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EuPTHUHu0807-89672014000200012

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National varietyEu
Year2014
SourceScielo

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A Ideia de morte: do medo à libertação

(...) a morte não tem "ser"; (...) embora a morte não tenha "ser", não deixa por isso de ser real, ela acontece (...).

Edgar Morin ([1988]:26) 1. O mistério da Morte Considera Silva Soares (1986: 407 e 409): "A morte (...) é um dos temas mais difíceis de tratar, dada a sua complexidade e a ambivalência dos nossos sentimentos acerca dela. (...) Qualquer tipo de discurso sobre a Morte é cheio de ambivalência, de fugas, de condicionamentos e de contradições.".

Conceito obscuro, numa primeira reação, a Morte é algo de irracional e de absurdo;[1] mas talvez seja imortalidade, talvez fim, talvez nada. Partida, viagem, a Morte não remete apenas para si mesma; remete para uma pós-morte, para um "além". O desaparecimento de um indivíduo neste mundo "implica" a sua entrada num outro.[2] Daí que o homem tenha procurado nos mitos e na religião alguma resposta ou forma de explicar a Morte e, se possível, o seu sentido, num confronto da razão com uma experiência-limite. Seja qual for a sua origem sócio-geográfico-cultural, o homem não pode suportar a ideia de que, depois de morrer, não existe nada. Assim, como forma de luta contra o nada, socorreu-se de mitologias, ritos e outros processos mágicos e pragmáticos para transfigurar e ocultar a mudança na natureza do corpo, evitando confrontar-se com a sua decomposição, destruição irreversível que lhe revela a sua finitude.[3] Pensar e refletir sobre o fim da vida revela a perplexidade do homem perante a morte. A visão e a conceção da ideia de Morte assentam na elaboração de um pensamento descritivo que tenta conhecer e compreender o limite do que pode ser pensado ou imaginado, ato que se realiza sem qualquer experiência física do acontecimento "morte". Logo, o seu conteúdo será uma tentativa de fazer desaparecer a angústia da própria morte.

Configurando um "novo universo", qual a substância da Morte enquanto objeto de pensamento? Incerta e imaginária, ela reveste-se de um cunho religioso sob a forma de crenças que procuram atenuar o temor do fim da vida. Diminuindo a ansiedade e as suas dúvidas, a reflexão e o pensamento da Morte poderão ser o caminho que integre o homem no Universo de que ele faz parte e o conduza à descoberta de uma verdade procurada.

O mistério da Morte estimula a reflexão e a apresentação de explicações "racionais" para o seu significado e o seu sentido que, consequentemente e por ligação, relevam para o conceito de Vida. Inúmeras são as representações que se têm criado sobre a Morte, ou seja, a ideia que se faz da Morte, do que é a Morte e o que ela representa, criando sempre contra o nada. As imagens da Morte traduzem as atitudes que os homens, ao longo dos séculos, tiveram perante este acontecimento.[4] , pois, uma relação entre a atitude perante a morte e a consciência de si, de ser e da sua individualidade.

2. Representações da Morte Atente-se nesta crença popular da Bretanha, que personifica a Morte, designada como Ankou, alegoria da dança macabra dos mortos na Idade Média:

Trata-se de um personagem masculino: é descrito como um homem bastante alto, magro, de compridos cabelos brancos, que usa um grande chapéu de feltro, ou como um esqueleto embrulhado num lençol, cuja cabeça gira incessantemente como um catavento para abraçar com a vista toda a região que deve percorrer. Traz na mão uma gadanha que, ao contrário das gadanhas normais, tem o gume virado para fora: por isso não a vira para si como os ceifeiros, mas lança-a para diante.

Desloca-se numa carreta arrastada por dois cavalos atrelados um atrás do outro (...). O Ankou está em na carreta; e é escoltado por dois indivíduos que caminham a . O primeiro conduz pelas rédeas o cavalo da frente, o segundo abre as cancelas dos campos, dos pátios e as portas das casas: é ele que carrega os mortos para a carreta.

Reconhecem-no à chegada porque os eixos das rodas chiam de uma maneira sinistra. (Cf. Belmont, 1997:55-56).

Esta representação tornar-se-ia corrente na cultura ocidental, a partir do século XVII, desenvolvendo-se a conceção de um esqueleto envolvido numa longa capa negra, transportando a foice para "ceifar" a vida, incutindo medo, terror e angústia, sentimentos de aflição que fazem da ideia de Morte uma perseguição fatal a que não se pode escapar. A representação da Morte como uma múmia ou um cadáver semidecomposto significaria o horror da morte física, da doença, da velhice e a decomposição "post mortem", tema familiar à poesia dos séculos XV e XVI. Os poetas tomam consciência da presença da corrupção: está nos cadáveres, mas também no decurso da vida os vermes não provêm da terra, mas do interior do corpo; as matérias e os líquidos da podridão escondem-se sob a pele. A decomposição é o sinal da ruína do homem e reside o sentido do macabro, cujo fim era provocar o temor da condenação. Pretendia-se mostrar o que não se , o que se passa debaixo da terra e que se ocultava dos vivos.

Para os Gregos, que chamavam à Morte "a noite dos tormentos", ela personificava-se em Thanatos, génio masculino alado, irascível, insensível, impiedoso, que, na Ilíada, surge como irmão do Sono e Hesíodo apresentava-os como os dois filhos da Noite, geradora de sonhos e angústias, símbolo da eternidade e do indeterminado, reino da morte que permite o contacto com o Absoluto. Mas, numa visão protetora e maternal da Noite, evoca-se um retorno a uma situação intrauterina: adormecer é como se fosse "um nascimento às avessas", um regresso à matriz inicial.[5] Platão defendia a ideia de que a morte era a passagem da alma para outra "vida"; talvez um sono sem sonhos, uma transição catártica ou libertação.[6] Que portas abrirá a Morte à nossa "consciência"? No fundo, esta conceção é a recusa da associação do fim do ser à dissolução física a crença num além da morte proporcionava um complemento de duração entre a morte e o fim dos tempos.

A crença ou a descrença no Além, um mistério, uma incerteza, modifica o comportamento humano: quando não se acredita numa "outra vida", um determinado tipo de atitude diante das situações quotidianas, o que se altera num indivíduo em quem a crença religiosa lançou a semente de uma "vida post mortem". Para o homem religioso, a vida é, também, a pós-morte num além regido por uma entidade divina. Assim, o seu comportamento e a sua ética obedecem às regras da religião que pratica. Veja-se como a Igreja Católica assenta o seu poder na ideia da vida eterna e no temor do julgamento divino, Juízo Final que se abate sobre a alma quando ela abandona o corpo na hora da morte.

O dilema da finitude humana sempre fez parte do âmbito religioso, pelo que as religiões chamaram para si a questão da Morte e do Além, procurando, de alguma forma, a ligação ao Transcendente. Segundo a ótica religiosa, morre-se no momento escolhido por Deus, detentor único do conhecimento dessa hora. Mas questionemos o suicida: morre na sua hora determinada? A morte é dada por si próprio e não por qualquer intervenção divina, crendo-se, até, que se atenta contra as suas determinações. Desenvolver-se-á esta ideia, posteriormente.

3. A experiência da Morte Cessação irreversível e estado terminal da vida física, a morte não é um momento, mas um processo, uma fronteira em que duas linhas se tocam, a última em que a alma está unida ao corpo e a primeira em que pode atuar separadamente.

A morte prolonga, de uma determinada forma, a vida individual, como transpondo- a para a eternidade. Nada cessa; tudo continua a morte num nível é, talvez, a condição de uma "vida" num outro nível. Depois da morte, a alma transmigra para outro estado não morte. Assim, ela assume-se como um mito que é uma metáfora da vida;[7] isto é, a ilusão do homem em querer dominar o tempo, na imagem da "vida para além da morte", fá-lo dotar a própria alma de uma "corporalidade". Marcando o termo da vida sensível, a morte não atinge a alma, que é imortal.

Aniquilamento dos fenómenos vitais, a morte pode ser definida em termos biológicos na relação e a partir da definição de vida, que contém em si a morte, numa atividade e esforço de adaptação permanentes, coexistindo como uma tensão de forças contrárias: a morte é um termo para o qual o homem se encaminha desde o nascimento, uma realidade interna que nele se opera a partir do momento em que é dado à luz. A vida humana é uma constante experiência que conduz a uma decadência do organismo, que esgota a sua força vital, por enfraquecimento ou impossibilidade de se ajustar às modificações ou agressões do meio interno e externo, obedecendo ao princípio de degradação dos seres vivos. Paradoxalmente, a morte é a consequência da vida.[8] O homem morre desde que nasce; morre em cada instante, porque a morte não surge no momento em que se morre existe desde o nascimento, como processo.[9] Ato único e irrepetível, de impossível relato, o homem tem experiência da Morte através da morte dos outros, o que lhe permite pensar sobre esta ideia e sobre o momento da sua morte, representando, antecipadamente, a interrupção da sua vida ao chegar a essa situação-limite através da morte alheia, vive-se um pouco a nossa, fruto dos efeitos emocionais e do drama da perda de outrem. A morte é a única experiência humana que não podemos partilhar é impossível representar a própria morte, a não ser como espectador, pelo que é sempre através do que acontece aos outros que dela tomamos conhecimento ou proximidade, pois, quando chegar a nossa vez, não poderemos comunicá-la.[10] É o "meu" desaparecimento como consciência.[11] Deste modo, a morte impõe a inexorável vulnerabilidade humana e a limitação do ser. Mais do que um problema ou uma interrogação à razão, a Morte constitui um enigma, um mistério partida sem regresso, ponto de interrogação no limiar do desconhecido, a angústia da morte, a dor e o terror que esta ideia ou o seu pensamento provocam têm em comum um temor que perturba o homem: a perda da sua individualidade. Aqui se a origem de um sentimento traumático, na tomada de consciência de um vazio onde havia plenitude individual.[12] As teorias que, histórica e antropologicamente, tentaram explicar a experiência da Morte resultam de um pensamento sobre o nada, sobre a finitude da vida humana, procurando uma explicação ou uma justificação que apazigúe ou permita racionalizar o medo, a angústia, o desespero, a revolta, o desconhecido que ela traz consigo. Recorde-se a frase de Epicuro a Meneceu: "se tu existes, a morte não existe; se a morte existe, tu não existes" (apud Chorão (dir.), 2001: 648). Isto é: por a Morte não existir enquanto nós estamos vivos, o próprio pensamento da Morte não faz sentido, não passa de um absurdo. Este "exercício mental" permitiria dissipar o medo da Morte pela qualificação de absurdo, porque fora da vida. Voltaire compreendeu a ideia e declarou: "Nunca se deve pensar na morte. Semelhante pensamento serve apenas para envenenar a vida" (ib.).

Contudo, verifica-se a situação inversa: a obsessão da Morte reflete uma quebra de entusiasmo na afirmação do ser, identificando-se com o tédio ou o cansaço da vida, contra a força de viver, traduzindo-se numa inadaptação. A morte instaura, pois, uma rutura dentro da vida, ao sublinhar a vulnerabilidade da existência, a precariedade do ser, a finitude humana. Daí, a obsessão da sobrevivência revela no homem a preocupação de conservar a sua individualidade para além da morte, ao que Edgar Morin (id.:35-36) chama de "triplo dado da morte" e que revela uma inadaptação fundamental:[13] o homem tem consciência do facto "morte", dado reconhecê-la como acontecimento perturbador, e a tomada de consciência do aniquilamento conduz à sua negação na recusa da lei da natureza, que claramente na decomposição, o que lhe provocará um sentimento traumático o horror da morte é a consciência da perda da individualidade. O resultado é a afirmação de um "para além da morte", isto é: consciente e revoltado por um acontecimento ao qual não pode escapar e ávido de uma imortalidade que aspira alcançar, o homem afirma-se sobre a morte ao criar uma conceção de "sobrevivência post mortem" é a ideia de sobrevivência do duplo ou a morte- renascimento. Estas duas visões constituem as mais antigas conceções humanas da Morte, correspondendo à sua recusa e minorando o traumatismo que dela advém.

Através destas duas formas, imagina-se que o homem sobrevive e renasce.

Analisemos, seguidamente, estas duas ideias.

Na morte, o homem experimenta a mais profunda solidão, ao reconhecer a relação do "eu" com o seu próprio fim; mas institui, também, uma relação com o outro, assumindo-se como um acontecimento de alteridade: é a ideia do duplo, mito universal que encontramos na experiência do reflexo, do espelho, da sombra, produto da consciência de si próprio e primeira perceção de si como realidade.

[14] Por um lado, corpo gozador ou sofredor; por outro, alma imortal que a morte liberta. Assim, o homem vai atribuir ao seu duplo toda a força da sua afirmação individual: é o duplo que é imortal e é ele a sua individualidade triunfante sobre a vida e a morte, ao salvar a sua integridade para além da decomposição.

As crenças religiosas de diversos povos, desde remotas eras, apresentam uma dupla questão (ou duas questões), fundamental para a interpretação do sentido da Morte: qual a sua origem e o que existe "para além" do termo da vida: Deus ou o vazio? Quanto à sua origem, é possível identificar a recorrência de uma ideia ou mito que coloca a humanidade, após a sua criação, num lugar de felicidade e abundância, sem sofrimento, alcançando a imortalidade, o que se designou por Idade de Ouro. Era de bênçãos e de fortuna moral, terá terminado devido a um pecado, fruto da intervenção do mal que, deste modo, teria introduzido a morte no mundo como consequência duma transgressão humana, tornando-se destino comum da humanidade.[15] Não constituindo uma verdadeira necessidade nem formando parte da ordem da natureza, a morte foi introduzida no mundo por um acidente fortuito; tem o caráter de um facto acidental, como consequência e castigo do pecado. Estamos, pois, perante um processo psicológico que remete para um tempo primitivo a felicidade da existência e o usufruto de todos os ideais e valores desejáveis.

Na recolha de mitos sobre a Morte, apresentada por Nicole Belmont, uma curiosa associação entre morte e sexualidade: "(...) a morte foi instituída porque os homens se arriscavam a tornar-se demasiado numerosos." (Cf. Belmont, id.:46). Introduzida a reprodução sexuada por uma entidade demiúrgica, que seduz uma rapariga, como forma de aumento do grupo humano, perante o elevado crescimento populacional não programado a mesma entidade é obrigada, segundo os Índios Tahltan da América do Norte, a instituir a morte, a fim de que os anciãos deixassem lugar para as crianças. Esta "troca" assume-se como uma necessidade do grupo, em termos de espaço, proteção, alimentação e, sobretudo, da sua sobrevivência, como se se concebesse um meio eficaz de regular o número de indivíduos. A nota curiosa está na leitura de uma oposição vida/morte, como se fosse o excesso de "vidas" que determinasse a criação da morte. Opondo-se à tendência para o aniquilamento, a sexualidade tem como objectivo prolongar a vida; o triunfo sobre a morte residiria na reprodução sexual da espécie, pois é através dela que a vida se mantém. A morte não garante a sobrevivência da espécie, como também permite a sua evolução, através de um processo de seleção que suprime os elementos não (ou não) adaptados. A morte é, portanto, condição de renovação da vida.[16] Quanto à questão de uma "existência post mortem", de novo, somos remetidos para o domínio de uma convicção religiosa de sobrevivência. De um modo geral, todas as religiões, e em particular o cristianismo, concebem a Morte como uma passagem para o Além, onde os indivíduos serão recompensados pelo bem e julgados pelo mal que praticaram durante a vida. Assim, a Morte não é o ponto final da existência um elemento sobrevive: a sombra (ou duplo) ou a alma (que é o duplo interiorizado, subjetivizado), elemento de essência aérea representado pelo corpo que se evola com a morte. No primeiro caso, na Antiguidade greco-latina, era enviada em viagem,[17] conduzida pelo barqueiro Caronte, pelo rio Estige, fronteira para o interior da terra, onde se encontrava o Hades, reino subterrâneo das sombras e cujo nome, para os Gregos, significava, além dos Infernos e do deus que os governava, "o invisível".[18] No segundo caso, a alma, núcleo imortal do indivíduo que aspira à salvação, sobrevive à ruína do corpo, à morte física, e eleva-se para uma região celeste, creem os cristãos, por exemplo, unindo à ideia de sobrevivência terrena a ideia de retribuição pela justiça divina, assumindo uma relação com um ser superior de cuja essência e valor dependem. Aliás, para os cristãos, existe a superação da morte pela ressurreição de Jesus Cristo, cuja ação destruidora daquela, através da sua própria morte, igualmente resgata e redime a humanidade do pecado original. Assim, os justos regressarão, glorificados pela ressurreição, à plena realidade existencial humana; ou seja, a morte existe, mas não é definitiva. Leia-se, aqui, a substituição do sentimento de angústia perante a Morte como uma tentativa de suplantar ou diminuir o sofrimento, uma esperança contra a ideia da Morte como o naufrágio total, o desaparecimento no nada, com o intuito de estimular eticamente o homem.[19] Uma plena vitória sobre a morte implicaria a recriação do corpo: a alma revestir-se-á de um corpo incorruptível, depois da morte, assegurando ao homem, pela ressurreição, uma vida nova, dotada de um corpo novo, imperecível; daí, a esperança de vida além-túmulo. São estas as duas formas de vitória sobre a morte: a ressurreição do corpo e a imortalidade da alma. Esta ideia junta influxos do judaísmo e cristianismo com o helenismo e noções gregas como a imortalidade (prerrogativa exclusivamente divina), a incorruptibilidade e o destino da alma. A em Jesus não livra o fiel da morte física; através do baptismo, ele alcança uma "vida nova", prometida pela ressurreição os baptizados têm a garantia da ressurreição e da salvação eterna. A morte física é absorvida pela na ressurreição, numa dicotomia que associa luz/vida e trevas/morte, introduzindo a possibilidade de um para além da morte, encontrando na religiosa a solução, na recusa da morte e consequente esperança da imortalidade, que não é mais que a afirmação da individualidade para além da morte.[20] Idealisticamente, não é no nada que se cai após a morte, dado o indivíduo ser absorvido pelo Todo, garantindo-lhe perenidade. Aliás, a morte sentido à vida: uma vida onde a morte levasse a melhor não faria sentido; assim, o papel da morte é o de permitir ao homem fazer a aprendizagem da sua liberdade, dando significado à sua vida numa abertura à Transcendência ou a aspiração à "realidade invisível" de que falava Platão, libertação suprema de todos os sofrimentos físicos e de todos os obstáculos, passando do mundo dos homens para a Cidade de Deus, como descrevia Santo Agostinho.

4. Viagem pela ideia de Morte O pensamento grego (principalmente o orfismo, no século VI a.C.) via o corpo como um cárcere, resultante de uma queda, e a morte corporal como a libertação suprema da alma imortal, de natureza incorruptível; o pensamento cristão a morte como uma maldição e a imortalidade assumir-se-ia na esperança de uma ressurreição em Cristo, mediante uma reintegração de corpo e alma, prometendo uma felicidade eterna, uma comunhão de vida de toda a humanidade com Deus.

Nesta oposição entre um pensamento metafísico, orientado para a imortalidade da alma e a purificação pela eliminação do corpo, e um pensamento religioso, que a restauração do homem total e a ressurreição dos corpos como a vitória sobre a morte, promessa de um novo nascimento e negação da noção de prisão da alma, lê-se o mesmo desejo: não a realização da aspiração à imortalidade, mas a realização das aspirações que a vida não pôde ou não pode satisfazer.

Façamos, agora, uma leitura diacrónica da ideia de Morte, viagem que permitirá conhecer diferentes pontos de vista e destacar algumas formas de como esta ideia foi "vivida" ao longo da história da humanidade.

A sabedoria estóica e o ceticismo desiludido desembocam no nada da morte. O estoicismo afirmou-se como uma moral (o fim supremo é a virtude), uma atitude prática, uma propedêutica da morte. Defendendo que é necessário viver sem desejos que nos escravizem, traduz uma atitude de disponibilidade para a morte, aceitando-a. Assim, ela não nos privará de nada. A sabedoria estóica é, portanto, um exercício permanente de preparação para a morte. Desprezando-a ao desprezar a vida, cria-se um método de indiferença para com o acontecimento e o acaso. O estóico pratica esta indiferença e renúncia para não ser perturbado ou magoado pela possível e frequente carência dos bens terrenos e para não perder a serenidade, a paz, o sossego, que são o verdadeiro, supremo e único bem da alma. O estoicismo separa o espírito do corpo, para que a miséria deste e a sua putrefação não afetem aquele; esvazia a morte, para que, nessa desolação imensa, o espírito se eleve, o que constitui uma prática virtuosa.

Ao pedir ao indivíduo que se desprenda de tudo o que não depende da sua consciência, o estoicismo afirma a consciência individual como realidade suprema nada acontece que não seja por ele desejado. Trata-se, pois, de um momento de afirmação do indivíduo, que se afirma duplamente: por um lado, como consciência soberana, senhora absoluta do corpo; por outro lado, como consciência lúcida que conhece o seu limite e a sua fraqueza. O indivíduo assume, portanto, por si mesmo, a função inevitável da morte: anula as paixões e os seus desejos. Assim, a virtude estóica é absolutamente negativa: quando o homem se torna indiferente a tudo e a tudo renuncia, não lhe resta, efetivamente, mais nada.

o epicurismo não permite nenhuma esperança de sobrevivência, nenhuma dúvida quanto ao aniquilamento da morte. Contra qualquer hipótese de uma "outra vida" após a morte, procura libertar o homem do temor de além-túmulo, que é fonte de tormentos que "adoecem" a alma, impedindo-a de alcançar o equilíbrio necessário a uma vida feliz. Tudo cessa com o fim da vida. Não tendo sentido o temor da morte, ela não constitui um problema. O epicurismo corrói o conceito de Morte, até desfazê-lo. Desagrega-o o nada da morte é reduzido a simples nada, como, também, em nada diz respeito ao homem. A morte, que não nos diz respeito como vivos, porque não existe, também não dirá como mortos, porque não existimos, não nos diz respeito em nada, como defendia o filósofo grego Epicuro. Séneca afirmara: "Depois da morte tudo acaba, mesmo a morte (...)." (apud Morin, id.: 235). A morte em si e para o homem é, assim, literalmente pulverizada. Como disse Feuerbach: "A morte é a morte da morte (...)." (ib.).

O epicurismo conclui que, se morrer significa não mais sentir, privação de sensações (partindo da identificação entre viver e sentir), então, nenhuma vida sucede à morte; ela não é, logo não existe. Como último acontecimento da vida, dele não teremos conhecimento, dado o seu conteúdo insondável.[21] O epicurismo adere, totalmente, à volúpia de viver e é, também, nessa plenitude real que se baseia para desdenhar a morte. Enquanto o estoicismo desvaloriza a vida, o epicurismo revaloriza a existência para desvalorizar a morte.

Aniquilada, pois, pelo entendimento, desprezada pela vida, a morte epicurista não existe, solução que permite e garante o recalcamento da ideia de Morte.

Na Idade Média, o mundo era considerado um local de combate contra o Diabo pela salvação da alma, encarando-se a Morte como a sua viagem, numa transposição do mundo das imperfeições e das coisas corruptíveis para o mundo da perfeição e das coisas eternas e incorruptíveis. A vida terrena era considerada como a antecâmara da eternidade e a morte era um rito de passagem para a morada definitiva da alma, a derradeira peregrinação. Ao pensar o Além e preocupar-se com o "post mortem", o homem medieval via, platonicamente, o mundo dos vivos, o mundo material como efémero, um mundo de aparências, como uma representação uma imagem, uma ideia de algo; portanto, a vida no mundo deveria voltar-se para o verdadeiro significado oculto por trás da matéria. Esse sentido da vida humana era dado pelo Além e os espíritos deveriam orientar-se para Deus, salvando-os do Inferno. O mundo sensível era apenas um caminho para se passar do sensível ao inteligível, da sombra para a luz. Assim, a realidade encontrava-se justamente no Além. Inferno e Paraíso existiam e eram imutáveis e eternos; o mundo não. A Idade Média foi, pois, o tempo do Além e nenhuma outra época deu tanta importância e ênfase à ideia de Morte.

Temida, porque era imprevisível ("Mors certa, hora incerta"), mas, no entanto, esperada, aceite e familiar, dado o ritual fixado pelo costume e ao qual o homem assistira, repetidamente, ao longo da sua existência, a morte anunciava- se em sonhos ou visões, premonições que permitiam a cada indivíduo preparar-se com tranquilidade e resignação. Num tempo em que as doenças um pouco mais graves eram quase sempre mortais, a morte era, então, quase sempre anunciada.

Aguardada no leito de casa, em direção ao oriente, o moribundo deveria ficar deitado de costas, porque, assim, o seu rosto estaria voltado para o céu. A morte era uma grande cerimónia pública compartilhada por toda a família, amigos e vizinhos, prelúdio à mudança para um estado superior, caso a alma fosse agraciada por Deus. Tal como se nascia em público, morria-se em público. Assim, ninguém morria : a morte era um momento de convívio social em que todos deveriam acompanhar a passagem do moribundo para o Além, inclusive as crianças.

Ele podia fazer uma lamentação sobre a sua vida, recordando-se dos seus bens e dos seres amados, desde que fosse breve e discreta. Este sentimento de pesar está associado à aceitação da morte próxima e denuncia a familiaridade que existia e uma resignação ao destino e à natureza.

Em seguida, pedia perdão aos parentes, ordenava a reparação das faltas cometidas, recomendava a Deus os sobreviventes que lhe eram queridos e escolhia, por vezes, a sepultura, o que constituía um dos principais motivos da redação (ou comunicação oral) do seu testamento[22] se fosse rico, seria enterrado dentro da igreja, envolto em ricos tecidos de cores e bordados a ouro, perto do altar do santo da sua devoção ou das suas relíquias, da capela da Virgem ou da sua imagem ou do patrono da sua confraria, mediante o pagamento de uma determinada quantia; se era pobre, o destino mais certo era uma grande fossa comum, chamada "vala dos pobres", onde se enterravam até seiscentos ou setecentos corpos cosidos dentro de uma serapilheira, local que, mais tarde, receberia a designação de "cemitério", o lugar dos pobres e das crianças. A inumação no interior das igrejas manter-se-ia até à segunda metade do século XVIII (quando da tomada de consciência do perigo para a saúde e higiene pública dos fiéis presentes nas celebrações, sob a ameaça de epidemias, infeções e pestilência), principalmente reservada a um pequeno número de privilegiados, como os nobres, magistrados, oficiais e alta burguesia, dando lugar, no século XIX, ao culto romântico dos túmulos e dos cemitérios, surgido na Inglaterra com Thomas Gray e o seu poema Elegy Written in a Country Churchyard (1751). O cemitério e a sua poesia davam entrada na literatura. O lugar do horror, no século XVIII, tornar-se-ia objeto de elevação e de respeito, manifestação de uma nova sensibilidade que, a partir do final daquele século, se expressava na intolerância pela morte do outro.

Ao adeus ao mundo sucedia a oração: o moribundo começava por falar da sua culpa, com o gesto dos penitentes, de mãos postas e erguidas ao céu. Depois, recitava uma prece muito antiga que a Igreja herdou da Sinagoga, a oração judia para os dias de jejum a que se deu o nome de "commendatio animae" (encomendação das almas). Se estivesse presente, o padre dava a "absolutio", sob a forma de um sinal da cruz e da aspersão com água benta. Se a morte fosse lenta, o moribundo esperava-a em silêncio, não mais comunicando com quem o rodeasse.[23] As manifestações mais violentas de dor desencadeavam-se logo após a morte, expressão do sentimento de luto. Lágrimas e choro competiam às mulheres, agentes essenciais do rito funerário: elas deveriam ficar perto do corpo e gritar, rasgar as vestes, arrancar os cabelos. Era a sua função pública.

Portanto, a preocupação, a angústia maior, não era com a morte e, sim, com a salvação da alma. Acreditava-se que o Destino se revelava pela morte e que cada indivíduo revia toda a sua vida, num único relance, ao morrer; a sua atitude, nesse momento, daria à sua biografia o sentido definitivo, a conclusão. A partir do século XII, assiste-se ao desenvolvimento da ideia de que toda a gente possui uma biografia própria e que pode, até ao último momento, atuar sobre ela. Escreve-se a conclusão no momento da morte, o destino da alma imortal é decidido no momento da morte física, criando-se, deste modo, uma relação fundamental entre a ideia de Morte e a ideia da própria biografia. A morte era o momento das contas, em que se fazia o balanço de uma vida, de onde nascerá a ideia de Juízo Final, em que a vida é pesada e avaliada numa audiência solene, na presença de todas as forças do céu e do inferno. A morte converteu-se, então, no lugar onde o homem tomou melhor consciência de si mesmo. Estabelece-se uma relação, anteriormente desconhecida, entre a morte e a consciência que cada indivíduo possuía da sua individualidade, reconhecendo-se a si mesmo na sua morte, descobrindo a morte de si próprio.[24] Será no final da Idade Média (c. século XV) que aparecem novas formas, de caráter negativo, de representação da Morte, como, por exemplo, o conceito de macabro e a dança da Morte,[25] que exprimia a profunda angústia dos tempos da Peste Negra e da Guerra dos Cem Anos e evocava a corruptibilidade de todas as coisas.[26] Estas imagens, representações realistas do corpo humano em decomposição e do seu interior ignóbil, não significavam medo da morte nem do além. "São o sinal de um amor apaixonado por este mundo, e de uma consciência dolorosa do fracasso ao qual a vida de cada homem está condenada (...)." (Cf.

Ariès, 2000:156). A arte macabra representava a corrupção subterrânea dos corpos, o contrário da vida, que era tanto mais amarga quanto era amada: entre as imagens da doença e da decomposição e a fragilidade das ambições estabelece- se uma aproximação que traduz um sentimento agudo de frustração individual e uma melancolia intensa e pungente, reflexo do amor pelos bens materiais e pelos entes queridos que se abandonavam, designado por "avaritia" (que não é avareza, mas o amor imoderado do mundo e do gozo da vida). "O homem do final da Idade Média identificava a sua impotência com a sua destruição física, a sua morte.

Via-se ao mesmo tempo frustrado e morto, frustrado porque mortal e portador de morte." (Cf. Ariès, 1988:95).[27] Assim, a morte deixa de ser "finis vitae", liquidação de contas, e torna-se a morte física, fim e decomposição, cadáver e podridão, a morte macabra.

No Renascimento, releva-se o interesse geral pela cultura da Grécia e de Roma e o florescimento dos estudos greco-latinos, que se misturam com o pensamento cristão, destacando-se a ascensão até Deus via contemplação, a imortalidade da alma e a doutrina do amor platónico. Embora seja finito, o homem é senhor da sua sorte e do seu destino. O Humanismo exalta a razão humana, a lógica e a experiência no plano do conhecimento e a vontade no plano da ação, isto é, o poder para dominar, controlar e governar os apetites e as paixões. O homem é, pois, capaz de guiar-se a si mesmo, desde que, por meio da razão e da vontade, estabeleça normas de conduta e códigos para todos os aspetos da vida prática. O avanço dos conhecimentos trouxe novas técnicas e as pesquisas em todos os campos do saber tinham como finalidade prolongar a vida, manter a juventude e retardar o envelhecimento, curar doenças tidas como incuráveis, aumentar a capacidade cerebral, alargar os espíritos, aumentar os prazeres dos sentidos e, se possível, impedir a morte.

Ícone do Renascimento, o Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci é símbolo do universo como um todo. Colocado no centro do mundo, o homem tem perante si o caminho livre para chegar a si mesmo e, ou, a qualquer lugar. O lugar do homem não está circunscrito; o seu lugar é o próprio universo, o homem é o ser universal. Regendo-se pela razão, procura-se salvar o homem, não pelo reconhecimento e submissão a Deus, mas pelo conhecimento e pela ciência. No que serão seguidos pelos filósofos do Iluminismo, os humanistas da Renascença projetam a sua ilimitada confiança no futuro, para o qual tende o progresso da Humanidade. Estão convencidos de que iniciam uma nova idade, encontrado o caminho que conduz à verdade, à liberdade e à felicidade do género humano. A Idade Média, dominada pelo cristianismo, não é mais que sombras, barbaria, trevas e tirania. Contrastando com ela, surge um tempo novo: o homem é autossuficiente e pode aperfeiçoar-se através das suas próprias forças.

Mas a tentativa de conciliar o espiritualismo medieval e o humanismo renascentista iria resultar numa tensão que se revela no Barroco.Expressão do conceito de vida dinamizado pela Contrarreforma, a ideologia tridentina comunicou à época e à arte uma fisionomia trágica, dilacerada entre os polos celeste e terrestre, entre a carne e o espírito, procurando incutir no homem o horror do mundo, o medo da morte, o pavor do inferno, conquistando-o para o céu pela captação da imaginação e dos seus sentidos, recorrendo ao ornamento e ao espetáculo.

O tema central do Barroco encontra-se na antítese entre a vida e a morte. Daí decorre o sentimento da brevidade da vida, a angústia da passagem do tempo, que tudo destrói. Assim, o homem da época barroca oscila entre a renúncia e o gozo dos prazeres da vida. Quando pensa no julgamento de Deus, foge dos prazeres e procura apoio na . Quando a é insuficiente, a atração dos prazeres envolve-o e cresce o desejo de desfrutar da vida. Por isso, a expressão latina "carpe diem", que significa "aproveita o dia (presente)", é um dos temas frequentes da arte barroca. A juventude é, frequentemente, comparada a uma flor, que é bonita por pouco tempo e logo morre. Este tema era versado na Antiguidade, mas, no Barroco, foi desenvolvido de forma angustiada, pois era uma tentativa de fundir os opostos, de conciliar o que, no fundo, é inconciliável: a razão e a , a matéria e o espírito, a vida carnal e a vida espiritual.

A Morte torna-se, pois, uma meditação metafísica sobre a fragilidade da vida, exprimindo-se pela separação da alma e do corpo, pelo que a vida terrestre se torna uma preparação para a vida eterna como se acreditava na Idade Média, não é o momento da morte que dará à vida o seu justo valor e que decidirá do destino do homem no outro mundo; é necessária toda a vida para que ele se prepare para uma "boa morte", a morte do justo, aquele que pensou nela durante toda a vida e que a aceita em paz e serenidade. Consideração serena da mortalidade, oposta à ideia da conversão medieval no último momento, a arte de bem morrer assenta, a partir de agora, na meditação sobre a melancolia da brevidade da vida.

Curiosamente, ou por contraponto a uma atitude dominadora e repressiva da religião e dos seus agentes, ou exprimindo uma rutura com a ordem habitual, a partir do final do século XV, o tema da morte carrega-se de um sentido erótico.

[28] O erotismo surge pela mistura do amor e da morte, do sofrimento e do prazer. Do século XVI ao século XVIII, inúmeras cenas ou motivos, na arte e na literatura, evocam a união dos mitos Eros e Thanatos, carregando-se de uma sensualidade outrora desconhecida: temas erótico-macabros ou temas mórbidos documentam uma complacência com os espetáculos da morte e do sofrimento, traduzindo um novo sentimento do nada, exprimindo um sentido novo da individualidade, da consciência individual e uma rutura com a familiaridade quotidiana da relação com a morte. Entre o desejo de viver e o medo exacerbado de morrer, descobre-se o prazer da fruição sexual; daí que o Barroco tenha a inclinação de situar o amor tão próximo quanto possível da morte recorde-se o êxtase místico de virgens santas, êxtase de amor e morte, morte de amor em que a pequena morte do prazer se confunde com a grande morte corporal. O corpo morto torna-se objeto de desejo.[29] No final do século XVII e no século XVIII, assiste-se a uma vontade de simplicidade na morte, de simplificar os ritos da morte, procurando desviar a atenção do fim da vida, dada a crença na sua fragilidade e na corrupção do corpo, revelando um sentimento inquietante do nada, fruto do vazio que a morte traz ao coração e ao amor da vida, dos seres e das coisas. Se a morte é dolorosa não é porque prive do gozo e dos bens da vida, como se pensava na Idade Média, mas porque significa a separação dos entes queridos.

O tema macabro é assumido, agora, pelo esqueleto limpo, a "morte secca", "finis vitae", expressão da natureza do indivíduo amanhã, o último estado do homem. O pensamento da Morte alimenta o sentimento de melancolia da precariedade e da incerteza da vida e traduz a permanência dessa presença constante. A ideia do nada torna-se dominante, como expressão do aniquilamento do corpo e do regresso à natureza-origem, à sombra da noite e da terra. O corpo sem alma nada é; privado da alma, o corpo torna-se poeira, restituída à natureza. É a partir do século XVII que se difunde a crença na dualidade da alma e do corpo e na sua separação com a morte.

Em finais do século XVIII, afirma-se um novo pensamento que renovará o problema da Morte: o desenvolvimento gradual dos métodos das ciências da natureza e das ciências do homem desacreditarão as atitudes religiosas. O recalcamento da ideia de Morte permitirá à filosofia moderna interrogar o mundo. Esse recalcamento explica-se não pela intensa atividade filosófica e científica, pelas conquistas ininterruptas das ciências, mas também porque essa atividade participa de um maior desejo de saber e o seu consequente progresso. O mundo humano está em transformação. Considera Edgar Morin (id.:242-243):

A imortalidade é, pela primeira vez, não afirmada, mas sim reivindicada, postulada, isto é, admitida claramente como uma necessidade antropológica. (...) a morte adquirirá um significado grandioso: deixará de ser o nada dos filósofos antigos e tornar-se- á uma função racional, biológica, social e espiritual.

a aceitação consciente da morte e da finitude humana como necessidade do devir do mundo e da humanidade. Enquanto o entendimento epicurista pulverizava a morte, regista-se, agora, um reconhecimento da realidade da morte, apreendida como algo efetivo, que acontece, que transforma e desempenha um papel no processo da vida, tal como o nascimento. É a preocupação de integrar a morte na razão, de a compreender como função e necessidade.[30] A complacência com a ideia de Morte é uma grande modificação que surge no final do século XVIII e que se converterá num dos traços do Romantismo, tornando-a o lugar da dor lancinante pela perda do outro e da afirmação dos grandes afetos e dos grandes amores. O Romantismo caracteriza-se por uma sensibilidade de paixões sem limites nem razão, pelo que a atitude dos presentes junto do moribundo modifica-se: eles não são os figurantes de outrora, passivos, refugiados na oração. A emoção agita-os, eles choram, rezam, gesticulam, manifestações de uma separação não suportada e de uma crise dramática que denuncia a sua própria fragilidade: a morte do outro. Desde o século XVIII, aumenta a necessidade de gritar a dor, de a revelar sobre o túmulo (no epitáfio), lugar privilegiado da recordação do lamento.

Libertadora, a morte não surge com o aspeto funesto que o medo incutia ao homem, anteriormente. A esperança acompanha o defunto para o Além luminoso, recusando superstições e não temendo a morte: no Além, mundo dos espíritos, não mal, razão pela qual a morte é desejada, vista como consoladora e portadora de paz. A morte romântica significará felicidade e a união familiar, no reencontro com os familiares que partiram. A morte era desejada, porque conduzia à eternidade, encontrando-se no Céu a felicidade, o amor, o afeto, a família. A morte seria, então, um estado da vida e não paragem da vida.[31] Esta ideia significa que a morte deixa de ser triste, para ser exaltada e não mais associada ao mal: perde-se a identificação da morte com a dor moral e espiritual e o pecado, logo, a crença no Inferno, sentimentos de culpabilidade e medo do Além, tornado o lugar dos (re)encontros daqueles que a morte afastou e que nunca aceitaram esta separação.

A partir da segunda metade do século XIX, inicia-se uma crise de morte, resultante de uma consciência em crise que corrói os conceitos, mina os pontos de apoio do intelecto, derruba as verdades, agita a própria vida e liberta angústias privadas. Nessa impotência da razão perante a morte, o homem vive num clima de angústia, de nevrose, de niilismo, assumindo o aspeto de uma crise da individualidade, fruto de uma intolerância nova em relação à separação não admitida dos entes queridos, dificilmente aceitando a morte do próximo mais do que noutros tempos. A morte temida não é a morte de si mesmo, mas a morte do outro. Considera Philippe Ariès (1988:45): "A simples ideia da morte é comovente.".

Mas essa crise não pode ser abstraída da crise geral do mundo contemporâneo: a crise do indivíduo revela-se perante a morte num clima de angústias e nevroses que põe a nu o conteúdo da individualidade, sendo, pois, sintoma da decadência da civilização burguesa.[32] Esta crise da civilização burguesa é uma reivindicação resultante do desenvolvimento da individualidade, que exige um mundo humano em que o valor supremo seja o próprio indivíduo, afirmando a irredutibilidade da sua pessoa e revelando, igualmente, a sua inadaptação à morte, sentida como um fracasso insuportável. A inadaptação à civilização burguesa, que se revela no Romantismo, é fruto de uma evocação do passado, de uma declaração de infelicidade e da perseguição da morte e da vida efémera. Não é de estranhar o (re)aparecimento da figura do duplo, companheiro de viagem da vida, rodeado de uma aura de melancolia, evocando a morte que a consciência moderna não consegue subjugar. Esta não-resignação à morte determinará o desenvolvimento da angústia do nada. A Morte passa a ser vista como o não- sentido da vida e o indivíduo sente-se desamparado perante um acontecimento que não como uma purificação ou uma libertação, mas como uma destruição irreversível e inevitável do ser. Morrer não evoca um além, mas o vazio e o nada.

A recusa do presente e a vivência do mal do século provocam o desespero e um isolamento cada vez mais hermético a solidão é o frente a frente consigo próprio, isto é, com o duplo, isto é, com a morte. O indivíduo vê-se cada vez mais desequilibrado, brutalizado, logo, infeliz. Daí, a sua recusa, expressa num fosso que se alarga cada vez mais entre ele e o mundo em crise. A abdicação de um envolvimento ou participação e o isolamento transformam-se em desespero.

Deste dilema nasce uma "consciência infeliz", sem apoio, sem suportes, cara a cara consigo mesma, com a vida e com a morte. "Será no cerne desse isolamento, (...) perante a asfixia burguesa, que se exprimirá a dor absoluta, porque absolutamente impotente, do Eu apanhado na armadilha (...)." (Cf. Morin, id.: 265). Sozinho, o indivíduo se tem a si mesmo, desesperadamente preso a si mesmo, surgindo a angústia que, com Kierkgaard, se torna metáfora do pecado original, a partir da noção de culpabilidade. Sublinhando o absurdo da condição humana, o conceito de angústia revela a indecisão do homem, o "pathos" em que o indivíduo chega à consciência de si mesmo e se declara face ao nada, reconhecendo o seu destino inexorável de mortal e, precisamente porque é a "rutura do mundo", a morte. O isolamento atrai a obsessão da morte e a obsessão da morte traz o isolamento.

O espectro da morte assediará a literatura: o escritor "em crise" confessa-se e obras inteiras serão marcadas pela obsessão da morte. Tudo remete o indivíduo solitário para uma solidão cada vez maior no vazio de um nada ilimitado, o que, logicamente, faz com que não se possa basear seja o que for na sua individualidade condenada ao nada. A individualidade desagrega-se. A morte conclui a niilização da consciência. Absurdo o mundo, absurda a morte, absurdo o indivíduo, tudo é absurdo, formando o clima da angústia moderna. Nessa decomposição, uma única presença: a morte, o impossível viver. No meio dessa morbidez coletiva, que sustenta e desenvolve a doença do século, reaparece, vivificada, a salvação. Os desesperados navegam rumo à salvação. O desespero converte-se em .

Heidegger vem defender a manutenção na angústia, a fim de procurar nela a verdade da vida e da morte, para pressentir o seu próprio destino, permitindo conhecer-se como ser votado à morte (logo, ser decadente que enfrenta o vazio) e assumindo-a na e através da experiência vivida da angústia. Para Heidegger, a angústia é a nossa experiência do nada, revelando a estrutura fundamental da morte na existência humana; isto é, na antecipação da morte, experiencia-se a existência como finitude. A morte é o próprio núcleo da vida, é o sentido da vida (mas um sentido sem sentido). Viver nunca é mais do que viver a morte.

Daí, a afirmação de Heidegger: "Desde que nasce, um homem é suficientemente velho para morrer." (apud Morin, id.:277).

A morte é a estrutura da vida humana, que é ser-para-a-morte. Assim, a angústia, e, por consequência, a própria morte, é o fundamento mais certo da individualidade. Essa inadaptação é o que se chama o ser-para-a-morte: a vida autêntica é a que, a todo o instante, se sabe condenada à morte e a aceita, corajosa e honestamente. É necessário deixar de fugir à ideia de Morte, deixar de proceder como se nunca se tivesse de morrer, como se não houvesse morte.

Trata-se de estar "livre para a morte", aceitá-la como um acontecimento de liberdade. se aceitarmos a morte, aceitaremos a vida como ela é, na sua totalidade. Parte da nossa existência, deve ser nela integrada desde o início da vida. Possibilidade limite em cada instante da vida, dar-lhe-á significado, como algo de único e irrepetível. a aceitação do próprio "ser-para-a-morte" à vida e a cada instante dela, na sua totalidade, a plenitude absoluta de ato livre e humano.[33] Sendo a morte inevitável, para que servem as afirmações religiosas de imortalidade senão para mergulhar um pouco mais na angústia o homem que não pode acreditar nessas promessas? Esta questão é colocada por Sartre, para quem a morte é um absurdo e algo exterior, um facto que não se diferencia do nascimento. Não é a "minha" possibilidade, mas sim a negação das "minhas" possibilidades, a anulação, a "nadização" das minhas possibilidades, está fora das minhas possibilidades: "Assim, a morte nunca é o que sentido à vida; pelo contrário, é o que lhe tira todo o significado. (...) Se devemos morrer, a nossa vida não tem sentido" (apud Morin, id.:280).

A morte suprime todo o sentido à vida humana; daí, o conceito de liberdade sartriana seria uma tentativa de fugir à morte, como se o indivíduo encontrasse a sua salvação e o seu refúgio contra a morte nas estruturas primitivas e elementares do ser, onde rejubilam o indeterminável e o indestrutível. A morte é a única certeza da existência; tudo o resto é indeterminado, dada a inexistência de (uma) solução.

Nos dias de hoje, a sociedade tenta cada vez mais prolongar a vida, recorrendo a fórmulas que lhe permitam não envelhecer, distanciando-se, assim, da morte ou procurando afastá-la ou afastar-se e, principalmente, não pensar nela, esquecê- la. A morte tornou-se vergonhosa e objeto de um interdito, apelidada de "a inominável": o medo provocado tem, como consequência, não se pronunciar sequer o seu nome. Considera-se mórbida qualquer referência à morte; fala-se como se ela não existisse.[34] Aplica-se à morte e à proibição de falar dela o exemplo que Freud deu a propósito do sexo e dos seus interditos.[35] Ilude-se, escondendo ou mascarando o terror e a ameaça constante da "realidade viva da vida", como lhe chama João Barrento (2004:46), acrescentando: "É preciso aprender a morrer (...)." (ib.). Ou "(...) reaprender a viver, a fim de melhor saber morrer." (Cf. Thomas, id.:22).

Considera Philippe Ariès (1988:150): "A morte de outros tempos era uma tragédia muitas vezes cómica em que se desempenhava o papel daquele que vai morrer.

A morte de hoje é uma comédia sempre dramática em que se desempenha o papel daquele que não sabe que vai morrer.".

Hoje em dia, morre-se na plena ignorância da própria morte, porque a família não tolera o golpe da perda do ser amado, recusando a separação definitiva e o sofrimento da emoção provocada pela visão ou pela ideia de Morte. A partir do momento em que um risco grave ameaça um membro da família, ela priva-o da informação, escondendo o seu verdadeiro estado de saúde. Veja-se, por exemplo, alguns casos de cancro, que assume, hoje, os traços repugnantes e assustadores das antigas representações da Morte. Melhor do que as representações macabras do esqueleto ou da múmia dos séculos XIV e XV, o cancro é, hoje em dia, a morte. Daí que o moribundo se tenha tornado naquele que não deve saber, por oposição, por exemplo, ao homem medieval, a figura central e principal do ritual da morte, fixado em livros que são tratados sobre a maneira de bem morrer: as "artes moriendi" dos séculos XV e XVI. Assume-se, por aqueles que rodeiam o doente que vai morrer, o dever de mantê-lo na ignorância do seu estado, instalando-se a dissimulação e subentendendo-se que lhe poupam, assim, a angústia da morte, escondendo-lhe, até ao fim a gravidade do seu estado.

Ariès (id.:186) descreve, desta forma, a consideração atual da morte: "O moribundo não tem estatuto porque não tem valor social (...).". Encerrada no corpo, a morte é identificada com o cadáver que, por não ser nada de bom nem de útil (cf. imagem do esqueleto e da decomposição nos séculos XV e XVI), que afastar dos nossos olhos. Afirma Louis-Vincent Thomas (id.:62): "Hoje, a morte é a antivida, limiar absoluto aberto sobre o vazio, negação total da existência.". Note-se, também, a mudança do local: hoje, morre-se menos em casa e mais no hospital, que se tornou o lugar moderno da morte, lugar de uma morte solitária.

Um pesado silêncio estende-se sobre a morte. Esta atitude não a aniquila nem o medo que ela pode provocar ou inspirar. Sem a ilusão de ser infinito e imortal, como pode(rá) o homem ter ou sentir segurança num mundo de enigmas e mistérios como é a Morte, em que a verdade é uma ideia de absoluto, mas constantemente repensada, logo, relativa? Assim, o discurso sobre a Morte confunde-se e converte-se em angústia. Sem a esperança de uma "segunda vida", resta a angústia e a imagem do nada. Qual a resposta? "A morte deve apenas tornar-se a saída discreta, mas digna, de um vivo apaziguado, fora de uma sociedade compassiva em que a ideia de uma passagem biológica, sem significado, sem dor nem sofrimento, não despedaça nem perturba, e finalmente sem angústia." (Cf.

Ariès, [1998]:373).

5. A "morte voluntária" É importante, também, aqui considerar a "morte voluntária", fazendo referência ao "(...) suicidante (aquele que corta o fio da própria vida) e 'suicidário (aquele que traz em si o projecto de suicídio, a sério ou não) (...)." (Cf.

Barrento, id.:45), evocando a dimensão da liberdade no ato de se "dar a morte".

Isto é, o sujeito torna-se um elemento ativo da decisão e do gesto livre de "cortar o fio" que o liga à vida, não dependendo o fim da sua existência de uma situação ou circunstância como o avançar do tempo, uma doença ou um conflito bélico, substituindo o facto inevitável, biologicamente dado, por um acontecimento que "nos podemos dar". Traça-se uma linha divisória entre morrer e "escolher a morte": no primeiro caso, ela chega, chama, apodera-se; no segundo caso, o sujeito é o agente, o ator que aceita e escolhe a morte como resposta, como um "(...) salto do corpo para o além de si." (id.:47). Trata-se de uma opção final capaz de dar (um) sentido à vida.

Rigorosamente proibido pela Igreja, por se revelar imagem de uma alma irremediavelmente corrompida, até ao século XVIII, em França, o suicídio era considerado um crime e o suicida era alvo de um processo, que podia chegar à própria execução do cadáver e à confiscação dos seus bens. O cadáver do suicida era banido, excomungado, e, após o processo, seguia-se uma procissão e uma exposição ignominiosa em praça pública, onde o suicida era condenado a uma "segunda morte" pelo fogo. Depois, as suas cinzas eram espalhadas ao vento ou em terra não consagrada.[36] Na Idade Média, o cadáver do suicida era recusado no cemitério, ou seja, não lhe era permitido ser enterrado em terra abençoada, pelo que foram criados cemitérios para suicidas (cf. Bretanha, até ao início do século XX) onde o caixão passava por cima de um muro sem abertura, não entrando em cortejo fúnebre, como é costume.

O suicídio não é um ato de cobardia; é uma decisão tomada face ao sofrimento e ao desespero de um indivíduo que não encontra solução para o seu mal, lançando- se, voluntariamente, na morte. É nesse mal que ele encontra a força para ultrapassar o medo da morte e aquele que não tem medo da morte é que é livre. O isolamento do mundo, desligando-se de tudo, e a solidão de um indivíduo assumem-se como uma contestação à sociedade, que se apresenta separada da sua vida. Assim, do temor extremo da morte, o indivíduo passa à tentação extrema da morte. Rutura suprema, que revela a disjunção total do individual e do cívico, o suicídio manifesta não somente que a sociedade não conseguiu expulsar a morte, não conseguiu incutir o gosto pela vida no indivíduo, como também está vencida, negada; nada pode por e contra a morte.

Morrer incontrolado e contestatário, mais libertação do que aniquilamento, a afirmação individual, liberta de todas as prisões, obtém a sua vitória extrema na "suspensão do mundo", que é, simultaneamente, uma catástrofe irremediável.

[37] Evoquemos um "suicida imposto" (a diferença está entre quem escolhe a morte livre ou aceita a morte dada): Sócrates. Ele quis a morte, porque não se pode querer contra a morte. Numa leitura do que pode ser o tema da fatalidade e do destino, a ideia de Morte sempre pende sobre a vida humana, seja como realidade silenciosa que a acompanha e segue diariamente, seja como obsessão e perseguição que a atormenta. No entanto, o homem não pode fugir dela e a sua aceitação é um ato revelador de uma atividade intelectual que domina o medo da morte, recalcando ou suprimindo o irracional. Desprezando a contingência, a particularidade, isto é, o que morre, Sócrates valoriza a vitória e o triunfo da libertação, pois o que morre é precisamente o que não é da essência do espírito, desvalorizando a morte em relação à vida do espírito, como se autodeterminando-se diante dela. A ideia socrática é a crença de que a consciência e a inteligência do homem tudo podem superar e dominar a sabedoria racional pode, por si , reprimir as angústias da morte. "Na medida em que o indivíduo cristaliza as suas energias no seu entendimento isto é, em que é antes de mais nada sábio, filósofo , nessa medida pode triunfar da ideia da morte." (Cf. Morin, id:238).

6. "sendo a Morte, sou a liberdade" A Morte é condição natural do homem, como de todo o ser vivo corpóreo, dotado da condição de ser sexuado e de "ser para a morte". São, pois, vários os significados que se associam ou que traduzem a ideia de Morte, criações discursivas, mitológicas e filosóficas sobre a incognoscível experiência de morrer, fruto da adaptação a diferentes ângulos de visão: evolução, transformação, mudança, fatalidade inelutável, absurdo, desilusão, desprendimento, estoicismo, pessimismo. O facto é que, recusando ou não admitindo a possibilidade de morrer, de desaparecer, de ser nada, para o indivíduo não deveria ser possível a representação da ideia de Morte. Estamos perante a relação do homem com o seu próprio corpo e a imagem de uma horrenda degradação, de um desgaste funcional, substituindo o "ser-para-a-vida" (que, submetido aos efeitos da passagem do tempo, era feito "ser-para-amorte") por um "ser-para-a-sobrevivência" e continuamente durar.

A Morte é uma característica determinante do homem que, como todos os seres vivos, também morre, mas é o único que tem consciência da inevitabilidade da morte e de uma vida finita no tempo. Assim, a Morte não se limita a um derradeiro acontecimento, mas compreende toda a vida, condicionando-a num drama de perda e separação, mas que será plena se incorporar a morte em liberdade.

A atitude de fuga perante a (ideia de) Morte, a ameaça do nada, a iminência do fim, não faz desaparecer a angústia: reforça-a e amplia-a. Libertadora de penas e preocupações, a Morte é revelação e introdução no reino do espírito. A Morte é a própria condição do progresso e da vida.[38] Conclui Edgar Morin (id.:324): "A morte é antes de mais nada o risco permanente, o acaso que surge a cada transformação do mundo e a cada salto em frente da vida (...).".

Antero de Quental, poeta para quem a ideia de Morte se assumia numa dupla face, pessimista e negativa, mas, também, como aspiração positiva, renovadora e libertadora ("Firo mas salvo... Prostro e desbarato,/Mas consolo... Subverto, mas resgato.../E, sendo a Morte, sou a liberdade.". Quental, 2002:116) aconselhava: "Saibamos compreender a Morte, que é a única maneira de sabermos compreender a Vida e de sabermos viver." (Quental, 1991:79).


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