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EuPTCVHe0874-02832013000100001

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National varietyEu
Year2013
SourceScielo

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Adaptacao cultural e propriedades psicometricas da versao Portuguesa da escala Behavioral Pain Scale: Intubated Patient (BPS-IP/PT)

Introdução As fontes de dor numa Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) são inúmeras. Os doentes internados sofrem pela gravidade do seu estado clínico, pela quantidade de cuidados de enfermagem sistemáticos, procedimentos invasivos de diagnóstico e tratamento, cirurgias e pela presença de dispositivos terapêuticos (Li, Puntillo, Miaskowski, 2008; Pudas Tåhkå, et al., 2009).

Apesar da dor dos doentes internados em UCI ser um problema reconhecido, a sua gravidade é subestimada. (Li, Puntillo, Miaskowski, 2008; Pudas Tåhkå et al., 2009; Chen et al., 2011).

Vários são os estudos que ilustram esta problemática. Puntillo (1990) ao entrevistar doentes cirúrgicos cinco dias após a alta de uma UCI, constatou que 63% referiram ter sofrido dor moderada a grave. Granja et al. (2005), num trabalho que englobou 1433 doentes em dez UCI, verificou que 64% daqueles que se recordavam do internamento, relataram a dor como a sua pior experieência durante esse período. Mais recentemente, Gélinas e Johnston (2007) constataram que em 93 doentes internados numa UCI, 77,4% afirmaram ter sofrido dor.

Avaliar a dor de doentes críticos, quase sempre sedados e incapazes de verbalizarem as suas experiências dolorosas, é dos procedimentos mais desafiadores e complexos que os profissionais de saúde têm de desenvolver (Chanques et al., 2009). Por outro lado, e segundo um estudo desenvolvido recentemente pela Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos, em Portugal apenas 25% das UCI utilizam instrumentos de avaliação da dor adequados ao doente crítico.

A dor, ao induzir no doente um estado catabólico generalizado, não é inócua para a sua saúde e as suas repercussões são ainda mais graves nos doentes críticos (Li, Puntillo, Miaskowski, 2008). Minorar o seu sofrimento e promover a sua rápida recuperação exige uma avaliação valida, fidedigna e objetiva da dor (Pudas-Tåhkå et al., 2009).

A escala Behavioral Pain Scale ' Intubated Patient (BPS-IP) foi a primeira a ser concebida e a mais utilizada para avaliar a dor em doentes entubados, ventilados mecanicamente e incapazes de se autoavaliarem.

Avaliar as propriedades psicométricas da versão Portuguesa da escala BPS-IP (BPS-IP/PT) irá seguramente contribuir para esse desígnio.

Os objetivos deste estudo foram adaptar semântica e culturalmente para o Português a BPS-IP/PT e avaliar suas propriedades psicométricas (validade e fiabilidade) em doentes internados nos cuidados intensivos com patologia médica e/ou cirúrgica, submetidos a ventilação mecânica e incapazes de autoavaliarem a dor.

Quadro teórico A gravidade da situação clínica dos doentes com diminuição do estado consciência, em ventilação mecânica, sob efeito de fármacos analgésicos e/ou sedativos e com dispositivos de contenção, para além de comprometerem o auto- relato da dor, dificultam a sua avaliação (Pudas-Tåhkå et al., 2009; Chen et al., 2011). Os indicadores de dor fisiológicos e comportamentais, por si , não são específicos de dor (Li, Puntillo, Miaskowski, 2008). A avaliação da dor nos doentes que não comunicam verbalmente requer uma competência que tem de ser treinada pela exigência de uma abordagem abrangente que incorpora, mesmo que de forma subjetiva, a interferência dos fatores que podem intervir nas manifestações comportamentais e fisiológicas associadas à dor (Pudas-Tåhkå et al., 2009).

A investigação sobre a avaliação da dor em doentes internados em UCI começou cerca de 20 anos (Li, Puntillo, Miaskowski, 2008). Várias revisões sistemáticas foram desenvolvidas para identificar e avaliar as propriedades psicométricas das escalas de dor usadas em doentes internados em UCI, submetidos a ventilação mecânica e incapazes de autoavaliarem a dor. Num desses primeiros trabalhos, Herr et al. (2006) identificam as escalas Behavioral Pain Scale (Payen et al., 2001) e a Critical-Care Pain Observation Tool (CPOT) (Gélinas et al., 2009), referindo que são necessários mais estudos para avaliar as suas propriedades psicométricas. Li, Puntillo e Miaskowski (2008), numa outra revisão, identificam as escalas Behavioral Pain Rating Scale (BPRS), Pain Assessmentand Intervention Notation Algorithm, Nonverbal Pain Scale (NVPS), Pain Behavior Assessment Tool, BPS e a CPOT, e recomendam o uso das duas últimas escalas.

Cade (2008) identificou as escalas BPS, CPOT e NVPS e recomenda a BPS, argumentando que foi testada num grupo mais amplo de doentes e que mostrou validade e fiabilidade em três estudos. No entanto, alerta para a necessidade de mais trabalhos para avaliar as suas propriedades psicométricas. Pudas-Tåhkå et al. (2009) identificam as escalas BPS, CPOT, NVPS, Pain Assessmentand Intervention Notation Algorithm (PAIN) e a Pain Assessment Algorithm, e aconselham igualmente a necessidade de mais estudos para avaliarem as suas propriedades psicométricas e utilidade clínica.

Várias escalas foram desenvolvidas para avaliar a dor em doentes internados em UCI, submetidos a ventilação mecânica e incapazes de autoavaliarem a dor, mas os seus estudos são ainda insuficientes para que se possa recomendar uma delas. No entanto, a escala BPS parece ser a que reúne mais consenso para ser utilizada na prática clínica (Puntillo et al., 2009).

Esta escala foi das primeiras a ser usada para medir as experiências de dor em doentes incapazes de comunicar verbalmente e é atualmente uma das mais estudadas (Cade, 2008; Chen et al., 2011). A BPS foi desenvolvida em 1997 no Hospital Albert Michallon em Grenoble - França, com base no estudo de Puntillo et al. (Puntillo et al.,1997). Este estudo destacou a relação entre a expressão facial, movimento dos membros superiores e a adaptação ao ventilador com o auto-relato de dor em doentes cirúrgicos. Com estes indicadores, Payen et al.

(2001) conceberam a BPS, em que cada indicador foi categorizado em 4 descrições do comportamento, indicando ausência de dor (pontuação 1) a um máximo de dor (pontuação 4). A pontuação total varia entre os 3 (sem dor) e os 12 pontos (dor máxima) (Cade, 2008). O tempo estimado no seu preenchimento situa-se entre 2 a 5 minutos (Payen et al., 2001; Aïssaoui et al., 2005).

Apesar de válida e confiável, a BPS não é uma escala perfeita, pois não informa sobre a qualidade, tipo ou localização da dor. A sua pontuação mínima começa em três em vez de zero, como na maioria das outras escalas. Os fármacos sedativos e/ou relaxantes musculares, a condição física (fraqueza) do doente, o uso de contenção física para segurança (dispositivos terapêuticos, prevenção da autoflagelação, estabilização de articulações) influenciam a capacidade do doente exibir os movimentos dos membros (Li, Puntillo, Miaskowski, 2008). Por outro lado, permanece alguma ambiguidade em relação aos itens do indicador adaptação ao ventilador (Li, Puntillo, Miaskowski, 2008). Por estas razões, vários autores defendem a necessidade de mais estudos para confirmar a sua validade, fiabilidade e utilidade clínica (Herr et al.,2006; Li, Puntillo, Miaskowski, 2008; Pudas-Tåhkå et al., 2009; Puntillo et al., 2009).

Numa pesquisa realizada no motor de busca EBSCO Host, em todas as suas bases de dados, com as palavras Behavioral Pain Scale no título e sem qualquer outro tipo de restrição, identificámos cinco estudos que avaliaram as propriedades psicométricas da escala BPS. A escala foi estudada em doentes ventilados e sedados, internados em UCI com diagnósticos médicos e cirúrgicos (Payen et al., 2001; Young et al., 2006), com patologia respiratória (Aïssaoui et al., 2005; Chen et al., 2011), intoxicações (Aïssaoui et al., 2005), infeção, trauma e cirurgia cardíaca (Juarez et al., 2010). A análise de componentes principais da escala revelou uma explicação da variância total a um fator que variou entre os 55% (Payen et al., 2001) e os 65% (Aïssaoui et al., 2005); diferenças nas correlações das avaliações entre antes e depois de um procedimento (Payen et al., 2001;Juarez et al., 2010; Chen et al., 2011); e correlações negativas quando comparada com a escala de sedação Ramsay (Aïssaoui et al., 2005) e a administração de doses de midazolam e fentanilo (Payen et al., 2001). Dois estudos revelaram boas correlações com a autoavaliação do doente (Ahlers et al., 2008; Ahlers, 2010). Os estudos demonstraram que a escala apresenta uma consistência interna entre 0,64 (Young et al., 2006) e os 0,72 (Aïssaoui et al., 2005) e uma concordância entre dois observadores para o total da escala entre 0,68 (Juarez et al., 2010) e os 0,83 (Ahlers et al., et al), (Tabela_1).

Tabela_1

Metodologia Desenho Estudo de caráter metodológico, de tradução e análise de validade psicométrica, que decorreu em duas fases: validação semântica e cultural da BPS-IP/PT (fase I) e estudo das suas propriedades psicométricas (validade e fiabilidade) (fase II).

Procedimentos Fase I Neste estudo foi utilizada a escala BPS-IP (Chanques et al., 2009) por apresentar figuras ilustrativas dos seus itens. Após autorização dos autores, procedeu-se à tradução por duas tradutoras (Português nativo) de forma independente. Com base nestas duas traduções, um painel composto por cinco elementos, três enfermeiros que trabalham numa UCI e com formação específica em avaliação da dor, um professor de enfermagem perito em avaliação da dor e um tradutor, validaram semântica e culturalmente uma versão de consenso. Esta versão foi posteriormente retrovertida para o Inglês, de forma independente, por duas tradutoras (Inglês nativo). O painel referido anteriormente concebeu uma versão de consenso posteriormente comparada com a versão original para se obter a equivalência. Nenhum dos tradutores tinha formação médica ou de enfermagem.

Todas as frases ou palavras em que houve desacordo entre os tradutores foram analisadas pelo painel e foi obtida uma solução de consenso para todos os itens. A análise incidiu sobre a equivalência cultural e semântica dos conceitos, sua relevância para os profissionais de saúde e sobre a coerência gramatical. Houve dificuldade em gerar consenso em relação aos termos: "fighting", traduzido por "reage" e "luta", e "foldedcheek", traduzido por "bochechas pregueadas".

Com base na relevância para os profissionais de saúde, adotaram-se os termos "luta" e "esgar facial", respetivamente, e que retrovertidos revelaram equivalência (Figura_1).

Figura_1

Fase II Nesta fase procedeu-se ao estudo das propriedades psicométricas da BPS-IP/PT.

Participaram na colheita dos dados três enfermeiros com idades entre os 28 e os 30 anos. Todos frequentaram e obtiveram aproveitamento numa formação sobre avaliação da dor com duração de 60 horas e utilizavam no serviço uma versão traduzida da escala.

A recolha dos dados decorreu entre março de 2011 e fevereiro de 2012 e envolveu 60 doentes selecionados de modo acidental em função da disponibilidade dos enfermeiros para a colheita dos dados. Foram excluídos os doentes sob efeito de fármacos bloqueadores neuromusculares, com patologia neuromuscular, tetraplégicos, com comportamentos de auto-agressão e com imobilização dos membros superiores. O tamanho da amostra teve em conta as recomendações para a prossecução da análise fatorial de componentes principais com um mínimo de 50 observações ou cinco vezes a quantidade de itens (Hair et al.,1998).

A aplicação da escala foi realizada de forma independente e em simultâneo por dois enfermeiros, dos três que participaram na colheita dos dados, da qual resultaram 120 observações. Em função da observação do doente e por um período de dois a quatro minutos, pontuou-se cada um dos três indicadores da escala, obtendo assim a pontuação total para a intensidade da dor.

Análise dos dados Os dados obtidos foram processados e analisados pelo Software PASW Statistics versão 18.0 for Windows®.

A análise descritiva das variáveis categóricas foi feita através das frequências absolutas e relativas e as contínuas pelas medidas de localização mínimo, máximo e mediana. A avaliação de construto foi feita pela análise fatorial de componentes principais com rotação de Varimax. O teste Kaiser- Meyer-Olkin (KMO) foi usado para aferir a adequação da amostra para prosseguir a análise fatorial, tendo-se apurado um valor de 0,627 para o observador 1 e 0,558 para o observador 2 (Lohr, 2002).

Para a análise da fiabilidade, recorreu-se ao cálculo da consistência interna e concordância inter-avaliadores. Considerou-se a consistência interna aceitável para um valor de α de Cronbach 0.7, boa 0.8 e excelente 0.9 (George e Mallery, 2003). A concordância entre as duas observações (inter-avaliadores) foi avaliada através do coeficiente de Kappa de Cohen para as variáveis ordinais. Os valores entre 0.41 e 0.60 são considerados moderados, entre 0.61 e 0.80 substanciais e entre 0.81 e 1.0 excelentes (Landis e Koch, 1977). O Coeficiente de Correlação Interclasse (ICC) foi usado para verificar a concordância entre observações relativamente à pontuação total da escala.

Admitiu-se uma boa concordância para valores superiores a 0,75 (Kramer e Feinstein, 1981).

Considerações éticas Este estudo foi aprovado pelo Conselho de Administração do Hospital e Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde - Enfermagem. Uma vez que os dados recolhidos resultam da observação dos comportamentos de pessoas incapazes de comunicar, sendo esta intervenção inócua e fazendo parte integrante dos cuidados diários, atendeu-se à doutrina do consentimento informado no que se refere ao consentimento presumido e aos princípios éticos e deontológicos dos enfermeiros.

Resultados Entre os 60 doentes que participaram no estudo, 18 (30,0%) eram do sexo feminino com idades compreendidas entre os 21 e os 82 anos e com uma mediana de 57 anos. O principal motivo de internamento foram os politraumatismos 28 (46,7%). Submetidos a cirurgia 20 (33,3%) doentes, com uma mediana de 2,5 dias de pós-operatório, variando entre 1 e 14 dias. O tempo de internamento variou entre 1 e 28 dias, estando pelo menos metade internada 5 dias.

No momento da avaliação, 37 (61,7%) dos doentes estava sob efeito de analgésicos e sedativos e 12 (20,0%) apenas com sedativos.

A avaliação foi feita maioritariamente em doentes em repouso 51 (85,0%).

Subjetivamente os enfermeiros consideraram que no momento em que avaliaram a dor 34 (56,7%) dos doentes estaria com dor (Tabela_2).

Validade de construto Da análise fatorial de componentes principais emergiu a solução com um fator, com valor próprio superior a 1 (valor próprio = 2,04), e que explica 67,96% da variância para o observador 1 e 68,14% para o observador 2. Os movimentos dos membros superiores foi o indicador da escala com maior peso fatorial (0,90 e 0,92) (Tabela_3).

Tabela_3

Consistência interna A escala apresentou uma consistência interna com um α de Cronbach de 0,65 para o observador 1 e de 0,73 para o observador 2. Para ambos os observadores, o indicador movimentos dos membros superiores foi o que melhor se correlacionou com o total da escala (0,66 e 0,78) e o que mais contribuiu para a sua consistência interna (0,43 e 0,38) (Tabela_4).

Tabela_4

Concordância entre observações A percentagem de acordos item a item entre as duas observações variou entre os 90% na expressão facial e na adaptação ao ventilador e 95% nos movimentos dos membros superiores. O nível de concordância avaliado pelo coeficiente Kappa de Cohen variou entre 0,20 na adaptação ao ventilador e os 0,66 na expressão facial. Relativamente à concordância entre os scores totais obtidos nas duas observações, o ICC foi de 0,79 (Int. Conf. 95%: 0,67 - 0,87) (Tabela_5).

Tabela_5

Discussão O objetivo deste estudo foi adaptar semântica e culturalmente para o português a escala de dor BPS-IP (Aïssaoui et al., 2005) e avaliar as suas propriedades psicométricas (validade e fiabilidade) em doentes internados em UCI com patologias médicas e cirúrgicas, submetidos a ventilação mecânica e incapazes de autoavaliarem a dor.

O processo de validação semântica e cultural foi fácil de obter. Houve apenas necessidade de gerar consenso em relação a dois termos que retrovertidos revelaram equivalência com a escala original.

A escala BPS-IP/PT revelou-se válida ao apresentar um fator em ambos os observadores e que explicam uma variância total entre 67,96% e os 68,14%, sendo este resultado superior a outros estudos (Payen et al., 2001; Aïssaoui et al., 2005). Todos os indicadores revelaram forte associação com o fator, com especial destaque para os movimentos dos membros superiores, o que confirma a sua importância na avaliação da dor destes doentes, como o haviam constatado outros autores (Payen et al., 2001; Herr et al., 2006). Teria sido importante a inclusão, no painel de validação semântica e cultural da escala, outros profissionais de saúde para além de enfermeiros. No entanto, pensamos que tal limitação não compromete o processo de validação semântica e cultural da escala dada a facilidade com que se encontraram consensos.

A escala mostrou uma consistência interna aceitável (George e Mallery, 2003), apesar de apresentar apenas cinco itens, o que faz baixar este valor. Os resultados são superiores ou semelhantes a outros estudos (Aïssaoui et al., 2010). Entre os indicadores da escala, o indicador movimentos dos membros superiores foi o que melhor se correlacionou com o total da escala e o que mais contribuiu para a sua consistência interna, o que demonstra a importância deste indicador para avaliar a dor nestes doentes e que havia sido evidenciado por Payen et al. (2001) quando seleccionou este indicador para a conceção desta escala.

Os níveis de concordância entre os observadores são considerados substanciais para o indicador expressão facial e pobre para o indicador adaptação ao ventilador (Landis e Koch, 1977). A expressão facial é, em regra, difícil de interpretar. Todavia, os enfermeiros que participaram na colheita dos dados tinham formação em avaliação de dor e experiência na aplicação de uma versão traduzida desta escala. Por outro lado, a operacionalização deste indicador nesta escala é feita de forma muito simples e com auxílio de figuras exemplificativas, o que facilita a interpretação dos comportamentos de dor do doente. Acresce que se valoriza apenas uma particularidade da expressão facial, a contração facial e com particular referência para as sobrancelhas e pálpebras, o que facilita o processo de interpretação. A menor concordância verificou-se no indicador adaptação ao ventilador, apesar da percentagem de acordos ser elevada. Isto sugere homogeneidade das situações observadas (pouca variabilidade da dor), o que de facto aconteceu e se revela uma limitação deste estudo, bem como a grande maioria dos doentes ter sido observada em situação de repouso. Por outro lado, corroborando as afirmações de Li, Puntillo e Miaskowski (2008), este indicador apresenta alguma ambiguidade nos seus itens, o que pode comprometer a concordância inter-avaliadores. Os termos da escala "tolera", "luta" e "a maior parte do tempo" carecem de clarificação na sua operacionalização quanto à forma de medição. Por exemplo, medir em relação a que intervalo de tempo? Dois minutos, quatro minutos?! A experiência na aplicação de escalas e a formação escolar e em serviço que confira competência na avaliação da dor são fundamentais para ultrapassar estas dificuldades.

A concordância na pontuação total da escala foi boa (Kramer e Feinstein, 1981) e de acordo com outros estudos (Juarez et al., 2010), embora inferior ao trabalho de Aïssaoui et al. (2005), o que se explica pela baixa concordância no indicador adaptação ao ventilador verificada no nosso estudo.

A escala BPS-IP/PT apesar de válida e reprodutível requer mais estudos. Os que foram realizados utilizaram metodologias diversas, dificultando consensos nas conclusões. Os estudos, de uma forma geral, foram realizados em amostras reduzidas, em doentes com características clínicas muito homogéneas e sem explicitação da formação de quem aplicou a escala. Este estudo apresenta igualmente várias limitações. Houve um predomínio de doentes não submetidos a intervenção cirúrgica; uma elevada percentagem de doentes sob efeito de sedativos, o que pode ter comprometido os resultados com falsas concordâncias; uma avaliação feita maioritariamente em doentes numa situação de repouso; e os painéis não incluíram outros profissionais de saúde para além de enfermeiros.

Conclusão A avaliação da dor é imprescindível para a melhoria da qualidade dos cuidados e desenvolvimento de pesquisas futuras. O controlo efetivo da dor exige que esta seja orientada por uma avaliação e reavaliação feita com recurso a escalas válidas e precisas.

O processo de validação semântica e cultural da BPS-IP/PT foi fácil de obter e revelou equivalência com a escala original quando retrovertida. A versão Portuguesa apresentou boas propriedades psicométricas, sendo válida e fiável para uso em doentes adultos submetidos a ventilação mecânica e incapazes de se autoavaliarem. Porém, requerem-se outros estudos que avaliem a validade e fiabilidade da escala numa população mais heterogénea e representativa das situações mais comuns numa UCI, em amostras de maior dimensão e em doentes com um maior intervalo de dor (com e sem dor).

O uso da escala requer formação em avaliação de dor e treino na sua aplicação, particularmente no que se refere ao indicador adaptação ao ventilador.


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