungos Beauveria bassiana e Metarhizium anisopliaetêm sido identificados em insetos cadáveres de R.

ferrugineus (Guerri-Agulló et al. 2010; Francardi et al. 2014).Em ensaios laboratoriais e de campo B. bassiana(Ghazavi e Avand-Faghih, 2002; El-Sufty et al., 2009; Guerri-Agulló et al. 2010, 2011; Jacas et al., 2011; Francardi et al. 2014) e M. anisopliae(Gindin et al., 2006) têm mostrado elevada potencialidade para serem usados como agentes de luta biológica contra esta praga.

A deteção do escaravelho das palmeiras em Portugal foi feita em finais de Agosto de 2007 numa planta de P. canariensis instalada no Vale de Parra, freguesia da Guia, concelho de Albufeira, Algarve. Nesse mesmo ano apareceram focos de infestação da praga em vários concelhos do Algarve (Soares et al., 2008), o que permite pensar que a praga poderá ter chegado ao país antes dessa data ou que a introdução se deu a partir de vários lotes de palmeiras infestadas. A hipótese de introdução de palmeiras infestadas em vários locais é confirmada após deteção no ano seguinte de focos no concelho de Coimbra (Boavida e Franca, 2008) e na ilha da Madeira (FVO Mission, 2010).

Posteriormente, a dispersão de R. ferrugineusno território português estendeu- se gradualmente de Sul para Norte, sendo sucessivamente encontrada no Alentejo, Lisboa, Região Centro e Região Norte (DGAV, 2013; DRAP Norte, 2013). Estando as palmeiras representadas em Portugal por espécies dos géneros Archontophoenix, Arenga, Brahea, Butia, Chamaedorea, Chamaerops, Howea, Jubaea, Livistona, Phoenix, Rhapis, Rhopalostylis, Sabal, Serenoa, Syagrus, Trachycarpus, Trithrinaxe Washingtonia(Correia e Costa, 2009) e sabido que R. ferrugineus é uma espécie polífaga que pode atacar palmeiras pertencentes a diversas subfamílias e géneros (Fiaboe et al., 2012), mas não se conhecendo ao certo todos os seus hospedeiros, o património natural e cultural que as palmeiras monumentais em jardins históricos traduzem de forma ímpar encontra-se seriamente ameaçado e em risco de desaparecer. Tanto é que, um pouco por todo o país, foram abatidos espécimes deJ. chilensis, P. canariensis P. dactylifera, P. sylvestris, S. bermudana, S. palmetto, T. fortunei, W. filiferae W.

robustaatacados pelo escaravelho das palmeiras.

Os conhecimentos existentes sobre a elevada nocividade de R. ferrugineus e a ineficácia das medidas de luta que foram adoptadas em Espanha para impedir a rápida dispersão da praga naquele país, levaram a prever, a partir dos registos dos ataques no Algarve e em Coimbra, que eram inevitáveis os ataques às palmeiras da Região de Lisboa. No concelho de Cascais a edilidade, através da Empresa Municipal de Ambiente de Cascais (EMAC), iniciou em 2010 um programa de deteção precoce da praga no concelho de Cascais com recurso a armadilhas do tipo PICUSAN® e uso de uma feromona de agregação com base em ferruginol.

Pretendia-se delimitar as áreas afetadas para posterior implementação de medidas de luta que impedissem ou retardassem a dispersão da praga.

Os insetos podem estabelecer associações de diferentes tipos com bactérias, arqueobactérias e eucariontes (Douglas, 2015). Nestas interações destacam-se as relações mutualistas com fungos, incluindo fungos que servem de alimento (fungos ambrósia), interações com fungos que podem ser patogénios primários, patogénios oportunistas ou colonizadores secundários e, ainda, interações ocasionais com fungos que podem ser por eles transportados, sendo ou não potenciais fitopatogénios (Beaver, 1989; Harrington, 2005). Nos insetos do género Rhynchophorusa alimentação faz-se em tecidos do espique e/ou das folhas de palmeiras que contêm principalmente materiais lenhocelulósicos e seiva, e a digestão e absorção de nutrientes são auxiliadas principalmente por bactérias aeróbias e anaeróbias facultativas presentes no seu sistema digestivo. Assim, os fungos frequentemente estudados nestes insetos são os entomopatogénicos e raramente os que são passivamente transportados. Nas palmeiras atacadas por R.

ferrugineus em Portugal frequentemente surgem sintomas de podridão rosa e de podridão do tronco, importantes micoses de palmeiras causadas por Nalanthamala vermoesenii e Thielaviopsis paradoxa. Tendo em vista o conhecimento dos fungos associados aos adultos de R. ferrugineus em Portugal e a hipótese de transportarem estruturas de espécies que originam doenças das palmeiras estudou-se a micobiota dos insetos capturados nas armadilhas instaladas pela EMAC.

Material e métodos Os insetos estudados provieram de 17 armadilhas instaladas no concelho de Cascais. Semanalmente, durante os meses de julho a novembro de 2011, receberam- se no laboratório os insetos capturados em cada uma das armadilhas para a determinação da micobiota a eles associados. Quando eram recebidos em grande número, aleatoriamente retinham-se apenas dois insetos, de preferência um macho e uma fêmea. Sem proceder à lavagem ou desinfeção, os insetos foram dissecados separando-se rostro e antenas, élitros, patas e amostras de órgãos internos que foram colocados à superfície de um meio de PDA+cloranfenicol (0,25 g.L-1) contido em placas de poliestireno. As placas foram incubadas no laboratório à temperatura ambiente. Depois de uma semana de crescimento e a cada três dias, durante 12 dias, as estruturas de reprodução dos fungos que surgiram à superfície dos órgãos dos insetos ou que cresceram no meio de cultura foram isoladas, sob lupa binocular, com auxílio de agulhas e transferidas para meio de montagem (lactofenol ou lactofenol + azul de algodão). A identificação dos fungos foi realizada comparando as estruturas reprodutivas encontradas com as descrições apresentadas em bibliografia especializada (Barron, 1968; Ellis, 1971; Domsch et al., 1980; Sutton, 1980; Pitt e Hocking, 1985; Hanlin, 1990; Barnett e Hunter, 1998).

Usou-se o teste de χ2para avaliar a diferença do número de machos e fêmeas capturados nas armadilhas. Para cada órgão ou conjunto de órgãos dos insetos amostrados determinou-se o número total de espécies de fungos identificadas e a similaridade entre os fungos encontrados em pares de órgãos estudados foi obtida através do Índice de Similaridade de Sorensen: ISS = 2c/(a+b), onde a e b representam o número de espécies nos órgãos A e B e c o número de espécies comuns nos dois órgãos (Krebs, 1989). De igual modo determinou-se a similaridade entre o conjunto dos fungos encontrados nas fêmeas e nos machos estudados.

Resultados e discussão Durante o período do estudo foram recebidos 113 insetos adultos, dos quais 77 eram fêmeas e 36 machos. Como em outros estudos realizados com feromonas de agregação em R. ferrugineus (El Garhy, 1996; Al-Saoud e Ajlan, 2013), a proporção de fêmeas atraídas foi superior à dos machos (χ2(1) = 14,9, p<0,01).

Foram estudados 36 insetos, 26 fêmeas e 10 machos. Em todos os órgãos desses insetos detetou-se um número variável de espécies de fungos filamentosos e durante o período do estudo foram registadas 59 espécies pertencentes a 48 géneros que surgiram associadas ao rostro/antenas, élitros, patas e amostras de órgãos internos (Quadro_1).

Considerando a diversidade de espécies de fungos em função dos órgãos dos insetos, foram identificadas 43 espécies nas amostras de rostro e de antenas e nas amostras de élitros, 40 espécies nas amostras de patas e 29 espécies nas amostras dos órgãos internos, das quais 22 espécies foram constantes em todos os órgãos. Na análise da diversidade das espécies em função dos órgãos amostrados verificou-se que a semelhança entre os fungos encontrados em pares de órgãos estudados variou entre 61 e 84 % (Quadro_2). Os valores mais elevados de semelhança foram observados entre as amostras de rostro e antenas e amostras de patas e entre as amostras de élitros e amostras de patas. Nas fêmeas foram identificadas 53 espécies de fungos e nos machos 35, dos quais 33 foram comuns a ambos os géneros. O Índice de Similaridade de Sorensen é uma importante ferramenta de análise da diversidade ecológica, que permite quantificar a diversidade de espécies numa dada comunidade e descrever a sua estrutura.

A maioria das espécies detetadas no presente estudo é referida na bibliografia como saprófita ou como agente de doenças de plantas e apresenta grande ubiquidade nos ecossistemas, ocorrendo em diversos substratos e nichos ecológicos (Barron, 1968; Ellis, 1971). Enquadram-se sobretudo no filo Ascomycota (43 géneros) e nas ordens Hypocreales (13 géneros), Eurotiales (9 géneros) e Pleosporales (10 géneros). Como referido, poucos são os estudos conhecidos sobre os fungos associados aos insetos do género Rhynchophorus. Para além de referências a B. bassiana e a M. anisopliae(Ghazavi e Avand-Faghih, 2002; Gindin et al., 2006, El-Sufty et al., 2009; Güerri-Agulló et al. 2010; Jacas et al., 2011), Torta et al.(2009) registaram espécies dos géneros Aspergillus, Fusarium, Penicillium e Trichotheciumem espécimes de R.

ferrugineus, em várias fases de desenvolvimento e com alterações morfológicas.

Na Tailândia, Wahizatul et al. (2013) identificaram sete espécies de fungos do género Aspergillus,incluindoA. flavuse A. niger, e espécies dos géneros Cladosporium, Geotrichum, Penicillium e Trichodermaem adultos de R.

ferrugineusrecolhidos em armadilhas alimentares. As espécies referidas por esses autores são da ordem Hypocreales, a qual inclui os fungos mais frequentemente usados na luta biológica (Humber, 1998). De referir, por outro lado, que Penicilliumspp., Cladosporium cladosporioides, Fusarium oxysporum, Alternaria alternata, Lecanicilliumcf. psalliotae e Phomasp. foram encontrados num estudo da micobiota associado ao filoplano de P. dactyliferaem Espanha (Asensio et al., 2007).

Muitos dos estudos sobre a interação entre insetos e fungos referem-se a insetos que estabelecem interações mutualistas com fungos e que possuem estruturas especializadas, micângios, para o transporte de estruturas de fungos (Paine et al., 1997; Harrington, 2005). Verifica-se que algumas das espécies frequentemente transportadas por esses insetos são dos géneros Ophiostoma (Ophiostomatales) e Ceratocystis (Microascales) e, apesar de não completamente esclarecido, reconhece-se que esses fungos desempenham papel relevante na interação com os insetos e no aparecimento de doenças das espécies botânicas colonizadas pelos insetos (Harrington, 2005). No entanto, espécies de outros géneros que não Ophiostomae Ceratocystissão igualmente transportados. Num trabalho sobre fungos associados ao inseto Platypus cylindrusem Portugal, Henriques et al. (2009) referem a presença de fungos dos géneros Acremonium, Aspergillus, Beauveria, Botrytis, Chaetomium, Fusarium, Geotrichum, Gliocladium, Nodulisporium, Paecilomyces, Penicillium, Raffaelea, Scytalidium, Trichoderma e, ainda, espécies da ordem Mucorales. Por sua vez, Bueno et al.

(2010), no estudo de fungos associados a Ips sexdentatus,em Espanha, destacam, para além de espécies dos géneros Ophiostoma e Ceratocystiopsis, fungos saprófitas dos géneros Aspergillus, Penicillium, Trichoderma, Verticillium e Mucor.No presente estudo não se identificaram fungos Ophiostomatales, tendo, no entanto, surgido com grande frequência uma espécie do género Graphium (Microascales) cuja patogenicidade para as palmeiras é desconhecida.

No elenco dos fungos identificados surgiram em diferentes órgãos dos adultos do escaravelho da palmeira N. vermoeseniie T. paradoxa(Quadro_1), dois importantes patogénios de palmeiras em Portugal (Ramos et al., 2013). Constata-se assim, que na definição de meios de luta contra o escaravelho da palmeira se deverá tomar em conta o transporte de fungos fitopatogénicos por esses insetos. Foram ainda identificados fungos dos géneros Metarhizium e Paecilomyces, nos quais se incluem frequentemente espécies entomopatogénicas (Humber, 1998; Inglis et al., 2001). Gindin et al. (2006) avaliaram a ação de M. anisopliae sobre diversos estádios de R. ferrugineus e registaram mortalidade de 80 a 100% de larvas e adultos em condições laboratoriais. Resultados semelhantes foram obtidos por Sabbour e Abdel-Raheem (2014) que observaram mortalidade de 100% em ovos e de mais de 80% em larvas e pupas de R. ferrugineus inoculados com Isaria fumosorosea (=Paecilomyces fumosoroseus). Porém, nada se pode concluir sobre o estatuto das espécies dos géneros Metarhizium e Paecilomycesencontradas associadas a adultos de R. ferrugineus no presente estudo.

Apesar dos diversos trabalhos onde se descrevem numerosos inimigos naturais de R. ferrugineus, continua a ser necessário investigar o elenco de antagonistas naturais e agentes de epizootias deste coleóptero altamente nocivo e com um enorme potencial de dispersão. Deste modo, é fundamental assegurar a continuidade dos estudos que visem a utilização de isolados selecionados de fungos entomopatogénicos, nomeadamente B. bassiana e Metarhiziumsp. obtidos a partir de larvas e adultos de R. ferrugineusnaturalmente infetados, em conjunto com outras medidas de proteção contra esta praga. Da mesma forma, deve procurar-se continuar o estudo do microbioma associado a este inseto, esclarecendo o papel dos diversos fungos encontrados como potenciais reguladores das populações de R. ferrugineus em condições naturais.


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