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EuPTCVHe0874-02832011000300015

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National varietyEu
Year2011
SourceScielo

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A espiritualidade nos cuidados de enfermagem: revisão da divulgação científica em Portugal

Introdução A espiritualidade é intrínseca ao ser humano, reconhecível quando surge como necessidade, logo, inerente aos cuidados de enfermagem. Se, por um lado, é evidente o crescimento exponencial da investigação e divulgação científica nesta área de acordo com Ross (2006); por outro lado, incerteza e subjetividade quando os enfermeiros definem o conceito de espiritualidade na sua prática clínica (McSherry, 2006). Rodrigues (2002, p. 52) afirma que através da produção científica é possível dar visibilidade ao discurso científico e assegurar a credibilidade das práticas e é nesta perspetiva que consideramos que a investigação e a divulgação, na área da espiritualidade, irão contribuir para o conhecimento e a integração dessa dimensão na prática de cuidados de enfermagem.

A investigação nesta área deve ser efetuada de uma forma coordenada e sistematizada (Ross, 2006), pese embora a dificuldade em uniformizar o conceito de espiritualidade, que é subjetivo e dependente da vivência pessoal de quem o enuncia (Narayanasamy e Ellis, 2009). Contudo, os enfermeiros têm a obrigação ética de prestar assistência espiritual e quando os cuidados de enfermagem a ignoram como uma parte vital da totalidade da pessoa, esse cuidado torna-se antiético (Wright, 2005).

A importância da dimensão espiritual nos processos de saúde/doença é reconhecida pelas associações nacionais e internacionais de enfermagem e demonstrada pela evidência científica. No entanto, continua a ser esquecida na assistência de enfermagem (McSherry e Ross, 2002; Ross, 2006).

A Direção Geral de Saúde, através dos Direitos do Doente Internado, apresenta linhas de orientação dirigidas aos enfermeiros para a promoção de um ambiente respeitador dos direitos humanos, dos valores, das tradições e das crenças espirituais individuais, familiares e da comunidade (Portugal. Ministério da Saúde. Direção-Geral da Saúde, 2005). A Ordem dos Enfermeiros Portugueses, através do Código Deontológico, acrescenta que é dever do enfermeiro cuidar da pessoa sem qualquer discriminação económica, ideológica e religiosa, respeitar e fazer respeitar as opções culturais, morais e religiosas da pessoa e criar condições para que ela possa exercer nestas áreas os seus direitos (Decreto- Lei 111/2009, p. 6548). As classificações de linguagem científica de enfermagem que, por si , afirmam o conteúdo e a finalidade da profissão, também consideram a dimensão espiritual. É disso exemplo a North American Nursing Diagnosis Association que identificou e operacionalizou, entre outros, os seguintes diagnósticos de enfermagem: disposição para o aumento do bem espiritual, angústia espiritual e religiosidade prejudicada (North American Nursing Diagnosis Association, 2010). Também o International Council of Nurses (2011) definiu fenómenos como Bem-estar Espiritual, Angústia Espiritual e Crença Espiritual.

Metodologia Esta revisão tem como objetivo identificar e analisar a produção científica publicada nas revistas portuguesas de enfermagem, bioética e saúde, desde 1990 até julho de 2010, sobre espiritualidade. Foi efetuada nos meses de julho e agosto de 2010. Optou-se pelo método de pesquisa manual e eletrónica, pois algumas revistas estão disponíveis em versão impressa, outras estão disponíveis nos sítios em linha, com acesso aos sumários e respetivos artigos, e algumas estão disponíveis em ambas as formas, mas a partir de datas mais recentes. Efetuou-se uma lista de revistas de enfermagem e, considerando a natureza do tema em análise, a participação dos enfermeiros em programas de formação na área bioética e outros em formação avançada, foram incluídos os Cadernos de Bioética e os Cadernos de Saúde. Definiram-se quatro termos de busca: espiritualidade, religião, cuidados de enfermagem e holismo. Como critérios de inclusão: presença de um dos termos de busca no título ou no resumo, publicações datadas de janeiro de 1990 até julho de 2010 e da autoria de enfermeiros.

Resultados Foram identificados 21 títulos de revistas portuguesas: Cadernos de Bioética/ Revista Portuguesa de Bioética (Centro de Estudos de Bioética); Cadernos de Saúde (Universidade Católica Portuguesa); Cuid’arte (Centro Hospitalar de Setúbal); Ecos de Enfermagem (Sindicato dos Enfermeiros); Enfermagem em foco (Sindicato dos Enfermeiros Portugueses); Enfermagem Oncológica (Sociedade Portuguesa de Enfermagem Oncológica); Informar (Escola Superior de Enfermagem Imaculada Conceição); Nursing(Editora Serra Pinto); Pensar Enfermagem (Escola Superior de Enfermagem de Lisboa); Percursos (Escola Superior de Saúde Instituto Politécnico de Setúbal); Referência (Escola Superior de Enfermagem de Coimbra); Revista da EESOP (Associação dos Enfermeiros de Sala de Operações Portugueses); Revista da Ordem dos Enfermeiros; Revista Enfermagem (Associação Portuguesa de Enfermeiros); Revista de Enfermagem de Saúde Mental (Sociedade Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental); Revista de Investigação em Enfermagem (Formasau); Revista Enfermagem e Sociedade (Escola Superior de Enfermagem São João de Deus); Revista Portuguesa de Enfermagem (Instituto de Formação em Enfermagem); Ser Saúde (Instituto Superior de Saúde do Alto Ave); Servir (Associação Católica de Enfermeiros e Profissionais de Saúde) e Sinais Vitais (Formasau).

Destas 21 revistas foram analisados 1217 números, resultando a amostra constituída por 17 artigos (Quadro1). Os artigos selecionados foram agrupados em quatro categorias, de acordo com a metodologia: artigos de revisão de conceitos, artigos de investigação, artigos de reflexão e revisões sistemáticas de literatura (RSL), que, não obstante resultaram de uma metodologia de investigação, foram distinguidos pela pertinência e especificidade das suas temáticas.

QUADRO 1 Identificação da Amostra

Verificou-se que, nos artigos de revisão, a espiritualidade foi definida em duas vertentes: como dimensão humana da pessoa ou doente e como dimensão do cuidar, tal como expresso na figura 1.

FIGURA 1 Categorias da espiritualidade identificadas nos artigos de revisão

A revista com maior número de publicações na amostra é a revista Servir, que, pela natureza da associação responsável pela sua edição, faz-nos retomar a relação entre espiritualidade e religião e perceber a sua divulgação destes conteúdos enquanto estratégia de sedimentação destes conhecimentos e, em última análise, capacitar os enfermeiros com conhecimentos para integrar a dimensão espiritual na prestação de cuidados (Gráfico 1).

GRÁFICO 1 Distribuição dos artigos pelas revistas

O primeiro artigo foi publicado em 1993 na revista Servir e o último em 2009 na revista Referência. Enquanto o primeiro artigo baseia-se numa reflexão, o último constitui uma revisão sistemática de literatura acerca do sentido de vida, o que revela uma evolução na forma de olhar esta temática e de admití-la no panorama científico como essencial às respostas dos enfermeiros às necessidades dos doentes. O primeiro artigo de investigação, com dados de um estudo realizado em Portugal, foi publicado em 2002. Como é possível verificar no gráfico 2, existiram 2 períodos em que a publicação foi mais frequente, concretamente em 2006, com a publicação de 4 artigos, e em 2008, com a publicação de 5 artigos.

GRÁFICO 2 Distribuição da amostra por ano

As transformações que a formação em enfermagem tem vindo a sofrer, especificamente com a licenciatura e a formação pós graduada em enfermagem (pós> licenciaturas de especialização, pós graduações, mestrados e doutoramentos), bem como a criação de unidades e grupos de investigação contribuíram certamente para estes resultados, pois alguns artigos resultam de investigação inerente a programas de doutoramento de Kraus, Rodrigues e Dixe (2009), Martins (2007) e Mendes (2006), do mestrado de Rego (2008), Lucas (2008), Azevedo et al. (2005) e da monografia de licenciatura de Caldeira (2002). Como afirma Basto (2009, p. 17) Na realidade vários passos a percorrer. É preciso que haja estudos suficientes para poderem ser comparáveis, isto é, através de uma revisão sistemática da literatura se façam meta-sínteses e meta-análises. Para o conseguir cabalmente é necessário facilitar o acesso dos enfermeiros, outros profissionais de saúde e gestores de organizações de saúde a esses estudos. Isso significa publicar os estudos, inclui-los nas bases de dados e alargar os hábitos de leitura, incluindo por consulta electrónica.

Discussão A espiritualidade é uma dimensão intrínseca ao ser humano quer se assuma vinculado a uma religião convencional ou não, pois pode ser vivenciada em múltiplas vertentes e não a religiosa. É uma dimensão reconhecida como importante para a saúde (Ribeiro, 2008). no primeiro artigo encontrado nesta revisão, Serralheiro define-a como uma força viva no interior de cada um de nós que nos leva a uma maior plenitude de vida. É a resposta única e pessoal aos apelos da autenticidade e à ultrapassagem da banalidade. A espiritualidade é a situação de toda a pessoa humana que procura autenticidade face a si própria, aos outros e à vida, é o sentido profundo dos acontecimentos da sua vida pessoal, da vida dos outros e da história. Esta procura de autenticidade é a força interior que permite unificar e dar um sentido definitivo à existência (Serralheiro, 1993, p. 20). O encontro de sentido enquanto necessidade espiritual é uma ideia essencial na investigação de Kraus, Rodrigues e Dixe (2009), particularmente em doentes com dor crónica não maligna. Este sentido subjetivo e individual da espiritualidade poderá dificultar o reconhecimento de necessidades espirituais dos doentes pelos enfermeiros, o seu diagnóstico e, em última instância, intervenções adequadas. Quando questionados acerca das necessidades espirituais, os enfermeiros admitem a sua responsabilidade em reconhecê-las mas 31% identificam necessidades e definem diagnósticos relacionados com as praticas religiosas, procura de sentido e sentimentos de medo da morte, tal como Fernandes, Monteiro e Alves (2006) afirmaram no seu estudo. O reducionismo da espiritualidade à religiosidade é um obstáculo que impede os enfermeiros de reconhecerem as necessidades espirituais (McSherry, 2000; Mcsherry e Ross, 2002), e essa perspetiva reducionista leva-os a reconhecer no capelão a figura responsável pela prestação de cuidados espirituais, tal como Fernandes, Monteiro e Alves (2006) e Caldeira (2002) concluíram.

A espiritualidade é uma dimensão do cuidar e o enfermeiro deve reconhecer que os doentes expressam as necessidades espirituais de forma subtil e, por vezes, a doença afigura-se num contexto vivencial desencadeador de sofrimento.

Enquanto resposta ao processo de saúde/doença, o sofrimento deve ser um foco de atenção da intervenção do enfermeiro. Na sua revisão sistemática de literatura, Martins (2007) conclui que as intervenções espirituais para os doentes em sofrimento incluem: encaminhar para o líder espiritual; rezar; respeitar as crenças e práticas religiosas; fomentar a dos doentes; estar presente; aumentar a esperança; proporcionar música; ouvir com atenção; falar e apoiar; respeitar a dignidade e privacidade; incentivar a procura de significado; leitura; contacto com familiares, amigos e natureza; toque terapêutico; meditação; imaginação guiada; humor ou riso. Verificamos que estas intervenções, mais do que no campo do fazer, relacionam-se com um modo de estar e ser do enfermeiro, profundamente enraizado uma atitude ética de solicitude para com o sofrimento do outro e com a necessidade de encontrar sentido. Assim, e de acordo com Baldacchino (2010, p. XX), o cuidado de natureza espiritual congrega o fazer (avaliação de necessidades, diagnóstico, intervenção e avaliação) e um modo de ser que advém da própria espiritualidade do enfermeiro, na forma como é enquanto pessoa no momento de encontro com o doente, referindo que ninguém poderá dar aquilo que não possui. E esta ideia é central nos artigos encontrados, prevalecendo a premissa de que o enfermeiro está numa posição privilegiada para atender estas necessidades. Porém, a falta de formação é sentida pelos enfermeiros para a prestação de cuidados espirituais (Fernandes, Monteiro e Alves, 2006; Caldeira, 2002). Outro fator condicionante à prestação de cuidados espirituais que os autores encontraram, foi a falta de tempo. Papadopoulos e Copp (2005) indicam que o tempo e o conhecimento insatisfatório acerca do conceito de espiritualidade são obstáculos à inclusão da espiritualidade na prática de enfermagem. A integração dos cuidados espirituais na prática de cuidados, enquanto, também uma forma de ser, vem suplantar esta falta de tempo.

A integração da espiritualidade nos curricula da formação em enfermagem constitui um caminho possível de melhoria da qualidade na prestação de cuidados de enfermagem e na oportunidade de desenvolvimento espiritual e competências na prestação de cuidados espirituais (Hoover, 2002). Outra estratégia de sistematização de avaliação da espiritualidade poderá ser a utilização de escalas de avaliação, tal como a escala de bem-estar espiritual na doença de O’Brien, validada por Rego (2008), ou a escala de avaliação da espiritualidade em contexto de saúde de Pinto e Pais Ribeiro apresentada por Antunes et al (2009). Com a ajuda das escalas o enfermeiro pode identificar as necessidades espirituais com o doente e a família e encontrar, também nos discursos, formas subtis que são reveladoras de necessidades espirituais, durante a entrevista do acolhimento ou no decurso do processo de enfermagem (Mendes, 2006).

Os enfermeiros devem avaliar as necessidades espirituais com a mente aberta (Hermann, 2007) e ser capazes de ajudar as pessoas doentes, religiosas ou não, a refletir sobre as suas necessidades espirituais de um modo mais abrangente. A intervenção do enfermeiro, sustentada inegavelmente em princípios éticos, exige que reconheça as suas competências em responder às necessidades dos doentes, tal como Caldeira (2009) exemplifica ao refletir acerca do rezar enquanto intervenção de enfermagem. O reconhecimento do enfermeiro de si próprio é fundamental na atenção à dimensão espiritual dos seus doentes.

Conclusão A produção científica acerca da espiritualidade nos cuidados de enfermagem não é tão profícua quanto seria desejável para a consolidação de conhecimentos e para a integração na prática clínica.

A consciencialização da própria espiritualidade dos enfermeiros, a compreensão da espiritualidade como facilitadora do processo de coping e fundamental no sentido da vida das pessoas, são fatores que devem incentivar a integração na prática dos cuidados. Não obstante a falta de formação sentida pelos enfermeiros para atender a esta dimensão, a utilização de instrumentos de avaliação do bem-estar espiritual e da espiritualidade contribuem para a apreciação mais objetiva das necessidades espirituais.

Esta revisão de literatura contribui para a compilação do conhecimento publicado em Portugal acerca da espiritualidade em enfermagem. No entanto, estamos cientes que o resultado desta revisão não esgota a pesquisa sobre a produção científica nesta temática, atendendo aos critérios de inclusão definidos e ao conhecimento de comunicações em eventos científicos por enfermeiros nestas temáticas.


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