Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe0871-34132005000400005

EuPTCVHe0871-34132005000400005

National varietyEu
Year2005
SourceScielo

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Tabagismo em Portugal

INTRODUÇÃO As primeiras referências ao tabaco surgem entre as populações nativas do continente americano, que o usavam não apenas fumado, como psicoestimulante, mas também em pasta como produto medicinal, pois acreditavam no seu poder divino (1, 2). A sua introdução na Europa deu-se no século XVI e foi consequentemente exportado para países africanos e asiáticos acompanhando a grandiosidade das trocas comerciais no período dos Descobrimentos (1).

O consumo de tabaco observa-se vários séculos, através do mastigar das folhas, do fumo do cachimbo ou da inalação, mas o cigarro surge somente no fim do século XIX. Pelo seu custo e pela facilidade no manuseamento foi produzido em massa e contribuiu para uma rápida expansão do consume de tabaco a nível mundial (2, 3).

Após a I Guerra Mundial, a indústria de tabaco explorou as ideias de liberdade, de emancipação, de poder, criando novos significados dos papéis sociais das mulheres, com o intuito de aumentar o consumo nesta franja de mercado (4).

O tabaco foi fortemente utilizado pelas tropas aliadas durante a II Grande Guerra, e o hábito começou a suscitar interesse científico no mundo anglo-saxónico, que, ao contrário da Alemanha nazi, durante a primeira metade do século XX não se havia interessado pelo tabagismo.

O primeiro estudo epidemiológico surge em 1943 (5) e em 1950 são publicados quatro artigos sobre o tema (69). Nos anos 60 a relação entre tabaco e cancro do pulmão estava estabelecida (2).

Contudo, à crescente preocupação com os efeitos sanitários do consumo de tabaco contrapôs-se o ambiente liberal dos anos 70 e a agressividade da política comercial da indústria tabaqueira, levantando barreiras à implementação de campanhas e medidas efectivas contra o consumo de tabaco (2). As medidas legislativas e as políticas públicas no sentido da prevenção e combate ao consumo do tabaco generalizaram-se durante a década de 80 (2). A Organização Mundial de Saúde (OMS) criou em 1987 o Dia Mundial sem Tabaco (31 de Maio) e lançou campanhas preventivas, em particular dirigidas aos jovens e adultos jovens, os alvos preferenciais da indústria tabaqueira (2). Apesar dos esforços que têm vindo a desenvolver-se na área da prevenção, estima-se que ocorram anualmente 4,9 milhões de mortes relacionadas com o tabaco, sendo o cigarro o único produto legal que mata através do consumo regular (10).

Para além das consequências individuais é de realçar o impacto social do tabagismo, nomeadamente através dos elevados custos económicos associados a gastos em saúde, absentismo ou incapacidade precoce (11), e à substituição de parte dos consumos familiares em bens de primeira necessidade pela aquisição de tabaco com o que isso arrasta de empobrecimento adicional. Pode ainda ser gerador de diversos acidentes relacionados com a condução, fogos domésticos ou florestais (12).

TABACO E SAÚDE O consumo de tabaco é uma das principais causas de morte evitável. Para além do substancial aumento do risco de cancro do pulmão, o tabaco é causa directa ou provável de outros cancros (e.g. cavidade oral, laringe, esófago, estômago, rim, bexiga), é causa importante de doença cardiovascular (e.g. acidente vascular cerebral, doença vascular periférica, enfarte do miocárdio) e pulmonar (e.g. doença pulmonar obstrutiva crónica, enfisema pulmonar, otites). A evidência recolhida ao longo dos anos através do acompanhamento de algumas coortes de adultos estudadas em Inglaterra mostrou que os fumadores apresentavam uma diminuição da esperança de vida em 10 anos (13).

O tabaco tem igualmente efeitos nefastos na gravidez, estando associado a aborto espontâneo, gravidez ectópica, morte fetal in utero, parto pré-termo e baixo peso ao nascimento (14, 15). Estima-se que seja possível reduzir em 10% a mortalidade infantil eliminando o tabagismo materno (16).

Foram identificados numerosos agentes carcinogénicos e co-carcinogénicos no fumo de tabaco, sendo o aumento do risco de morbilidade e mortalidade proporcional ao tempo e à intensidade da exposição (4).

Os fumadores involuntários encontram-se também em risco em relação a muitas das doenças inerentes ao fumo directo. Os malefícios do tabaco trazem consequências nefastas não para o fumador como também para os não fumadores expostos à poluição tabágica ambiental PTA), que corresponde ao conceito de Environmental Tobacco Smoke (ETS) ou Secondhand Smoke, também designada por fumo passivo, ocorre quando o fumo exalado de uma pessoa é inalado por outra. Está demonstrada uma associação entre a poluição tabágica ambiental e a patologia cardiovascular e pulmonar (17, 18), podendo também ser uma das causas do baixo peso à nascença ou do síndrome de morte súbita (15).

A dinâmica da epidemia do consumo de tabaco pode ser definida em quatro fases distintas (Figura 1). Na primeira, fumar é um comportamento de excepção e é típico das classes mais altas ou mais favorecidas. No estádio dois fumar torna-se mais comum entre os homens, alargando-se este comportamento a todas as classes sociais. A evolução deste comportamento nas mulheres está 10 a 20 anos atrasada em relação à situação observada para os homens e o consumo de tabaco é adoptado sobretudo nas classes sociais mais favorecidas.

No estádio três a proporção de homens fumadores desce acentuadamente e atinge o pico máximo nas mulheres.

Durante o quarto e último estádio, a frequência do consumo decresce em ambos os sexos e torna-se mais frequente nas classes sociais mais baixas (13). Os Estados Unidos da América e a maioria dos países do norte da Europa atingiram o quarto estádio, o que significa uma maior prevalência de consumo de tabaco entre as classes sociais mais desfavorecidas e menos escolarizadas. No lado oposto, no estádio dois, estão países asiáticos e latino americanos que apresentam maiores prevalências entre os homens, sem distinção entre estratos sociais, e em mulheres mais escolarizadas (13). A maioria dos países do sul da Europa enquadra-se no estádio 3, enquanto Portugal se encontra na transição entre as fases 2 e 3 (19).

Uma grande parte das doenças relacionadas com o tabaco apresenta um período de latência longo, o que se traduz num desfasamento temporal entre o consumo nas populações e a carga de doença que se lhe associa.

Apesar de nem todos os países poderem ser directamente enquadrados num destes estádios, esta caracterização ilustra a forma como a epidemia progride se não for contrariada por políticas eficazes no controlo do consumo.

Nos EUA, o consumo aumentou 44% entre 1920 e 1950, repercutindo-se no aumento da mortalidade por cancro do pulmão. Após os anos 50, o consumo de tabaco per capita estabilizou, mas as taxas de cancro no pulmão continuaram a aumentar. A estabilização nestas taxas a partir de 1986 resulta de um claro decréscimo na prevalência de homens fumadores (20).

Nos países europeus, o tabaco é a causa mais importante de mortalidade, provocando mais de meio milhão de mortes anualmente, metade das quais em indivíduos com menos de 70 anos. Assiste-se a uma estabilização na mortalidade por cancro do pulmão nos homens na maioria dos países do centro e sul europeu, e observa-se igualmente uma clara tendência decrescente nos países nórdicos e mais ocidentais e um aumento nos países do leste europeu. Nas mulheres, o consumo de tabaco tende a aumentar em vários países europeus que se encontram nas fases menos avançadas da epidemia, prevendo-se o aumento da mortalidade por causas relacionadas com o tabaco nas próximas décadas (21).

Globalmente, o consumo de tabaco é responsável por 4 milhões de óbitos por ano, cerca de uma por cada dez mortes em adultos, estimando-se que cause 450 milhões de mortes nos próximos 50 anos (22).

CONSUMO DE TABACO É possível avaliar a dimensão populacional do tabagismo através do consumo de tabaco estimado pelo consumo aparente, que resulta do valor da produção mais a importação, ao qual se subtrai a exportação, ou através de estimativas de prevalência de fumadores.

Na figura 2 pode observar-se o consumo aparente de tabaco em diferentes países. Nos EUA é acentuado o decréscimo na disponibilidade de tabaco a partir dos anos 80 e na Finlândia a partir dos anos 90. O crescimento do consumo de cigarros na China verifica-se a partir dos anos 70, mas não se observa grande variação na última década do século XX, assim como em Portugal, que teve um ligeiro decréscimo também nos anos 90.

O consumo de tabaco, medido pela proporção de fumadores, é também diferente em diferentes áreas geográficas. Na população adulta, a prevalência de fumadores é mais elevada no sexo masculino, mas a diferença entre sexos é praticamente inexistente na Nova Zelândia e muito acentuada na China e nos países do continente Africano. Nos adolescentes, verifica-se que as diferenças entre sexos são menores em todas as regiões, sendo, por exemplo no Chile a proporção de fumadores superior nas raparigas (Tabela 1).

A análise da evolução da prevalência de adultos fumadores na última década e a proporção de adolescentes fumadores nos anos mais recentes (Tabela 2) permite observar a heterogeneidade dos países europeus relativamente ao seu enquadramento nas diferentes fases da epidemia. Por exemplo, na Holanda observa-se uma diminuição da prevalência em adultos de ambos os sexos e prevalências ainda inferiores nos adolescentes; em França a descida da prevalência nos fumadores do sexo masculino é ainda pouco clara nos adultos, mas notória nos adolescentes, enquanto que no sexo feminino se regista um aumento da proporção de fumadoras adultas e adolescentes.

A quase totalidade dos fumadores inicia o consumo durante a adolescência (23), ou em idade escolar (24). O European Smoking Prevention Framework Approach (ESFA) criado em 1998 envolveu sete cidades de seis países da Europa (Dinamarca, Finlândia, Holanda, Portugal, Espanha e Reino Unido) e acompanhou durante 4 anos uma amostra de 23.531 adolescentes com média de idade de 13,3 anos no momento da primeira avaliação (25). A prevalência de fumadores regulares nesse estudo foi de 4,0%. A média de idades dos alunos portugueses avaliados era 13,5 anos e a prevalência de fumadores regulares foi superior no sexo feminino (4,2% nas raparigas 3,0% nos rapazes). Em Portugal, como na Finlândia e no Reino Unido, as raparigas eram mais frequentemente fumadoras regulares que os rapazes (Figura 3).

CONSUMO DE TABACO EM PORTUGAL Em Portugal observamos nas últimas três décadas um aumento da disponibilidade de tabaco per capita (Figura 4), mas nos últimos 20 anos tem oscilado num intervalo de valores relativamente estreito. Aumentou de

1805 cigarros por adulto em 1980 para 1998 cigarros em 2000, observando-se um pico em 1990 (2203 cigarros por adulto) (26).

A prevalência de fumadores tem sido avaliada em alguns estudos desenvolvidos no nosso país. Grande parte desses trabalhos refere-se a grupos específicos da população ou inclui apenas algumas regiões do país, o que torna por vezes difícil efectuar comparações directas, nomeadamente relativas à evolução temporal (Tabela 3).

Dados sobre hábitos tabágicos em Portugal mostram que o padrão de consumo de tabaco se assemelha mais ao verificado em países do leste europeu, nos quais a prevalência de fumadores é bastante superior nos homens (19). Paralelamente, assiste-se a um aumento da prevalência de mulheres fumadoras, especialmente entre as mais novas e mais escolarizadas (19), salientandose que embora crescente, a proporção de mulheres portuguesas que fuma diariamente é inferior à média europeia. Isto poderá mostrar que Portugal se aproxima lentamente do padrão de consumo dos países da Europa do Sul (27).

Em 1987 (28), 1995/96 (29) e 1998/99 (30) o Inquérito Nacional de Saúde avaliou amostras probabilísticas da população de Portugal Continental, tendo sido recolhidas informações sobre os hábitos tabágicos em indivíduos com idade igual ou superior a 15 anos. Comparando a prevalência de fumadores que declararam fumar pelo menos um cigarro por dia observou-se, nos homens, um decréscimo entre 1987 e 1995/1996 (33,3% e 29,2%, respectivamente), mantendo-se estável em 1998/1999 (29,3%). Nas mulheres, as frequências têm aumentado ao longo do tempo (5,0% em 1987, 6,5% em 1995/1996 e 7,9% em 1998/1999) (28-30), apesar de serem ainda inferiores (Figura 5). Ao comparar a prevalência de fumadores nas diferentes classes etárias observamos que os consumos são mais elevadas nos indivíduos entre os 25 e os 34 anos, em ambos os sexos, nos três inquéritos nacionais (embora a prevalência de fumadores nestas idades seja decrescente nos homens e crescente nas mulheres). As proporções mais baixas de fumadores observam-se nos indivíduos com idade igual ou superior a 65 anos, em particular nas mulheres (28-30).

A idade de início de consumo de tabaco é um importante determinante do consumo regular (10).

Quando o consumo se inicia na infância ou nas fases mais precoces da adolescência é mais provável que resulte num consumo regular e futuramente num risco acrescido de morte por doenças habitualmente relacionadas com o tabaco (3). Mundialmente, observase uma tendência para a diminuição progressiva da idade de início de consumo de tabaco e na Figura 6 verifica-se que em Portugal tem vindo igualmente a diminuir nas mulheres, sendo a variação menos acentuada nos homens.

As mulheres fumadoras são mais escolarizadas, principalmente as que nasceram na primeira metade do século XX mas estas diferenças têm vindo a atenuar-se nas mulheres nascidas nas últimas décadas. Nos homens não se verificam diferenças entre os fumadores e não fumadores relativamente à escolaridade (Figura 7).

Poderíamos pensar que as pessoas mais escolarizadas teriam maior formação e informação e deveriam possuir mecanismos que inibissem a aquisição e/ou manutenção do consumo de tabaco. O facto de serem as mulheres mais escolarizadas que fumavam nas décadas anteriores aos anos 70 remete-nos a um período cuja ideologia dominante não considerava aceitável o consumo de tabaco pelas mulheresr. Daí se compreender o crescimento acentuado verificado a partir da década de 70, que se prolonga até à actualidade, e que acompanhou outras manifestações da determinação do género.

O Centro de Estudos de Cardiologia Preventiva recolheu informação sobre hábitos tabágicos nos inquéritos que efectuou em 1975, 1977 e 1980 (31). Em 1975 foi avaliada uma amostra de 2060 indivíduos entre os 25 e os 64 anos, residentes nos distritos da Guarda, Castelo Branco, Leiria e Santarém, encontrando-se uma proporção de fumadores menor no meio rural do que no meio urbano, sendo a prevalência de fumadores bastante superior nos homens, quer em meio urbano (52,6% de homens vs. 6,2% de mulheres fumadores) quer em meio rural (34,7% de homens vs. 5,7% de mulheres fumadores) mas semelhante nas mulheres em ambos os meios (31).

Em 1975/77 e 1980, nos inquéritos realizados no Bairro da Musgueira (bairro urbano degradado), no âmbito do Programa de Prevenção e Controlo das Doenças Cardiovasculares na Comunidade, foram observadas proporções de fumadores próximas das relatadas no estudo anteriormente referido, embora em 1980 a prevalência de fumadores fosse inferior em ambos os sexos (homens: 48,4% em 1975/77 e 45,7% em 1980; mulheres: 3,3% em 1975/77 e 0,5% em 1980) (31).

O primeiro Inquérito de Saúde realizou-se em 1983, da responsabilidade do Departamento de Estudos e Planeamento da Saúde (DEPS), restringindo-se à área metropolitana de Lisboa (32). Nesse Inquérito a prevalência de fumadores foi 40,9% nos homens e 8,7% nas mulheres (32, 33). Estes resultados aproximam-se dos valores encontrados no estudo realizado um ano depois, em 1984, pelo Centro de Estudos de Cardiologia Preventiva, em colaboração com a Euroexpansão (Análise de Mercados e Sondagens, AS) e com o Conselho de Prevenção do Tabagismo, no qual foram inquiridos 1040 indivíduos de ambos os sexos, representativos da população portuguesa com mais de 15 anos, em que as prevalências de fumadores foram 37,3% nos homens e 10,1% em mulheres (31).

Em 1989, na cidade de Lisboa, os hábitos tabágicos de uma amostra de 1361 indivíduos com idade igual ou superior a 15 anos (35% de homens fumadores e 13% mulheres) (34) foram semelhantes aos observados no Inquérito Nacional de Saúde de 1987 relativos à área metropolitana de Lisboa (38% nos homens e 10% nas mulheres) (28).

Quatro anos mais tarde (31), foi avaliada uma amostra representativa da população de Portugal Continental, constituída por 2078 indivíduos com idades compreendidas entre os 15 e os 78 anos e foi encontrada uma prevalência de homens fumadores de 43% e de mulheres fumadoras de 14%.

Na tabela 4 são apresentados dados de prevalência de consumo de tabaco obtidos noutros estudos realizados em Portugal.

Tabagismo e Gravidez A prevalência de tabagismo durante a gravidez foi estimada em Portugal, em 1995, numa amostra constituída por 1582 mulheres (1573 responderam às questões sobre hábitos tabágicos), inquiridas em 41 hospitais do Continente e dos Açores, 24 a 72 horas após o parto. A prevalência de mulheres fumadoras durante a gravidez foi de 11,5%, com diferenças significativas entre as grandes regiões do país e com um valor muito superior nos Açores (41).

Num estudo realizado no Porto foram avaliados os hábitos tabágicos das grávidas que recorreram à consulta entre a 26ª e a 36ª semana da gravidez, e 15,5% das mulheres referiram fumar durante a gravidez, sendo a maior proporção grávidas adolescentes (42). Um outro estudo realizado em Lisboa, na maternidade Alfredo Costa, incluindo 1994 mulheres grávidas, estimou uma prevalência de 17,8% de fumadoras na primeira consulta, (43) (Tabela 5).

Profissionais de saúde, professores e estudantes Os profissionais de saúde e os professores têm um papel de educadores para a saúde e de modelos, funcionando como exemplo para a população geral e para os mais jovens (Tabela 6).

Em 1980, em Coimbra, foram estudados os hábitos tabágicos de profissionais de saúde (364 médicos e 351 enfermeiros), tendo-se identificado nos médicos, uma proporção de fumadores de 51% em homens e 46% em mulheres (44, 45). Os enfermeiros do sexo masculino apresentavam uma prevalência de fumadores próxima da observada nos médicos (49,3%), enquanto que a proporção de enfermeiras fumadoras era bastante inferior à dos colegas homens e à das médicas (20,7%) (44,45). Os estudos realizados mais tarde com o mesmo objectivo apresentam também elevadas prevalências de fumadores em médicos e enfermeiros (46-48) mas mais baixa nas mulheres.

Um estudo realizado em 2002 revelou uma prevalência de 30,3% de fumadores nos professores do sexo masculino e 24,3% de fumadores nas professoras (49).

Em estudantes da Universidade de Coimbra avaliados em 1979 verificou-se uma prevalência de mulheres fumadoras bastante superior à verificada em 1965 (39,5% vs. 10,3%), enquanto que nos homens a proporção de fumadores sofreu um aumento muito ligeiro entre 1965 e 1979 (de 57,3% para 58,6 %) (31). Nos estudos efectuados posteriormente, apesar das dificuldades de comparação directa dos resultados, parece ter ocorrido uma diminuição da prevalência entre os estudantes do sexo masculino e um ligeiro aumento nos estudantes do sexo feminino (5053) (Tabela 7).

Focando o grupo etário da adolescência, e analisando alguns trabalhos realizados no nosso país (Tabela 8), encontramos em 1980 num estudo de 324 estudantes de escolas secundárias de Coimbra, uma prevalência de fumadores de 20,6% nos rapazes e 16,4% nas raparigas (55). Estes valores são superiores, para ambos os sexos, aos encontrados num estudo realizado treze anos depois, em 1993, numa amostra nacional de 16109 adolescentes a frequentar escolas portuguesas, na qual se observou uma prevalência de fumadores de 14,6% no sexo masculino e 11,3% no sexo feminino (56). Para de diferenças no tamanho e representatividade amostral a discrepância encontrada pode dever-se também ao meio onde se inserem os indivíduos. O último estudo contemplou uma amostra nacional representativa dos estudantes do ensino secundário, incluindo meio rural e urbano, enquanto no primeiro estudo apenas foram estudadas escolas urbanas.

Valores intermédios para a prevalência de fumadores foram encontrados em 1996, numa amostra de 2974 estudantes de escolas secundárias do Porto, sendo a proporção de fumadores regulares 15,9 % nos rapazes e 14 % nas raparigas (57).

Uma amostra representativa de 1390 estudantes do ao 12º ano de escolaridade, do concelho de Viseu, mostrou prevalências de tabagismo superiores às encontradas no Porto (26,7% nos rapazes e 22,9% nas raparigas) (58).

Um estudo levado a cabo em 1999 avaliou uma amostra representativa dos alunos do ao 12º ano do distrito de Viana do Castelo constituída por 1234 estudantes, estimando proporções de fumadores inferiores às encontradas tanto em Viseu como no Porto (10,9 % nos rapazes e 6,6 % nas raparigas) (59). As diferenças encontradas, para além da especificidade metodológica inerente a cada trabalho, sugerem-nos, novamente, uma associação entre os hábitos tabágicos e o meio onde se habita, designadamente a localização geográfica (litoral vs. interior; rural vs. urbano).

As Coortes Portuguesas O estudo EpiPorto permitiu traçar um quadro da distribuição e dos determinantes do consumo de tabaco (19). Para caracterização dos hábitos tabágicos foi recolhida informação sobre a frequência de consumo e número de cigarros fumados e idade de início do consumo.

Os participantes foram classificados de acordo com os critérios da Organização Mundial de Saúde (68).

Consideraram-se fumadores actuais os participantes que fumavam pelo menos um cigarro por dia, e fumadores ocasionais os que fumavam menos de um cigarro por dia.

Dos adultos avaliados (n=2434), 44,8% eram fumadores, sendo a prevalência superior nos homens (71,6% vs.

28,1%).

Observa-se na Figura 8, que as mulheres das coortes de nascimento mais antigas iniciaram mais tardiamente o consumo de tabaco, ao contrário dos homens que o faziam ainda no período da adolescência. No entanto, observa-se também que a idade de consumo de tabaco tem diminuído para as mulheres, mas não se observaram diferenças significativas ao longo do tempo nos homens.

As observações efectuadas nos participantes do estudo EpiPorto relativamente à escolaridade média dos fumadores e não fumadores de cada coorte de nascimento (Figura 9) foram semelhantes às efectuadas no âmbito do INS. Procedeu-se a uma avaliação do grau de dependência de nicotina através do Teste de Fagerström (69) nos fumadores regulares (pelo menos um cigarro por dia), para o qual consideramos as categorias dependência muito leve, leve/moderada e elevada, segundo os anos completos de escolaridade (Tabela 9).

Nas mulheres o grau de dependência aumenta com a escolaridade, não se verificando esta diferença nos homens.

O estudo Epiteen (70, 71) constituiu uma coorte de adolescentes nascidos em 1990 e que no ano lectivo 2003-2004 estavam inscritos nas escolas públicas e privadas da cidade do Porto. Dos adolescentes avaliados, 394 (19,9%) declararam apenas ter experimentado fumar, 35 (1,8%) fumavam ocasionalmente e 25 (1,3%) fumavam diariamente. A proporção de raparigas que tinham experimentado fumar (22,4%) era maior do que a dos rapazes (17,1%), sendo também o uso de tabaco mais frequente nas raparigas: 2% declararam fumar pelo menos um cigarro por dia enquanto apenas 0,4% dos rapazes o admitiram (Figura 10).

A curiosidade foi a razão mais frequentemente referida para o consumo de tabaco (raparigas: 48,4%; rapazes: 45,6%). A segunda razão mais citada foi ter algum amigo fumador (raparigas: 13,6%; rapazes: 21,1%) (Tabela 10).

A escola foi o local referido como o mais frequentemente usado para fumar, em ambos os sexos, quer pelos adolescentes que apenas experimentaram (36,7%), quer pelos fumadores habituais (43,6%).

Quanto ao número de cigarros fumados no mês que antecedeu a realização do questionário, 44,9% (raparigas: 38,3%; rapazes: 60,1%) referiram ter fumado menos de 10 cigarros durante esse mês, 18,4% (raparigas: 14,8%; rapazes: 26,6%) fumaram 10 cigarros e 36,7% (raparigas: 46,9%; rapazes: 13,3%) referiram ter fumado mais de 10 cigarros ao longo do mês.

Estes resultados vão ao encontro dos valores revelados pelo ESFA (11) em que Portugal mostra uma prevalência de fumadores mais elevada nas raparigas.

Os nossos resultados seguem o padrão de outros países desenvolvidos do sul da Europa, onde se assiste a um declínio do início do consumo de tabaco por parte dos rapazes e um aumento por parte das raparigas (25), o que permite especular acerca do posicionamento de Portugal numa fase inicial do estádio 3 da evolução da epidemia do tabaco (13).

Poluição tabágica ambiental (PTA) Num estudo promovido pelo Conselho de Prevenção do Tabagismo observaram-se percentagens elevadas de carboxi-hemoglobina nos não fumadores, estimandose que cada hora de permanência em local poluído pelo fumo de tabaco equivale em média a fumar um cigarro (54). Ainda no mesmo âmbito, foi realizado um estudo em que eram colhidas amostras de ar interior, concluindo que os filhos de pais fumadores na sua própria habitação estarão mais sujeitos a infecções respiratórias por inalação passiva do fumo do tabaco (54).

Um estudo realizado mais tarde pelo Hospital Dona Estefânia em Lisboa, avaliou a importância da exposição tabágica como factor de gravidade, relacionado com o internamento hospitalar, na asma brônquica. Foram caracterizados os hábitos tabágicos de 128 famílias de crianças com uma idade média de 4 anos, internadas por exarcebação de asma, durante um período de dois anos, e comparados com os registados numa amostra de crianças observadas em primeira consulta de Imunoalergologia, no mesmo período de tempo, com diagnóstico clínico de asma brônquica, emparelhada por idade, sexo e meio sócio-económico-cultural (72). Os resultados mostraram que o consumo de tabaco eram significativamente mais frequente nas famílias das crianças internadas, estando presentes em 80% destas comparativamente a 46% das famílias das crianças observadas na consulta (72). Em conclusão, a exposição involuntária das crianças ao fumo de tabaco dos pais é um factor de risco para a gravidade da asma brônquica infantil.

ECONOMIA E TABACO Portugal, antes da revolução de 1974 era um dos países mais pobres e isolados da Europa ocidental, mas desde então convergiu económica e socialmente ao nível dos países vizinhos europeus. Para o evoluir desta situação muito contribui a entrada de Portugal na União Europeia em 1986, pois permitiu o estreitamento de laços comerciais com outros países europeus, beneficiando dos fundos europeus, abrindo caminho ao crescimento económico e a profundas mudanças estruturais.

Na última década, as despesas com o tabaco têm assumido um peso crescente nos agregados familiares portugueses (Figura 11), atingindo em 2000 cerca de 1,6% da despesa média anual total (73).

Observando a Figura 12 verifica-se que embora os indivíduos com um nível de instrução mais elevado tenham valores superiores de despesa total, na despesa relacionada com o consumo de tabaco a relação é inversa, quer em valor absoluto quer considerando a proporção total de despesas do agregado familiar.

No âmbito de um projecto europeu sobre economia do tabaco e economia da saúde, foi estudado o efeito do preço no consumo de tabaco nas últimas décadas (74).

Os dados retrospectivos sobre economia e saúde em Portugal foram recolhidos em instituições nacionais e internacionais: Instituto Nacional de Estatística, Ministério da Saúde, Ministério das Finanças, Guarda Nacional Republicana, Alfândegas, Banco Mundial, Indústria Europeia do Tabaco e Sistema Nacional de Informação online sobre o Tabaco (74). Verificou-se neste estudo que nas duas últimas décadas o preço real do cigarro (estandardizado pela inflação) de uma marca estrangeira diminuiu, apesar de verificadas algumas oscilações, (diminuiu de 1,97 em 1980 para 1,73 em 1984, aumentou para 2,47 em 1987, diminuindo para 1,36 em 1993 e aumentou ligeiramente para 1,75 no ano 2000) (74).

O preço real de uma marca nacional apresentou uma tendência diferente ao longo do período analisado, mostrando-se constante entre 1980 e 1992 (1,11 nos dois anos), aumentando ligeiramente de 1993 até 2000 (1,53 ) (74).

A estimativa da elasticidade do rendimento relativa ao consumo de cigarros, indicou-nos, neste estudo, que 1% no aumento no rendimento leva a 0,44% de aumento no consumo de cigarros. Da mesma forma que a estimativa da elasticidade do preço nos indica que 1% no aumento do preço real se traduz numa diminuição de 0,66% no consumo de cigarros.

A lei da oferta e da procura indica que quanto mais caro é o produto menos pessoas o compram.

A indústria tabaqueira insiste no argumento da cessação de impostos sobre o tabaco pois considera que estes favorecem o aumento do contrabando. Segundo esta indústria o contrabando surge como consequência das diferenças de preço, devido à carga fiscal sobre o tabaco. No entanto, verifica-se que o contrabando é mais prevalente nos países onde o tabaco é mais barato, como é o caso de Espanha. Nos países onde se reduziram os impostos com vista à diminuição do contrabando, como na Suécia e Canadá, o consumo aumentou de forma alarmante (21).

CONTROLO E PREVENÇÃO DO TABAGISMO O reconhecimento científico dos malefícios do consumo de tabaco, da poluição tabágica ambiental e as propriedades aditivas da nicotina com repercussões na efectividade das medidas de desabituação tabágica, têm estimulado o desenvolvimento e implementação de um leque alargado de medidas, programas e políticas de controlo do consumo (75).

Falamos de medidas que vão desde programas educacionais a legislação que aumenta as taxas inerentes às trocas comerciais, restringe o consumo em lugares públicos, acaba com a publicidade a cigarros, requerendo também a inclusão de avisos dos malefícios relacionados com o consumo de cigarros nas próprias embalagens.

A chave para uma efectiva acção internacional no controlo do tabaco é uma vigorosa liderança a nível das agências internacionais, tais como a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI), e também as entidades políticas regionais como a União Europeia (20).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) desempenha um papel importante através dos Planos de Acção para uma Europa Livre de Tabaco que tiveram o seu início em 1987 defendendo uma estratégia global, compreensiva e gradual para reduzir os efeitos negativos do consumo do tabaco.

Esta estratégia da OMS foi consolidada pela realização da Conferência Europeia sobre Tabaco ou Saúde em 1988, na qual ficou aprovada a Carta Europeia contra o Tabaco e foram definidas as Dez Estratégias para uma Europa sem Tabaco.

Estas estratégias e orientações são divulgadas nas comemorações do Dia Mundial Sem Tabaco, a 31 de Maio, constituindo sempre uma ocasião para se aprofundar certos aspectos da política global de combate ao consumo do tabaco. A comunicação social enaltece as iniciativas realizadas nesta data, no sentido de confrontar responsáveis políticos com as medidas implementadas. Em Portugal também foi instituído o Dia Mundial do Não Fumador (17 de Novembro) pela Resolução nº35/84 do Conselho de Ministros de 11 de Junho de 1884. A responsabilidade das actividades relacionadas com este dia foi atribuída ao Conselho de Prevenção do Tabagismo (CPT).

Ainda a nível do contexto europeu pode-se mencionar a criação do Programa Europa contra o Cancro que no ano de 1989 lançou a Campanha publicitária do Código Europeu contra o Cancro.

O Banco Mundial adoptou uma política em 1991 que tinha como princípio base não fornecer investimentos ou empréstimos à produção de tabaco, ao seu processamento ou marketing.

A União Europeia aprovou duas directivas: - A Directiva 2001/37/CE, 5 de Junho - para regulamentar a produção, a rotulagem e avisos dos maços, teores de nicotina e alcatrão, controlo de comércio e circulação dos produtos de tabaco; e a - Directiva 2003/33/CE, 26 de Maio - para o fim da publicidade e patrocínios dos produtos de tabaco.

A OMS aprovou em 2003 a Convenção Quadro sobre Controlo do Tabagismo que é um marco histórico da saúde pública mundial e da efectiva prevenção do tabagismo.

As políticas de prevenção do consumo de tabaco deverão ter como grande objectivo proteger as presentes e futuras gerações das consequências sociais, económicas, ambientais e para a saúde do consumo do tabaco (76).

Em 1983 foi criado o Conselho de Prevenção do Tabagismo (CPT) e são definidas como contraordenações todas as infracções à proibição do uso do tabaco (77). O Conselho de Prevenção ao Tabagismo (CPT) é o organismo responsável pela implementação de medidas e programas para reduzir o consumo de tabaco em Portugal, assim como pela disseminação de informação dos perigos associados ao consumo de tabaco (78). O CPT publicou diversos relatórios que indicavam, nos últimos anos, uma descida no consumo do tabaco em Portugal, apesar de relatórios de mercado e análises independentes apontarem para uma tendência contrária.

De facto, estima-se que o mercado do tabaco tenha crescido significativamente, rondando os 4% no último ano (78).

Em linhas gerais, estão bem definidos os objectivos gerais de prevenção e controlo do tabagismo: diminuir a incidência (evitar a habituação tabágica) e a prevalência (apoiar a cessação tabágica) de fumadores; regulamentar as condições de fabrico e de venda dos produtos do tabaco; proteger os não fumadores da exposição ao fumo passivo; criar um clima em que fumar não seja norma (36).

EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO SOBRE O TABAGISMO EM PORTUGAL Historicamente as primeiras medidas legislativas remontam aos finais do século XIX, e tinham como objectivo a protecção de menores contra os efeitos do tabaco, tal como aconteceu nos Estados Unidos e na Noruega (77).

A prevenção do tabagismo iniciou-se após a Segunda Guerra Mundial, tendo vindo a desenvolver-se medidas legislativas desde essa altura.

A importância da legislação sobre o tabagismo foi enaltecida em 1973 pelo Conselho da Europa, através das recomendações sobre a proibição de publicidade ao tabaco, especialmente nos meios de comunicação social (imprensa, rádio e televisão) (77).

Em 1974, a Comissão de Especialistas da OMS para os Efeitos do Tabaco sobre a saúde, reuniu-se em Genebra apontando para a necessidade de serem tomadas decisões políticas a nível governamental, nomeadamente através de medidas legislativas, pois todas as recomendações para serem eficazes têm de comportar um dispositivo legislativo forte (77).

Nesta mesma linha de pensamento, realizou-se em 1975 em Nova Iorque a III Conferência Mundial sobre o Tabaco e a Saúde, realçando a necessidade de medidas legislativas em determinados domínios, tais como a prevenção de tabagismo em adolescentes, em particular nas escolas, a protecção dos não fumadores e a publicidade (77).

A IV Conferência Mundial sobre o Tabaco e Saúde teve lugar em Estocolmo em 1979, na qual se considerou o tabaco como um dos grandes males da sociedade moderna, confirmando deste modo a importância de publicação e cumprimento da legislação adequada (77).

As primeiras medidas legislativas sobre prevenção do tabaco em Portugal surgem ainda antes das III e IV Conferências Mundiais sobre o Tabaco e a Saúde, existindo a preocupação relativamente aos possíveis malefícios relacionados com o tabaco.

Em Portugal surge o primeiro Decreto-Lei sobre o tabagismo em 1959 (Decreto-Lei n.º 42 661, 20 de Novembro de 1959), que proibia fumar dentro de recintos fechados onde se realizassem espectáculos (77). Em 1968, a Portaria n.º 23 440, de 19 de Junho, assinala a interdição de fumar em transportes públicos urbanos; esta medida alarga-se aos transportes interurbanos, ferroviários e fluviais através da Portaria n.º 212/78 de 18 de Abril. Para o cumprimento destas medidas antitabágicas, a Portaria n.º 375/78, de 11 de Julho, define a forma de assinalar a interdição de fumar em transportes públicos, a forma de exercer a fiscalização e cobrança de multas (77).

No âmbito dos desportos, foram publicados despachos relativamente à interdição de se fumar em recintos desportivos fechados durante a realização de actividades desportivas (Despacho n.º 134/77, de 19 de Maio) e relativamente à proibição de qualquer forma de publicidade relacionada com o tabaco em organizações desportivas ou locais destinados à prática desportiva (Despacho n.º 52/79, de 27 de Setembro) (77).

Através do Art.º 24 do Decreto-Lei n.º 421/80, de 30 de Setembro, foi proibida a publicidade ao tabaco na televisão e na rádio e restringida noutros canais publicitários (79).

Portugal participou na IV Conferência Mundial sobre o Tabaco e a Saúde e durante o ano de 1980 foi constituído um grupo interministerial que apresentou ao Governo propostas de medidas educativas e legislativas para minimizar os malefícios do consumo de tabaco. Em 1982 e no âmbito das propostas apresentadas é aprovado um Decreto-Lei (Lei n.º22/82. Prevenção do Tabagismo.

Diário da República) no qual se estabelece que é legalmente proibido fumar fora das áreas destinadas a fumadores, como unidades em que prestam cuidados de saúde, estabelecimentos de ensino e salas de espectáculo (80).

Dado ser um problema que afecta vários sectores, como transportes, educação, saúde, desporto e ambiente, é recomendado pela OMS e parece oportuno criar um órgão interdepartamental para uma actuação integrada relativamente à prevenção do tabagismo. Em 1983 é criado o Conselho de Prevenção do Tabagismo (CPT) e são definidas como contra-ordenações todas as infracções à proibição do uso do tabaco (77).

A legislação sobre o regime tabaqueiro era dispersa o que criava entraves à sua aplicação pela Administração Pública e pelos agentes económicos. Por este motivo, e também pela integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia (CEE) em 1986, foi necessário aprofundar a tentativa iniciada de harmonizar toda a legislação existente (81). É de sublinhar como alteração inovadora a uniformização dos prazos de pagamento do imposto para fabricantes locais e para importadores dos produtos de tabaco, deste modo é criado o Decreto-Lei n.º444/86, de 31 Dezembro que aprova o novo regime fiscal do tabaco, através da aplicação de impostos de consumo sobre o tabaco.

Portugal, no sentido de convergir com a legislação de outros países com máximas restrições à publicidade, estabelece no Decreto-Lei n.º57/87 de 30 de Janeiro uma excepção, a de permitir a publicidade ao tabaco em provas de automobilismo integradas nos campeonatos do mundo e da Europa (82).

Também em 1988, o Decreto-Lei n.º 393, de 8 de Novembro vem clarificar a importância da proibição de fumar em locais públicos no sentido de salvaguardar espaços livres de fumo (83).

Em 1989, o Decreto-Lei n.º 287/89 de 30 de Agosto alarga a possibilidade de estabelecer a proibição de fumar em estabelecimentos similares dos restaurantes, como pastelarias, cervejarias, cafés, salas de chá e sanduíche-bar (84).

Em 1990, com o Decreto-Lei n.º 253/90 de 4 de Agosto é reformulada a obrigatoriedade de em todas as embalagens de cigarros destinadas ao consumo em território nacional conter nas duas faces maiores mensagens de alerta sobre os efeitos nocivos do tabaco, teores de nicotina e classificação referenciando os teores de tabaco (85).

Sentiu-se uma necessidade de estabelecer medidas legislativas comuns aos Estados membros no sentido de conjugar as exigências relativas à defesa da saúde e a liberdade de circulação e comercialização dos produtos do tabaco no espaço europeu, surgindo em Portugal o Decreto-Lei n.º 200/91, de 29 de Maio (86). Para complementar este Decreto-Lei é aprovada a Portaria n.º 821/91 de 12 de Agosto, na qual se estabelecem as advertências da nocividade e os teores de nicotina e alcatrão que devem constar nas embalagens dos produtos do tabaco que se destinam a ser comercializados em território nacional (87).

Em 1998, o Decreto-Lei n.º 283, de 17 de Setembro introduz, para além da prevenção dos malefícios do tabaco, a restrição de fumar em locais com risco de incêndio como é o caso das instalações de acesso ao metropolitano (88).

Em 2003 é alargada a proibição de fumar em meios de transporte ferroviário aos transportes ferroviários suburbanos independentemente da duração da viagem (89).

Um controlo eficiente do consumo do tabaco exige uma política compreensiva de controlo do tabaco, apoiada por uma legislação nacional que seja forte, bem fiscalizada e sobretudo respeitada rigorosamente.

MEDIDAS EDUCATIVAS E CAMPANHAS ESCOLARES É importante a prevenção do início do consumo de tabaco e como diversos estudos têm demonstrado, é na adolescência que se manifesta a curiosidade em experimentar e quase sempre se inicia a dependência (90).

Em parceria com o projecto europeu de investigação/ acção designado European Smoking Prevention Framework Approach (ESFA) (25), desenvolvido em 6 países da Europa (Dinamarca, Finlândia, Holanda, Reino Unido, Espanha e Portugal), o Conselho de Prevenção do Tabagismo realizou entre 1997 e 2002, alguns programas de intervenção no sentido de desincentivar o consumo de tabaco entre os jovens. Este projecto consistia numa intervenção para a qual foram realizadas actividades com a escola e os adolescentes, em que se pretendia sensibilizar a escola e os professores para a importância de intervir junto dos alunos em idades favoráveis ao acto de experimentar fumar e até desenvolver o hábito. Foram incluídas 12 sessões de prevenção tabágica no currículo dos jovens alvo da intervenção deste programa, estruturada em dois programas: Querer é poder I e II.

Estes dois programas foram reforçados por acções realizadas na turma e na escola pelo Programa 7 OK!, e também pelo Programa Turmas Sem Fumadores .e pelo programa Política Para Uma Escola Sem Tabaco.

Em Portugal integraram o Projecto ESFA 25 escolas do país que leccionavam alunos entre os 12 e os 16 anos.

O relatório final do projecto revelou algumas dificuldades na implementação deste tipo de campanhas em Portugal: por sermos um país sem tradição na prevenção do tabagismo, pela falta de profissionais neste campo, pela falta de material e sobretudo devido à nossa cultura burocrática que é uma grande barreira para todo o tipo de trabalhos baseados na direcção de projectos.

O Projecto Clube Caça-Cigarros de prevenção do tabagismo desenvolvido, desde 1990, pelo Departamento de Educação para a Saúde da Liga Portuguesa Contra o Cancro - Núcleo Regional do Norte, destina-se a crianças e jovens com idades compreendidas entre os 8 e os 15 anos, abrangendo assim as faixas etárias correspondentes ao , e ciclos do ensino básico.

Este projecto insere-se numa série de iniciativas, com difusão a nível europeu, que pretendiam aumentar o conhecimento de crianças e jovens acerca dos malefícios do tabaco, e que contaram com o apoio do Programa Europa Contra o Cancro. Os smokebusters europeus tornaram-se nos Caça-Cigarros em Portugal mas, apesar da relação que de imediato se estabelece com a temática do tabagismo, este Projecto tem um âmbito muito mais alargado pretendendo ser um foco de promoção de saúde e prevenção de riscos, nomeadamente no que diz respeito ao aparecimento do cancro.

No âmbito da elaboração de um Programa de Prevenção do Comportamento de Fumar em Alunos do Ciclo (91) considerou-se importante a existência de um manual para professores que fornecesse orientações na implementação de programas, no sentido de contrariar a adopção do comportamento de fumar, dado grande parte dos professores não possuírem formação inicial e continuada em Educação para a Saúde. O autor considera que as sessões deste programa devem ser integradas em várias aulas (91).

A nível geral conclui-se que os programas que pretendem informar os adolescentes sobre os riscos de fumar não mostraram sucesso na prevenção do hábito, embora contribuam para aumentar o nível de conhecimentos dos adolescentes sobre os problemas associados ao tabaco (25). Os programas de prevenção nas escolas acabam por falhar por não se desenvolverem de uma forma continuada mas apenas preverem algumas aulas. É necessária uma prevenção continuada não na escola, mas também fora dela, a nível das famílias e de toda a comunidade (25).

MEDIDAS DE APOIO À CESSAÇÃO TABÁGICA As medidas de apoio aos fumadores que desejam deixar o hábito incluem, para além de medicamentos específicos para a substituição da nicotina no processo de desabituação tabágica, outros meios de apoio, como as linhas telefónicas, sítios na internet, ou grupos de entreajuda.

As intervenções a nível da informação e educação do fumador devem estar associadas às consultas de desabituação tabágica que contemplam intervenções diferenciadas. No entanto, é necessário capacitar o Sistema Nacional de Saúde no sentido de obter uma resposta eficaz às necessidades daqueles que querem deixar de fumar nomeadamente através de consultas de cessação tabágica. O Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica prevê a necessidade de criação de consultas de desabituação tabágica, planeadas regionalmente com o objectivo de promover ajuda para deixar de fumar (92).

Estas medidas são importantes para o apoio à desabituação tabágica, no entanto, a situação actual portuguesa requer medidas preventivas no sentido de evitar o início do consumo.

MEDIDAS ECONÓMICAS E A PREVENÇÃO DO CONSUMO DE TABACO Os estímulos ao consumo de tabaco são constantes, apesar dos esforços para os minimizar. A liberalização do comércio e o desaparecimento de barreiras às trocas comerciais permitiu um aumento da competitividade que se traduziu numa diminuição dos preços, mais publicidade para promoção do tabaco, e num consequente aumento do consumo.

As exigências do sector produtivo são muitas vezes contraditórias e até concorrenciais face aos objectivos da saúde pública, como é o caso do consumo de tabaco, o qual se assume como um paradigma de interesses conflituais entre os determinantes económicos e a prevenção do comportamento de fumar (93). As companhias multinacionais de tabaco reclamam uma mudança nas suas práticas de mercado e de marketing, mas o que se verifica é um aumento dos seus gastos em publicidade, nomeadamente em formas mais efectivas de atrair os mais jovens ao início do consumo. Promovem ainda campanhas de saúde que, à partida, são infrutíferas e continuam a opor-se à regulamentação do seu produto (93).

A maioria destas empresas multinacionais embarcou, através da Corporate Social Responsability (CSR), numa tentativa vigorosa de se redefinir como empresas com responsabilidade civil. Neste âmbito têm promovido um alargado leque de actividades que pretendem mostrar que a indústria tem aderido aos princípios do CSR, no entanto, existe pouca evidência de mudanças fundamentais nos seus objectivos ou práticas (27).

Uma intervenção eficaz requer a acção dos governos.

A subida do preço do tabaco resultaria numa queda do consumo de cigarros (12, 74). O aumento dos preços não iria reduzir somente o consumo de cigarros, mas também as prevalências de fumadores. Mais fumadores iriam decidir deixar de fumar e menos pessoas optariam por iniciar este hábito (12). Os adolescentes e as classes sociais mais desfavorecidas economicamente seriam os mais vulneráveis ao aumento dos preços.

O Estado gasta mais a minimizar os efeitos negativos do tabaco do que lucra com os impostos. Embora não haja dados em Portugal sobre este assunto, estudos de outros países que reflectem a realidade em geral e revelam que os gastos em saúde são muito superiores ao montante que o Estado obtém através dos impostos. Aos custos motivados pelas doenças e mortalidade, adicionam-se os custos socio-económicos devidos ao absentismo laboral, das incapacidades permanentes e da redução da esperança de vida.

PUBLICAÇÃO DE ARTIGOS CIENTÍFICOS COM DADOS DE PORTUGAL A investigação científica em saúde é essencial para cada país uma vez que contribui para o conhecimento dos problemas e identificação das prioridades permitindo o delineamento de estratégias de promoção e prevenção em saúde.

Numa pesquisa efectuada na Base de Dados da PubMed com as palavras chave tobacco OR smoking AND (país respectivo) obteve-se o número de publicações por cada país. Com esta informação calculou-se o número de publicações por milhão de população de cada país.

Registaram-se para Portugal cerca de 10 artigos por milhão de habitantes, quase 25 vezes menos do que o observado para a Suécia (Figura 13).

Na área biomédica, Portugal publica por ano cerca de 37,85 artigos por milhão de habitantes (94), sendo dos países da Europa com mais baixo número de publicações, o que se observa também relativamente ao tema do tabaco.

CONCLUSÔES Os efeitos do tabaco e as consequências que ele produz a nível da saúde estão bem estudados e documentados e fumar é o factor de risco modificável com o maior número de mortes atribuídas.

Portugal encontra-se num estádio da epidemia menos adiantado em relação à maioria dos países desenvolvidos.

Contudo, o padrão de evolução é distinto, verificando-se uma ligeira diminuição nos homens e um aumento nas mulheres, o que faz esperar além das complicações comuns a ambos os sexos, adicionais consequências na função reprodutiva e no resultado da gravidez.

Existem diferenças de consumo de cigarros entre as zonas rurais urbanas do país, sendo superior nas zonas urbanas O consumo de tabaco inicia-se, frequentemente, na adolescência, sendo as iniciativas destinadas à prevenção do consumo de tabaco especialmente importante nos adolescentes. A elevada prevalência de fumadores no grupo dos profissionais de saúde, nomeadamente nos médicos e enfermeiros, e nos professores, merece alguma atenção, uma vez que poderão funcionar como exemplos na sociedade.

A prevalência de consumo de tabaco é elevada nas grávidas, sendo necessárias fortes medidas de combate ao consumo de tabaco nesta população.

A adopção de medidas eficazes para o controlo do consumo do tabaco poderá permitir ultrapassar alguns estádios da epidemia.

A lei portuguesa sobre a Prevenção do Tabagismo é restritiva, sendo necessário uma entidade que fiscalize o seu efectivo cumprimento.

É importante a monitorização da prevalência de fumadores em Portugal, incluindo amostras representativas da população continental e regiões autónomas, que permitam a análise de dados estratificados, demográfica e socioeconomicamente, bem como trabalhos de investigação, com enfoque em grupos populacionais de adolescentes, grávidas e profissionais de saúde.


Download text