Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe0872-81782006000100003

EuPTCVHe0872-81782006000100003

National varietyEu
Year2006
SourceScielo

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

INJECÇÃO INTRALESIONAL DE BETAMETASONA NAS ESTENOSES BENIGNAS DO ESÓFAGO

INTRODUÇÃO

Os processos inflamatórios crónicos do esófago, associados ou não a ulceração da mucosa, podem complicarse com a formação de estenoses resultando em disfagia.

Este facto poderá ocorrer em situações tão diversas como a doença de refluxo, esofagite infecciosa, ingestão de drogas ou substâncias cáusticas, pós radioterapia, após esclerose endoscópica de varizes esofágicas ou pós-cirurgia (independentemente da patologia de base) (1). Pensa-se que este fenómeno resultará de uma proli- feração reaccional de tecido fibroso e acumulação de colagéneo que progressivamente reduz o calibre e a distensibilidade luminal.

O tratamento de primeira linha nestas situações é a dilatação endoscópica, embora seja comum haver necessidade de intervenções frequentes (associada a um alto risco de recorrência da estenose e dos sintomas). A própria agressão representada pelas sessões repetidas de dilatação leva ao aumento da fibrogénese durante o processo reparativo dos tecidos, o que explica em grande parte essa tendência para a recidiva (1).

Focamos neste trabalho a injecção intralesional de betametasona associada à dilatação, uma vez que esta prática permite aumentar o intervalo entre as sessões de terapêutica endoscópica, melhorar o estado nutricional e qualidade de vida dos doentes, evitando o recurso a métodos mais dispendiosos e agressivos para resolução dos sintomas (2) (sobretudo atendendo a que muitos dos doentes são idosos, com comorbilidades importantes e, por isso, com más condições cirúrgicas). Existem dados promissores em termos de eficácia e segurança (1,2), estando mesmo prevista esta opção terapêutica nas recomendações emitidas pela SPED (3). No entanto, por ser escassa a experiência e as publicações existentes a nível nacional relativas a esta técnica, descrevemos a nossa casuística focando alguns aspectos teóricos relativos ao tema.

OBJECTIVOS Avaliar a segurança e eficácia da associação de dilatação e injecção endoscópica de betametasona nas estenoses benignas do esófago.

MATERIAL E MÉTODOS Procedemos à análise retrospectiva dos relatórios das dilatações efectuadas num período de sete anos, entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2004, seleccionando os casos de estenoses benignas do esófago nos quais foi usada a associação dilatação/injecção de betametasona intralesional. Nas dilatações foram usados dilatadores Savary ou balões TTS; as injecções de betametasona foram aplicadas imediatamente após a dilatação, com recurso a agulha de esclerose, procedendo-se à diluição de 14 mg de betametasona (1 ampola) em soro fisiológico até perfazer 4cc, com posterior administração de 1cc da diluição em cada quadrante ao nível da estenose.

Foram incluídos 31 doentes (21 do sexo masculino e 10 do sexo feminino), com idades compreendidas entre os 15 e os 89 anos (média de 58,8 anos, mediana de 62).

Desses, 21 se encontravam em programa de dilatação electiva, tendo os outros 10 doentes realizado injecção intralesional de betametasona na primeira sessão. A etiologia das estenoses foi mais frequentemente pós-cirúrgica (em 16 doentes), seguida das estenoses pépticas (11 casos) e cáusticas (5 casos).

Registámos o diâmetro máximo obtido pelas dilatações antes e depois da injecção de betametasona, bem como o número e periodicidade das sessões de terapêutica.

Calculámos o Índice de Dilatação (ID) antes e após a injecção de corticoide, conforme proposto por Kocchar (4), representando o número médio de dilatações / mês.

Baseámos a avaliação da eficácia do método na presença de um maior diâmetro luminal após a terapêutica e na redução do ID. A análise dos dados foi feita no programa SPSS, e o significado estatístico avaliado com o Teste T de Student.

Finalmente, a segurança foi julgada de acordo com registos de eventuais complicações existentes nos processos clínicos dos doentes.

RESULTADOS Análise global: Estudámos um total de 195 sessões de dilatação, entre 1 e 17 por doente, com média de 6,32 (mediana de 5). Efectuaram-se 71 injecções de betametasona (entre 1 e 8 por doente, com média de 2,29 e mediana de 2).

Em média, os doentes iniciaram as injecções intralesionais de betametsona 1,6 meses após a primeira dilatação endoscópica (entre zero e 6 meses, mediana de 0,5 meses), tendo-se mantido posteriormente com sessões de terapêutica endoscópica durante uma média de 5,7 meses (entre zero e 30, mediana de 2,5). O follow-up total foi em média de 7,3 meses (mediana 5 meses, min.0, max.30). O tempo entre injecções foi, em média, de 2,1 meses (mediana de 1,5).

Dentre os doentes estudados, três ( em programa de dilatação electiva) não tiveram necessidade de mais sessões de dilatação após a primeira (e única) injecção de betametasona, uma vez que permaneceram assintomáticos (tabela 1). Em quatro casos foi apenas necessária uma sessão de tratamento (dilatação + injecção intralesional), sem necessidade de qualquer intervenção adicional durante todo o período em estudo. Esses doentes tinham estenoses pouco cerradas, pós-cirúrgicas (3 casos) ou cáusticas (1 caso), dilatadas ab initio até diâmetros entre 13-15 mm.

Eficácia: o diâmetro luminal médio obtido antes e após a injecção intralesional foi, respectivamente, de 13,34 mm e 13,6 mm. Esta diferença não tem significado estatístico (desvio padrão 2,25; p=0,208). Por outro lado, o índice de dilatação médio "pré-injecção" foi de 2,30 e "pós-injecção" de 0,95, o que representa uma diminuição de cerca de 1,35 dilatações/mês após a terapêutica com corticoide. Este valor é estatisticamente significativo, com p =0,002 (desvio padrão de 1,61), representando uma diminuição real das necessidades de dilatação após a injecção intralesional de betametasona.

Na tabela 2 resumem-se os principais dados recolhidos, estratificados segundo a etiologia das lesões.

Verificamos que o acréscimo de diâmetro luminal obtido nas estenoses cáusticas foi um pouco maior que nos restantes casos; no entanto, esta diferença carece de significado estatístico (p > 0,200). O mesmo se passa com a análise dos índices de dilatação estratificados por patologias, os quais não apresentam uma diferença significativa entre si.

Segurança: Não encontrámos registos de quaisquer eventos adversos ocorridos na sequência da terapêutica (quer dilatação isoladamente, quer dilatação/betametasona).

DISCUSSÃO A base fisiopatológica para a injecção intralesional de corticosteroides nas estenoses benignas do esófago reside na sua capacidade de diminuir a resposta inflamatória e a síntese de colagéneo, inibindo a formação de tecido cicatricial após a dilatação endoscópica (5). Por não haver significativa interferência com o tecido fibrótico "estabelecido", o timing ideal para a injecção intralesional dessas substâncias será logo após a dilatação, altura em que disrupção do tecido cicatricial existente e indução de um processo inflamatório agudo, prevenindo a formação posterior de fibrose e reestenoses (1).

Existem vários trabalhos acerca do uso da triancinolona com esta indicação; contudo, são raras as publicações utilizando a betametasona intralesional nas estenoses benignas do esófago, encontrando-se referido na literatura apenas um estudo espanhol (6). No entanto, o seu uso consta das recomendações publicadas pela SPED referentes ao tratamento endoscópico das estenoses benignas do esófago (3), na dose de 2,5 a 3,75 mg por picada (diluída em NaCl 0.9%, distribuída igualmente pelos quatro quadrantes). Uma vez que esta é uma substância mais lipofilica do que a triancinolona, existe a possibilidade teórica de se acumular a nível do tecido adiposo, pelo que está recomendado o uso preferencial de triancinolona (na dose de 80 ou 20 mg, consoante se trate do sal simples ou do hexacetonido).

Não é consensual o número de sessões de injecção necessárias ou a sua periodicidade óptima, bem como se esta deverá ser levada a cabo ab initio ou após várias sessões de dilatação que garantam um diâmetro luminal satisfatório. Alguns autores propõem que a injecção seja feita logo na sequência da primeira sessão de dilatação (em três diâmetros crescentes), realizando-se nova injecção se posteriormente, após 4 sessões de dilatação, não houver melhoria da disfagia (6). Por outro lado, noutros trabalhos utilizando a triancinolona, preconizase a dilatação prévia até um diâmetro satisfatório de 15 mm, depois se propondo a corticoterapia (1). No nosso centro, não existiu um protocolo rígido para o início da terapêutica, tendo-se optado pela injecção intralesional de corticoides quando havia a percepção da ineficácia da dilatação isoladamente. Também o número de injecções foi muito variável (entre 1 e 8 por doente, com média de 2.29), não existindo na literatura recomendações precisas a esse respeito. Assim, alguns autores colocam o limite de 3 injecções como sendo razoável (1,4), havendo outros que propõem aplicações múltiplas de acordo com a necessidade clínica e sem uma periodicidade ou limite máximo estabelecidos (4), podendo essas aplicações repetidas ter a longo prazo um efeito aditivo. Parece-nos adequado prosseguir com as dilatações / injecções enquanto se verificar uma resposta quer endoscópica quer clínica; caso contrário, será razoável propor uma solução cirúrgica.

Os nossos resultados demonstram a eficácia da técnica, dada a menor necessidade de dilatação após terapêutica com corticoide (decréscimo de 1,35 sessões/mês). No entanto, essa eficácia não se reflectiu no diâmetro luminal obtido no final, o que pode ser explicado pelos diâmetros razoáveis existentes à partida (em média 13,34mm), podendo ser que o principal efeito do tratamento tenha sido prevenir as re-estenoses mais do que facilitar a dilatação até maiores calibres.

Não verificamos diferença significativa nos resultados de acordo com a etiologia da estenose, havendo apenas uma tendência para um maior acréscimo de diâmetro luminal nas lesões cáusticas. No entanto, estes dados são contrários aos que têm vindo a ser publicados, estando descritos piores resultados nesses casos uma vez que são lesões geralmente mais longas, mais estenosantes, com maiores taxas de recidiva e, por isso, requerendo mais frequentemente sanção cirúrgica para a sua resolução (6). Esta discrepância estará, com toda a probabilidade, relacionada com a pequena dimensão da nossa amostra.

Não encontrámos complicações significativas decorrentes deste procedimento, que parece assim ser uma técnica segura. Contudo, estão descritos os riscos de inflamação local da parede esofágica, infecção intramural, perfuração ou hemorragia, embora todas estas sejam ocorrências raras e que surgem geralmente no contexto de estenoses cáusticas (1,3).

Os trabalhos mais recentes sugerem que a injecção de corticoides guiada por ecoendoscopia com minissonda, dirigida ao segmento mais espessado da estenose, pode aumentar a eficácia do procedimento, sendo necessários mais estudos para validar esta técnica (sobretudo nos doentes refractários à terapêutica pelos métodos convencionais) (1,7).

CONCLUSÃO A injecção intralesional de betametasona parece ser uma técnica segura e eficaz, proporcionando um maior intervalo livre de sintomas entre dilatações com consequente melhoria da qualidade de vida dos doentes. Por outro lado, é uma técnica de fácil execução e que não acarreta custos significativos. No entanto, os nossos resultados não permitem tirar conclusões dado o pequeno número de doentes estudados. Assim, são necessários ainda estudos prospectivos e randomizados, com um maior número de doentes, que clarifiquem quais as doses eficazes, o número de sessões e o timing ideal para inicio da terapêutica.


Download text