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EuPTCVHe2182-51732013000500005

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National varietyEu
Year2013
SourceScielo

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Tratamento farmacológico da Paralisia Facial Periférica Idiopática: qual a evidência?

Introdução A Paralisia de Bell ou Paralisia Facial Periférica Idiopática (PFPI) consiste numa paralisia ou parésia aguda do nervo facial, geralmente unilateral, de causa desconhecida, sendo caracterizada por inflamação e edema deste nervo ao longo do seu trajeto pelo ouvido interno, o que pode resultar numa compressão e desmielinização axonal, com diminuição da irrigação sanguínea.1,2 A sua incidência anual situa-se entre os 20 e os 30 por 100.000, com um pico por volta dos 20 a 40 anos, atingindo ambos os géneros em proporções similares.1,3 Existe uma maior prevalência nas grávidas e em doentes com diabetes mellitus, síndrome gripal ou outra patologia respiratória superior.1,4 No que concerne às etiologias suspeitas, consistem essencialmente na infeção vírica (com o vírus herpes simples 1 tendo uma probabilidade de ser o causador em 67% e havendo 33% de probabilidade de ocorrer uma reativação do vírus varicela-zoster), isquemia vascular, alterações inflamatórias autoimunes ou fatores hereditários.5 Sendo o diagnóstico essencialmente clínico, a recolha de uma boa história clínica e um exame físico direcionado são imprescindíveis.

A PFPI apresenta-se clinicamente por incapacidade no encerramento do olho afetado na totalidade, desvio inferior/incapacidade para levantar a sobrancelha, diminuição do lacrimejo e/ou secreções salivares, parésia da boca do lado afetado, com desvio e apagamento do sulco, dificuldade na alimentação (sólidos e/ou líquidos que muitas vezes referem escorregar pelo canto da boca), otalgia ao redor ou atrás da orelha (estendendo-se muitas vezes à região occipital/cervical), hiperacúsia com tolerância diminuída para níveis normais de ruído, perturbação do paladar nos 2/3 anteriores da língua e stress psicológico marcado com eventual restrição das atividades sociais.1,6 Por sua vez, no exame físico será importante a distinção entre paralisia facial periférica ou central. Na central, o movimento da região frontal é normal bilateralmente, ou seja, esta zona é capaz de se "enrugar"; na periférica, um dos lados tem paralisia ou parésia em toda a face, incluindo a região frontal do lado afetado.7 Uma otoscopia sem alterações significativas será importante para o diagnóstico de PFPI.

A escala de House-Brackmann é uma das mais utilizadas na classificação das PFPI,3 sendo uma das referidas por todas as meta-análises selecionadas para esta revisão, além de permitir comparações com outras escalas e ter sido adotada como padrão pela Facial Nerve Disorders Committee da American Academy of Otolaryngology Head and Neck Surgery.4,5 Nesta escala, os graus de disfunção são definidos como: 1 normal; 2 ligeira (fraqueza apenas numa inspeção cuidadosa); 3 moderada (óbvia, mas não desfigurante); 4 moderadamente severa (fraqueza óbvia e/ou assimetria desfigurante); 5 movimentos faciais praticamente não percetíveis; 6 ausência de movimentos.4 Os doentes não tratados podem ter uma recuperação completa em cerca de 70% dos casos, mas, em até 30%, podem apresentar apenas uma recuperação incompleta do controlo muscular facial, podendo adquirir desfiguração facial, dor facial e distúrbios psicológicos.1,6 Também foi demonstrado que a severidade inicial influencia o prognóstico.3 Deste modo, o objetivo do tratamento da PFPI consiste na prevenção das sequelas, sendo que as hipóteses atuais de tratamento farmacológico englobam os corticoides, antivíricos, ou a combinação de ambos.

Esta revisão tem como objetivo rever qual o tratamento farmacológico mais eficaz, entre corticoides e/ou antivíricos, na melhoria clínica da Paralisia Facial Periférica Idiopática.

Métodos Foi efetuada uma pesquisa nas bases de dados da Cochrane Library, Pubmed, National Guideline Clearinghouse, Dare, Tripdatabase, Bandolier, UpToDate e Índex de Revistas Médicas Portuguesas. Foi feita a pesquisa de normas de orientação clínica, meta-análises, artigos de revisão e ensaios clínicos aleatorizados e controlados, publicadas entre janeiro de 2005 e abril de 2012, em português e inglês, utilizando os termos Mesh: Glucocorticoids; Antiviral Agents; Bell Palsy e Facial Paralysis. Estes termos foram utilizados utilizando operados booleanos, através da combinação (Glucocorticoids AND/OR Antiviral Agents) AND (Bell Palsy AND/OR Facial Paralysis), de modo a maximizar a possibilidade de encontrar todos os artigos potencialmente relevantes.

Foram incluídos artigos que respeitavam os critérios: população alvo constituída por indivíduos com o diagnóstico de PFPI, comparação do uso de corticoide e/ou antivírico versus placebo ou comparação da associação de corticoide e antivírico versus corticoide ou versus antivírico, sem restrições relativas ao tempo de evolução/seguimento posteriores ao tratamento testado.

Foram excluídos os artigos que incluíssem: doentes imunodeprimidos, grávidas ou lactentes, causas conhecidas de paralisia facial periférica (como a etiologia vascular, traumática, neoplásica), paralisia facial central ou artigos repetidos ou alvo de avaliação em meta-análises/revisões sistemáticas.

Para avaliar a qualidade dos estudos e a força de recomendação, foi utilizada a escala Strength of Recommendation Taxonomy (SORT) da American Family Physician.8 Resultados A pesquisa efetuada resultou na identificação de 181 artigos, tendo sido excluídos 174 por estarem duplicados, por terem sido incluídos no sistema ou nas revisões sistemáticas ou por serem discordantes do objetivo e incluídos sete, sendo todos estes meta-análises (Figura_1).

Associação de corticóides e antivíricos Na meta-análise de Almeida JR, 2009, cujo objetivo consistia na comparação da eficácia da associação de corticoides com antivíricos versus corticoides ou antivíricos isolados no tratamento da PFPI, foram incluídos 18 ensaios clínicos aleatorizados.3 Em três dos ensaios foi utilizada a associação de corticoides com antivíricos, em oito dos ensaios os corticoides foram utilizados de forma isolada, o mesmo acontecendo com os antivíricos em sete dos ensaios clínicos.

Os outcomes primários consistiam na recuperação da função motora do nervo facial, tendo em conta a severidade inicial, a modalidade do tratamento, a dose e o tempo de início de tratamento. Os outcomes secundários consistiam na disfunção sincinética e autonómica e nos efeitos adversos. Foram utilizadas as escalas House-Brackman, Facial Paralysis Reco-very Index, Sunnybrook Scale, Yanagihara Score e Modified Adour Mechelse. Os resultados (Quadro_I) mostram que os corticoides isolados permitiram uma recuperação satisfatória, com redução do risco de disfunção sincinética e autonómica e sem aumento do número de efeitos adversos. Os antivíricos isolados não foram associados a uma recuperação satisfatória. A associação das duas classes farmacológicas, embora permitisse uma maior taxa de recuperação comparativamente ao corticoide isolado, não teve significado estatístico.

A meta-análise de Goudakos JK, 2009, incluiu cinco ensaios clínicos aleatorizados, dos quais quatro puderam ser submetidos a meta-análise.5 Os outcomes primários consistiam na recuperação completa da função motora do nervo facial aos três, quatro, seis e nove meses (escala House-Brackmann). Os resultados (Quadro_I) mostram uma taxa de recuperação motora semelhante entre os dois grupos aos três, quatro, seis e nove meses. A análise por sub-grupos não mostrou benefício no tratamento nos primeiros três dias após o início dos sintomas versus o tratamento três dias ou mais após o início dos sintomas. A adição do antivírico (aciclovir ou valaciclovir) ao tratamento com corticoide não produziu benefício adicional.

Na meta-análise de Quant EC, 2009, foram incluídos seis ensaios clínicos aleatorizados.9 No que diz respeito aos outcomes primários, consistiam na proporção de doentes com, pelo menos, recuperação parcial no fim do intervalo de seguimento (definido como House-Brackmann 2). Os resultados (Quadro_I) mostram que não foi observado benefício da combinação de corticoide e antivírico versus corticoide isolado. A análise por sub-grupos (tempo até ao início do tratamento ou de seguimento, tipo de antivíricos) manteve as mesmas conclusões.

Na meta-análise de van der Veen EL, 2012, foram incluídos oito ensaios clínicos aleatorizados.11 Os outcomes primários consistiam na recuperação da função motora do nervo facial (escala House-Brackman). Os resultados (Quadro_I) mostram que existe um efeito benéfico, embora pequeno, na adição de antivírico ao tratamento com corticoide na paralisia severa, mas sem significado estatístico. Quanto aos efeitos secundários, foram encontrados entre 10 a 19% com a utilização de corticoide isolado, e 13 a 20% com a associação de corticoide e antivírico e consistiam geralmente em efeitos gastrointestinais ou tonturas, sem necessidade de tratamento subsequente.

Na meta-análise de Numthavaj P, 2011, foram incluídos seis ensaios clínicos aleatorizados.2 Cinco dos ensaios compararam a utilização da combinação de antivírico e prednisolona com prednisolona ou antivírico isolados ou placebo, enquanto o outro ensaio comparou a utilização de antivírico com prednisolona.

Em quatro dos ensaios o antivírico utilizado foi o aciclovir, enquanto noutros dois estudos foi utilizado o valaciclovir. Os outcomes primários consistiam na recuperação da função motora do nervo facial, definida de acordo com as seguintes pontuações nas escalas de avaliação: House-Brackmann 2, Facial Palsy Recovery Index 8, > 36 pontos no Yanagihara Score ou 100 na Sunnybrook Scale. Os resultados (Quadro_I) mostraram que a prednisolona duplicou a taxa de recuperação comparativamente à sua não utilização. O aciclovir ou valaciclovir isolados apresentaram uma menor eficácia que a prednisolona isolada e tiveram efeitos semelhantes ao placebo. A combinação do aciclovir ou valaciclovir com prednisolona teve uma eficácia ligeiramente superior à prednisolona isolada, embora esta diferença não atinja significado estatístico.

Corticóides isolados Na meta-análise de Salinas RA, 2010 (Cochrane), foram incluídos oito ensaios clínicos aleatorizados.10 Em todos os ensaios foi comparada a utilização de corticoide com placebo, sendo maioritariamente utilizada a prednisolona. No que diz respeito aos outcomes primários, consistiam na recuperação incompleta da função motora facial após seis meses ou mais, no desenvolvimento de sincinesias motoras ou disfunção autonómica (espasmo hemifacial) e nos efeitos adversos.

Foi utilizada a escala de House-Brackmann. Os resultados (Quadro_I) demonstram um benefício significativo da utilização de corticoides na PFPI, assim como uma redução significativa na sincinesia motora naqueles que receberam corticoides versus placebo.

Antivíricos isolados A meta-análise de Lockhart P, 2010 (Cochrane), incluiu sete ensaios clínicos aleatorizados.4 Os outcomes primários consistiam na recuperação da função motora do nervo facial no fim do estudo (escala de House-Brackmann), na disfunção sincinética e autonómica e nos efeitos adversos. Os resultados (Quadro_I) mostram que os antivíricos não foram mais eficazes do que o placebo na recuperação completa da função motora do nervo facial. Foi significativamente menos provável uma recuperação completa com os antivíricos do que com os corticoides. Não houve diferença significativa entre os diversos antivíricos utilizados e os efeitos adversos foram semelhantes entre as diversas combinações terapêuticas em estudo.

Conclusões Esta revisão apresenta algumas limitações: que considerar a elevada heterogeneidade e limitações metodológicas dos ensaios aleatorizados nos quais as meta-análises se baseiam, nomeadamente no que concerne à definição de outcomes, tempo de seguimento, tempo até à melhoria clínica, medicação e doses usadas, estratificação da gravidade, análises post-hoc de subgrupos, bem como a garantia da aleatorização e dupla ocultação adequadas. A limitação linguística pode eventualmente levar à não inclusão de estudos potencialmente relevantes em outras línguas.

Deve salientar-se, com base na evidência disponível, que existe um benefício significativo, consistente e orientado para o doente, no uso de corticoides, mas não na utilização isolada (ou em combinação) de antivíricos, os quais comportam custos adicionais (sem um benefício comprovado). Adicionalmente deve- se ter em conta o facto de que muitos dos doentes melhoram espontaneamente, de forma completa. Por fim, as co-morbilidades do doente (com o seu possível impacto nas interações e, portanto, efeitos secundários), assim como a probabilidade do doente ter uma adesão terapêutica adequada perante um esquema de combinação (que será mais complexo e dispendioso) não devem ser esquecidas.

Em suma, não existe evidência de um benefício clínico dos antivíricos, isoladamente ou em associação com os corticoides, no tratamento da Paralisia de Bell (Força de Recomendação B). Os corticoides continuam a ser o tratamento farmacológico com a melhor evidência clínica, relevante para o doente, disponível (Força de Recomendação A). Não foram encontrados efeitos adversos significativos com a utilização de corticoides, antivíricos ou a sua combinação.


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