Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe0873-21592009000600003

EuPTCVHe0873-21592009000600003

National varietyEu
Year2009
SourceScielo

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Correlação dos achados clínicos com os parâmetros funcionais em idosos portadores de asma

Introdução A asma é uma doença inflamatória crónica, caracterizada por hiperresponsividade das vias aéreas inferiores e por limitação variável ao fluxo aéreo, reversível espontaneamente ou com tratamento, manifestando-se clinicamente por episódios recorrentes de sibilância, dispneia, aperto no peito e tosse, particularmente à noite e pela manhã ao despertar. Resulta de uma interacção entre genética, exposição ambiental a alergénios e irritantes, além de outros factores específicos que levam ao desenvolvimento e à manutenção dos sintomas1,2.

A prevalência da asma no idoso é semelhante à dos grupos jovem e de meia idade, oscilando entre 6 e 10% 3 . Entretanto, a doença é frequentemente subdiagnosticada e subtratada no idoso.

Isto pode dever-se a critérios diagnósticos inadequados ou ao pouco relato dos sintomas pelo doente4. A classificação quanto à gravidade, de reconhecimento internacional e mais actualizada, é a do documento Global Initiative for Asthma (GINA), cujos critérios se baseiam na frequência e na intensidade dos sintomas, na necessidade de uso de broncodilatadores de resgate e nos seguintes parâmetros funcionais: volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e pico de fluxo expiratório (PFE) 5 .

Apenas um pequeno número de trabalhos, com poucos doentes, relataram as características de doentes idosos com asma 6-8 . Um estudo, comparando os doentes mais jovens com os maiores de 65 anos, concluiu que os mais velhos, particularmente os com longo período de doença, se queixam menos sobre os sintomas de asma 8 . Outro estudo mostrou que a percepção de dispneia é prejudicada no idoso, facto que pode estar relacionado com a maior mortalidade por asma nesta faixa etária9.

Apesar de as directrizes sobre asma definirem o idoso como factor de risco para percepção de sintomas, gravidade e mortalidade pela doença, existem poucos trabalhos onde a relação entre função respiratória e asma seja analisada especificamente na faixa etária mais avançada4,10, 11 . Enright e colaboradores mostraram que doentes idosos, particularmente aqueles com doença de longa evolução, têm obstrução mais grave do que doentes com doença recente11.

Tendo em conta o pequeno número de publicações sobre função respiratória em idosos com asma e o grande potencial de complicações nesta faixa etária, os objectivos deste estudo foram: 1) avaliar o percentual de dissociação entre a classificação clínica e a funcional, ambas determinadas pelo GINA;2) caracterizar os subgrupos de maior risco para esta dissociação.

Metodologia Doentes Estudo transversal, onde foram avaliados 41 doentes idosos oriundos do ambulatório de asma do Serviço de Pneumologia e do Ambulatório de alergia e imunologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), pertencente à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Estes doentes foram seleccionados de forma aleatória, de acordo com a sua entrada na consulta agendada, e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, previamente aprovado pelo comitê de ética e pesquisa da nossa instituição.

Considerando os objectivos do trabalho, foram adoptados como critérios de inclusão: 1) diagnóstico de asma previamente estabelecido por parâmetros clínicos e funcionais; 2) idade igual ou superior a 60 anos 12 .

Métodos  Avaliação clínica Após a elegibilidade para o estudo, responderam, através de um investigador, a um questionário com perguntas relativas à história clínica, ao uso de medicamentos, à presença de comorbidades e ao grau de escolaridade. Esta última variável recebeu a seguinte escala de pontuação: 1) analfabeto; 2) 1 a 4 anos completos de estudo; 3) 5 a 8 anos completos de estudo; 4) maior ou igual a 9 anos completos de estudo.

Após a recolha destes dados, os doentes foram subdivididos em quatro categorias, de acordo com a classificação clínica para a gravidade da asma, conforme tabela do documento GINA5, excluindo-se a avaliação funcional. Neste trabalho, os critérios que definiram a classificação foram sempre os de maior gravidade.

Avaliação funcional A avaliação da função pulmonar foi realizada através de dois aparatos técnicos diferentes (medida do pico de fluxo expiratório e espirometria), conforme se demonstra a seguir: • Medida do pico de fluxo expiratório:foram efectuadas três manobras manuais com aparelho portátil de PFE, cuja diferença entre essas medidas não poderia ultrapassar 10%. Foi escolhido o melhor valor para ser registado; • Espirometria:através de um sistema computadorizado, modelo Collins Plus Pulmonary Function Testing Systems (Warren E. Collins, Inc.), do Sector de Provas de Função Pulmonar do Serviço de Pneumologia do HUPE/UERJ, foram realizadas as manobras espirométricas. Todos estes testes seguiram a padronização da American Thoracic Society 13 , 14 , analisando-se: capacidade vital forçada (CVF%), VEF1%, relação VEF1/CVF%, fluxo expiratório forçado entre 25-75% da CVF (FEF25-75 ) e relação FEF25-75%/ CVF%.

Foram adoptados os padrões de normalidade para a população brasileira 15 . A formação do grupo de doentes com dissociação clinicofuncional foi realizada substituindo-se a classificação clínica pela representação numérica do VEF1% de cada doente.

Depois, selecionaram-se os doentes cujo valor do VEF1% se não enquadrava na faixa correspondente à sua classificação clínica.

Análise estatística Foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson para verificar a associação entre o VEF1% e as seguintes variáveis: idade, tempo desde o diagnóstico da doença, PFE%, CVF%, VEF1/CVF%, FEF25-75% e FEF25-75%/CVF%. Com o intuito de verificar a existência de relacionamento entre a variável VEF1 e as variáveis demográficas e clínicas, foi calculado o coeficiente de correlação point biserial. Com o intuito de verificar a existência de relação entre a variável VEF1% e a obesidade e o sexo, aplicou-se um modelo de regressão linear múltipla. Foi realizado o teste de Komogorov-Smirnov para verificar se a variável dependente VEF1% possuía uma distribuição normal (pressuposto do modelo de regressão linear). Foram aplicados os testes exacto de Fisher e do qui-quadrado, com o objetivo de verificar a existência de relação entre a variável dissociação clinicofuncional e as variáveis sexo, obesidade, tabagismo e tempo desde o diagnóstico da doença. Ainda com o objectivo de verificar a relação entre a variável dissociação clinicofuncional e as variáveis sexo, obesidade, tabagismo e tempo desde o diagnóstico da doença, foi ajustado um modelo de regressão logística. Foram consideradas significativas e incluídas no modelo final as variáveis com p-valor inferior a 0,05.

Resultados Foram avaliados 41 doentes, com média de idade de 68,2 (±6,9) anos, sendo 80,5% mulheres, 31,7% fumadores e 70,6% com baixa escolaridade (14,6% de analfabetos e 56% com até 4 anos de estudo completos). Apenas 7,3% não apresentavam comorbidades.

Em relação à classificação clínica, 17% apresentava asma leve intermitente, 29,2% asma persistente leve, 24,3% asma persistente moderada e 29,2% asma persistente grave.

A grande maioria (73,2%) apresentava dissociação clinico funcional, com poucos sintomas, e função pulmonar ruim.

Enquanto o tempo médio de duração da doença foi de 41 (±21,7) anos, a taxa de obesidade deste grupo foi de 31,7% e o valor médio do índice de massa corpórea (IMC) de 28,15 (±5,68 ) kg/m².

Quanto ao uso de medicamentos, 12,1% não usava medicação alguma ou fazia irregularmente, e 73,1% usava corticóide e broncodilatador de longa acção inalatórios (com ou sem uso de broncodilatador de curta acção associado).

A média e o desvio-padrão dos índices espirométricos são apresentadas no Quadro I, enquanto no Quadro II podem ser observados os resultados do cálculo do coeficiente de correlação de Pearson entre a variável VEF1% e as demais variáveis clínicas e funcionais.

Quadro I Média e desvio-padrão dos índices espirométricos

Quadro II Coeficiente de correlação de Pearson entre o volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1%) e os demais índices espirométricos e as variáveis clínicas

Observou-se correlação positiva e estatisticamente significativa em relação às variáveis PFE%, CVF%, VEF1/CVF%, FEF25-75% e FEF25-75%/CVF. Quanto ao tempo desde o diagnóstico da doença, este mostrou-se negativamente correlacionado com o VEF1%.

Nos Quadros III e IV são apresentados os resultados da correlação point biserialentre a variável VEF1% e as variáveis demográficas e clínicas e o modelo de regressão linear múltipla ajustado aos dados do (VEF1%).

Quadro III Coeficiente de correlação point biserial entre o volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1%) e as variáveis demográficas e clínicas

Quadro IV Modelo de regressão linear múltipla ajustado aos dados do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1%)

Não houve qualquer correlação estatisticamente significativa entre a variável VEF1% e as outras variáveis estudadas.

No Quadro V são mostrados os resultados dos testes exato de Fisher e do qui- quadrado. Nota-se que não correlação significativa entre a variável dissociação clinicofuncional e as variáveis sexo, obesidade, tabagismo e tempo de doença.

Quadro V Relação da variável dissociação clinicofuncional com as variáveis demográficas e clínicas

Observa-se, no Quadro VI (modelo de regressão logística ajustado aos dados da variável dissociação clinicofuncional) que os indivíduos do sexo feminino possuem um risco 8,6 vezes maior que os indivíduos do sexo masculino de ter dissociação clinicofuncional. os indivíduos com baixa escolaridade possuem um risco 9,3 vezes maior em relação aos indivíduos com maior escolaridade.

Quadro VI Modelo de regressão logística ajustado aos dados da variável dissociação clinicofuncional

Discussão Esse estudo mostra que os doentes idosos, portadores de asma apresentam o tempo de duração da doença correlacionado negativamente ao grau de obstrução (VEF1%), enquanto não foram achadas correlações estatísticas entre o VEF1% e outras variáveis como sexo, idade, nível de escolaridade, obesidade e tabagismo.

Todos os parâmetros espirométricos estudados mostraram forte correlação com o VEF1%, considerado atualmente o padrão-ouro de avaliação da classificação funcional de gravidade da síndroma obstrutiva brônquica. Isto reforça a importância do PFE% como medida funcional substitutiva à espirometria para avaliações imediatas no consultório médico, pois é um dispositivo portátil, de fácil execução e de baixo custo16. Por outro lado, a espirometria não perde o seu papel principal na asma, pois é um exame muito mais completo, capaz de avaliar importantes detalhes da fisiologia respiratória, como a reversibilidade das vias aéreas e as manifestações de pequenas vias aéreas.

A dissociação entre os sintomas e o grau de obstrução das vias aéreas é variável em asmáticos, sendo observado em 15 a 84% dos doentes em diversos estudos8-11, 17 . Neste trabalho, a taxa de dissociação clinicofuncional, em idosos, foi de 73,17%. Apesar de não terem sido encontradas referências numéricas a respeito da taxa de dissociação nessa faixa etária, mostra-se bem clara na literatura médica a definição do idoso como grupo de risco5,8. Isto ressalta a necessidade da realização de um método objectivo para avaliar a classificação do asmático em idade avançada. Tendo em vista as distorções comuns na percepção de queixas respiratórias nos idosos, alguns casos em relação à supervalorização e outros relacionados com o pobre relato de sintomas, torna-se importante caracterizar o grupo de doentes com dissociação clinicofuncional.

Comorbidades variadas e limitação física própria da idade são comuns no doente idoso e podem levar a queixas respiratórias não relacionadas directamente com a obstrução brônquica, assim como a depressão também pode estar associada à supervalorização destes sintomas 18 . Doentes idosos e com doença de longa evolução queixam-se menos dos sintomas de asma, o que pode resultar de um menor número ou actividade diminuída dos receptores estique (mecanorreceptores responsivos à distensão do tórax, sendo neurologicamente ligados à medula), além de uma baixa sensibilidade dos quimiorreceptores para hipóxia na idade avançada 19 . Após análise dos subgrupos sexo, tabagismo, nível de escolaridade e obesidade, encontrou-se correlação num modelo de regressão logística ajustado.

Os indivíduos do sexo feminino apresentaram risco 8,6 vezes maior do que os indivíduos do sexo masculino de dissociação clinicofuncional e os indivíduos com baixa escolaridade (doentes com até quatro anos completos de estudo) um risco 9,3 vezes maior em relação aos indivíduos com maior escolaridade. Akeramn et al., avaliando a percepção dos sintomas em doentes asmáticos, observaram que esta foi inferior nos idosos, particularmente naqueles com baixos rendimentos e asma de menor gravidade 20 . Assim, mostra-se de suma importância a avaliação quanto à real correlação das medidas funcionais respiratórias com a classificação clínica da asma, especialmente no doente idoso, tendo em vista que o diagnóstico correcto sobre o estádio da doença propicia adequado uso do grande arsenal terapêutico hoje disponível.

É pertinente uma análise crítica dos resultados do presente estudo e das suas limitações.

A ausência de um grupo-controlo, constituído por asmáticos jovens, dificulta a interpretações dos dados, pois particularidades geográficas e ambientais podem influenciar todos os grupos de asmáticos, independente da faixa etária. Outra limitação é a análise da possível influência do tratamento, embora o nosso serviço siga as directrizes recomendadas para a terapêutica da asma, de acordo com o grau de classificação da doença.

Não obstante a pequena amostra estudada, talvez se possa transpor estes dados para a população geral e incorporar a orientação médica da realização de medida funcional como essencial na avaliação da classificação de gravidade da asma no idoso. Isto é particularmente importante nos idosos do sexo feminino e nos idosos com baixa escolaridade, que estes podem apresentar maior risco de dissociação clinicofuncional.


Download text