Brotação e fertilidade de gemas em uvas sem sementes no Vale do São Francisco
BOTÂNICA E FISIOLOGIA
INTRODUÇÃO
A produção de uvas sem sementes tem apresentado rápida expansão no Submédio São
Francisco, sendo a quase totalidade comercializada no mercado externo, onde tem
alcançado preços até três vezes superiores que os da uva 'Itália'. A principal
variedade é a Superior Seedless ou Festival, que se caracteriza por apresentar
menor produtividade que as variedades com sementes cultivadas na região e ainda
uma grande irregularidade de produção entre as safras.
O número de cachos constitui-se num dos principais componentes da produtividade
e pode ser determinado pela poda e pela fertilidade das gemas. A fertilidade
das gemas pode ser definida como a capacidade que apresentam para se
diferenciar de vegetativas em frutíferas, podendo ser considerada como medida
quantitativa do potencial de uma planta em produzir frutos. A diferenciação
floral na videira e em outras plantas perenes ocorre durante a fase de
crescimento vegetativo do ciclo anterior e envolve três estádios bem definidos:
formação dos "anlage", formação dos primórdios de inflorescência e formação das
flores (Srinivasan & Mullins, 1981). A diferenciação das gemas tem início
nas gemas basais e continua em direção a porção apical da brotação.
Essa característica depende de cada variedade, mas em uma mesma variedade pode
sofrer grandes variações de um ciclo para outro, onde o clima pode exercer
grande influência sobre a fertilidade de gemas.
A luminosidade diária, temperaturas acima de 30ºC e luz solar incidente sobre
as gemas são os principais fatores climáticos que atuam sobre o aumento da
diferenciação floral (Baldwin, 1964; Buttrose, 1969; 1970; 1974; Rives, 2000;
Sommer et al., 2000). Por outro lado, condições de manejo do vinhedo que podem
afetar a temperatura e a luz solar incidente, tais como o sombreamento (May
& Antcliff, 1963), a direção de crescimento dos ramos (May, 1966), a
desponta e a desbrota de ramos (Lavee et al., 1967), os sistemas de condução
(Sommer et al., 2000) e outros aspectos do manejo têm sido estudados por
diversos autores.
O conhecimento da posição das gemas férteis para cada variedade é de
fundamental importância na definição do tipo de poda a ser empregada no
vinhedo. Podem ser encontradas referências de resultados obtidos para
diferentes variedades, em regiões de produção muito distintas, como o Nordeste
do Brasil (Leão & Pereira, 2001), sul do Brasil (Tonietto &
Czermainski, 1993), Venezuela (Valor & Bautista, 1997), México (Murrieda,
1986) e Itália (Sansavini & Fanigliulo, 1998). Entretanto, existem poucas
informações sobre o comportamento de variedades em condições de clima tropical,
como aqueles predominantes no Submédio São Francisco. Esse conhecimento é um
importante subsídio para se estabelecer técnicas mais racionais de poda que
resultem no aumento de produtividade dos vinhedos.
O presente trabalho teve como objetivo avaliar a percentagem de brotação e
índice de fertilidade de gemas de cinco variedades de uva sem sementes em cinco
diferentes datas de poda nas condições do Submédio São Francisco.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi conduzido no Campo Experimental de Bebedouro da Embrapa Semi-
Árido, em Petrolina - PE, 9º09'S , 40º22'O e altitude média de 365,5m.
Segundo Köeppen, o clima da região está classificado como tipo Bswh, sendo a
temperatura média anual de 26,4ºC, com média das mínimas de 20,6ºC, e média das
máximas de 31,7ºC. A Figura_2 apresenta médias mensais de temperatura,
insolação e radiação durante o período de realização do experimento.
O delineamento experimental foi em parcelas subdivididas onde os tratamentos
principais foram constituídos pelas variedades Perlette, Thompson Seedless,
Marroo Seedless, Catalunha e Superior Seedless, e os tratamentos secundários
por cinco épocas de poda entre dezembro de 2000 à abril de 2002, a saber: 18 e
19/12/2000; 18 a 21/06/2001; 23 a 29/10/2001; 29/01 a 05/02/2002 e 08 a 12/04/
2002.
As videiras enxertadas no porta-enxerto IAC 572 estavam com três anos de idade,
conduzidas em latada no espaçamento 4,0 x 2,0 m, submetidas à irrigação
localizada por gotejamento.
A poda utilizada foi do tipo mista com varas e esporões, mantendo-se varas com
aproximadamente dez a doze gemas e esporões com duas a três gemas.
Imediatamente após a poda, os ramos foram pulverizados com Dormex® em uma
concentração de 5% do produto comercial para induzir e uniformizar a brotação
das gemas.
A percentagem de brotação foi calculada pela relação entre o número de gemas
brotadas e o número total de gemas; e o índice de fertilidade real foi obtido
dividindo-se o número total de cachos pelo número total de gemas da planta.
Para se determinar a percentagem de gemas brotadas e o índice de fertilidade
real para cada posição de gema, realizou-se uma avaliação aproximadamente entre
o décimo e o trigésimo dia após a poda antes de se realizar a desbrota. Esta
avaliação foi efetuada para todas as varas de produção e esporões, da 1ª a 10ª
gema do ramo, em dez plantas ou repetições por variedade. Foram registrados o
número total de gemas, número total de gemas brotadas, número total de cachos e
número de cachos por posição de gema.
Os resultados foram analisados estatisticamente, utilizando-se o programa SAS,
estabelecendo-se a comparação das médias pelo teste de Duncan ao nível de 1% de
probabilidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise de variância demonstrou serem significativos os efeitos de variedades
e épocas de poda sobre a brotação e a fertilidade de gemas. A interação entre
os efeitos de variedades e épocas de poda também foi significativa a 1% de
probabilidade, indicando que o comportamento das variedades em relação à
brotação e fertilidade de gemas pode variar segundo a época de poda (Tabelas_1
e 2), e em uma mesma época de poda, as cinco variedades apresentam diferenças
significativas para brotação e fertilidade de gemas. Estes resultados comprovam
que brotação, e sobretudo a fertilidade das gemas, são características que
dependem não somente da variedade, mas que são altamente influenciadas pelas
condições climáticas durante o período do ciclo em que ocorre a diferenciação
das gemas, o que está de acordo com diversos autores (Baldwin, 1964; Buttrose,
1969; 1970; 1974; Rives, 2000; Sommer et al., 2000).
A brotação média variou de 62,42% na variedade Catalunha até 75,56% na
'Perlette'. A poda realizada entre 18 a 19 de dezembro de 2000 foi aquela onde
foram observados os menores valores para brotação, diferindo significativamente
dos demais tratamentos em todas as variedades. O valor médio para percentagem
de brotação nesta época de poda foi de apenas 44,75%. Por sua vez, a brotação
das gemas foi mais elevada para as podas realizadas entre 18 a 21 de junho de
2001 e 8 a 12 de abril de 2002, não diferindo significativamente entre si
nestas duas épocas de poda, à exceção da variedade Catalunha, onde obteve-se
para a poda de fevereiro de 2002, o melhor resultado entre todos os ciclos,
isto é, 84,78%, diferindo significativamente das demais épocas.
Os maiores índices de fertilidade real de gemas podem ser observados, de acordo
com a Tabela_2, na variedade Marroo Seedless, diferindo significativamente das
demais variedades em todas as épocas de poda, com uma média geral de 0,37,
seguida pela 'Perlette' com 0,17. As variedades Thompson Seedless, Superior
Seedless e Catalunha apresentaram fertilidade real muito baixa, não diferindo
entre si nas cinco épocas de poda estudadas e apresentando uma média geral de
respectivamente 0,14; 0,12 e 0,10.
Em trabalho anterior realizado nesta região, obteve-se índices de fertilidade
de gemas mais elevados para as variedades Marroo Seedless (0,89) e Thompson
Seedless (0,68) (Leão & Pereira, 2001), possivelmente em virtude das podas
terem sido mais longas, analisando-se 15 gemas nas varas. Por outro lado, os
resultados obtidos estão próximos daqueles observados por Camargo et al. (1996)
nas variedades Catalunha (0,18) e Perlette (0,21).
A fertilidade de gemas nas cinco variedades, à exceção de 'Perlette', diferiu
significativamente entre as diferentes épocas de poda. A poda realizada entre 8
a 12 de abril de 2002 foi a que promoveu a maior fertilidade de gemas, à
exceção de 'Perlette', em todas as variedades. Outra época de poda favorável
para a fertilidade das gemas foi em junho de 2001, à exceção da variedade
Superior Seedless (Figura_1). A fertilidade das gemas não apresentou diferenças
significativas entre estas duas épocas de poda (06/2001 e 04/2002) nas
variedades Perlette e Marroo Seedless. Índices de fertilidade de gemas mais
baixos, por sua vez, foram obtidos quando a poda foi realizada em fevereiro de
2002 em todas as variedades. A média geral para os índices de fertilidade de
gemas variou de 0,10 na poda de fevereiro de 2002 a 0,27 em abril de 2002.
As gemas, conforme pode ser observado na Figura_2, apresentam uma tendência de
aumento de sua fertilidade a partir da porção mediana do ramo até a porção
distal, apesar de poder ocorrer uma certa variação entre as gemas de posições
adjacentes. As variações de fertilidade entre a gema basal e a 10ª gema da
vara, considerando-se as cinco épocas de poda, foram, respectivamente, de 0,02-
0,07 a 0,18-0,42 na 'Perlette'; 0,0-0,08 a 0,16-0,58 na 'Thompson Seedless';
0,0-0,07 a 0,14-0,33 na 'Catalunha'; 0,06-0,30 a 0,40-1,15 na 'Marroo Seedless'
e 0,01-0,14 a 0,04-0,46 na 'Superior Seedless'. Os valores médios de
fertilidade de gemas obtidos para esta última variedade estão de acordo com
aqueles observados por Sansavini & Fanigliulo (1998), na Itália, variando
de 0,03 a 0,6. A grande variação existente para esta variável é confirmada
pelos valores altos de coeficientes de variação obtidos (Tabela_2).
A tendência de aumento da fertilidade a partir da porção mediana das varas é
conseqüência de um maior acúmulo de carboidratos nesta região (Winkler, 1965).
A baixa fertilidade das gemas basais também pode ser influenciada pela menor
incidência de luz sobre essas gemas (May, 1966; May et al., 1976).
As épocas de poda no 1º semestre do ano que ocorreu em junho de 2001 e abril de
2002, parecem favorecer tanto a brotação quanto a fertilidade de gemas da
maioria das variedades estudadas. Isso se justifica pelo fato de que o ciclo
anterior a estes iniciou em novembro de 2001 e dezembro de 2000, cujo ciclo
vegetativo coincidiu com período de temperaturas mais elevadas (Figura_1), o
que pode ter favorecido a diferenciação das gemas.
CONCLUSÕES
1) A variedade Marroo Seedless destacou-se entre as variedades estudadas, com
índice de fertilidade de gemas de 0,37, para os cinco ciclos de produção
estudados;
2) O comportamento das variedades foi influenciado pelas épocas de poda, sendo
que para a maioria das variedades as podas realizadas em junho de 2001 e abril
de 2002 proporcionaram os maiores valores para brotação e fertilidade de gemas;
3) A fertilidade de gemas apresentou tendência crescente da base, representada
pela 1ª gema, até a porção mediana que correspondeu a 10ª gema das varas, e em
geral as maiores médias foram observadas nas últimas gemas em todos as
variedades.
4) A brotação e fertilidade das gemas pode sofrer variações em cada ciclo de
acordo com as condições climáticas predominantes, sendo importante, a
realização de análise de gemas antes da poda e de práticas adequadas de manejo
de copa específicas para cada variedade.