Estratégias para a obtenção de compostos farmacologicamente ativos a partir de
plantas medicinais: conceitos sobre modificação estrutural para otimização da
atividade
*Método da concentração inibitória mínima41,42
- Atividade analgésica:
* Modelo de contorções abdominais induzidas pelo ácido acético em
camundongos43,44
* Modelo de dor induzida pela formalina em camundongos45,46
* Modelo da placa quente47
- Atividade antiinflamatória:
* Modelo do edema de pata de rato48,49
* Modelo da pleurisia induzida por neurotransmissores50
- Atividade antiespasmódica:
* Contração de órgão isolado induzida por neurotransmissores51,52
- Atividade antialérgica:
* Modelo do edema alérgico em camundongos ativamente sensibilizados
por ovoalbumina53
- Atividade antitumoral:
* Modelo da leucemia "in vivo"54
2.4. Separação, purificação e identificação dos constituintes químicos
O extrato selecionado no item 2.2 deverá ser submetido à diferentes técnicas
cromatográficas. A princípio, é geralmente empregada a cromatografia em coluna
aberta (CC)55, com silica gel como fase estacionária, onde, dependendo do
extrato, a mesma é eluída com uma mistura de solventes que deve ser previamente
determinada por cromatografia em camada delgada (CCD)56,57. Outros suportes
cromatográficos podem ser usados, como alumina, celulose, poliamida e
sephadex58,59.
As frações obtidas devem ser reunidas segundo seu perfil cromatográfico,
verificado por CCD. Em muitos casos, se obtém compostos puros numa única CC, ou
utilizando a cromatografia "flash"60ou ainda após uma simples
recristalização da substância isolada. As frações reunidas, após serem
analisadas farmacologicamente e se apresentarem atividade, devem ser novamente
submetidas à CC ou, dependendo da complexidade da mistura, à técnicas
cromatográficas especiais, como cromatografia líquida de alta eficiência
(CLAE)61, cromatografia de dupla contra-corrente (CDCC)62, etc. Uma vez
isolados os compostos ativos, deve-se proceder a elucidação estrutural dos
mesmos. Uma ferramenta que seria importante para a identificação rápida e
eficiente de misturas, consiste no uso de cromatografia gasosa ou cromatografia
gasosa acoplada ao espectrômetro de massa, onde grande parte dos componentes de
uma mistura pode ser identificada e quantificada63,64.
O uso em conjunto de técnicas espectrais, como UV, IV, RMN 1H e 13C e MS65-68
aliado ao uso de técnicas sofisticadas de RMN (NOE, COSY, HETCOR, INADEQUATE,
etc.)3, 69-71 tem permitido propôr com segurança a estrutura molecular de
substâncias naturais. Além disso, o uso de difração de raios-X, quando
possível, possibilita avaliar a estereoquímica real destas substâncias72.
2.5. Modificação estrutural e correlação entre estrutura química e atividade
biológica
Uma vez obtido um composto biologicamente ativo, pode-se lançar mão de estudos
envolvendomodificação molecular, também chamada de variação molecular ou
manipulação molecular, que constitui-se, certamente, no método mais usado e
recompensador para otimizar essa atividade73,74. Muitas mudanças podem ser
introduzidas numa molécula, dependendo de seus grupos reativos. Inicialmente,
realizam-se modificações procurando introduzir grupos que conferem ao composto
em estudo uma maior ou menor hidrofobicidade ou grupos doadores e/ou aceptores
de elétrons, permitindo posteriormente a aplicação de algum método de
correlação entre a estrutura química e a atividade biológica, que pode ser
qualitativa como quantitativa (SAR e QSAR).
Neste contexto, foram desenvolvidos vários métodos de correlação estrutura-
atividade, objetivando promover um planejamento racional de novas moléculas
ativas. A aplicação destes métodos auxilia na predição de qual novo grupo ou
átomo pode ser introduzido em determinada molécula para torná-la mais ativa,
proporcionando assim muitas vantagens aos químicos e farmacólogos. O método
mais usado, principalmente por indústrias farmacêuticas, foi desenvolvido por
Hansch e colaboradores75, que procura relacionar a atividade biológica com as
propriedades físico-químicas das moléculas em estudo: a hidrofobicidade (p),
fatores eletrônicos (s) e estéricos (Es), valores estes tabelados, obtidos
experimentalmente. Detalhes sobre estes e outros métodos de QSAR podem ser
obtidos em vários livros e artigos relatados na literatura76-81.
Abaixo são citados dois exemplos recentemente obtidos por nosso grupo de
pesquisa, sobre a aplicação de modificações estruturais em compostos naturais
abundantes, que proporcionaram a obtenção de resultados farmacológicos
relevantes:
a) a xantoxilina (1), um produto natural antiespasmódico isolado da Sebastiania
schottiana (sarandi negro) com rendimento de 0,25 %82teve seu efeito
farmacológico notavelmente aumentado quando grupos benzilas contendo
substituintes hidrofóbicos e doadores de elétrons foram introduzidos (2)83,84,
segundo indicações obtidas com o uso do método manual de Topliss76,77.
b) a astilbina (3), flavonóide glicosilado isolado de Hymenaea martiana
(jatobá) com alto rendimento85,86, após hidrólise ácida foi transformada na
taxifolina (4), molécula muito mais efetiva como analgésica do que a própria
astilbina. A metilação de (4) forneceu a taxifolina tetrametilada (5), que
apresentou efeito analgésico muito mais potente do que várias drogas
tradicionalmente usadas na clínica10, 87,88.
Outro aspecto importante que vale ressaltar é que a partir de compostos
inativos em determinado modelo farmacológico, com pequenas modificações
estruturais, empregando o critério da similaridade com compostos de reconhecida
ação biológica, pode-se sintetizar compostos de relevantes efeitos
biológicos89. Como exemplo deste caso, podemos citar a síntese do derivado
benzofurânico (6), a partir de (1), baseada na reconhecida atividade
farmacológica de compostos do tipo benzofurano90. Este composto apresentou
efeito analgésico extremamente potente quando testado em diferentes modelos de
dor em camundongos, sendo cerca de 130 vezes mais ativo do que a aspirina e o
acetaminofeno no modelo de contorções abdominais induzidas pelo ácido acético,
e parece atuar por um novo mecanismo de ação analgésica, diferente dos
conhecidos mecanismos da aspirina e da morfina91,92.
2.6. Síntese de compostos análogos a princípios ativos
Um dos aspectos de interesse no que tange ao estudo de plantas medicinais
envolve a utilização dos compostos naturais ativos como modelo para a síntese
de substâncias análogas mais potentes e seletivas, que podem ser obtidas mais
facilmente e talvez a custos menores. Muitos fármacos disponíveis atualmente no
mercado farmacêutico foram obtidos sinteticamente baseados em estruturas
naturais ativas80,93,94. Podemos citar como exemplo da importância químico-
medicinal da síntese de análogos de princípios ativos os estudos obtidos em
nossos laboratórios com a molécula da filantimida (7). Este composto, um
alcalóide inédito isolado de Phyllanthus sellowianus com efeito antiespasmódico
moderado34,95foi usado como modelo para a obtenção de vários análogos,
particularmente succinimidas e maleimidas (8), os quais apresentaram potentes
ações antiespasmódicas96, analgésicas97, antibacterianas98,99 e
antifúngicas100. Estas imidas cíclicas, além de demonstrarem efeitos muito mais
potentes do que a própria filantimida e drogas padrões utilizadas na
terapêutica atual, possibilitaram a elucidação de vários fatores estruturais
relacionados com os efeitos biológicos indicados10.
3. INTERAÇÃO ENTRE A QUÍMICA E A FARMACOLOGIA
Um dos fatores de extrema importância para a descoberta de princípios ativos
naturais consiste, principalmente, na interação entre a química e a
farmacologia. Quanto mais estreita for esta colaboração, mais rápida e
consistentemente serão alcançados os objetivos almejados. Podemos citar como
exemplo da necessidade desta integração os resultados obtidos em nossos
laboratórios com as plantas do gênero Phyllanthus, conhecidas como "quebra
pedra" e amplamente usadas na medicina popular de vários países, incluindo
o Brasil, contra várias patologias101,102. Em nossos estudos, demonstramos que
os extratos brutos de diferentes espécies de Phyllanthus exercem potentes
efeitos analgésicos quando analisados em diferentes modelos experimentais de
dor em camundongos103-105 com potência muito maior do que algumas drogas
utilizadas na clínica, como a aspirina e o acetaminofeno. Considerando como
exemplo o P. sellowianus, foi inicialmente verificado que seu extrato
hidroalcoólico, quando testado no modelo de contorções abdominais induzidas
pelo ácido acético 0,6%, apresentou inibição dose-dependente, com uma DI50
(dose capaz de inibir em 50% as contorções em relação ao controle) de 53,0
(45,0-61,0) mg/kg103. Após sucessivas partições a partir deste extrato,
realizadas no laboratório de química, constatou-se, no laboratório de
farmacologia, que as frações de hexano (DI50 < 30 mg/kg) e de acetato de etila
(DI50 < 20 mg/kg) apresentavam uma maior potência do que o extrato de partida.
Estas frações semi-purificadas foram novamente analisadas no laboratório de
química, onde obteve-se dois fitoesteróides muito comuns em plantas,
estigmasterol eb-sitoesterol, que nunca foram avaliados quanto aos seus efeitos
analgésicos, mas cujos resultados farmacológicos indicaram uma ação equipotente
à aspirina. Os valores de DI50 foram 16,0 (13,6-20,3) e 9,0 (3,5-23,2) mg/kg
para estigmasterol e b-sitoesterol, respectivamente106, sendo portanto mais
ativos do que os extratos de origem. Por outro lado, o extrato de acetato de
etila, quando avaliado fitoquimicamente, forneceu vários compostos ativos como
os taninos furosina e geranina, cujos resultados farmacológicos obtidos no
modelo de contorções induzidas pelo AcOH foram bastante promissores, com
valores de DI50 de 12,9 (7,1-23,4) e 19,0 (10,9-33,1) mg/kg,
respectivamente107. Além disso, foi possível isolar também deste extrato os
flavonóides quercetina e rutina, que apresentaram relevante ação analgésica com
DI50 de 4,3 (3,3-5,7) e 1,3 (0,8-2,1) mg/kg, respectivamente, além do galato de
etila, composto fenólico que também exerceu efeitos analgésicos com DI50 de
34,7 (27,5-43,7) mg/kg108-109.
A presença de todos os compostos analgésicos isolados de P. sellowianus
demonstra a complexidade do estudo de plantas medicinais e a necessidade de uma
clara orientação na interpretação dos resultados. No entanto, a ocorrência ou
não de sinergismo entre os compostos indicados está sendo atualmente
investigada em novos experimentos, já que estes estudos são importantes para
uma melhor compreensão dos efeitos biológicos de produtos naturais. É
importante ressaltar que, embora algumas teorias médicas modernas contestem a
ocorrência de sinergismo em plantas, são muitos os exemplos práticos relatados
na literatura. Como exemplo, podemos citar um trabalho desenvolvido por
pesquisadores japoneses, que demonstraram recentemente esta hipótese no estudo
do fitoterápico Sho-Saiko-To, uma mistura de 7 ervas que atua na prevenção de
câncer de fígado110.
Conforme mencionado, pode-se afirmar que tanto a química quanto a farmacologia
são áreas imprescindíveis para a obtenção de princípios naturais ativos, e
devem sempre estar em íntima colaboração no desenvolvimento destas
investigações.
4. PARTE EXPERIMENTAL: PRINCIPAIS CUIDADOS E DIFICULDADES
Um dos fatores importantes no estudo de plantas consiste na experiência dos
pesquisadores envolvidos. Muitas vezes, a falta de experiência leva a erros que
podem tanto comprometer os resultados experimentais como dispender maior tempo
e recursos e não atingir os objetivos almejados. Assim, pode-se enumerar alguns
cuidados que devem ser tomados em laboratório quando se busca obter compostos
bioativos:
1) Seleção_do_material_vegetal: Um dos cuidados que deve ser levado em
consideração envolve informações sobre possíveis efeitos tóxicos da planta a
ser selecionada. Plantas que tenham o nome popular de mata-boi, mata-cavalo,
etc, devem ser vistas com restrições, já que a presença de constituintes
tóxicos pode comprometer todo o estudo realizado. A planta a ser investigada
deve ser classificada com segurança e a coleta deve ser feita com muito cuidado
para não serem agregadas outras espécies diferentes. Também deve ser levada em
consideração a quantidade de planta que viceja no local de coleta, para que os
estudos não fiquem prejudicados. A secagem, em estufa (40oC) ou à sombra à
temperatura ambiente deve ser procedida logo após a coleta para evitar a
proliferação de fungos. Caso se deseje armazenar o material vegetal, o mesmo
pode ser acondicionado em freezer. Na preparação dos extratos, a planta deve
estar completamente fresca ou totalmente seca para definir com melhor exatidão
o rendimento tanto da massa bruta como dos constituintes químicos.
2)Solvente: A escolha do solvente é de fundamental importância tanto para a
obtenção de extratos como para utilizá-lo como eluente em cromatografia em
coluna. Impurezas, como ftalatos, usados como estabilizantes de plásticos,
podem ser transferidas para o extrato e também dificultar o isolamento dos
constituintes naturais. Outro aspecto que deve ser verificado é a presença de
água, que influencia significativamente nas separações cromatográficas.
A formação de artefatos na preparação de extratos é muito comum. Isto ocorre,
geralmente, quando se aquece demais determinado extrato ou se usa um solvente
inadequado para extração. Por exemplo, o clorofórmio, que geralmente contém
HCl, quando usado para extração, pode fornecer produtos não naturais formados
pela ação do ácido. A acetona também deve ser usada com restrição, já que pode
reagir com alguns compostos que contém o grupo amino.
3) Testes_biológicos: A avaliação dos efeitos biológicos tanto "in
vitro"como " in vivo" depende de vários fatores, tanto
estruturais quanto experimentais. É essencial que a Instituição de pesquisa
possua um bom biotério e um laboratório exclusivo para a realização dos
experimentos, e a escolha dos modelos deve ser de maneira que possam ser
reproduzidos corretamente e evitados os resultados falso-positivos. Os
experimentos devem ser repetidos várias vezes para se obter dados estatísticos
que comprovem a eficácia do material testado.
5. CONCLUSÕES
A fitoterapia constitui uma forma de medicina que vem crescendo visivelmente ao
longo dos anos onde atualmente o mercado mundial de fitofármacos gira em torno
de 15 bilhões de dolares. Talvez o principal fator a contribuir
consideravelmente para o crescimento em questão consista na evolução dos
estudos científicos, particularmente os estudos químicos e farmacológicos, que
comprovam, cada vez mais, a eficácia das plantas medicinais, principalmente
aquelas empregadas na medicina popular com finalidades terapêuticas.
Entretanto, a necessidade de se chegar aos compostos puros responsáveis pelos
efeitos biológicos apresentados pelos extratos, leva a uma obrigatória
integração entre a química e a farmacologia molecular, cujo elo pode levar à
obtenção de substâncias naturais ou sintéticas de grande interesse químico-
medicinal.
Em nosso país, os estudos científicos envolvendo produtos naturais ativos, suas
indicações e contra-indicações, podem proporcionar aos fitofármacos um maior
nível de aceitação médica, respaldados pela comprovação de sua eficácia
terapêutica em experimentos farmacológicos pré-clínicos e clínicos. Este fato é
de extrema importância, considerando-se que o Brasil se encontra atualmente nas
primeiras posições no mercado mundial de fármacos, necessitando urgentemente
que as indústrias de fitofármacos existentes se desenvolvam para competir
inclusive a nível internacional. A instalação de indústrias envolvendo a
síntese de fármacos a partir de produtos naturais poderia, assim, ser um
considerável polo de crescimento para a química e a farmacologia.