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EuPTCVHe0873-21592010000500011

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National varietyEu
Year2010
SourceScielo

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Discinesia ciliar primária revisitada: A propósito de três casos clínicos

Introdução A discinesia ciliar primária (DCP) é uma doença genética rara, associada predominantemente a um padrão de hereditariedade autossómico recessivo, embora tenha sido documentada, em alguns casos, transmissão ligada ao cromossoma X1-3.

A apresentação clínica é heterogénea e a etiopatogenia caracterizada por alterações estruturais e/ou funcionais ciliares que condicionam disfunção da mobilidade dos cílios das células epiteliais respiratórias, cílios ganglionares embrionários e flagelos dos espermatozóides4,5.

Estima-se em 1:15 000-30 000 nados-vivos a prevalência de DCP, embora se considere que a prevalência real possa ser superior, atribuível ao subdiagnóstico6,7.

A DCP cursa com um espectro fenotípico alargado e heterogéneo que inclui combinações variáveis de manifestações clinicoima giológicas1,8 com atingimento multiórgão e expressividade individual variável (Quadro I).

Quadro I ' Manifestações clínicas de discinesia ciliar primária

A repercussão da discinesia ciliar primária a nível pulmonar assume particular relevância prognóstica9. A ineficácia da clearancemucociliar determina infecções respiratórias recorrentes associadas a processo inflamatório crónico predominantemente neutrofílico com progressão habitual para lesão pulmonar irreversível com bronquiectasias, culminando nalguns casos em insuficiência respiratória crónica4,10.

A apresentação clínica pode ser inespecífica, sobreponível à clínica de bronquiectasias, o que frequentemente leva à necessidade de diagnóstico diferencial com fibrose quística. A associação com envolvimento de outros órgãos ou sistemas, nomeadamente situs inversustotal ou atingimento do aparelho respiratório superior, com ocorrência de otite média serosa persistente, hipoacusia de transmissão (particularmente prevalente em idade pediátrica) e sinusite conduzem de forma mais fácil à suspeição diagnóstica7,11.

Quando ocorre simultaneamente, a tríade de situs inversustotal, bronquiectasias e sinusite, esta é conhecida como síndroma de Kartagener1,12.

Outros órgãos atingidos, por disfunção dos cílios não móveis em doentes com DCP, são o rim, o fígado e o olho, com aparecimento de doença poliquística renal/hepática, atresia biliar ou patologia da retina11,13. As manifestações clínicas e imagiológicas incaracterísticas determinam a necessidade de estabelecimento de diagnóstico definitivo através de microscopia electrónica de transmissão ou videomicroscopia de alta velocidade para confirmação, respectivamente, de alteração ultraestrutural ciliar e/ou compromisso funcional ciliar1,7.

Apresentam-se três casos clínicos que, pela diversidade da apresentação clínica, da idade no diagnóstico e da extensão das lesões, poderão contribuir para a melhoria dos critérios de suspeição e orientação nesta doença rara.

Casos clínicos Caso clínico 1 Adolescente do sexo masculino, actualmente com 12 anos, referenciado à consulta de Pneumologia Pediátrica aos 5 anos por hipótese de DCP.

Gestação de termo, sem consanguinidade parental ou outros antecedentes familiares de relevo. Foi internado após o nascimento numa unidade neonatal por síndroma de dificuldade respiratória nas primeiras horas de vida,com necessidade de instituição de oxigenoterapia suplementar. Manteve necessidade de oxigenoterapia suplementar no domicílio até aos 1,5 meses de idade. O ecocardiograma realizado nesta altura documentou dextrocardia, sem cardiopatia estrutural associada. A ecografia abdominal confirmou o diagnóstico de situs inversustotal.

Aos 3 meses teve novo internamento hospitalar de curta duração por bronquiolite aguda. Posteriormente, verificou-se início de episódios recorrentes de tosse produtiva. Por diminuição da acuidade auditiva iniciou seguimento regular em consulta de Otorrinolaringologia aos 3,5 anos, tendo sido diagnosticada hipoacusia de transmissão no contexto de otite média serosa bilateral.

Apresentava bom estado geral e parâmetros antropométricos adequados (peso P75 - 90 e estatura P90), saturação percutânea de oxigénio (SpO2) de 94% e ausência de dispneia ou sinais de dificuldade respiratória, deformação torácica ou hipocratismo digital. À auscultação pulmonar verificava-se existência de murmúrio vesicular simétrico sem ruídos adventícios.

Foi realizado estudo imunoalergológico, tendo os doseamentos de imunoglobulina (Ig) E total, IgE específicas para alergénios inalantes, IgA, IgM e IgG (incluindo subclasses) sido normais.

O estudo ultraestutural de cílios do epitélio efectuou-se com ecovagens da mucosa nasal ao nível do corneto inferior, tendo o exame ultraestrutural dos cílios revelado ausência de braços externos e internos de dineína, confirmando definitivamente o diagnóstico de discinesia ciliar primária.

Verificou-se evolução clínica subsequente favorável, destacando-se ocorrência de apenas três episódios de exacerbação respiratória, com boa resposta à antibioticoterapia oral instituída em ambulatório e progressão estatural e ponderal nos percentis 90 e 75-90, respectivamente, e índice de massa corporal (IMC) P50-75.

O estudo funcional respiratório efectuado aos 6 anos revelou padrão de insuflação e de obstrução brônquica e bronquiolar com ausência de reversibilidade na prova de broncodilatação, que se mantiveram, tendo actualmente capacidade vital forçada (CVF) 2,62 L (79,9%), volume expiratório máximo por segundo (VEMS) 1,82 L (66,7%), débito expiratório máximo entre 25% e 75% da CVF (FEF 25-75) 1,19 L/s (36,9%) e volume residual (VR) 1,55 L (159%).

A tomografia computorizada de alta resolução (TC-AR) torácica, realizada aos 6 anos, documentou espessamento da parede dos brônquios centrais e atelectasia subsegmentar anterior na base esquerda. Relativamente à evolução sob o ponto de vista imagiológico, a TC-AR torácica efectuada aos 12 anos evidenciava insuflação pulmonar global, bronquiectasias cilíndricas com distribuição central e bilateral com espessamento da parede brônquica associado, atelectasia parcial do andar médio do pulmão esquerdo, com bronquiectasias no interior e alguns nódulos centrilobulares no lobo inferior do pulmão direito, em provável relação com infiltrado inflamatório e impactações bronquiolares (Fig. 1).

Fig. 1 ' Bronquiectasias cilíndricas com distribuição central (tomografia computorizada de alta resolução torácica).

Caso clínico 2 Criança do sexo feminino, actualmente com 3 anos, primeira filha de pais não consanguíneos, sem antecedentes familiares relevantes. Gravidez medicamente assistida (inseminação artificial) por infertilidade materna primária, tendo o período gestacional decorrido sem intercorrências.

Parto eutócico às 37 semanas no Hospital de Santa Maria, sem necessidade de reanimação. Ao terceiro dia de vida verificou-se início de rinorreia anterior mucosa abundante, a que se associou, no dia seguinte, quadro de tosse e tiragem infracostal ligeira. Nessa altura realizou radiografia de tórax que evidenciou dextrocardia e avaliação analítica, cujos resultados não eram sugestivos de infecção bacteriana.

Verificou-se agravamento progressivo do quadro de dificuldade respiratória, com necessidade de aportesuplementar de oxigénio na incubadora (FiO2 22-27%) entre o 5.º e o 9.º dias de vida. Manteve ainda rinorreia anterior abundante, salientando-se aquisição gradual de aspecto purulento e necessidade de aspiração frequente de secreções nasais até à altura da alta (1 mês).

A prova de suor realizada por método semiquantitativo foi normal.

Efectuou também ecocardiograma e ecografia abdominal, que confirmaram situs inversustotal.

Por hipótese diagnóstica de DCP iniciou acompanhamento na Unidade de Pneumologia Pediátrica do HSM aos 1,5 meses.

Nessa altura apresentava progressão estaturoponderal adequada (peso P50 e estatura P3-P10), ausência de sinais de dificuldade respiratória ou alterações relevantes à auscultação pulmonar, destacando-se ainda melhoria importante do quadro de rinorreia mucopurulenta.

O exame ultraestrutural dos cílios (amostra obtida mediante escovagens da mucosa nasal ao nível do corneto inferior) revelou ausência de braços externos e internos de dineína, tendo confirmado o diagnóstico de discinesia ciliar primária (Fig. 2).

Fig. 2 ' Ausência de braços internos e externos de dineína (microscopia electrónica).

A evolução clínica subsequente foi favorável, marcada por progressão estaturoponderal adequada e ausência de episódios de sibilância, tosse produtiva ou pneumonia até à data.

A radiografia de tórax realizada aos 13 meses revelou reforço do interstício peri-hilar bilateralmente.

Salienta-se ocorrência de episódio único de otite média aguda aos 2 anos e diagnóstico de otite média serosa bilateral aos 2,5 anos, no contexto de seguimento em consulta de Otorrinolaringologia previamente iniciado.

Caso clínico 3 Adolescente do sexo masculino, actualmente com 16 anos, sem antecedentes de consanguinidade parental ou outros antecedentes familiares relevantes. Gestação de termo, vigiada, sem intercorrências ou factores de risco infeccioso no período perinatal. Ao segundo dia de vida verificou-se início de quadro de dificuldade respiratória com necessidade de oxigenoterapia suplementar e broncorreia, no contexto de evidência radiológica de pneumonia. Por persistência de broncorreia foram realizados, ainda no período neonatal, prova de suor, pHmetria e doseamento de imunoglobulinas séricas, cujos resultados não apresentaram alterações relevantes.

Foi também realizado ecocardiograma que não evidenciou alterações estruturais e/ou funcionais.

A evolução clínica posterior cursou com episódios recorrentes de pneumonia e sibilância e sintomatologia sugestiva de sinusite. Aos 6 anos foi realizado estudo alergológico (negativo) e TC torácica, descrita como normal. Repetiu prova de suor, que foi normal, e espirometria que revelou padrão obstrutivo com resposta parcial na prova de broncodilatação. Face a persistência de episódios frequentes de pneumonia e sibilância recorrente sem melhoria após diferentes estratégias terapêuticas, foi referenciado à consulta de Pneumologia Pediátrica do HSM aos 12 anos.

À observação destacava-se bom estado geral, parâmetros antropométricos adequados (Peso P25 -50 e estatura P50-75), ausência de sinais de dificuldade respiratória ou hipocratismo digital. À auscultação pulmonar objectivaram-se sibilos inspiratórios e expiratórios e fervores crepitantes mobilizáveis com a tosse dispersos bilateralmente.

Foi realizada avaliação imunoalergológica (doseamentos de IgE total, IgE específicas para alergénios inalantes, IgG, IgM e IgA), que não apresentou alterações relevantes.

O estudo da ultraestrutura ciliar (cílios da mucosa nasal) por microscopia electrónica evidenciou ausência dos braços internos de dineína e irregularidades frequentes na configuração dos pares de microtúbulos, diagnósticas de DCP.

Verificou-se diminuição da frequência de episódios de agudização respiratória broncospástica, apresentando actualmente um a dois episódios anuais, não se tendo verificado necessidade de internamento.

O estudo funcional respiratório efectuado aos 12 anos revelou padrão de insuflação e de obstrução predominantemente bronquiolar com ausência de reversibilidade na prova de broncodilatação. Nos anos subsequentes manteve o padrão descrito, tendo actualmente CVF 4,53 L (107,5%t), VEMS 2,79 L (80,1%t), FEF 25-75 1,26 L/s (31,9%t) e VR 2,6 L (226,1%t).

A TC torácica realizada aos 12 anos documentou bronquiectasias na vertente inferior e interna da língula.

As estratégias preventivas e terapêuticasinstituídas incluíram para todos os doentes: programa de reeducação funcional respiratória (manobras de percussão e vibração torácica nos casos clínicos 1 e 2 e técnica de vibração torácica interna associada a pressão expiratória positiva no caso clínico 3); incentivo da prática regular de exercício físico; imunizações antigipal anual e antipneu mocócica e início precoce de antibioticoterapia no contexto de agudização respiratória (Quadro II).

Quadro II ' Quadro-resumo dos casos clínicos

Discussão Os casos clínicos apresentados relatam doentes cujo quadro clínico teve início no período neonatal precoce. A síndroma de dificuldade respiratória, com necessidade de oxigenoterapia suplementar em recém-nascidos sem factor de risco identificável, constituiu a manifestação clínica inaugural nestes doentes.

No caso clínico 2, o quadro de dificuldade respiratória associou-se a rinorreia mucopurulenta contínua, que constitui uma manifestação característica de DCP no grupo etário em questão1,7.

Relativamente ao caso clínico 3, a síndroma de dificuldade respiratória neonatal enquadrava-se no diagnóstico de pneumonia sem factores de risco infeccioso identificáveis. Este é também considerado um padrão clínico evocativo de DCP1,7.

A síndroma de dificuldade respiratória neonatal não é classicamente englobada na descrição do fenótipo clínico característico da discinesia ciliar primária.

Todavia, vários estudos de carácter retrospectivo documentam que uma proporção significativa dos doentes com esta patologia apresenta história pregressa de dificuldade respiratória neonatal (67% numa das séries), pelo que esta é actualmente reconhecida como forma de apresentação clínica frequente14.

Em dois dos casos clínicos descritos, foi ainda diagnosticado, no período neonatal, situs inversus total, sem cardiopatia estrutural associada.

No caso clínico 1, apesar da constelação de sintomas inaugurais sugestiva associada a situs inversustotal, este diagnóstico foi equacionado tardiamente.

no caso clínico 2, um quadro clinicoimagio lógico inaugural análogo, distinguindo-se apenas pela associação de rinorreia anterior contínua, foi valorizado precocemente como sendo sugestivo de discinesia ciliar primária.

Os autores especulam que o facto de este segundo caso ter sido abordado, desde o início, no contexto de uma unidade terciária, tenha contribuído de forma decisiva para o diagnóstico precoce.

Num estudo retrospectivo realizado por Coren et al(publicado em 2002) foi avaliada a idade de diagnóstico e sintomatologia que antecedeu o diagnóstico em 55 crianças com discinesia ciliar primária11. Constatou-se que o diagnóstico de discinesia ciliar primária foi estabelecido antes dos 12 meses de idade em apenas 13 das 25 crianças com quadro de síndroma de dificuldade respiratória neonatal e situs inversus11.

Os autores desse artigo consideram que o diagnóstico tão frequentemente tardio de discinesia ciliar primária, mesmo no contexto de quadro clínico sugestivo de início precoce, assenta na raridade desta patologia e na ausência de conhecimento da mesma, agravada pela complexidade da sua confirmação diagnóstica11.

O facto de numa proporção significativa de doentes com discinesia ciliar primária o diagnóstico ser apenas estabelecido na idade adulta implica que o desafio diagnóstico não cessa na idade pediátrica e que é fundamental manter um índice de suspeição diagnóstica elevado aquando da observação de doentes adultos.

No doente do caso descrito 3, o fenótipo clínico, também fortemente sugestivo de discinesia ciliar primária era dominado por sintomatologia do foro respiratório, designadamente episódios recorrentes de pneumonia e de dificuldade respiratória. Este caso distinguia-se dos restantes devido à inexistência de situs inversustotal concomitante.

Os autores consideram provável que esse facto tenha contribuído decisivamente para o diagnóstico tardio de discinesia ciliar primária constatado neste caso.

De facto, apesar de apenas 50% dos doentes com DCP apresentarem situs inversustotal, a sua ausência eleva significativamente a dificuldade diagnóstica, uma vez que é reconhecido como um dos achados mais característicos desta patologia11.

Dada a raridade e heterogeneidade fenotípica da DCP, é fundamental que esteja sempre patente um elevado índice de suspeição diagnóstica4,7,15.

Face à inespecificidade da sintomatologia respiratória e à sua sobreposição a outras doenças com atingimento pulmonar crónico (essencialmente fibrose quística e imunodeficiência), a investigação de DCP frequentemente é iniciada após exclusão destes diagnósticos, tal como sucedeu nos casos clínicos apresentados.

A determinação da ultraestrutura ciliar (epitélio nasal ou brônquico) por microscopia electrónica de transmisão constitui actualmente o método diagnóstico gold standardde DCP1.

Foram identificados diferentes defeitos ultraestruturais, sendo os mais frequentes a ausência dos braços externos de dineína, dos braços internos de dineína ou de ambos4,16.

Numa proporção de cerca de 15% de doentes com quadro imagiológico sugestivo de DCP, não se encontra evidência de alteração na ultraestrutura ciliar4,16.

Nesses casos assume particular importância a identificação de disfunção ciliar, também diagnóstica de DCP, através do estudo da frequência e padrão de batimento ciliar, mediante videomicroscopia de alta velocidade1.

Noutras situações, o diagnóstico definitivo de DCP pode ser dificultado pela ocorrência concomitante de infecção ou inflamação respiratórias, que por constituírem causas secundárias e transitórias de disfunção ciliar poderão resultar em resultados falsos positivos1,17. Para minimizar a obtenção de resultados falsos positivos, é fundamental que a determinação da ultraestrutura e/ou função ciliares seja realizada no contexto de quadro clínico fortemente sugestivo de DCP e sempre na ausência de infecção respiratória evidente7. Em caso equívocos, poder-se-á ainda recorrer à realização de ciliogénese em cultura celular, que possibilita a eliminação de eventuais lesões secundárias1.

Numa perspectiva histórica, o teste da sacarina constituiu durante décadas o método mais popular de rastreio de DCP1,17. O seu uso é bastante limitado em pediatria, uma vez que implica uma elevada capacidade de colaboração, nomeadamente a capacidade de permanecer sentado durante pelo menos uma hora7.

Por outro lado, é um método pouco específico e que não permite a diferenciação entre disfunção ciliar primária ou secundária, não lhe sendo actualmente reconhecida utilidade diagnóstica8,14.

A medição do óxido nítrico (NO) nasal assume-se actualmente como a ferramenta de rastreio mais sensível e reprodutível, tendo ainda as vantagens adicionais de ser um método pouco invasivo e passível de ser realizado em crianças pequenas4,18. De facto, foram realizados estudos em crianças com idade superior a 5 anos, que revelaram boa colaboração e reprodutibilidade de resultados elevada4,8. Nos doentes com DCP a produção de NO nasal encontra-se marcadamente diminuída. Considera-se que este achado aparentemente paradoxal (face à presença invariável de inflamação crónica na DCP) possa estar relacionado com a própria alteração da actividade ciliar ou expressão de isoformas de NO sintase alteradas4,8. A medição do NO nasal, significativamente diminuído nestes doentes, é então perspectivada como uma estratégia de rastreio promissora4,18.

Todavia, existe alguma sobreposição entre os valores de NO nasal encontrados em doentes com fibrose quística e DCP, pelo que o diagnóstico definitivo desta última requer sempre a realização de um dos métodos de diagnóstico descritos8.

A literatura actual é escassa em ensaios clínicos que avaliem a eficácia da maioria dos fármacos com benefício terapêutico potencial na discinesia ciliar primária15,19. De facto, a abordagem terapêutica da discinesia ciliar primária tem sido largamente extrapolada a partir da terapêutica de outras patologias que cursam com o aparecimento de bronquiectasias, nomeadamente da fibrose quística1,20.

Não existe tratamento curativo que permita corrigir ou reduzir a disfunção ciliar17,20, pelo que o objectivo primordial da terapêutica é adiar e, se possível, evitar o desenvolvimento de bronquiectasias e o declínio progressivo da função pulmonar9,10.

As estratégias terapêuticas habitualmente preconizadas centram-se, por um lado, em potenciar a clearanacemucociliar mediante o recurso a técnicas de cinesiterapia respiratória adaptadas individualmente e a promoção da prática regular de exercício físico e, por outro lado, no tratamento precoce e eficaz de exacerbações respiratórias1,7,15,17.

Outro pilar fundamental da abordagem terapêutica destes doentes é a prevenção de exacerbações respiratórias, mediante a imunização com vacinas antigripal e antipneumocócica1,15 e a evicção da exposição a agentes patogénicos respiratórios, tabagismo e a outros agentes irritantes inalantes que reconhecidamente se associem ao aumento de produção de muco15,17.

A abordagem terapêutica dos doentes apresentados neste artigo englobou as várias estratégias terapêuticas descritas.

Vários estudos sugerem que o início do compromisso da função respiratória em doentes com discinesia ciliar primária tem um início precoce na idade pediátrica9,21, pelo que a progressão da doença não tratada cursa com um declínio progressivo e significativo da função respiratória, que poderá culminar com instalação de insuficiência respiratória crónica4,10.

Na altura do diagnóstico do 1.º e 3.º doentes (aos 5 e 12 anos, respectivamente), estes apresentavam compromisso funcional respiratório com padrão obstrutivo e insuflação.

Existe evidência crescente de que a implementação precoce de estratégias terapêuticas em centros especializados permite estabilizar a função pulmonar em doentes com bronquiectasias não relacionadas com FQ22, e nos doentes com DCP em particular9,23.

De facto, verificou-se estabilização da função pulmonar após a instituição de estratégias terapêuticas adequadas nestes dois doentes. A evolução constatada é sobreponível à de outras doenças respiratórias crónicas que cursam com o aparecimento de bronquiectasias não relacionadas com FQ22.

No caso clínico 2, diagnosticado antes do primeiro ano de vida, é expectável que a função pulmonar não sofra um declínio tão precoce e acentuado como constatado nos outros doentes, face ao início precoce de cinesiterapia respiratória e restantes atitudes preventivas e terapêuticas descritas.

Mesmo não existindo terapêutica curativa disponível, o estabelecimento precoce do diagnóstico de DCP repercute-se favoravelmente no seu prognóstico9,23.

São múltiplos os desafios inerentes ao diagnóstico e seguimento ulterior destes doentes, desafios esses que devem ser sempre abordados numa perspectiva multidisciplinar (pneumologia, otorrinolaringologia, fisiatria, genética e, noutra faixa etária, consulta de infertilidade), aproveitando a experiência e estrutura de centros especializados de fibrose quística.


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