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BrBRCVHe0034-71672013000600010

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variedadeBr
ano2013
fonteScielo

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A vida após o câncer infantojuvenil: experiências dos sobreviventes

INTRODUÇÃO Dentre as doenças crônicas infantojuvenis, o câncer se destaca pelas repercussões na vida da criança, adolescente e sua família(1). Considerando que o percentual dos tumores infantojuvenis nos Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP) brasileiros seja, aproximadamente, de 3%, depreende-se que esses tumores corresponderão a valores aproximados a 11.530 casos novos de câncer por ano em crianças e adolescentes até 19 anos de idade, no biênio 2012/ 2013(2).

O tratamento oncológico em crianças e adolescentes pode produzir morbidade em longo prazo. Aproximadamente dois terços das crianças e adolescentes que terminaram o tratamento do câncer irão apresentar algum tipo de efeito tardio e, aproximadamente, um terço será acometido por algum efeito tardio de maior complexidade ou fatal, visto que o tratamento do câncer, instituído durante a fase de crescimento e desenvolvimento, expõe o organismo a alterações que poderão se manifestar vários anos após o término da terapia(3).

O câncer em crianças e adolescentes foi considerado fatal algumas décadas.

Hoje, pelo avanço no diagnóstico e na terapêutica, muitos são considerados curados; mas os efeitos adversos do tratamento podem comprometer a qualidade de vida a curto, médio ou longo prazo. Dessa forma, o desafio de conhecer a vida após o tratamento tem mobilizado os profissionais da área da saúde na busca da compreensão das repercussões físicas, psicossociais, existenciais e econômicas na qualidade de suas vidas(4).

Diferentes maneiras têm sido utilizadas para conceituar e avaliar a qualidade de vida, pois o conceito é amplo e complexo, abrangendo dimensões biológicas, psicossociais, existenciais e ambientais(5). O número de estudos que avaliam qualidade de vida na literatura é grande e muitos deles têm utilizado escalas quantitativas que, após uma somatória, indicam a qualidade de vida do sujeito.

Essas escalas, apesar de avaliarem de modo multidimensional a qualidade de vida, pouco atingem o aspecto subjetivo da avaliação, ou seja, têm limites para a compreensão de valores, motivações e crenças(6). Assim, é relevante abordar a qualidade de vida de forma interpretativa, partindo da experiência dos próprios sujeitos.

Buscando ampliar esta discussão, o presente estudo tem por objetivo identificar, por meio da experiência de crianças, adolescentes e adultos jovens sobreviventes ao câncer infantojuvenil, as repercussões dos efeitos tardios na qualidade de suas vidas. Esse estudo justifica-se pela possibilidade de identificar, na experiência dos sobreviventes, aspectos que possam ser inseridos no planejamento do cuidado em saúde, particularmente no da enfermagem, que busquem minimizar os efeitos a curto, médio e longo prazo.

PERCURSO METODOLÓGICO Ao considerarmos o objetivo desse estudo, valorizamos as experiências de vida dos participantes, por entendermos que as trajetórias da vida são permeadas pelos relacionamentos pessoais, familiares, sociais, pelos valores culturais, simbólicos, crenças e pela identidade social dos sobreviventes. Dessa forma, buscamos na antropologia o referencial para delinearmos esse estudo, pois a mesma parte da premissa que o homem é um ser biológico e cultural, e que seu sistema é resultante de símbolos, ideias e significados. Aplicada à área da saúde, favorece a apreensão da experiência da enfermidade, nesse caso, as repercussões na qualidade de vida após o diagnóstico e tratamento do câncer, e suas dimensões culturais(6).

Conhecer os valores culturais dos participantes e suas redes sociais é fundamental, pois esses indicam a descrição de suas rotinas, valores, desejos e experiências de vida. Assim, o método etnográfico mostrou-se adequado ao estudo, pois este possibilita descrever aspectos da saúde, da doença e do cuidado, no contexto dos comportamentos interpessoais, nas relações sociais e culturais(7).

Ao escolhermos a abordagem metodológica qualitativa, o número de participantes foi definido no decorrer da pesquisa, ou seja, à medida que obtivemos as experiências para analisar a essência do fenômeno estudado.

A coleta de dados ocorreu de julho de 2009 a maio de 2010, no ambulatório de Hematologia Infantil do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP). O hospital é referência para pesquisa, diagnóstico e tratamento de crianças e adolescentes com câncer.

Em respeito à Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde(8), tal projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética da instituição onde foi realizado (protocolo nº5335/2009). Para garantia do anonimato, respeitando as orientações expressas nas diretrizes para pesquisas envolvendo seres humanos, identificamos os sobreviventes por ordem alfabética (Alberto, Bianca, Caio), conforme a sequência da coleta de dados, atribuindo-lhes nomes fictícios. Todos os participantes e / ou responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O grupo social selecionado para o estudo foi composto por 21 indivíduos que receberam o diagnóstico de câncer durante a infância ou adolescência (0-18 anos) e mantinham acompanhamento no referido ambulatório, com intervalo maior de cinco anos fora de terapia para o câncer. Esse período foi escolhido por ser considerado um indicador de cura e sobrevivência(9). Os participantes foram de ambos os sexos, maiores de sete anos, por caracterizar uma fase cujo pensamento lógico encontra-se desenvolvido para a comunicação verbal de suas ideias(10).

Os dados foram coletados mediante a entrevista aberta, com a questão norteadora: "Conte-me como tem sido sua vida, passados esses anos após o tratamento do câncer". Para complementação e auxílio na compreensão dos dados, foram associadas informações coletadas durante a observação em campo, momento no qual o pesquisador se incorporou ao grupo e vivenciou a experiência dos participantes, além dos dados clínicos dos prontuários.

A análise dos dados iniciou com a leitura do material empírico, procurando construir um texto com os dados da entrevista, somados ao da observação participante. Para a análise dos dados qualitativos, nos apoiamos no processo de registrar, reunir e pensar. Esse é um processo de idas e vindas, em que as fases não são lineares ou ordenadas. Realizamos o mapeamento dos dados, mantendo a sequência do conteúdo, organizando um texto para cada participante, construído pela associação da entrevista e do material da observação participante. Após a leitura detalhada e da compreensão do conteúdo, foram destacadas as ideias norteadoras, por meio de um marcador de textos, as quais foram reveladas por meio das frases, palavras ou expressões corporais (descritas na observação). Dessa forma, foi possível realizar o reconhecimento das informações em comum, e consequente codificação dos dados. Cada código recebeu um título e a associação dos dados sobre a mesma temática direcionou a construção de dois eixos para a discussão: a experiência de viver com os efeitos tardios e satisfação com a vida.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Em relação à caracterização dos participantes, a maioria (62%) apresentou idade inferior a 18 anos e mantinha vínculo escolar. Apenas três participantes não finalizaram a escolaridade básica. A respeito dos dados clínicos, os diagnósticos identificados foram diversos: as leucemias apareceram com maior frequência, seguidas dos linfomas, tumores de sistema nervoso central, dentre outros. O tempo fora de terapia, para 11 participantes, foi entre cinco e 10 anos e, para 10 deles, o período foi superior a 10 anos.

As diferenças pessoais, como idade, escolaridade, convívio social, contexto cultural, tipo de neoplasia e tratamento recebido revelou particularidades vivenciadas pelos sobreviventes. Entendemos que, sobreviver ao câncer infantojuvenil implica às crianças, adolescentes e adultos jovens o exercício de viver com as repercussões do diagnóstico e tratamento, em sua rotina diária.

Assim, ao abordarmos sobre a vida atual, anos após o tratamento de câncer, focalizando os diferentes contextos dos sobreviventes, encontramos diversas situações que influenciaram as dimensões subjetivas da qualidade de vida, para nós, entendida também como satisfação com a vida.

A experiência de viver com os efeitos tardios A percepção de estar livre da doença, mas ter a necessidade de manter os cuidados com a saúde, seja pelo uso de remédios ou pelos retornos ao serviço de saúde, não é fácil para o sobrevivente. um confronto entre o não se sentir doente e a necessidade do acompanhamento médico ao longo da vida. A certeza da ausência da doença anos é ameaçada a cada realização de exame e mesmo ao longo dos anos, após a transição do estar doente ao estar livre da doença, os cuidados com a saúde permanecem, evidenciando o continuum do tratamento do câncer:  Vir aqui é ruim... Temos que esperar até à tarde para saber se está tudo bem. A espera pelo resultado do exame e pela consulta médica parece ser muito longa (Nádia, 15 anos).

um frio na barriga para saber o que os médicos vão falar. medo, para saber se está tudo bem. Eu não gosto de vir aqui e tirar sangue... É muito ruim (Ivo, 10 anos).

Resgatar a vida, ou dar sequência a ela após o câncer, remete as crianças, os adolescentes e os adultos jovens à necessidade de realizar adaptações no seu cotidiano e aprender a viver com elas. Sequelas decorrentes do tratamento são relatadas pelos participantes e associadas às repercussões físicas e sociais em suas vidas, como na realização das atividades de trabalho e lazer, as quais, culturalmente, representam independência, diversão e socialização: A quimioterapia extravasou. Isso me marcou muito, porque deixou sequela na minha mão e braço. Passei por várias cirurgias, fiz enxerto... Não resolveu. Tenho dificuldades, porque trabalho com confecção de sapatos. Não consigo mexer o punho, fico forçando e no final do dia... Dói... Mas preciso trabalhar (Diego, 21 anos).

Eu não posso usar fone de ouvido, porque eu escuto desse ouvido [ouvido direito] e se eu perder esse ouvido [direito] daí, ó! [levanta mãos para cima, sinalizando não saber], era... Eu tenho que cuidar do meu ouvido, não posso ouvir música alta, esses fones de ouvido pequenos nem pensar, posso ouvir música de aparelho de som grande, sem fone de ouvido, também não posso ficar ouvindo música alta. Todo mundo [amigos] tem mp3 ou mp4 e escuta fone no ouvido, eu não posso (Bianca, 11 anos).

A convivência social e a experiência cultural direcionam os comportamentos de uma sociedade. Assim, a qualidade de vida dos sobreviventes é afetada pela dificuldade em realizar as atividades diárias. Porém, a adaptação, ao longo dos anos, à convivência com o efeito tardio supera a dificuldade e insere o sobrevivente em suas relações de trabalho e sociais(11).

Entre os efeitos tardios, a alteração na autoimagem, devido à presença de cicatriz, alopecia e baixa estatura, também fazem parte das repercussões do câncer e seu tratamento, como percebido nos depoimentos abaixo: Eu tenho essa cicatriz aqui na cabeça [vira e mostra cicatriz em região occipital de aproximadamente 12 cm]. Meu cabelo nunca mais cresceu. Não nem para esconder essa cicatriz. Você viu como tenho pouco cabelo, é aqui na frente, um pouquinho no meio e ainda bem ralinho. É feio! Ficam falando... (Karen, 22 anos).

Eu sou muito criticado pelos meus amigos, porque eles tiram sarro do meu problema, me chamam de franguinho, miudinho, pequeno. fiz academia, mas não resolve. Sou pequeno e magro. Não consigo arrumar namorada (Caio, 25 anos).

Cada sociedade determina atributos que definem como o homem deve ser, tanto no sentido moral e intelectual quanto físico, mantendo essa gama de atributos gerais, com pequenas alterações, a depender do grupo, classe ou categoria social. Na sociedade ocidental contemporânea, o corpo passou a ser visto como um artefato de presença que ostenta a identidade dos sujeitos. A aparência corporal, além de ser uma presença inscrita no biológico do corpo, carrega consigo significados que são culturalmente construídos(12).

O descontentamento com a autoimagem é relacionado, pelos participantes, às dificuldades de relacionamento social e amoroso. Não se sentir incluído no grupo social ao qual pertence gera insatisfação e, assim, a qualidade de vida fica comprometida, no que se refere ao aspecto da inserção social e satisfação pessoal, pois estar emocionalmente insatisfeito e inseguro com suas relações sociais traz repercussões na vida do sobrevivente. Essas repercussões também foram detectadas em outros estudos com sobreviventes ao câncer infantojuvenil (13).

Dificuldades para o aprendizado e para o desempenho de atividades escolares foram relatadas pelos participantes que tiveram diagnóstico de tumor de sistema nervoso central ou receberam altas doses de radioterapia intracraniana: Não terminei meus estudos, estou no terceiro colegial, esse ano eu não dei conta de terminar, então eu parei. Tive muita dificuldade, não conseguia acompanhar, então resolvi parar (Eder, 17 anos).

Terminei o colegial porque minha mãe me obrigou ir à escola. Terminei com vinte e três anos. Eu não consegui aprender. Era muito ruim ir à escola, eu voltei a estudar e terminei o colegial porque minha mãe voltou a estudar e ia junto comigo, estava na mesma classe (Caio, 25 anos).

Eu não consigo aprender não, as coisas não entram na minha cabeça, é muito difícil estudar... (Tatiana, 15 anos).

O comprometimento do sistema nervoso central, seja pela localização de tumor ou pelo tratamento, acarreta limitações e deficiência no que se refere à memória, velocidade de processamento do pensamento, integração visual e motora, atenção e concentração. Tais impedimentos podem afetar o desempenho escolar, a aprendizagem e a função social(14).

A satisfação com a vida Neste estudo, ao considerarmos a experiência dos participantes, percebemos que os efeitos tardios, físicos, sociais e emocionais estão interligados, e a percepção ou valores atribuídos às repercussões do tratamento são modificados, juntamente com as fases do ciclo vital dos sobreviventes, ou seja, a experiência dos efeitos tardios é dinâmica e varia, para cada indivíduo, segundo seu contexto pessoal e social. Assim, a qualidade de vida está relacionada à capacidade do sobrevivente em viver com as adaptações necessárias ao longo dos anos e ao grau de satisfação com as escolhas feitas em relação às oportunidades que surgem no decorrer de sua vida e de suas expectativas.

Partindo dessa prerrogativa, estar satisfeito com a vida, para o sobrevivente ao câncer infantojuvenil, não depende somente de estar adaptado às sequelas do tratamento, mas sim, de como pensam ou avaliam o que é estar satisfeito com a vida. A percepção da qualidade de vida satisfatória, relatada pelos participantes do estudo, diz respeito à identificação de uma vida normal, com rotinas semelhantes às de outras pessoas sem histórico da doença. No contexto da cronicidade, a normalidade estabelece uma rotina de vida mais próxima possível à de pessoas sem a história da enfermidade(15).

Ter boa qualidade de vida remete à capacidade de realizar coisas normais.

Assim, atividades que compõem a rotina diária, como os afazeres domésticos, frequentar escola, realizar atividades extracurriculares, atividades físicas e trabalhar, reportam a boa qualidade de vida. O distanciamento do meio hospitalar, os apoios sociais e a rotina sem o tratamento é vivido pelos sobreviventes como nova oportunidade em suas vidas(16). Para as crianças, brincar, ir à escola, passear e conviver com os amigos são atividades, mesmo com adaptações às sequelas do tratamento, consideradas boas e normais. Para os adolescentes e adultos jovens, atividades, tais como: frequentar a escola, a faculdade, a igreja e o trabalho; namorar e interagir com amigos, compõem as suas vidas: Eu gosto da escola, eu gosto do recreio, da educação física. Eu gosto de correr, brincar com meus colegas. Mas eu também gosto das lições, dos trabalhos... (Ivo, 10 anos).

Estar com os amigos, conversar, dar risadas é muito bom. Na escola eu faço tudo isso, além de aprender... (Odete, 15 anos).

Faço balé, computação e inglês, agora eu estou de férias. Minha mãe fala que é importante aprender... Eu vou, eu gosto... (Bianca, 11 anos).

Duas vezes na semana vou ao inglês. Faz três anos que estou no inglês... Eu gosto de praticar esporte, natação, futebol, tênis, vôlei... para brincar... então, todos os dias à tarde eu faço isso com meus amigos (Vinicius, 14 anos).

Entre as atividades diárias, o trabalho foi considerado uma dimensão importante da qualidade de vida, para promover satisfação pessoal, ter independência dos pais e planejar o futuro: Às 17h horas eu entro no serviço e trabalho até às 23 horas. É muito bom ter meu dinheiro, não precisar ficar pedindo para pai e mãe. Esse é meu terceiro trabalho, quando eu completar 16 anos vou sair desse emprego e irei trabalhar em uma autoescola, vou ganhar mais (Odete, 15 anos).

"Eu trabalho em uma loja como vendedora, sou registrada, estou nesse trabalho sete meses. Antes eu trabalhei em uma padaria...

trabalhar é muito bom, tenho minhas coisas, conheço pessoas..." (Sabrina, 18 anos).

O trabalho possibilita a aquisição de recursos financeiros, sendo reconhecido como favorecedor do desenvolvimento pessoal, da autossuficiência (independência/autonomia), do bem estar físico, mental e social(6). Dessa forma, quem está apto para trabalhar é visto como uma pessoa normal, apto para a vida. Estar trabalhando é um atributo essencial para que a pessoa participe de sua rede de sociabilidade; nesse caso, estar bem de saúde e com aptidão para o trabalho também afirma a superação da enfermidade(11).

A convivência com os amigos, com namoradas(os), as brincadeiras, os passeios, os momentos de lazer e diversão foram relatados como algo importante: Minha vida é a música, eu tenho uma banda. Na minha banda toca minha namorada, meu irmão e a namorada dele. Essa é minha paixão, eu me divirto e distraio, eu não vou parar de tocar, até esqueço a sequela [extravasamento quimioterapia em mão]... (Diego, 21 anos).

A coisa que mais gosto de fazer é soltar pipa, brincar na rua de pique - esconde com meus amigos e jogar vídeo game (Ivo, 10 anos).

As relações de amizade e namoro dos adolescentes caracterizam-se como sendo uma fase de transição da dependência social familiar para a conquista da autonomia psicológica e emocional. Nesse período, eles constroem laços com amigos ou parceiros que irão possibilitar segurança emocional para o distanciamento das relações parentais. Essas interações estão relacionadas à capacidade de construir e manter relações íntimas, que se constituem em um dos principais critérios de saúde mental e de satisfação interpessoal(17).

Para as crianças, a brincadeira contribui para o seu processo de socialização, oferecendo-lhes oportunidades de realizar atividades coletivas livremente, além de ter efeitos positivos sobre o processo de aprendizagem, estimular o desenvolvimento de habilidades básicas e a aquisição de novos conhecimentos. As brincadeiras são fontes de estímulo ao desenvolvimento cognitivo, social e afetivo da criança e também uma forma de autoexpressão(18). Assim, o lazer, a diversão, as brincadeiras, o namoro fazem parte da vida desses participantes; sentir-se incluído e satisfeito indica uma boa qualidade de vida.

As atividades apontadas como parte da vida, sem a presença da doença, expressam indícios de valores, cultura e hábitos, os quais influenciam a vida dos sobreviventes e repercutem em seus sonhos, planos e expectativas: Quando eu crescer, quero ser médica. Trabalhar aqui no hospital. É quero cuidar de todo mundo, mas não quero puncionar veia... Porque é muito ruim... Aquela agulha furando... Vou trabalhar aqui (Bianca, 11 anos).

Meu sonho é ser bombeiro, ajudar quem precisa. Quero salvar vidas (Eder, 17 anos).

Os participantes referiram o desejo de ajudar pessoas salvando vidas. Esse fato pode estar associado às suas histórias de vida e à repercussão positiva do tratamento e dos profissionais de saúde em suas existências.

Sonhos de constituir família, casar e ter filhos, ter uma vida como qualquer outra pessoa, sem o passado da doença, também fizeram parte das expectativas dos participantes, como mencionado: Meu sonho... Ah! é casar, ter filhos. Você vai ver, eu vou conseguir... Minha mãe acha que não (Karen, 22 anos).

Meu sonho é arrumar um emprego, trabalhar, voltar a estudar e ajudar minha mãe (Eder, 17 anos).

Apesar de estarem confiantes de que a história da enfermidade faz parte do passado e a vida é conduzida sem a presença do câncer, dúvidas, medo e incertezas são relatados pelos sobreviventes quanto ao seu estado de saúde. A sobrevivência ao câncer é uma vivência ambígua, na qual a alegria por ter superado a doença é constantemente ameaçada pelas incertezas e medos quanto ao futuro(19). Dúvidas referentes à possibilidade de engravidar, ter filhos e como será a saúde dos mesmos foram relatadas pelas participantes: Eu não sei se vou poder ter filhos. Eu e meu marido queremos filhos daqui alguns anos, mas será que posso engravidar? Porque tive câncer! Como vai ser meus filhos? Eu preciso perguntar para os médicos...

Preciso tirar essa dúvida, porque eu não sei (Sabrina, 18 anos).

Oferecer informações claras aos sobreviventes, à medida que suas dúvidas forem surgindo, é fundamental para minimizar conflitos e sentimentos de incerteza ou comportamentos de insegurança(13).

Reconhecemos que a evolução do tratamento do câncer na infância proporcionou melhora na taxa de sobrevivência de crianças e adolescentes com câncer. No entanto, a terapêutica associada às consequências físicas, psicológicas e sociais e, consequente efeitos a longo prazo, trouxeram repercussões na vida educacional e profissional, nas interações afetivas e emocionais dos sobreviventes.

Os resultados deste estudo nos indicam que, o enfermeiro, enquanto responsável pela organização, planejamento e execução da assistência, precisa garantir apoio e cuidado aos sobreviventes, para que eles alcancem o máximo de seu potencial físico, social e psicológico. Para isso, é preciso que reconheçam as necessidades de cada sobrevivente, de acordo com seu diagnóstico, tipo de tratamento e possíveis efeitos imediatos, mediatos e tardios(20). Tais ações devem contemplar o atendimento clínico e o aconselhamento para aspectos da vida diária como aqueles relacionados às demandas educacionais e do mundo do trabalho. Outra dimensão a ser incluída no processo de acompanhamento desta clientela diz respeito aos relacionamentos afetivos amorosos, aos riscos de infertilidade e a constituição de uma vida a dois. Ainda, no campo da educação permanente, é necessária a criação e divulgação de programas educacionais para a equipe de enfermagem sobre cuidados específicos a essa clientela, incluindo a elaboração de guias de boas práticas.

CONSIDERAÇOES FINAIS Os sobreviventes convivem com a tenuidade de estar livre da doença e com os riscos de complicações ou sequelas. É importante ressaltar que, sobreviver à doença, não significa unicamente a cura física; daí a necessidade de reconhecermos que o sucesso do tratamento transcende a esfera biológica, estendendo-se para a dimensão existencial, que inclui inúmeras esferas do existir humano. A integração social, trabalho e lazer são eixos orientadores para a avaliação de boa qualidade de vida dos sobreviventes ao câncer infantojuvenil, permitindo visão otimista do futuro. Como outros estudos, os resultados do presente estudo também revelam insatisfações com a vida, devido às alterações de autoimagem e dificuldades de integração social, como àquelas relacionadas aos vínculos de amizade, aprendizado e trabalho.

Observamos que a satisfação com a vida ou com a qualidade de vida apresenta estreita relação com contexto socioeconômico e cultural dos participantes do estudo e está sujeita a re-significações ao longo do tempo. Assim, a avaliação de qualidade de vida depende das metas pessoais, dos valores culturais e crenças vividas pelos sobreviventes. Partindo desse pressuposto, é importante que os profissionais de saúde reconheçam as necessidades apresentadas pelos sobreviventes, à medida que, é pela significação das repercussões pós- tratamento a curto, médio e longo prazo, que as demandas por auxílio e cuidados serão concretizadas. Desta forma, é necessário que os profissionais de saúde organizem os serviços para acolher e continuar dando apoio às necessidades física, social e emocional dos sobreviventes.

O estudo permitiu refletir sobre a centralidade da experiência da sobrevivência ao câncer infantojuvenil e pode indicar algumas atividades práticas como a criação de um programa de atendimento multiprofissional ao sobrevivente ao câncer na infância. Nesse programa, deve ser priorizado o registro com o histórico da doença e do tratamento e as principais orientações para atenção e vigilância em saúde, de modo a alertar para a detecção de efeitos tardios a médio e longo prazo, e para as segundas neoplasias. É necessário promover o acompanhamento individualizado para o sobrevivente e familiares; oferecer esclarecimento frente às demandas de dúvidas e de ansiedades; estimular o sobrevivente a dar continuidade aos estudos; apoiar e orientar para as opções profissionais, conforme as possibilidades pessoais de cada um; estabelecer comunicação com as unidades de atenção primária à saúde, para orientar e auxiliar na atenção ao cuidado do sobrevivente.


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