HEPATITE C - CASUÍSTICA DA CONSULTA DE HEPATOLOGIA DE UM HOSPITAL DISTRITAL
A Organização Mundial de Saúde (OMS) calcula que
cerca de 3% da população mundial está infectada com o
vírus da hepatite C (VHC), ou seja, 170 milhões de indivíduos (1). A elevada probabilidade de evolução da
infecção para a cronicidade (55 a 85%), responsável pelo
número crescente de casos de doença hepática avançada
e de carcinoma hepatocelular (CHC)(2), tornam esta
entidade um problema de saúde pública a nível mundial(1). Em muitos países, como Portugal, desconhece-se
a verdadeira magnitude do problema e a contribuição relativa das várias vias de transmissão, o que limita a
implementação das medidas preventivas adequadas
(3,4,5). Em Portugal, estima-se que a prevalência, na
população geral, do anticorpo para o VHC seja de
1,5%(5). Dados da Direcção Geral de Saúde (DGS), referentes ao período de 2001 a 2005, mostram que 84,3%
(664/788) dos indivíduos infectados se encontravam na
faixa etária entre os 15 e os 44 anos (6). Este facto e a
história natural da hepatite crónica C, em que 5 a 25%
dos doentes evoluem para cirrose em 20 anos (2), dos
quais 30%, em cerca de uma década, progridem para
doença hepática terminal (7) e 1 a 4%, por ano, desenvolvem CHC(2), fazem prever que, em Portugal, o
número de mortes por doença hepática crónica (DHC)
associada ao VHC duplicará, dentro de 10 a 20 anos (8).
A infecção aguda pelo VHC, por ser habitualmente assintomática, não é diagnosticada (9). Quando a infecção
é sintomática, o sistema imunológico consegue, em 15 a
50% dos casos, eliminar espontaneamente o vírus (9,10).
O tratamento da infecção aguda ainda é motivo de con-
trovérsia, nomeadamente no que diz respeito a recomendações que definam quem e quando tratar (11). Alguns
autores defendem uma atitude expectante para os genótipos que apresentam, na fase crónica, melhores taxas de
resposta ao tratamento (10).
Desde a descoberta do VHC, em 1989, a abordagem terapêutica da hepatite crónica C tem sofrido importantes
avanços (12). O Interferon alfa (IFN-α) em monoterapia,
introduzido no início dos anos 90(13), foi a primeira
esperança, para os doentes cronicamente infectados, de
que o vírus poderia ser erradicado(12). A erradicação do
vírus define-se clinicamente pela persistência de
virémias indetectáveis 6 meses após a terapêutica resposta virológica sustentada (RVS)(14). No entanto,
apenas 15 a 20% dos doentes respondiam a este regime
terapêutico (12).
O reconhecimento de que a associação da Ribavirina
(RBV) potenciava o efeito do IFN-α foi um importante
passo para o tratamento da hepatite C crónica (12). Com
este esquema terapêutico foi possível duplicar a taxa de
RVS (12). A partir de 2001(13), desenvolveram-se formas modificadas de IFN-α com maior eficácia quando
combinadas com a RBV(12). O Peginterferon (PEGIFN)
combinado com a RBV incrementou a percentagem de
RVS para mais de 50% (14). Algumas características
relacionadas com o doente e com o vírus podem influenciar a resposta ao tratamento (7,14). A idade inferior a 40
anos, o sexo feminino, o baixo índice de massa corporal,
a ausência de fibrose em ponte ou cirrose, os genótipos
2 e 3, a baixa carga viral (< 800000 IU/ml) e a resposta
virológica precoce (RVP) são factores preditivos de
RVS (7,14,15). Terapêuticas futuras incluirão novos
IFNs com maior eficácia anti-viral e propriedades
imunomodeladoras reforçadas, e alternativas à RBV
com melhor tolerância (16).
Até ao aparecimento de novas terapêuticas, estamos perante uma doença frequente com elevada morbilidade,
sem terapêutica totalmente eficaz ou vacina (8).
No nosso hospital, a consulta de Hepatologia iniciou-se
em 1991 e era realizada por apenas um médico especialista. Nos anos seguintes, o movimento da consulta
aumentou exponencialmente, de tal modo que no período de Janeiro de 1995 a Dezembro de 2004 foram assistidos mais de 17000 doentes, sendo actualmente a consulta assegurada por 3 especialistas.
OBJECTIVOS
Os objectivos deste estudo foram:
1. Caracterizar a população seguida na consulta de hepatologia com diagnóstico de hepatite C, relativamente aos
seus aspectos demográficos, epidemiológicos e clínicos
2. Avaliar a eficácia da terapêutica e os seus efeitos
secundários
3. Identificar factores preditivos de resposta terapêutica
DOENTES E MÉTODOS
Análise retrospectiva dos doentes com diagnóstico de
hepatite C (demonstrado pela presença do anticorpo
anti-VHC, testes qualitativos (Cobas Amplicor Hepatitis
C Virus Test, versão 2.0) e quantitativos (Cobas
Amplicor Hepatitis C Virus Monitor Test, versão 2.0)
para o ARN sérico do VHC) seguidos na consulta de
Hepatologia do nosso Hospital, no período decorrido
entre 1995 e 2004.
Através da consulta dos processos clínicos foram avaliadas as seguintes variáveis: dados demográficos (idade,
sexo, raça), provável via de transmissão da infecção,
características da infecção (carga viral, genótipo, características histológicas), terapêutica anti-viral, resposta
terapêutica, adesão ao tratamento e efeitos secundários.
Os esquemas terapêuticos utilizados para a hepatite C
crónica foram o IFN-α em monoterapia, o IFN-α em
associação com a RBV e o PEGIFN e a RBV na posologia e duração recomendadas (IFN-α 2a: 6 milhões de UI
3x semana; IFN-α 2b: 5 milhões de UI 3x semana; RBV:
800 mg nos genótipos 2 e 3, 1000 ou 1200 mg nos
genótipos 1 e 4, ajustado ao peso inferior ou superior a
75 Kg, respectivamente; PEGIFNα2a:180µg/semana;
PEGIFNα2b: 1,5µg/Kg/semana; 12 meses de tratamento
nos genótipos 1 e 4 e 6 meses nos restantes genótipos).
Considerámos a presença de RVP e RVS quando a avaliação qualitativa do ARN do VHC foi negativa 12 semanas após o início da terapêutica e 6 meses após o final
do tratamento, respectivamente. A existência de resposta ao tratamento (RV) incluiu os casos de resposta parcial (persistência de virémias detectáveis, apesar da
descida do ARN do VHC superior ou igual a 2 log
durante o tratamento), os casos de escape (reaparecimento do ARN do VHC durante o tratamento) e de
recidiva (reaparecimento de cargas virais detectáveis
após suspensão do tratamento). Definimos ausência de
resposta nos casos em que a virémia se manteve constante ou
se verificou uma diminuição inferior a 2 log, de acordo
com os critérios internacionais (7).
A carga viral foi classificada em baixa, se inferior a
600000 UI/ml, alta, se superior a 800000 UI/ml ou intermédia, se superior ou igual a 600000 UI/ml e inferior ou
igual a 800000 UI/ml.
Na avaliação da histologia hepática apenas se considerou o estádio de fibrose. Os métodos utilizados para a
graduação da fibrose foram o índice de Knodell, o sistema modificado de Ishak e, em alguns casos, a ava-
liação subjectiva do anatomopatologista. De acordo com
os vários métodos utilizados, a fibrose foi quantificada
em 3 níveis: ausente/ligeira, moderada ou grave.
A análise estatística foi efectuada em SPSS versão 13.0,
utilizando os testes de Kruskal Wallis, Mann -Whitney e
Fisher. Os resultados foram considerados estatisticamente significativos para um intervalo de confiança de
95% (p<0,05).
RESULTADOS
Hepatite C Aguda
Reportámos 13 casos de hepatite C aguda, dos quais 6
abandonaram a consulta. Dos restantes, 5 fizeram terapêutica com IFN-α e 1 com a associação IFN-α e
RBV, nas doses e duração estabelecidas (IFN- 2b: 5 milhões de UI/dia durante 4 semanas, seguida de 5 milhões
de UI 3x semana durante 20 semanas; RBV: 1000 ou
1200 mg de acordo com o peso, durante 6 meses.
Verificou-se uma taxa de resposta de 83%. Num doente
optou-se por vigilância tendo-se constatado evolução
para a cronicidade.
Hepatite C Crónica
Características Demográficas, Epidemiológicas e Clínicas
Foram identificados 618 doentes, 74% do sexo masculino, 99% de raça branca e com média de idades de 36,7
anos (variando entre os 15 e 79 anos). (Quadro 1)
Em 75% dos casos foi possível identificar a via provável de transmissão do VHC. A via parentérica esteve
implicada em 74% dos casos (61% dos doentes tinham
história de toxicofilia, 13% de transfusões); a transmissão por via sexual verificou-se em apenas 1% dos casos.
(Quadro 1)
Dos 408 doentes em que foi determinado o genótipo do
VHC, 60,8% (248) eram genótipo 1a/1b, 30,6% (125)
genótipo 3a, 7,6% (31) genótipo 4 e 1% (4) genótipo 2.
(Quadro I) A análise da via de transmissão de acordo
com os genótipos revelou que a via parentérica foi
responsável por 68% (169) dos casos genótipo 1a/1b,
75% (3) genótipo 2, 78,4% (98) genótipo 3a e 77,4%
(24) genótipo 4. Salienta-se a maior percentagem de toxicofilia nos doentes infectados com genótipo 3a (72%),
quando comparado com o genótipo 1a/1b (52,8%),
sendo esta diferença estatisticamente significativa
(p<0,05, teste de Kruskal-Wallis) (Quadro 2).
O estudo da carga viral foi efectuado em 390 doentes. A
carga viral foi baixa em 44% (172), intermédia em 37%
(144) e alta em 19% (74). Não se encontraram diferenças
estatisticamente significativas relativamente ao valor da
carga viral para os diferentes genótipos.
Duzentos e vinte e quatro doentes realizaram biopsia
hepática, dos quais 139 (62%) apresentavam fibrose
ligeira ou ausente, 56 (25%) fibrose moderada e 29
(13%) fibrose grave (Quadro 1).
Terapêutica Anti-Viral
Foram submetidos a tratamento 284 doentes que fizeram, no total, 402 cursos terapêuticos: 115 (29%) com
IFN- α; 145 (36%) com a associação IFN-α e RBV; 142
(35%) com PEGIFN e RBV, na posologia e duração
acima referidas.
Cento e noventa de dois doentes completaram a terapêutica tendo-se observado erradicação do vírus em 52%.
Em 87% dos doentes que responderam de forma sustentada à terapêutica apenas foi necessário um único curso
terapêutico.
Apresentamos os resultados da resposta ao tratamento
para os diferentes esquemas terapêuticos e genótipos.
Excluímos os doentes que abandonaram a terapêutica
(28 doentes), que suspenderam o tratamento por efeitos
secundários (51 doentes) e os que estavam no decurso do
tratamento (13 doentes).
Terapêutica Anti-Viral (1995-1998)
Durante este período, 37 doentes cumpriram terapêutica
recorrendo a 39 cursos terapêuticos, 30 com IFN-α e 9
com IFN-α e RBV (IFN-α 2a: 6 milhões de UI 3x semana; IFN-α2b: 5 milhões de UI 3x semana; RBV: 1000
ou 1200 mg/dia ajustado ao peso inferior ou superior a
75Kg; durante 12 meses).
Com o esquema terapêutico em monoterapia, obtivemos
resposta ao tratamento em 57% dos casos mas, apenas
46% foram RVS. Todos os doentes tratados eram
doentes naïve. A taxa de não respondedores foi de 43%.
A associação da RBV foi utilizada em 9 doentes, dois
eram doentes não respondedores ao IFN-α. Obtivemos
resposta virológica em 89% dos casos, dos quais 66,7%
foram RVS. A taxa de não respondedores foi de 11,1%
(Quadro 3).
Salientamos que neste período não dispúnhamos dos
métodos de determinação do genótipo.
Terapêutica Anti-Viral (1999-2004)
Genótipo 1a/1b
Noventa de dois doentes cumpriram terapêutica.
Fizeram-se 138 cursos terapêuticos. A associação
PEGIFN e RBV foi utilizada em 45 cursos obtendo-se
uma RVS de 38%. Realçamos que este esquema terapêutico nos doentes naïve (23 doentes) atingiu uma
taxa de RVS de 52,2%. (Quadro 4)
Genótipo 2
Foi submetido a terapêutica apenas 1 doente. Fez 3 cursos
terapêuticos mas não respondeu.
Genótipo 3a
Cinquenta e quatro doentes cumpriram terapêutica.
Fizeram-se 59 cursos terapêuticos utilizando-se o IFN-α
em 12 casos, a combinação IFN-α e RBV em 27 casos
e a associação PEGIFN e RBV em 20 casos. Com este
último esquema terapêutico atingiu-se uma taxa de RVS
de 85%. Salientamos que os cinco doentes retratados
responderam de forma sustentada. (Quadro 5)
Genótipo 4
Oito doentes cumpriram terapêutica. Fizeram-se 9 cursos terapêuticos, 7 com IFN-α e RBV (todos doentes
naïve) e 2 com PEGIFN e RBV (1 retratado por recidiva
após terapêutica com IFN-α e RBV). Dos doentes que
fizeram o primeiro esquema terapêutico 3 não responderam, 1 recidivou e 3 obtiveram RVS (43%). Os 2
doentes que fizeram terapêutica com PEGIFN e RBV
responderam de forma sustentada.
Reacções Adversas ao Tratamento
Mais de 50% dos doentes apresentaram efeitos
secundários mas, em apenas 18% dos casos, estes efeitos
foram suficientemente graves para justificar a suspensão
da terapêutica.
Os três esquemas terapêuticos estiveram implicados no
aparecimento dos efeitos secundários registados (o IFN-α em 23,2%, a associação IFN-α e RBV em 34,1% e o
PEGIFN e RBV em 42,7% das reacções adversas).
O número de reacções adversas não diferiu com significância estatística entre os vários esquemas terapêuticos (p = 0,256, teste de Kruskal-Wallis).
A maioria das reacções adversas foram do foro neuropsiquiátrico (26%), como a depressão e a irritabilidade, e do foro hematológico (22%), nomeadamente anemia e
leucopénia. Em 5% dos casos registaram-se alterações
endocrinológicas, designadamente alterações da função
tiroideia.
Aderência à Consulta e ao Tratamento
Após a primeira consulta, 161 doentes (26%) abandonaram o seguimento, sendo a maioria toxicodependentes. A taxa de abandono da terapêutica foi de 10%
(28 doentes).
Transplante Hepático
Dezanove doentes foram propostos para transplante, dos
quais 5 foram transplantados, 2 por carcinoma hepatocelular.
Análise Estatística dos Resultados
Foi analisada a distribuição por sexo dos diferentes
genótipos. Verificou-se que a percentagem de doentes do
sexo masculino infectados com genótipo 1a/1b e 3a foi
de 57% e 34%, respectivamente. No sexo feminino a
diferença da prevalência entre os dois genótipos foi
expressivamente maior (71% genótipo 1a/1b e apenas
20% genótipo 3a). A diferença da prevalência entre os
genótipos 1 e 3 foi maior para o sexo feminino do que
para o sexo masculino, sendo esta diferença tendencialmente significativa (p = 0,067, teste de Kruskal-Wallis).
(Quadro 6)
Tal como referido anteriormente, encontraram-se diferenças estatisticamente significativas quando comparámos as vias de transmissão para os diferentes genótipos
(p<0,05, teste de Kruskal-Wallis) (Quadro 2).
Na relação entre o estádio de fibrose e a carga viral,
observámos que a diferença entre a percentagem de indivíduos com carga viral alta e baixa/intermédia foi estatisticamente significativa para os doentes com fibrose
grave, em que 80% apresentaram elevada carga vírica e
apenas 20% carga viral baixa/intermédia (p<0,05, teste
de Kruskal-Wallis) (Quadro 6).
Quando fomos avaliar a resposta ao tratamento em
função do esquema terapêutico utilizado, verificámos
que apenas para o genótipo 1 a terapêutica com PEGIFN
e RBV melhorou significativamente a taxa de resposta
ao tratamento relativamente aos restantes esquemas terapêuticos utilizados (p = 0,002, teste de Kruskal-Wallis).
Finalmente, relativamente às variáveis associadas à RVS
observámos que apenas o genótipo 3, a baixa carga viral,
a fibrose ligeira e a RVP se associaram, com significado
estatístico, à RVS (p<0,05, teste de Fisher) (Gráfico 1).
DISCUSSÃO
Para que possamos controlar esta doença impõe-se, em
primeiro lugar, o conhecimento do problema na população portuguesa.
A carência de dados epidemiológicos caracterizadores
da hepatite C deve-se à escassez de estudos populacionais no nosso país.
Num estudo multicêntrico português, apresentado, em
2006, no XXXI Congresso Anual da Fundação e
Associação Espanhola para o Estudo do Fígado, no qual
o nosso centro também participou, foram incluídos 567
doentes com hepatite C crónica, 75% do sexo masculino
e com idade média de 37,4 anos. Este estudo revelou
que, em Portugal, o genótipo 1 é o mais frequente
(52,2%) seguido do genótipo 3 (34%); o consumo de
drogas intravenosas é a forma mais frequente de
aquisição da infecção (58,7%); apenas 6,47% dos
doentes apresentavam critérios de cirrose na biopsia
hepática. Cerca de 40% dos doentes não iniciaram terapêutica, a maioria por normalidade das transaminases e
outros por abandono da consulta (7,5%).
No nosso estudo a caracterização demográfica e epidemiológica da hepatite C crónica é semelhante à da
restante população portuguesa. Contudo, verificámos
uma taxa de abandono da consulta (26%), bastante superior à encontrada no estudo multicêntrico, anteriormente
referido. Este aspecto prende-se, provavelmente, com a
elevada percentagem de doentes ex-toxicodependentes
(61%), na nossa serie, muitos dos quais provenientes de
centros de desintoxicação e ainda em processo de recuperação. Da mesma forma se explicará a elevada taxa de
abandono da terapêutica.
Na nossa série, à semelhança do estudo multicêntrico
português anteriormente referido, o genótipo 1 foi o
mais prevalente (61%), mesmo em doentes com história
de toxicofilia (52,8%). No entanto, verificou-se uma
importante percentagem de doentes infectados com o
genótipo 3a (31%), na sua maioria e com significado
estatístico, com história de consumo de drogas intravenosas (72%) e com idade média inferior aos doentes
genótipo 1 (33 vs 41 anos). Estes dados sugerem que os
doentes genótipo 3a corresponderão aos ex-toxicodependentes mais jovens. De facto, sabe-se que o genótipo 3a,
com origem na Ásia, desde os anos sessenta, tem sofrido
forte disseminação entre os consumidores de drogas
intravenosas, sendo encontrado com frequência neste
grupo de indivíduos (17). O aumento do genótipo 3a
entre os toxicodependentes justificará a menor diferença
da distribuição dos genótipos 1 e 3 encontrada no sexo
masculino quando comparado com o sexo feminino, já
que a nossa série é composta maioritariamente por
doentes ex-toxicodependentes do sexo masculino.
Neste sentido, as medidas preventivas da hepatite C, na
nossa população, deverão focalizar-se sobretudo no
grupo de doentes toxicodependentes, fomentando medidas de higiene, o diagnóstico precoce através do rastreio
e o apoio necessário para a recuperação e integração
destes indivíduos na sociedade.
Os diversos estudos mostram que a evolução terapêutica
se acompanhou do aumento notável da RVS, de tal
forma que hoje é possível atingir taxas de RVS de 56%
para o genótipo 1 e de 82% para os genótipos 2 e
3(7,12,18). Na nossa série, também se verificou esta
evolução observando-se taxas de RVS semelhantes às
descritas na literatura. No entanto, salientamos a elevada taxa de RVS (46%) nos doentes que fizeram terapêutica com IFN-α, nos anos 1995-1998. Este valor surpreendentemente alto poderá dever-se a um erro de
amostragem inerente à dimensão da amostra. Tal como
mencionado noutros estudos, a taxa de RVS com a associação de PEGIFN e RBV foi significativamente superior, quando comparada com os outros esquemas terapêuticos, para o genótipo 1(18). Finalmente, à semelhança
do que está descrito na literatura, na nossa série os factores associados a RVS foram o genótipo 3, a baixa
carga viral, a fibrose ligeira a moderada e a
RVP(7,14,15).
O tratamento da hepatite C aguda com IFN, nos
primeiros 3 meses após a infecção, previne a progressão
para a cronicidade, em praticamente todos os casos (10).
Em concordância com estes dados, na nossa série, apesar da pequena amostra, obtivemos uma taxa de RVS de
83%. Salientamos, por isso, a importância do diagnóstico diferencial das hepatites agudas para a diminuição
dos casos de hepatite C crónica.
CONCLUSÕES
A nossa série é constituída maioritariamente por adultos
jovens do sexo masculino e com história de toxicofilia.
Os genótipos 1a/1b são os mais frequentes. Metade dos
doentes tratados erradicaram o vírus. A terapêutica com
PEGIFN e RBV foi a que obteve melhores taxas de RVS
(85% para o genótipo 3a e 38% para os genótipo 1a/1b).
O genótipo 3, a carga viral baixa, a fibrose ligeira a moderada e a RVP foram factores preditivos da RVS. Os
efeitos secundários da terapêutica, apesar de frequentes,
determinaram suspensão do tratamento, em apenas 18%
dos casos.
A infecção aguda a VHC apresentou elevada taxa de
resposta à terapêutica, pelo que deve ser sempre considerada no diagnóstico diferencial das hepatites agudas.