CARACTERIZAÇÃO DE FRUTOS E ÁRVORES DE CAGAITA (Eugenia dysenterica DC.) NO
SUDESTE DO ESTADO DE GOIÁS, BRASIL
CARACTERIZAÇÃO DE FRUTOS E ÁRVORES DE CAGAITA (Eugenia dysenterica DC.) NO
SUDESTE DO ESTADO DE GOIÁS, BRASIL1
INTRODUÇÃO
Eugenia dysenterica DC. (Myrtaceae), popularmente conhecida como
"cagaita" ou "cagaiteira", é uma árvore frutífera nativa
dos cerrados de até 10 m de altura, de tronco e ramos tortuosos, casca grossa,
fissurada. Os frutos têm formato globoso, bagáceo, cor amarelo-clara, levemente
ácido, epicarpo membranoso, com peso entre 14 a 20 g, comprimento de 3 a 4 cm e
diâmetro de 3 a 5 cm, (Rizzini, 1971; Ribeiro et al., 1986; Naves et al., 1995)
(Figura_1). A cagaiteira apresenta tanto autofecundação quanto fecundação
cruzada, sendo a polinização realizada principalmente pelas mamangavas das
espécies Bombus atratus e B. morio,no período da manhã (Proença & Gibbs,
1994). Ocorre em áreas de cerrado e cerradão, estando adaptada a solos pobres;
portanto, supõe-se que é pouco exigente em fertilidade (Naves, 1999). A cagaita
foi estudada, destacando-se germinação e armazenamento de sementes (Machado et
al., 1986; Farias Neto et al., 1991; Naves et al., 1992), fenologia e
estratégia de florescimento (Proença & Gibbs, 1994; Sano et al., 1995),
caracterização e armazenamento de frutos (Rizzini, 1971; Calbo et al.,1990;
Silva et al.,1992).
Os frutos de cagaita são consumidos in natura ou processados (licor, sorvete,
suco, geléia). Esta espécie faz parte da flora apícola do cerrado e suas folhas
e cascas são utilizadas na medicina popular como antidiarréico, para diabete e
icterícia. Tem potencial para utilização como planta ornamental, como
fornecedora de cortiça e sua madeira pode ser empregada para obras da
construção civil, lenha e carvão (Brandão & Ferreira, 1991; Ribeiro et al.,
1992).
Partindo da hipótese de que existe variabilidade disponível para ser explorada
em programas de seleção para caracteres de frutos e plantas, objetivou-se,
neste trabalho, obter informações sobre a variabilidade existente em cagaita,
no Sudeste de Goiás, avaliando as características físicas dos frutos e
descrevendo as árvores quanto a alguns aspectos morfológicos
MATERIAL E MÉTODOS
Selecionaram-se 10 áreas no Sudeste do Estado de Goiás, compreendidas entre as
latitudes 16°28'48" S a 18°17'15'' S e longitudes 47°31'07'' W a
49°14'42'' W e entre as altitudes 740 m a 930 m, considerando-se como propícia
para coleta de dados aquelas que possuíssem no mínimo 20 plantas adultas de
cagaiteira em um raio de 1,0 km. Denominou-se "subpopulação" o
conjunto de plantas amostradas, levando-se em consideração uma distância mínima
de cerca de 20 km entre áreas.
Coletaram-se, em outubro de 1996, frutos para caracterização física, com o
seguinte procedimento: os galhos de cada árvore foram balançados, aparando-se
os frutos com auxílio de uma rede colocada sob sua copa; esta operação foi
repetida nos quatro quadrantes de cada árvore, formando-se uma amostra
composta. Uma subamostra contendo 12 frutos intactos e individualizados por
árvore foi retirada aleatoriamente desta amostra.
No Laboratório de Fitotecnia, da Escola de Agronomia da Universidade Federal de
Goiás, em Goiânia-GO, realizaram-se as análises físicas individualizadas por
fruto: peso dos frutos (PF) e das sementes (PS); diâmetros longitudinal (DLF) e
transversal do fruto (DTF); cor do fruto (CF), sendo avalianda a coloração
externa do fruto por meio de uma escala de cores feita com seis frutos,
atribuindo-se notas de 1 (completamente amarelo) a 6 (completamente verde) e
número de semente por fruto (NS); o peso total de sementes (PTS); peso médio de
sementes por fruto (PMS) obtido a partir da pesagem individual das sementes e o
peso de polpa e casca (PPC), obtido através da diferença entre o peso do fruto
e o peso da(s) semente(s).
Coletou-se das árvores dados relativos às variáveis: altura da planta (AP),
diâmetro de projeção da copa nos sentidos norte-sul e leste-oeste, obtendo-se
diâmetro médio de copa (DMC) e área basal (ABa), calculada a partir da
circunferência do colo ao nível do solo.
Para as variáveis dos frutos, além da estimativa da média, coeficiente de
variação e intervalo de variação, procedeu-se à análise de variância,
utilizando-se como repetições dos dados de frutos dentro de plantas, a partir
de um modelo hierárquico que considera os efeitos entre subpopulações, plantas
dentro de subpopulações e frutos dentro de plantas. Calcularam-se também os
coeficientes de correlação fenotípica entre as variáveis de fruto a partir das
médias das plantas. Para as variáveis das árvores, estimaram-se a média,
coeficiente de variação e intervalo de variação, considerando-se os dados
gerais e por subpopulação.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Vinte e três por cento dos frutos mostraram-se próximos ao intervalo de 14 a 20
g encontrado por Silva et al.(1992) na região de Planaltina-DF, e 53% entre o
intervalo de 11 a 33,8 g, citado por Naves et al. (1995), de uma população de
plantas de Senador Canedo-GO. Os intervalos de variação para diâmetro
longitudinal de fruto (DLF) e diâmetro transversal de fruto (DTF) foram maiores
do que os encontrados por Ribeiro et al. (1985), na região de Planaltina-DF, e
Naves et al. (1995). Com relação ao formato dos frutos, este apresentou, em
geral, DLF menor do que DTF, apresentando na média por subpopulação razão DLF/
DTF de 0,84, com variação de 0,80 a 0,86, tendo como característica aspecto de
fruto achatado ou globoso (Tabela_1).
Dentre todos os caracteres físicos de fruto, o peso de polpa e casca (PPC)
apresentou-se como o de maior importância para exploração econômica,
principalmente processamento de frutos, pois é esta a parte aproveitável do
fruto. Nas populações avaliadas, o PPC variou de 80% a 87% do peso do fruto e
com média de 83,2%, mostrando a possibilidade de seleção de frutos com maior
PPC e, conseqüentemente, alto rendimento de polpa para indústria.
O número de sementes (NS) por fruto foi bastante variável, como citam Ribeiro
et al.(1985) e Silva et al. (1992). Cerca de 97% dos 1344 frutos observados
apresentaram de 1 a 3 sementes/fruto, similar aos valores relatados pelos
autores referidos. Rizzini (1970) relatou a presença de frutos contendo 5
sementes, observado, neste trabalho, em 2 frutos. Constatou-se, ainda, a
presença de 1 fruto com 6 sementes, fato não relatado na literatura pesquisada.
O peso da semente representa, em média, 16% do peso total do fruto.
Observou-se que, para todos os caracteres de frutos, a variação entre as
plantas foi significativa, bem como a variação entre e dentro de subpopulações.
Telles (2000) analisou progênies das mesmas subpopulações utilizando marcadores
enzimáticos. Os resultados encontrados mostraram que variação entre
subpopulações em relação à população total foi de 16,4%. Isto mostra a
existência de diferenças genéticas entre as subpopulações. A variação
fenotípica existente deve ser bastante influenciada por componentes ambientais
não controlados, tais como a condição de antropização, o solo, o clima, a idade
da planta, além das diferenças genéticas.
O peso de fruto apresentou correlação positiva e significativa ao nível de 1%
de probabilidade, com as seguintes variáveis: DLF (0,8964), DTF (0,9809), PPC
(0,9943), PTS (0,6292) e PMS (0,6225). A variável NS apresentou correlação
negativa e significativa em nível de 1% de probabilidade com PMS (-0,5472). A
correlação entre PTS e NS (0,2176) apresentou-se positiva e significativa a
nível de 5% de probabilidade. O número de sementes independe do tamanho do
fruto, pois as variáveis que indicam tamanho, peso de fruto e número de
sementes por fruto, apresentaram correlação não significativa. A cor dos frutos
mostrou variação independente de todas as demais variáveis, não sendo
influenciada pelo tamanho dos frutos. Isto mostra que alguns frutos, mesmo já
tendo atingido a maturação completa, ainda não tinham iniciado o processo de
amadurecimento.
O intervalo de variação para a altura de planta (Tabela_2) foi superior ao
citado por Rizzini (1971). As plantas da subpopulação 9 apresentaram altura
média bem superior às demais, provavelmente devido a esta subpopulação estar
localizada em área urbana, com forte alteração antrópica, onde as árvores se
encontravam isoladas, e sem competição por água, luz e nutrientes. As
subpopulações 1 e 8 encontravam-se em áreas de cerrado stricto sensu, sem
alteração antrópica marcante, e a altura média das plantas avaliadas nestas
áreas não diferiram da citada em literatura para este tipo fisionômico de
cerrado (Naves et al., 1995), apresentando valores pouco abaixo das demais
áreas. As demais subpopulações encontravam-se em áreas com diferentes graus de
antropização, geralmente em pastagens "sujas" com presença de capim-
braquiária (Brachiaria decumbens), onde não foram executadas roçagens
freqüentes.
Vinte porcento das árvores apresentaram diâmetro médio de copa (DMC) acima de
8,00 m, valor maior que os relatados em pesquisas anteriores. As subpopulações
1 e 8 apresentaram as menores médias de DMC, mostrando mais uma vez o efeito da
competição em áreas pouco antropizadas. A média de área basal (ABa) foi de
0,0687 m², o que corresponde a 0,86 m de circunferência de tronco. Os valores
encontrados para esta variável foram semelhantes aos encontrados por Ribeiro et
al. (1985) para áreas de cerrado em Planaltina-DF. Nas áreas com pequena ação
antrópica (subpopulações 1 e 8 e parte da sub-população 7), as cagaiteiras
apresentaram menor área basal; o contrário pode ser observado em áreas mais
antropizadas (subpopulações 4; 5; 9 e 10), onde os exemplares se encontravam
mais isolados. De acordo com Naves (1999), as plantas de cagaita mostram certa
exigência por luminosidade, visto pela maior área basal quando encontradas em
áreas mais abertas.
CONCLUSÕES
1. Existe variação fenotípica entre subpopulações e entre plantas dentro de
subpopulação para os caracteres morfométricos de frutos.
2. A cagaita mostra grande variação quanto às características morfológicas das
árvores.
3. Os frutos de maior peso ou tamanho serão preferidos para industrialização
por apresentarem maior peso de polpa e casca, conseqüentemente, maior
rendimento no processamento.