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EuPTCVHe0870-71032011000500006

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National varietyEu
Year2011
SourceScielo

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Fitoestrogénios no tratamento dos sintomas vasomotores da peri e pós-menopausa

INTRODUÇÃO A Menopausa é um evento marcante na vida da mulher, representando o final da sua vida reprodutiva natural. Caracteriza-se por uma diminuição dos níveis de estrogénios, que pode levar ao aparecimento de sintomas vasomotores como fogachos e suores nocturnos. Os fogachos correspondem a uma sensação súbita de calor na face, região cervical e parte superior do tórax, que rapidamente se generaliza, durando entre 2 a 40 minutos e acompanhando-se de perspiração profusa e palpitações.1 Os sintomas vasomotores são os mais frequentes da perimenopausa, com uma prevalência variável, afectando 60 a 80% das mulheres ocidentais e 5 a 10% das mulheres asiáticas.1,2 Se não tratados, cessam espontaneamente ao fim de alguns anos, na maioria das mulheres. Porém, podem manter-se em 12 a 15% das mulheres na 6.a década de vida e em 9% na 7.a década de vida.1 Para muitas mulheres os sintomas vasomotores são ligeiros, de curta-duração e transitórios, não necessitando de tratamento específico. Para outras, existe interferência na capacidade de trabalho, vida social e actividades de vida diária, resultando numa diminuição da qualidade de vida, muitas vezes subestimada. Cerca de 40% das mulheres ocidentais têm sintomas intensos e perturbadores, pelo que procuram ajuda médica.2 A terapêutica hormonal de substituição (THS) é considerada o tratamento mais eficaz para os sintomas da menopausa. No entanto, resultados controversos de estudos como o Women's Health Iniciative (WHI 2002) alertaram para um maior risco de cancro da mama e de eventos cardiovasculares com essa terapêutica. Neste contexto, houve um declínio global na prescrição de THS e uma maior procura de terapêuticas alternativas.3 Destas, os fitoestrogénios salientam-se como a opção mais comum. Os fitoestrogénios são compostos vegetais, estruturalmente semelhantes ao estradiol e com fraca actividade estrogénica, parecendo ter uma maior afinidade para os receptores subtipo β1, o que poderá explicar os seus efeitos a nível do sistema nervoso central, vasos sanguíneos e tecido ósseo.4 Dividem-se em 3 classes: isoflavonas, lignanos e cumestanos.5 As isoflavonas representam a classe mais estudada e o seu uso na prática clínica deriva da observação, em estudos epidemiológicos, de que as mulheres asiáticas (com um maior consumo habitual de isoflavonas na sua dieta do que as mulheres ocidentais) apresentam uma baixa incidência de sintomas vasomotores da menopausa.6 A maior parte dos estudos existentes nesta área refere-se às isoflavonas encontradas na soja e no trevo violeta, avaliando sobretudo a genisteína e daidzeína.2 Neste âmbito, o objectivo deste trabalho é avaliar a eficácia dos fitoestrogénios no tratamento dos sintomas vasomotores da peri e pós-menopausa.

MÉTODOS Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados UptoDate, MEDLINE, Cochrane Library, Bandolier, DARE, TRIP, National Guideline Clearinghouse, Índex de Revistas Médicas Portuguesas e revistas especializadas, utilizando os termos MeSH phytoestrogens, perimenopause, postmenopause e hot flashes. Limitou-se a pesquisa a sistemas, normas de orientação clínica, meta-análises, revisões sistemáticas, ensaios clínicos aleatorizados controlados e publicados entre Janeiro de 2000 e Janeiro de 2011 e escritos nas línguas inglesa e portuguesa.

Foram incluídos estudos referentes a mulheres em peri ou pós-menopausa natural, com sintomas vasomotores e sem intercorrências major, que avaliassem a terapêutica com fitoestrogénios, por comparação com placebo, analisando a redução da frequência e/ou severidade dos sintomas vasomotores da peri e pós- menopausa.

Foram excluídos artigos que incluíssem mulheres com menopausa iatrogénica, com antecedentes de cancro da mama, tromboembolismo venoso, doença cardiovascular ou com histórias de metrorragias não-estudadas. Todos os artigos que avaliassem outros sintomas da menopausa ou que utilizassem a THS como termo comparativo foram também excluídos desta revisão.

Foi utilizada a Strength of Recommendation Taxonomy (SORT), da American Family Physician (Quadro_I),7 para avaliação da qualidade dos estudos e posterior atribuição de níveis de evidência e forças de recomendação.

RESULTADOS Dos 78 artigos encontrados, 64 foram excluídos por serem repetidos ou não cumprirem os critérios de inclusão. Obtiveram-se, desta forma, 14 publicações, que foram agrupadas de acordo com o tipo de artigo: um sistema, quatro normas de orientação clínica (NOC), três meta-análises, quatro revisões sistemáticas (RS) e dois ensaios clínicos aleatorizados controlados (ECAC).

Sistema Um artigo publicado em 2011 no Uptodate relatou a ineficácia dos alimentos de soja, extractos de soja ou de trevo violeta na redução dos sintomas vasomotores da menopausa.1 Normas de Orientação Clínica Das quatro NOC identificadas, salienta-se o consenso da The North American Menopause Society8 que, embora não como recomendação consensual, considera uma prova terapêutica com isoflavonas nas mulheres com sintomas vasomotores ligeiros a moderados. As NOC do Institute for Clinical Systems Improvement (ICSI)9 e da National Institutes of Health10 são concordantes na ausência de eficácia dos fitoestrogénios para esta indicação. A primeira, baseada em evidência, atribui a esta terapêutica uma força de recomendação convertível em grau B (retirada de artigos com metodologia adequada para responder à questão formulada, mas com incerteza quanto às conclusões, por inconsistências entre os estudos, uso de diferentes doses, produtos, fontes e processamento).

A NOC da Sociedade Portuguesa de Ginecologia e Sociedade Portuguesa de Menopausa,11 que traduz um consenso de peritos, reportou em 2004 que os fitoestrogénios são propostos para tratamento dos sintomas vasomotores, realçando que a sua eficácia não está comprovada e que os seus efeitos poderão dever-se a um forte efeito placebo.

Revisões sistemáticas com Meta-Análise Seleccionaram-se três Revisões Sistemáticas com Meta-Análise relativas a este tema (Quadro_II).

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A revisão da Cochrane2 de 2009 inclui o maior número de estudos com resultados consistentes, pelo que lhe foi atribuído nível de evidência de 1. Os autores desta meta-análise concluíram não haver evidência de benefício do tratamento com fitoestrogénios na redução dos sintomas vasomotores da peri e pós- menopausa.

Às restantes meta-análises foi atribuído nível de evidência 2, por se basearem em estudos heterogéneos e de qualidade apenas razoável, pelo que os resultados ou são discordantes ou relativamente modestos, com reduções que parecem não ser clinicamente significativas para a mulher peri e pós-menopáusica.12-13 Revisões Sistemáticas Como se pode verificar no Quadro_III, os resultados das quatro Revisões Sistemáticas identificadas são conflituosos.

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Kronenberg F et al.14 avaliaram quer os extractos de trevo violeta, quer os extractos de soja. Relativamente aos primeiros, os dois ECAC identificados não reportam haver benefício significativo do seu uso nos sintomas vasomotores da peri e pós-menopausa. Quanto à soja, apenas três de oito estudos, com tempo de tratamento superior a seis semanas, demonstraram melhoria significativa desses sintomas. No entanto, o maior estudo não mostrou haver benefício às 24 semanas.

A esta revisão foi atribuído nível de evidência 2, por incluir estudos de baixa/moderada qualidade e com elevada heterogeneidade entre si, com variações de produtos, doses e medidas de outcome, que dificultam comparações.

Cheema D et al.3 concluíram que o trevo violeta e os restantes fitoestrogénios não apresentam benefícios no tratamento dos sintomas vasomotores da peri e pós- menopausa, não sendo clinicamente superiores ao placebo. Baseando-se em alguns estudos com erros metodológicos e em poucos de boa qualidade, com amostras pequenas, definição não estandardizada da população e dos outcomes, ausência de período wash-out e follow-ups curtos, foi-lhe atribuído um nível de evidência 2.

Williamson-Hughes PS et al.6 constataram que os suplementos de isoflavonas de soja com teor de genisteína inferior a 10-15 mg não são eficazes na redução dos sintomas vasomotores da peri e pós-menopausa. Aponta para a eficácia de compostos (suplementos ou extractos alimentares) que fornecem 15 mg de genisteína, salientando a importância do tipo e da dose de isoflavona utilizada. O facto de esta revisão se apoiar em estudos com diferentes desenhos e durações, bem como não ter utilizado os dados originais de cada estudo de modo a prosseguir para uma análise de eficácia, levaram à atribuição de um nível 2 de evidência.

Por fim, a RS mais recente (Jacobs A et al.5) indica não haver evidência conclusiva de benefício do uso das isoflavonas de soja na frequência e severidade dos sintomas vasomotores da peri- e pós-menopausa. Pela análise de correlação, não se verificou benefício com maior número diário de sintomas vasomotores ou com o uso de doses mais elevadas de isoflavonas. No entanto, baseada em dois estudos, sugere possível eficácia da utilização isolada de genisteína, tendo ocorrido redução da frequência dos sintomas vasomotores nas mulheres que experimentavam cerca de quatro fogachos diários após um ano de tratamento com 54 mg de genisteína. Tratando-se de estudos de qualidade moderada e em que a avaliação dos sintomas vasomotores correspondia a um endpoint secundário, este resultado deve ser interpretado com precaução.

Atendendo a que a generalidade dos ensaios analisados nesta RS apresenta diversas falhas metodológicas, com amostras pequenas, inadequada descrição da aleatorização, da alocação e ocultação do tratamento, bem como apresentação incompleta dos resultados e elevadas taxas de drop-outs, foi atribuído um nível de evidência 2.

Ensaios Clínicos Aleatorizados Controlados D'Anna R et al.4 (Quadro_IV) realizaram um ECAC em que as participantes foram informadas que o endpoint primário a avaliar seria o efeito da genisteína na massa óssea e na redução do risco cardiovascular. Assim, não sendo advertidas para os seus possíveis efeitos sobre os sintomas vasomotores, os autores tentaram obviar o efeito placebo. Os resultados parciais foram publicados ao final de 12 meses, altura em que se verificou uma diminuição máxima de 56,4% dos fogachos e melhoria da severidade, com efeitos benéficos logo desde o primeiro mês de tratamento. Aos 24 meses, observou-se uma redução estatisticamente significativa do número e severidade dos sintomas vasomotores.

A partir do primeiro ano houve redução adicional da severidade, mas não do número de sintomas vasomotores, que foi semelhante à verificada com o placebo (11,5%). Foi atribuído um nível de evidência 1 por se tratar de um ECAC com amostra relevante (265 mulheres) e com follow-up adequado, com 11% de drop-outs (16 mulheres no grupo sob genisteína e 13 no grupo placebo). Atendendo a que o efeito da genisteína sob os sintomas vasomotores foi ocultado às participantes, nenhuma desistência decorreu de ineficácia do tratamento.

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Em 2008, Jou H et al.15 (Quadro_IV) efectuaram um estudo inovador, sendo o primeiro que procurou averiguar se a eficácia das isoflavonas estaria dependente da sua metabolização. Analisou 96 mulheres, 30 sob placebo e 66 sob tratamento (135 mg de isoflavonas). Através da pesquisa de equol (metabolito da daidzeína) na urina, estas foram divididas em 34 mulheres com capacidade de produzir equol e 32 não produtoras de equol. Verificou-se que, quando comparadas com as mulheres do grupo controlo, as produtoras de equol apresentavam uma melhoria maior e mais rápida dos sintomas vasomotores da peri e pós-menopausa. Apesar de significativa, essa melhoria foi relativamente modesta. Assim, sugere-se que a capacidade de converter daidzeína em equol poderá ser considerada um preditor major da eficácia das isoflavonas. No entanto, não estão ainda universalmente disponíveis testes que permitam identificar a capacidade de produzir equol. Salientam-se como principais limitações deste estudo uma amostra pequena e a análise de uma única etnia.

CONCLUSÕES Desde os resultados do WHI publicados em 2002, os fitoestrogénios têm sido frequentemente sugeridos para o tratamento dos sintomas vasomotores moderados.

De acordo com a mais forte e mais recente evidência encontrada, o uso de fitoestrogénios parece não ter eficácia na redução da frequência e severidade dos sintomas vasomotores da peri e pós-menopausa (Força de Recomendação A).

Esta conclusão é suportada pela clara recomendação do Uptodate e pela meta- análise da Cochrane (nível de evidência 1). A RS publicada posteriormente a essa meta-análise e os EAC que não foram incluídos apresentam resultados discordantes, sendo que os de melhor qualidade não demonstram benefício.

Salienta-se que estes estudos exibem diferenças metodológicas, não na selecção das participantes, na avaliação dos sintomas e tempo de exposição, mas sobretudo na heterogeneidade dos produtos avaliados, quer em termos de composição, quer na dose de isoflavonas usada.

Existe um forte efeito placebo associado, que em alguns estudos atinge os 59%, pelo que as elevadas expectativas das mulheres na melhoria dos seus sintomas vasomotores e a característica transitória destes sintomas poderão invalidar os efeitos dos fitoestrogénios.

Não sendo objectivo deste trabalho, é também obrigatório considerar a segurança destas terapias, sobretudo a nível da mama, do endométrio ou epitélio vaginal.

No futuro, serão necessários mais estudos cientificamente rigorosos, com maior poder estatístico, usando fitoestrogénios bem caracterizados, com monitorização das participantes, duração adequada, medidas de outcome bem definidas e validadas, e isentos de participação da indústria farmacêutica. Seriam ainda pertinentes estudos que comparassem possíveis benefícios da suplementação com fitoestrogénios nas mulheres peri e pós-menopáusicas com capacidade de converter a daidzeína em equol, com as que não têm tal capacidade. Nessa situação, será fundamental desenvolver estratégias facilmente acessíveis para identificar essas mulheres.

Assim, compete ao Médico assistente entender a mulher peri e pós-menopáusica no seu contexto biopsicossocial, prestando apoio e acompanhamento adequados.

Adicionalmente, deverá incentivar estas mulheres a participar na decisão terapêutica, fazendo-as ponderar os possíveis benefícios e riscos e informando- as das actuais evidências científicas.


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