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BrBRCVHe0004-28032007000300005

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variedadeBr
ano2007
fonteScielo

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Recidiva da ingesta alcoólica em pacientes candidatos a transplante hepático: análise de fatores de risco ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Recidiva da ingesta alcoólica em pacientes candidatos a transplante hepático.

Análise de fatores de risco

Relapse of alcohol consumption in liver transplant candidates. Risk factor analysis

Andrea VieiraI; Ernani Geraldo RolimI; Armando De Capua JrII; Luiz Arnaldo SzutanII IClinica de Gastroenterologia do Departamento de Clínica Médica IIÁrea de Hipertensão Portal e Fígado do Departamento de Cirurgia, Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo/Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, SP Correspondência

INTRODUÇÃO A doença hepática é uma importante complicação provocada pelo álcool(21). A expressão histológica reflete a instalação de lesões agudas, como a esteatose e a hepatite alcoólica, ou crônicas, como a hepatite crônica ativa, esclerose da veia centrolobular, cirrose e carcinoma hepatocelular(27). A cirrose é uma significante causa de morbidade e mortalidade no mundo ocidental(11, 24, 34).

A abstinência tem importante papel em todas as formas de doença hepática alcoólica(34), porém, quando a falência hepática se instala, o transplante de fígado é aceito como terapia mais eficaz(2, 3, 13, 31, 33).

Entretanto, até 1985, pacientes com doença hepática avançada, cuja causa era o álcool, raramente eram beneficiados pelo recurso terapêutico do transplante hepático. O pessimismo em relação a este procedimento baseava-se na crença de que os resultados do transplante eram inferiores aos obtidos em outras formas de doenças hepáticas, aliado ao temor da recidiva do consumo alcoólico após o transplante, resultando em dano sobre o enxerto(12).

Alguns autores acreditavam que as limitações do transplante, nesse tipo de paciente, ocorriam não pela presença da doença hepática, mas também pelo comprometimento cerebral, miocardiopatia, deficiências vitamínicas múltiplas e anormalidades da musculatura. O alto potencial de complicações, muitas vezes pela não aderência ao uso das medicações imunossupressoras, associava-se a esses motivos(35). Muitos centros relutavam em aceitar a idéia de transplantar fígado em pacientes alcoólatras, considerando todos os fatores acima comentados, como também o pequeno número de doadores e a opinião pública tão adversa.

A partir de 1985, estudos realizados em diferentes centros encontraram índices de sobrevida pós-transplante em pacientes com cirrose alcoólica semelhantes aos obtidos em pacientes com doença hepática não relacionada ao álcool(3, 17, 19, 25, 28, 32, 33, 39).

Nos tempos atuais, a cirrose alcoólica tornou-se uma das mais comuns indicações de transplante na Europa e América(9, 13, 24, 30, 36).

Entretanto, apesar de os resultados em termos de sobrevida no pós-transplante em pacientes com cirrose alcoólica, se assemelharem aos encontrados nos pacientes com outras doenças hepáticas, a possibilidade de recidiva do consumo do álcool após transplante causa preocupação e ainda é objeto de controvérsia e debate(5, 6, 16).

A necessidade de intervalo de abstinência pré-transplante tem sofrido reavaliações, mas a maioria dos centros de transplante adota o mínimo de abstinência de pelo menos 6 meses antes do transplante hepático(16, 31). Alguns autores criticam este período como fator preditivo ruim de abstinência futura, além de o considerarem um tempo arbitrário e punitivo para muitos pacientes (1).Outros mostram que, quanto maior o período de abstinência no pré- transplante, menor será a recidiva no pós-transplante(23).

De qualquer forma, a maioria dos estudos aponta para bons resultados e baixo índice de recidiva se for realizada criteriosa seleção dos pacientes no pré- transplante, incluindo avaliação multidisciplinar completa com a análise da equipe de psicologia e/ou psiquiatria para a liberação dos pacientes, bem como para minimizar a recurrência da doença(4).

OBJETIVO Estudar a recidiva da ingesta alcoólica e eventuais fatores a ela relacionados, em pacientes cirróticos alcoolistas, e que após rigorosa seleção foram referidos para transplante hepático.

MÉTODO Casuística Em levantamento retrospectivo de prontuários médicos do serviço de arquivos médicos da Santa Casa de São Paulo, no período de julho de 1995 a setembro de 2005, 97 pacientes foram selecionados com diagnóstico de cirrose listados para transplante hepático.

Os pacientes incluídos eram adultos (idade maior ou igual a 18 anos). O diagnóstico da cirrose alcoólica foi feito com base na história de consumo de álcool, achados laboratoriais e clínicos compatíveis.

Foram excluídos aqueles que não tiveram período de abstinência alcoólica superior ou igual a 6 meses, não tinham sido liberados pela equipe de psicologia ou foram a óbito antes de completar a avaliação inicial.

Todos os pacientes foram avaliados por uma equipe multidisciplinar incluindo, além dos hepatologistas e transplantadores, cardiologistas, pneumologistas, psiquiatras e/ou psicólogos, nutricionistas e assistentes sociais.

MÉTODOS Foram analisadas variáveis pré e pós-transplante.

Variáveis pré-transplante Estudou-se a idade dos pacientes, no momento da inclusão na lista de espera para transplante hepático, sexo, raça, a classificação de disfunção hepática segundo Child-Pugh, presença concomitante de hepatite viral crônica e/ou hepatocarcinoma, bem como outras doenças associadas.

Somente eram listados pacientes com Child-Pugh classe B ou C. A inclusão de pacientes Child classe A ocorria mediante a presença de hepatocarcinoma.

Dados como tempo de abstinência alcoólica e tempo de etilismo também foram coletados e calculados no momento de inclusão na lista. Outra variável analisada foi a quantidade de ingesta alcoólica em gramas de etanol, por dia.

Variáveis pré e pós-transplante Analisou-se o tempo de seguimento desde a inclusão na lista até o óbito, fim do estudo, ou ainda até a recidiva alcoólica, momento em que o paciente era retirado da lista.

A recidiva alcoólica foi definida como consumo de qualquer quantidade de bebida. O diagnóstico da ingesta alcoólica baseava-se na coleta de informações fornecidas pelo paciente e/ou familiares nas consultas de rotina, com a equipe de transplante, psicologia e serviço social, descritas nos prontuários, bem como por contato telefônico realizado com todos os pacientes e/ou familiares, durante o estudo.

Análise estatística Empregou-se, para análise dos dados, o programa estatístico SPSS (Statistical Package for Social Sciences para Windows versão 10.0), observando níveis de significância iguais ou inferiores a 5% (0,05).

Foi aplicado o teste exato de Fisher para as variáveis: sexo, raça, Child, óbito, realização ou não de transplante hepático, em comparação com a recidiva alcoólica.

Para a comparação tempo de abstinência alcoólica, tempo de etilismo e quantidade em gramas de etanol/dia com recidiva, foi aplicado inicialmente o teste t de Student, porém a variabilidade dos dados era muito elevada para este teste, sendo portanto necessária a aplicação do teste de Mann-Whitney, que também foi usado para a comparação idade e recidiva, bem como tempo de abstinência e de etilismo, quantidade de ingesta em gramas de etanol/dia em relação ao sexo.

RESULTADOS Noventa e sete pacientes foram selecionados, porém sete foram excluídos por não terem sido liberados pela equipe de psicologia (considerados não favoráveis ao transplante) ou foram a óbito em poucos meses, sem terem a oportunidade de serem avaliados por toda a equipe.

A maioria dos pacientes (93,3%) era de raça branca e a média das idades encontrada foi de 47 anos (19 a 64 anos).

Em relação à cirrose hepática, em 52 pacientes o álcool era a única causa de disfunção hepática, seguida da associação álcool e vírus C, em 31 casos e vírus B, em 4 casos. Em um caso foram encontrados doença de Wilson, colangite esclerosante primária e Caroli, respectivamente, associadas ao álcool.

O estádio da disfunção hepática, segundo a classificação de Child-Pugh foi: classe A (5-6), em 2 (2,2%); B (7-9), em 54 (60%) e C (10-15), em 34 casos (37,8%).

Em relação à quantidade de ingesta alcoólica em gramas de etanol/dia, coletada no momento da inclusão na lista de espera para o transplante, a média observada foi de 163,70. Não houve diferença estatisticamente significante dessa variável, quando comparada ao sexo (P = 0,60).

A média do tempo de abstinência e de etilismo em meses, também calculados no momento da entrada na lista de espera para o transplante hepático, foi de 30,9 e 242,3, respectivamente. Não se observou diferença dessas variáveis em relação ao sexo.

A média do tempo de seguimento dos pacientes foi de 29,6 meses. É importante lembrar que este tempo foi considerado como intervalo desde a inclusão na lista até a recidiva, óbito ou final do estudo, se os dois primeiros não ocorressem.

A recidiva alcoólica encontrada foi de 18,9 (Tabela_1).

Dos seis pacientes da raça negra, somente um recidivou à ingesta alcoólica.

Assim, a relação raça e recidiva não teve diferença significante (P = 0,684).

Não houve diferença da média das idades dos pacientes que recidivaram à ingesta alcoólica em relação àqueles que não recidivaram (P = 0,223).

A classificação de disfunção hepática, segundo Child- Pugh, quando comparada com a recidiva, não mostrou significância estatística (P = 0,572). Para as variáveis tempo de etilismo e quantidade de ingesta alcoólica em gramas de etanol/dia, coletados no momento de inclusão na lista, quando comparadas com a recidiva alcoólica, a diferença também não foi significante.

A comparação tempo de abstinência alcoólica, avaliado no momento da inclusão na lista de espera, e recidiva da ingesta alcoólica, demonstrou resultados estatisticamente significantes (Tabelas_2 e 3)

Durante o estudo, 17 pacientes foram submetidos ao transplante hepático.

Destes, 11,8% (dois pacientes) recidivaram com 1 e 28 meses após o transplante, durante 29 e 33 meses de acompanhamento, respectivamente, e 88,2% se mantiveram abstêmios. Porém, em relação à percentagem de pacientes que recidivaram no total, 2,2% eram pacientes transplantados e 16,7% encontravam-se na lista de espera. Esses pacientes que aguardavam o transplante recidivaram após um tempo de seguimento que variou de 7 a 50,4 meses (média de 15,31). Comparando pacientes transplantados e não-transplantados e recidiva da ingesta alcoólica, não houve correlação significante.

DISCUSSÃO A doença hepática alcoólica representa a segunda principal indicação de transplante hepático na atualidade, sendo superada apenas pela hepatite C(7, 22).

Antes do advento do transplante, não existia terapia específica para a doença hepática alcoólica, com exceção da abstinência alcoólica. Embora esta medida seja o fundamento do tratamento da cirrose alcoólica, sabe-se que seu impacto na sobrevivência de pacientes acometidos pela doença avançada é limitado.

Nestas circunstâncias, o transplante hepático é a única opção que oferece real benefício em termos de sobrevida a longo prazo(29, 31).

A inclusão da cirrose alcoólica nos programas de transplante hepático sempre sofreu resistência por parte da opinião pública e de segmentos da comunidade médica. O principal argumento utilizado era a grande probabilidade de que índices elevados de recidiva diminuíssem a sobrevida, quer pelo desenvolvimento de lesões graves no enxerto associadas ao etanol, quer por outros problemas médicos com uso inadequado de imunossupressores ou complicações associadas ao alcoolismo crônico. Muitos estudos a respeito da recidiva de consumo de álcool após o transplante hepático têm sido publicados na última década(7, 10, 14, 15, 17, 23, 25, 28, 32). A maioria dos trabalhos demonstra taxas de recidiva ao redor de 12% a 50%(4, 5, 6, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 20, 28).

Na presente casuística as mulheres recidivaram mais que os homens. Este dado é diferente dos achados da literatura que mostram que os homens, além de beberem por muito mais tempo, recidivam a ingesta alcoólica com maior freqüência(4, 23).

DIMARTINI et al.(8), em estudo epidemiológico, demonstraram que mulheres podem desenvolver cirrose com menor consumo de etanol ou ainda por um período de etilismo menor que o dos homens. Desta forma, elas devem ser mais orientadas em relação aos riscos do etanol e ao tratamento precoce para evitarem o desenvolvimento da cirrose.

PAGEAUX et al.(28) descreveram que pacientes jovens têm mais probabilidade de recidiva da ingesta alcoólica. Na amostra estudada, a idade não influenciou na recidiva da ingesta alcoólica.

Notou-se neste estudo que o tempo de abstinência alcoólica influenciou a recidiva subseqüente. Muitos trabalhos têm mostrado resultados semelhantes(10, 28). Segundo MALDONADO e KEEFFE(23), a maioria dos centros transplantadores ainda acredita que são necessários 6 meses de abstinência pré-transplante.

Centros como King's College, Pittsburgh e Clinica Mayo demonstraram altas taxas de recaída nos pacientes que não apresentavam 6 meses de abstinência: 34%, 43% e 66%, respectivamente.

Seis meses de abstinência seriam suficientes para evitar a recidiva? No trabalho em questão foi preciso mais do que 1 ano de abstinência para diminuir as taxas de recidiva.

FOSTER et al.(11), avaliando 33 variáveis pré-transplante, concluíram que somente 7 influenciavam na recidiva: idade do receptor no tempo de transplante, história de co-morbidades associadas com abuso de drogas, convicção da influência alcoólica, membros de centros de reabilitação, passagem pela polícia antes do transplante por problemas relacionados ao álcool, número de irmãos alcoolistas e tempo de abstinência pré-transplante. Após análise estatística, notou-se que o período de abstinência pré-transplante muito curto é um parâmetro pobremente sensível para predizer a abstinência subseqüente. Um período longo é um parâmetro muito sensível, porém pouco específico. O melhor é o período de 7 a 9 meses com sensibilidade de 61% a 84% e especificidade de 64% a 68%.

Em contrapartida, muitos autores contra-indicam período fixo de abstinência para a inclusão dos pacientes com cirrose alcoólica na lista de espera para transplante. Questionam o aspecto ético de estipular um período arbitrário em pacientes cuja morte pode ser o preço de uma espera significativa(5, 6, 17, 33). Outros estudos demonstram não haver relação entre a abstinência pré- e a recidiva pós-transplante(4, 8, 9, 12).

Na seleção dos pacientes alcoolistas para transplante, o período de abstinência pré-transplante, obviamente, não é o único parâmetro importante(37, 38). Uma criteriosa avaliação pela equipe de psicologia e/ou psiquiatria é fundamental para identificar pacientes, cujo risco da recaída é infinitamente superior ao benefício do transplante hepático. Isso foi descrito em outros estudos(7, 26, 28). Sem dúvida, a criteriosa avaliação realizada neste estudo garantiu uma taxa de recidiva de somente 18,9%, quando comparada a de outros centros: 31%(4, 5), 32%(28), 37,8%(9) e 50%(11).

CONCLUSÕES A análise dos dados obtidos na presente casuística de pacientes alcoolistas com indicação para transplante hepático permite concluir que: - A recidiva da ingesta alcoólica é baixa.

- Sexo feminino e tempo de abstinência inferior a 1 ano têm influência sobre a recidiva da ingesta alcoólica.

AGRADECIMENTO Agradecemos ao Núcleo de Apoio à Publicação da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (NAP-SC) o suporte técnico-científico à publicação deste manuscrito.


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