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EuPTCVHe1646-706X2013000400004

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National varietyEu
Year2013
SourceScielo

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Úlcera crónica do membro inferior: experiência com cinquenta doentes

Introdução Define-se úlcera crónica dos membros inferiores como uma ferida que não cicatriza num período de 6 semanas, apesar do tratamento adequado1.

Trata-se de uma entidade comum, envolvendo 1 a 1,5% da população mundial, que consome recursos, causando frustração nos profissionais de saúde e nos doentes, condicionando degradação da sua qualidade de vida e dias de trabalho perdidos2.

São múltiplas as causas de úlceras crónicas, incluin do vasculares, neuropáticas, linfedema, artrite reumatoide, traumáticas, osteomielite crónica, anemia falciforme, vasculites, tumores cutâneos (basocelulares e espinocelulares), doenças infecciosas crónicas (lepra, tuberculose, leishmaniose), entre outras1-3. Em aproximadamente 3,5% dos doentes, a causa da úlcera não é identificada2.

A etiologia vascular predomina, sendo que a hipertensão venosa é responsável por 60 a 70% das úlceras e 10 a 25% por insuficiência arterial, que pode coexistir com a doença venosa (úlcera mista). Esta situação requer uma abordagem mais complexa e reveste-se de maior gravidade4.

Neste estudo abordámos as úlceras de etiologia vascular, procurando traçar o perfil deste doente e qual a resposta à terapêutica otimizada integrada, adaptada ao status vascular do doente. Avaliámos também os fatores que poderão contribuir para o atraso de cicatrização, realçando o papel da infeção.

Material e métodos Realizámos um estudo retrospetivo e descritivo, de 50 doentes consecutivos documentados, com o primeiro episódio de consulta de Cirurgia Vascular entre 2000 a 2010.

Como critério de inclusão, selecionaram doentes com úlcera localizada na perna ou , que não cicatrizou por um período superior a 6 semanas. Foram excluídos doentes sem capacidade de deambulação.

Por consulta do processo clínico foram recolhidos os dados epidemiológicos respeitantes à idade, sexo, raça, diabetes, hipertensão arterial, obesidade (considerado o índice de massa corporal superior a 35), antecedentes de insuficiência cardíaca congestiva, evidência de trombose venosa profunda e episódios de úlcera homolateral no passado.

Todos os doentes efetuaram Eco-doppler arterial e venoso dos membros inferiores, pelo mesmo operador, com aparelho Vivid 7, sonda 7.5mHz. Para o estudo arterial, foi efetuada abordagem femoral, popliteia, tibial posterior retromaleolar e pediosa. Nos doentes em que era possível, pelas dimensões da úlcera, foi determinado o índice tornozelo braço (Pressão Arterial Sistólica Membro inferior/Pressão Arterial Sistólica do Membro Superior). Foi considerada obstrução arterial significativa a perda do caráter trifásico da curva de velocidade e/ou índice tornozelo braço inferior a 0,9.

O eco-doppler venoso foi efetuado com o doente em e em decúbito, avaliando- se a permeabilidade e competência do sistema profundo a nível femoral e poplíteo. O sistema venoso superficial foi estudado quanto à competência valvular a nível de toda a veia safena interna, externa e perfurantes. Foi considerada segmento com refluxo quando havia fluxo retrógrado com tempo superior a 0,5 segundos e velocidade maior que 30 cm/segundos.

Foram registadas as análises bacteriológicas das úlceras, se efetuadas, com respetiva sensibilidade antibiótica.

Foram ainda discriminadas as modalidades terapêuticas utilizadas e respetivo resultado.

Resultados A idade média dos doentes foi 69,16 anos e verificou-se uma ligeira prevalência do sexo masculino (56%).

Relativamente às comorbilidades, verificou-se em uma maior percentagem de doentes a presença de HTA (80%), e com menor frequência, a obesidade e a diabetes. Em 42% dos doentes existiam antecedentes de úlcera de perna (tabela_1).

A dimensão média da úlcera foi de 17,8 cm2 e cerca de 70% dos doentes apresentavam úlcera ativa com mais de 6 meses de evolução (tabela_2).

Ao comparar as dimensões das úlceras com o tempo de cicatrização, verificou-se que, quanto maior o tamanho inicial da úlcera, mais prolongado é o tempo de cicatrização (tabela_3).

Ao caraterizar os grupos, de acordo com o tempo de cicatrização, e investigar a presença de fatores adversos na cicatrização como as comorbilidades bem como a presença de infeção, verificamos que, no grupo com tempo de cicatrização superior a 18 meses, 63% dos doentes tinha Diabetes Mellitus e 45% eram obesos.

A presença de infeção foi maior no grupo com úlcera de duração 6-18 meses (tabela_4).

Em relação à etiologia 56% eram venosas, e destas, 71,4% tinham envolvimento do sistema venoso superficial apenas e 21,4% com envolvimento do sistema venoso profundo e superficial. 26% das úlceras tinham etiologia mista e 18% apresentavam etiologia arterial (tabela_5).

Relativamente à insuficiência venosa pelo sistema venoso superficial, os doentes apresentavam diferentes distribuições pela veia safena interna, externa e/ou perfurantes (fig._1).

Quanto à terapêutica, esta foi diversificada que o padrão de patologia também abrangia várias patologias.

A Cirurgia foi realizada essencialmente para a insuficiência venosa superficial isolada (53,1% dos doentes) e na úlcera com componente arterial (77% dos doentes com úlceras isquémicas). Foram ainda utilizados procedimentos cirúrgicos isolados de intervenção direta, como os enxertos de pele em 11,7% ou como forma de terapêutica associada em 23,5% (tabela_6).

A terapia compressiva foi aplicada tanto nos doentes submetidos a cirurgia bem como nos 47% dos doentes que não foram operados, por apresentarem insuficiência do sistema venoso profundo isolada (20%), comorbilidades significativas (60%) e ainda em doentes que estavam a aguardar cirurgia na altura da realização do estudo (20%).

O tipo de contenção elástica usada foi a meia elástica em 71% e a ligadura elástica em 24%. O grau de adesão à contenção elástica foi de 75%, não havendo dados em 3,5% doentes.

A percentagem de doentes que apresentaram melhoria ou mesmo a cicatrização da úlcera com o tratamento compressivo foi 66%.

Discussão A úlcera crónica dos membros inferiores está associada um elevado tempo de cicatrização e frequente recorrência, consumindo recursos e tempo aos cuidadores, ao doente e à sua família.

O nosso estudo pretende conhecer melhor esta população e os fatores envolvidos no desenvolvimento e manutenção da úlcera, de modo a abordar os doentes de forma mais eficaz com vista à cicatrização das lesões e à prevenção das recorrências. Para tal, a partilha de cuidados e conhecimentos com os cuidados de saúde primários é fundamental, numa visão holística e integrada da saúde.

No estudo que efetuámos com esse fim, a população estudada apresentou uma média de idade de 69 anos, que está de acordo com a literatura, que refere maior prevalência de úlcera com a idade, que é de 1-2% na população global, aumentando para 3 a 5% na população com idade superior a 65 anos5.

Em relação à etiologia, o nosso estudo incidiu num subgrupo populacional orientado especificamente para a consulta de Cirurgia Vascular, pelo que foi detetada etiologia vascular em 100% dos doentes. Verificou-se que a etiologia venosa foi predominante estando envolvida de forma isolada em 56% dos casos, associada à insuficiência arterial em 26% (úlceras de etiologia mista) e unicamente relacionadas com doença arterial em 18% dos doentes. Os dados referentes ao número de úlceras mistas e arteriais são superiores aos descritos na literatura, sendo provavelmente enviesados por ser uma consulta altamente especializada6.

Nos doentes com úlceras de etiologia venosa, a alteração fisiopatológica responsável pela manutenção da úlcera é a hipertensão venosa. Esta é mais frequentemente causada por insuficiência do sistema venoso superficial, constituindo a causa mais simples de abordar de forma curativa com cirurgia (vulgo Úlcera varicosa). Também a oclusão ou insuficiência do sistema venoso profundo, secundária a tromboses venosas, condicionam hipertensão venosa, que é uma situação mais grave e com uma abordagem terapêutica mais difícil e refratária. As cirurgias do sistema venoso profundo são muito invasivas e com resultados pouco promissores quando comparado com a terapia compressiva bem aplicada. Importa assim distinguir estas duas alterações do sistema venoso, com o mesmo defeito fisiopatológico (hipertensão venosa), mas de abordagem terapêutica distinta.

Também pelo mecanismo da hipertensão venosa, as situações de bloqueio da articulação tibiotársica ou imobilidade, ao interromper o efeito da bomba muscular, poderá condicionar úlceras de perna, mesmo sem alterações da circulação arterial ou venosa.

No nosso estudo a insuficiência venosa superficial isolada foi responsável por 71% das úlceras de etiologia venosa e o sistema venoso profundo isolada em 7,2%, sendo que em 21,4% estavam envolvidos os dois.

No nosso estudo, verificou-se ainda que em 44% dos doentes existia compromisso da circulação arterial, e em 18% como único fator vascular responsável pela úlcera, distribuindo pelos vários territórios: 11% do setor aorto-ilíaco, 55% do sector femoro-popliteo e 33% do setor tibio-peroneal.

Nos doentes com compromisso arterial e venoso, a abordagem é particularmente difícil, pois a existência de alteração da perfusão arterial contra-indica o uso de compressão elástica, que pode compromoter ainda mais a perfusão, levando ao agravamento da isquémia.

Deste modo, apesar do aspeto da úlcera ser um precioso indicador da etiologia arterial ou venosa da úlcera (tabela_7), o sistema arterial deve ser avaliado sistematicamente ao selecionar a terapêutica compressiva7.

Uma revisão Cochrane concluiu que a compressão venosa promove a cicatrização da úlcera nos doentes cuja etiologia da mesma era a hipertensão venosa, sobretudo se utilizada a alta compressão, estando assim recomendada uma pressão de 40 mmHg8.

Utilizámos essencialmente para terapia compressiva o kit de úlcera, que constitui atualmente um auxiliar muito útil na abordagem dos doentes com hipertensão venosa. É muito superior a bandagem com ligaduras pois é mais consistente, não variando com o operador e permitindo ao doente a sua remoção e colocação para a higiene. Este kit é constituído por duas meias de compressão sobrepostas de 20 mmHg de pressão a nível do tornozelo (baixa pressão). A meia a usar diretamente sobre o penso é constituída por 71% poliamina, 28% elastano e 1% prata, com propriedades antimicrobianas e deve ser usado dia e noite. A segunda meia é composta de 75% poliamina e 25% de elastano e é usado apenas durante o dia, quando deambulação e aumento da hipertensão venosa.

Esta sobreposição de meias para alcançar a pressão eficaz torna também a utilização mais fácil, sobretudo nos doentes idosos e com grandes pensos, simplificando colocar duas meias de mais baixa pressão em alternativa a apenas uma mais forte.

Esta eficácia de terapia compressiva foi ainda demonstrada no nosso estudo ao conseguirmos obter uma cicatrização da úlcera em 66% dos doentes quem que esta foi a única modalidade terapêutica utilizada (doentes com patologia do sistema venoso profundo, comorbilidades que impediram a cirurgia ou doentes que se encontravam a aguardar cirurgia).

Nos doentes com etiologia arterial e mista da úlcera, verificou-se taxas mais baixas de cicatrização, verificando-se no grupo de doentes unicamente arteriais, que cerca de metade sofreram amputação, o que realça o mau prognóstico destes casos e a necessidade de abordagem precoce, evitando rotular todas as úlceras de varicóticas, sendo de suma importância o despiste de doença arterial.

Além da idade e da patologia de base na etiologia da úlcera, foram estudados outros fatores que poderiam comprometer a cicatrização da úlcera, verificando- se que a diabetes mellitus estava presente em igual percentagem nos doentes que cicatrizaram e nos que não cicatrizaram, contribuindo a hipertensão arterial para a não cicatrização. A obesidade esteve presente em 46% dos doentes com úlcera.

As úlceras estão frequentemente colonizadas por flora mista que não deve ser confundida com infeção secundária. São sinais que fazem suspeitar da infeção o aparecimento de dor, aumento de exsudação, aumento das dimensões da úlcera ou aparecimento de odor. Nestes casos é fundamental efetuar zaragatoa e valorizar úlceras colonizadas por mais de 105 microrganismos por grama de tecido9. Nestes casos deve ser instituída antibioterapia dirigida pelo teste de sensibilidade antibiótica. Não deve ser realizado o despiste sistemático de infeção se não houverem sinais concretos que esta poderá estar presente de modo a evitar a antibioterapia desnecessária e dispendiosa, associada ao desenvolvimento de resistências bacterianas.

Na nossa série isolado agente infeccioso em 30% das úlceras, estando 50% destas com valores patológicos de MRSA. A presença de infeção documentada esteve também associada a maior dificuldade de cicatrização, observando-se uma duração média de úlcera ativa de 21,6 meses nos doentes infetados e 80% destes mantiveram úlcera ativa mais de 18 meses.

A recorrência também é frequente, descrevendo-se na literatura 30% de recorrência no primeiro ano e de 78% aos dois anos10. No nosso estudo 42% dos dentes tinham tido episódio prévio de úlcera homolateral. A adesão à contenção elástica, mesmo após a cirurgia de varizes, e a cicatrização da úlcera é incontornável nestes doentes para prevenir a recorrência (recomendação com nível de evidência C)11.

Como se pode observar no nosso estudo, a intervenção para a terapêutica destes doentes com úlceras extensas (média de dimensões de 17,8 cm2) e de longa evolução, requereram tratamentos complementares além do dirigido à etiologia vascular da úlcera. Foi necessário em 44% dos doentes com úlceras de etiologia arterial efetuar terapia hiperbárica e em 23,5% dos doentes com cirurgia de varizes proceder a enxerto de pele. Esta abordagem integrada, complexa, foi essencial para a cicatrização da úlcera e não deve ser perdido o timing ideal, com altas precoces sem o doentes estar curado, facilitando a sobreinfeção e consequente agravamento da lesão deitando a perder o que tinha sido investido.

E finalmente, não devem ser esquecidos o despiste e a correção de fatores gerais do doente que possam contribuir para o atraso da cicatrização como o estado nutricional, equilíbrio da diabetes e tensão arterial, controlo de fatores de risco para aterosclerose e o acompanhamento do doente ao longo do seu tratamento reforçando a adesão à terapêutica, nomeadamente a contenção elástica.

Conclusão O conhecimento da realidade desta doença e das necessidades dos doentes permitem a elaboração de estratégias de intervenção de modo a poder melhorar a prestação de cuidados aos doentes com úlceras de perna no sentido de reduzir o tempo de cicatrização, prevenir a reincidência e promover a racionalização de recursos da saúde e melhoria da qualidade de vida.

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11. Abbade L. Abordagem do doente com úlcera de perna de etiologia venosa. Brás Dermatologia. 2006;81:509-22.

*Autor_para_correspondência: Correio eletrónico: ana.raquel.22@gmail.com (A. Afonso).

Notas * Trabalho apresentado no XI congresso da Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular, 23 a 25 de Junho 2011 em Viseu.


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