Hiperhidrose, simpaticectomia toracoscópica e satisfação dos adolescentes
INTRODUÇÃO
Hiperhidrose Focal Primária (HFP) define-se como a sudorese excessiva, em
quantidades desmesuradamente maiores que as necessárias para a normal
termoregulação corporal. Atinge principalmente as palmas das mãos, axilas,
plantas dos pés e região crânio-facial.
Ao contrário do que acontece na Hiperhidrose Secundária que se deve a uma causa
bem definida, seja ela infecciosa, endócrina ou neurológica, a etiologia da HFP
ainda não se encontra totalmente esclarecida.
Em termos epidemiológicos é uma patologia mais frequentemente descrita nos
adultos, notando-se o predomínio das mulheres no grupo submetido a correcção
cirúrgica. Ao contrário do que poderia pensar-se, tal não se deve a uma maior
incidência no sexo feminino mas sim a um maior grau de insatisfação com essa
condição nas mulheres e como tal maior predisposição a tratamento definitivo. A
HFP é subvalorizada nas crianças e adolescentes e na maior parte dos casos não
é reconhecida como patologia passível de correcção definitiva. Na realidade,
estudos publicados em 2004 (1) reportam uma incidência de 1,6% de HFP em
indivíduos com idade inferior a 18 anos. Em mais de 70% dos casos, a HFP tem
início em idade escolar e em 16-20% na adolescência (2), sendo muito pouco
frequente a apresentação inicial desta patologia em idade adulta. A história
familiar é positiva em 65% dos casos (1), sugerindo a possibilidade de uma
base genética.
Trata-se de uma patologia associada a perturbações emocionais e sociais fortes
na medida em que tem grande impacto na vida diária do doente. Tarefas simples
do dia-a-dia ficam comprometidas com a presença do excesso de sudorese: o pegar
na caneta para escrever, o abrir portas, o aperto de mão para cumprimentar e a
prática de alguns desportos. Pode implicar a mudança de vestuário mais que uma
vez por dia, a incapacidade de usar certo tipo de calçado e a impossibilidade
de estar em locais públicos, como alguns exemplos.
Se o adolescente por si só se encontra numa fase da vida especialmente
vulnerável, o adolescente com HFP sente-se ainda mais incapacitado na sua
esfera bio-psico-social. A HFP gera ansiedade, fobia social e até mesmo
depressão no indivíduo afectado.
Também o risco aumentado de infecções cutâneas não deve ser desvalorizado. A
presença de maior humidade da pele facilita o aparecimento de dermatofitoses e
verrugas.
Várias opções terapêuticas têm sido descritas para tratar esta condição
patológica (1). Em crianças e adolescentes, inclui-se como modalidade de
tratamento a aplicação de agentes tópicos, antitranspirantes com o cloreto de
alumínio. Estes quando usados em concentrações mais elevadas podem provocar
dermatites irritativas que são de tal forma exuberantes que tornam o seu uso
intolerável. Quando em concentrações mais baixas não apresentam normalmente a
eficácia terapêutica desejável. A toxina botulínica tipo A em injecções
intradérmicas promove a diminuição de produção local de suor. Porém, a sua
eficácia é apenas transitória, desaparecendo ao final de seis a doze meses. Por
outro lado, desenvolve-se resposta imunológica com produção de anticorpos
contra a toxina, implicando a sua ineficácia a médio prazo. Está ainda
associada a efeitos secundários como fraqueza muscular generalizada e eventual
dificuldade respiratória. A iontoforese está descrita como sendo aplicável na
HFP palmar e plantar. No entanto, ainda não estão publicados estudos da sua
utilização para este efeito em crianças e adolescentes. A medicação sistémica
com anti-colinérgicos, bloqueadores dos canais de cálcio, clonidina e
benzodiazepinas promove efectivamente a diminuição da sudorese. Para isso terão
de ser administradas doses elevadas e como tal associam-se a efeitos
secundários indesejados.
A simpaticectomia tem-se revelado como uma boa opção terapêutica. A sua
realização por toracoscopia alia todas as vantagens inerentes a uma cirurgia
minimamente invasiva a resultados claramente satisfatórios. Na população mais
jovem, as premissas associadas à cirurgia minimamente invasiva torácica tornam-
se ainda mais relevantes: melhor efeito estético, maior facilidade da técnica
cirúrgica, menor probabilidade de complicações e menor tempo de internamento.
No entanto, a realização da simpaticectomia, quer por toracotomia quer por
toracoscopia, associa-se ao aparecimento de sudorese compensatória (SC) noutras
regiões corporais (3,4,5).
OBJECTIVO
Avaliação da interferência da Hiperhidrose Axilar e Palmar (HAP) no dia-a-dia
dos adolescentes, antes e após a cirurgia, avaliação da presença de sudorese
compensatória e avaliação da morbilidade cirúrgica associada.
MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de um estudo prospectivo que inclui quatro doentes (três do sexo
feminino; um do sexo masculino; idade média 17 anos) submetidos a
simpaticectomia toracoscópica no nosso Serviço entre 2008 e 2010.
O procedimento cirúrgico foi realizado no Bloco Operatório sob anestesia geral
com entubação selectiva com o doente posicionado em decúbito dorsal com tórax
elevado a 60º e membros superiores abduzidos a 90º. Foram colocados dois
trocars de 5 mm no quarto espaço intercostal (um na linha médio-axilar e outro
na linha axilar anterior). A simpaticectomia foi realizada por secção total de
T2 a T4 por electrocoagulação (Figura 1). O pneumotórax é drenado no final da
cirurgia, não havendo necessidade de se colocar dreno torácico no pós-
operatório. O mesmo procedimento foi repetido bilateralmente. Excepto num caso,
a alta foi dada nas primeiras 24h subsequentes à cirurgia.
Figura 1 ' Interrupção do impulso nervoso em T2 e T3 da cadeia simpática
torácica, por electrocoagulação toracoscópica
A informação foi colhida por entrevista pessoal e telefónica. Antes da
cirurgia, os doentes foram questionados se tinham de mudar de roupa mais de
duas vezes por dia por causa da HAP e se consideravam que esta interferia muito
com a sua auto-estima. Também previamente à cirurgia, foi aplicada a
Hyperhydrosis Disease Severity Scale(HDSS) (International Hyperhydrosis
Society®) (Figura 2).
Figura 2 ' HDSS (Hyperhydrosis Disease Severity Scale ' International
Hyperhydrosis Society®)
Após a cirurgia, a HDSS foi novamente aplicada na primeira semana, seis meses e
um ano de pós-operatório.
RESULTADOS
Pré-operatoriamente, todos os doentes tinham de mudar de roupa mais de duas
vezes por dia por causa da hiperhidrose e todos os doentes consideravam que
esta interferia muito com a sua auto-estima. Também classificaram a sua HAP no
grau máximo da HDSS (A minha sudorese é intolerável e interfere sempre com as
minhas actividades diárias), correspondendo a hiperhidrose grave.
Uma semana após a cirurgia, no que diz respeito ao grau de hiperhidrose, este
traduziu-se num HDSS 2 em um doente e HDSS 1 nos restantes três. Aos seis meses
e um ano de pós-operatório a classificação HDSS foi idêntica (Figura 3). De
notar que imediatamente no primeiro dia de pós-operatório, os doentes
constataram o desaparecimento da HAP.
Figura 3 ' Evolução da HDSS antes e após a simpaticectomia toracoscópica (ST)
Quanto à SC, esta manifestou-se desde a primeira semana de pós-operatório. Em
dois doentes foi apontada ao tórax, num doente aos joelhos e noutro era do tipo
gustatório. Apesar de sempre presente (Figura 4), os doentes referiram que esta
foi diminuindo em quantidade ao longo de todo o tempo de seguimento.
Figura 4 ' Evolução da sudorese compensatória (SC) durante o primeiro ano de
pós-operatório
Não houve registos de morbilidade cirúrgica associada.
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Pré-operatoriamente, todos os doentes no nosso estudo não só se incluíam no
grau máximo de hiperhidrose da HDSS (A minha sudorese é intolerável e
interfere sempre com as minhas actividades diárias) como afirmavam que tinham
de mudar de roupa mais de duas vezes por dia por causa da HAP e que esta
interferia muito com a sua auto-estima, traduzindo um grau elevado de
insatisfação com a sua condição. De facto, e em concordância com o descrito na
literatura, esta era uma situação dramática na vida dos adolescentes (6).
Após a cirurgia, verificou-se não só a presença constante da SC como também a
sua precoce manifestação durante o período de seguimento destes doentes. Não
obstante esse facto, em todos houve uma melhoria acentuada no grau de
hiperhidrose como revelou a classificação HDSS do pós-operatório. Em três
doentes o HDSS 4 do pré-operatório alterou-se para HDSS 1 (A minha sudorese é
imperceptível e nunca interfere com as minhas actividades diárias) logo na
primeira semana pós-cirurgia. Num doente, no pós-operatório essa classificação
foi HDSS 2 (A minha sudorese é tolerável mas às vezes interfere com as minhas
actividades diárias). Assim, em todos os doentes houve pelo menos uma melhoria
em dois graus na HDSS o que corresponde a uma melhoria de pelo menos de 80% na
HAP inicial. Esta melhoria não só foi imediata, como se constatou na primeira
semana após a ST, mas também foi mantida ao longo do primeiro ano de
seguimento.Assim e apesar da presença da SC, os adolescentes mostraram-se muito
satisfeitos com a cirurgia e os seus resultados.
No entanto, o elevado grau de satisfação apresentado no pós-operatório pode ter
sido condicionado pela influência negativa de uma grande insatisfação com a
condição antes da cirurgia. Independentemente dessa influência, o facto é que
objectivamente houve melhoria da HAP. E essa mesma melhoria na HAP e da
satisfação dos doentes foi imediata, acentuada e mantida ao longo do tempo.
Apesar da pequena amostra de doentes, os nossos resultados enfatizam o facto
de que a HAP é uma condição dramática para os adolescentes. Porém é facilmente
tratada com a ST e associa-se a uma SC bastante tolerável, devendo merecer mais
atenção em idade pediátrica.