Fitoestrogénios no tratamento dos sintomas vasomotores da peri e pós-menopausa
INTRODUÇÃO
A Menopausa é um evento marcante na vida da mulher, representando o final da
sua vida reprodutiva natural. Caracteriza-se por uma diminuição dos níveis de
estrogénios, que pode levar ao aparecimento de sintomas vasomotores como
fogachos e suores nocturnos. Os fogachos correspondem a uma sensação súbita de
calor na face, região cervical e parte superior do tórax, que rapidamente se
generaliza, durando entre 2 a 40 minutos e acompanhando-se de perspiração
profusa e palpitações.1
Os sintomas vasomotores são os mais frequentes da perimenopausa, com uma
prevalência variável, afectando 60 a 80% das mulheres ocidentais e 5 a 10% das
mulheres asiáticas.1,2
Se não tratados, cessam espontaneamente ao fim de alguns anos, na maioria das
mulheres. Porém, podem manter-se em 12 a 15% das mulheres na 6.a década de vida
e em 9% na 7.a década de vida.1
Para muitas mulheres os sintomas vasomotores são ligeiros, de curta-duração e
transitórios, não necessitando de tratamento específico. Para outras, existe
interferência na capacidade de trabalho, vida social e actividades de vida
diária, resultando numa diminuição da qualidade de vida, muitas vezes
subestimada. Cerca de 40% das mulheres ocidentais têm sintomas intensos e
perturbadores, pelo que procuram ajuda médica.2
A terapêutica hormonal de substituição (THS) é considerada o tratamento mais
eficaz para os sintomas da menopausa. No entanto, resultados controversos de
estudos como o Women's Health Iniciative (WHI – 2002) alertaram para um
maior risco de cancro da mama e de eventos cardiovasculares com essa
terapêutica. Neste contexto, houve um declínio global na prescrição de THS e
uma maior procura de terapêuticas alternativas.3 Destas, os fitoestrogénios
salientam-se como a opção mais comum. Os fitoestrogénios são compostos
vegetais, estruturalmente semelhantes ao estradiol e com fraca actividade
estrogénica, parecendo ter uma maior afinidade para os receptores subtipo β1, o
que poderá explicar os seus efeitos a nível do sistema nervoso central, vasos
sanguíneos e tecido ósseo.4
Dividem-se em 3 classes: isoflavonas, lignanos e cumestanos.5 As isoflavonas
representam a classe mais estudada e o seu uso na prática clínica deriva da
observação, em estudos epidemiológicos, de que as mulheres asiáticas (com um
maior consumo habitual de isoflavonas na sua dieta do que as mulheres
ocidentais) apresentam uma baixa incidência de sintomas vasomotores da
menopausa.6
A maior parte dos estudos existentes nesta área refere-se às isoflavonas
encontradas na soja e no trevo violeta, avaliando sobretudo a genisteína e
daidzeína.2
Neste âmbito, o objectivo deste trabalho é avaliar a eficácia dos
fitoestrogénios no tratamento dos sintomas vasomotores da peri e pós-menopausa.
MÉTODOS
Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados UptoDate, MEDLINE, Cochrane
Library, Bandolier, DARE, TRIP, National Guideline Clearinghouse, Índex de
Revistas Médicas Portuguesas e revistas especializadas, utilizando os termos
MeSH phytoestrogens, perimenopause, postmenopause e hot flashes. Limitou-se a
pesquisa a sistemas, normas de orientação clínica, meta-análises, revisões
sistemáticas, ensaios clínicos aleatorizados controlados e publicados entre
Janeiro de 2000 e Janeiro de 2011 e escritos nas línguas inglesa e portuguesa.
Foram incluídos estudos referentes a mulheres em peri ou pós-menopausa natural,
com sintomas vasomotores e sem intercorrências major, que avaliassem a
terapêutica com fitoestrogénios, por comparação com placebo, analisando a
redução da frequência e/ou severidade dos sintomas vasomotores da peri e pós-
menopausa.
Foram excluídos artigos que incluíssem mulheres com menopausa iatrogénica, com
antecedentes de cancro da mama, tromboembolismo venoso, doença cardiovascular
ou com histórias de metrorragias não-estudadas. Todos os artigos que avaliassem
outros sintomas da menopausa ou que utilizassem a THS como termo comparativo
foram também excluídos desta revisão.
Foi utilizada a Strength of Recommendation Taxonomy (SORT), da American Family
Physician (Quadro_I),7 para avaliação da qualidade dos estudos e posterior
atribuição de níveis de evidência e forças de recomendação.
RESULTADOS
Dos 78 artigos encontrados, 64 foram excluídos por serem repetidos ou não
cumprirem os critérios de inclusão. Obtiveram-se, desta forma, 14 publicações,
que foram agrupadas de acordo com o tipo de artigo: um sistema, quatro normas
de orientação clínica (NOC), três meta-análises, quatro revisões sistemáticas
(RS) e dois ensaios clínicos aleatorizados controlados (ECAC).
Sistema
Um artigo publicado em 2011 no Uptodate relatou a ineficácia dos alimentos de
soja, extractos de soja ou de trevo violeta na redução dos sintomas vasomotores
da menopausa.1
Normas de Orientação Clínica
Das quatro NOC identificadas, salienta-se o consenso da The North American
Menopause Society8 que, embora não como recomendação consensual, considera uma
prova terapêutica com isoflavonas nas mulheres com sintomas vasomotores
ligeiros a moderados. As NOC do Institute for Clinical Systems Improvement
(ICSI)9 e da National Institutes of Health10 são concordantes na ausência de
eficácia dos fitoestrogénios para esta indicação. A primeira, baseada em
evidência, atribui a esta terapêutica uma força de recomendação convertível em
grau B (retirada de artigos com metodologia adequada para responder à questão
formulada, mas com incerteza quanto às conclusões, por inconsistências entre os
estudos, uso de diferentes doses, produtos, fontes e processamento).
A NOC da Sociedade Portuguesa de Ginecologia e Sociedade Portuguesa de
Menopausa,11 que traduz um consenso de peritos, reportou em 2004 que os
fitoestrogénios são propostos para tratamento dos sintomas vasomotores,
realçando que a sua eficácia não está comprovada e que os seus efeitos poderão
dever-se a um forte efeito placebo.
Revisões sistemáticas com Meta-Análise
Seleccionaram-se três Revisões Sistemáticas com Meta-Análise relativas a este
tema (Quadro_II).
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A revisão da Cochrane2 de 2009 inclui o maior número de estudos com resultados
consistentes, pelo que lhe foi atribuído nível de evidência de 1. Os autores
desta meta-análise concluíram não haver evidência de benefício do tratamento
com fitoestrogénios na redução dos sintomas vasomotores da peri e pós-
menopausa.
Às restantes meta-análises foi atribuído nível de evidência 2, por se basearem
em estudos heterogéneos e de qualidade apenas razoável, pelo que os resultados
ou são discordantes ou relativamente modestos, com reduções que parecem não ser
clinicamente significativas para a mulher peri e pós-menopáusica.12-13
Revisões Sistemáticas
Como se pode verificar no Quadro_III, os resultados das quatro Revisões
Sistemáticas identificadas são conflituosos.
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Kronenberg F et al.14 avaliaram quer os extractos de trevo violeta, quer os
extractos de soja. Relativamente aos primeiros, os dois ECAC identificados não
reportam haver benefício significativo do seu uso nos sintomas vasomotores da
peri e pós-menopausa. Quanto à soja, apenas três de oito estudos, com tempo de
tratamento superior a seis semanas, demonstraram melhoria significativa desses
sintomas. No entanto, o maior estudo não mostrou haver benefício às 24 semanas.
A esta revisão foi atribuído nível de evidência 2, por incluir estudos de
baixa/moderada qualidade e com elevada heterogeneidade entre si, com variações
de produtos, doses e medidas de outcome, que dificultam comparações.
Cheema D et al.3 concluíram que o trevo violeta e os restantes fitoestrogénios
não apresentam benefícios no tratamento dos sintomas vasomotores da peri e pós-
menopausa, não sendo clinicamente superiores ao placebo. Baseando-se em alguns
estudos com erros metodológicos e em poucos de boa qualidade, com amostras
pequenas, definição não estandardizada da população e dos outcomes, ausência de
período wash-out e follow-ups curtos, foi-lhe atribuído um nível de evidência
2.
Williamson-Hughes PS et al.6 constataram que os suplementos de isoflavonas de
soja com teor de genisteína inferior a 10-15 mg não são eficazes na redução dos
sintomas vasomotores da peri e pós-menopausa. Aponta para a eficácia de
compostos (suplementos ou extractos alimentares) que fornecem 15 mg de
genisteína, salientando a importância do tipo e da dose de isoflavona
utilizada. O facto de esta revisão se apoiar em estudos com diferentes desenhos
e durações, bem como não ter utilizado os dados originais de cada estudo de
modo a prosseguir para uma análise de eficácia, levaram à atribuição de um
nível 2 de evidência.
Por fim, a RS mais recente (Jacobs A et al.5) indica não haver evidência
conclusiva de benefício do uso das isoflavonas de soja na frequência e
severidade dos sintomas vasomotores da peri- e pós-menopausa. Pela análise de
correlação, não se verificou benefício com maior número diário de sintomas
vasomotores ou com o uso de doses mais elevadas de isoflavonas. No entanto,
baseada em dois estudos, sugere possível eficácia da utilização isolada de
genisteína, tendo ocorrido redução da frequência dos sintomas vasomotores nas
mulheres que experimentavam cerca de quatro fogachos diários após um ano de
tratamento com 54 mg de genisteína. Tratando-se de estudos de qualidade
moderada e em que a avaliação dos sintomas vasomotores correspondia a um
endpoint secundário, este resultado deve ser interpretado com precaução.
Atendendo a que a generalidade dos ensaios analisados nesta RS apresenta
diversas falhas metodológicas, com amostras pequenas, inadequada descrição da
aleatorização, da alocação e ocultação do tratamento, bem como apresentação
incompleta dos resultados e elevadas taxas de drop-outs, foi atribuído um nível
de evidência 2.
Ensaios Clínicos Aleatorizados Controlados
D'Anna R et al.4 (Quadro_IV) realizaram um ECAC em que as participantes
foram informadas que o endpoint primário a avaliar seria o efeito da genisteína
na massa óssea e na redução do risco cardiovascular. Assim, não sendo
advertidas para os seus possíveis efeitos sobre os sintomas vasomotores, os
autores tentaram obviar o efeito placebo. Os resultados parciais foram
publicados ao final de 12 meses, altura em que se verificou uma diminuição
máxima de 56,4% dos fogachos e melhoria da severidade, com efeitos benéficos
logo desde o primeiro mês de tratamento. Aos 24 meses, observou-se uma redução
estatisticamente significativa do número e severidade dos sintomas vasomotores.
A partir do primeiro ano houve redução adicional da severidade, mas não do
número de sintomas vasomotores, que foi semelhante à verificada com o placebo
(11,5%). Foi atribuído um nível de evidência 1 por se tratar de um ECAC com
amostra relevante (265 mulheres) e com follow-up adequado, com 11% de drop-outs
(16 mulheres no grupo sob genisteína e 13 no grupo placebo). Atendendo a que o
efeito da genisteína sob os sintomas vasomotores foi ocultado às participantes,
nenhuma desistência decorreu de ineficácia do tratamento.
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Em 2008, Jou H et al.15 (Quadro_IV) efectuaram um estudo inovador, sendo o
primeiro que procurou averiguar se a eficácia das isoflavonas estaria
dependente da sua metabolização. Analisou 96 mulheres, 30 sob placebo e 66 sob
tratamento (135 mg de isoflavonas). Através da pesquisa de equol (metabolito da
daidzeína) na urina, estas foram divididas em 34 mulheres com capacidade de
produzir equol e 32 não produtoras de equol. Verificou-se que, quando
comparadas com as mulheres do grupo controlo, as produtoras de equol
apresentavam uma melhoria maior e mais rápida dos sintomas vasomotores da peri
e pós-menopausa. Apesar de significativa, essa melhoria foi relativamente
modesta. Assim, sugere-se que a capacidade de converter daidzeína em equol
poderá ser considerada um preditor major da eficácia das isoflavonas. No
entanto, não estão ainda universalmente disponíveis testes que permitam
identificar a capacidade de produzir equol. Salientam-se como principais
limitações deste estudo uma amostra pequena e a análise de uma única etnia.
CONCLUSÕES
Desde os resultados do WHI publicados em 2002, os fitoestrogénios têm sido
frequentemente sugeridos para o tratamento dos sintomas vasomotores moderados.
De acordo com a mais forte e mais recente evidência encontrada, o uso de
fitoestrogénios parece não ter eficácia na redução da frequência e severidade
dos sintomas vasomotores da peri e pós-menopausa (Força de Recomendação A).
Esta conclusão é suportada pela clara recomendação do Uptodate e pela meta-
análise da Cochrane (nível de evidência 1). A RS publicada posteriormente a
essa meta-análise e os EAC que não foram aí incluídos apresentam resultados
discordantes, sendo que os de melhor qualidade não demonstram benefício.
Salienta-se que estes estudos exibem diferenças metodológicas, não só na
selecção das participantes, na avaliação dos sintomas e tempo de exposição, mas
sobretudo na heterogeneidade dos produtos avaliados, quer em termos de
composição, quer na dose de isoflavonas usada.
Existe um forte efeito placebo associado, que em alguns estudos atinge os 59%,
pelo que as elevadas expectativas das mulheres na melhoria dos seus sintomas
vasomotores e a característica transitória destes sintomas poderão invalidar os
efeitos dos fitoestrogénios.
Não sendo objectivo deste trabalho, é também obrigatório considerar a segurança
destas terapias, sobretudo a nível da mama, do endométrio ou epitélio vaginal.
No futuro, serão necessários mais estudos cientificamente rigorosos, com maior
poder estatístico, usando fitoestrogénios bem caracterizados, com monitorização
das participantes, duração adequada, medidas de outcome bem definidas e
validadas, e isentos de participação da indústria farmacêutica. Seriam ainda
pertinentes estudos que comparassem possíveis benefícios da suplementação com
fitoestrogénios nas mulheres peri e pós-menopáusicas com capacidade de
converter a daidzeína em equol, com as que não têm tal capacidade. Nessa
situação, será fundamental desenvolver estratégias facilmente acessíveis para
identificar essas mulheres.
Assim, compete ao Médico assistente entender a mulher peri e pós-menopáusica no
seu contexto biopsicossocial, prestando apoio e acompanhamento adequados.
Adicionalmente, deverá incentivar estas mulheres a participar na decisão
terapêutica, fazendo-as ponderar os possíveis benefícios e riscos e informando-
as das actuais evidências científicas.