Estágio curricular supervisionado: análise da experiência discente
INTRODUÇÃO
O profissional enfermeiro vem ao longo dos tempos empenhando-se em ampliar seu
campo de ação junto aos sistemas de saúde, seja na assistência direta ao
paciente hospitalizado, seja na prevenção e/ou promoção da saúde. Neste
contexto o Estágio Curricular Supervisionado (ECS) pode trazer importante
contribuição para a formação deste profissional, tendo em vista tratar-se de
uma atividade acadêmica bastante rica para este processo de formação. O ECS
propicia que o estudante entre em contato direto com a realidade de saúde da
população, o que pode ser considerado de grande importância para o seu
desenvolvimento pessoal e profissional, bem como, para a consolidação dos
conhecimentos adquiridos no decorrer do curso de graduação, por meio da relação
teoria-prática(1).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de Graduação em Enfermagem,
instituídas em 2001, "definem os princípios, fundamentos, condições e
procedimentos da formação de enfermeiros". Ao estabelecer os conteúdos
curriculares considerados essenciais nesse processo, as Diretrizes determinam
que
além dos conteúdos teóricos e práticos desenvolvidos ao longo de sua
formação, ficam os cursos obrigados a incluir no currículo o estágio
supervisionado em hospitais gerais e especializados, ambulatórios,
rede básica de serviços de saúde e comunidades nos dois últimos
semestres do Curso de Graduação em Enfermagem
e que, "na elaboração da programação e no processo de supervisão do aluno, em
estágio curricular supervisionado, pelo professor, será assegurada efetiva
participação dos enfermeiros do serviço de saúde onde se desenvolve o referido
estágio"(2).
O ECS tem o intuito, de acordo com as diretrizes curriculares, de integrar a
atenção individual e coletiva, teoria e prática, ensino e serviço, na
perspectiva de formar um profissional apto a atender as demandas de saúde da
população brasileira e contribuir ativamente com a construção do SUS, tanto na
rede básica quanto na hospitalar(1).
Na academia, reconhece-se a dissociação entre o aprender e o fazer como uma
questão determinante na concepção pedagógica, revelada pela dicotomia entre
teoria e prática, entre ensinar e cuidar e pela organização da estrutura
institucional muitas vezes fragmentada em departamentos. Esses fatos remetem à
necessidade de ampliar a discussão em relação à formação do enfermeiro para
além dos muros da universidade, incorporando novos espaços e novos sujeitos na
formação deste profissional, o que pode ser favorecido pela integração entre
aluno, docente e enfermeiros dos serviços durante o estágio curricular
supervisionado. Essa proposição deve ter a finalidade de desenvolver, no
estudante, uma consciência crítica e reflexiva, bem como estimular a capacidade
de compreender e intervir na realidade social(3).
Na área da enfermagem o desafio do contexto social requer competências
profissionais que implicam novos modos de saber, fazer e ser do enfermeiro e de
sua equipe nos serviços de saúde em todos os níveis de atenção a fim, de
assegurar que sua prática seja desenvolvida de maneira integral e perene com
todas as instâncias do sistema de saúde, sendo capaz de refletir criticamente,
analisar as problemáticas sociais, procurando alternativas de enfrentamento e
resolução para as mesmas(4-5).
Nesse contexto, o ECS traz uma colaboração essencial à formação do aluno como
um momento específico de sua aprendizagem. Espera-se que o estudante possa
identificar pontos favoráveis e desfavoráveis no campo da prática, exercendo a
capacidade de reflexão sobre a ação profissional e de visão crítica sobre as
relações existentes no campo institucional, apoiado na supervisão enquanto
processo dinâmico e criativo, tendo em vista possibilitar a elaboração de novos
conhecimentos(5). Este processo de reflexão deve traduzir-se de forma efetiva
no exercício da prática diária assistencial e gerencial das atividades do
enfermeiro que ele terá oportunidade de vivenciar durante o ECS.
Portanto, a vivência do ECS pelo acadêmico de enfermagem é considerada
indispensável visto que seu processo de trabalho no campo de estágio permite
que ele adquira uma identidade na sua atuação, fazendo com que isto flua
naturalmente, levando-o a se mostrar cada dia mais preparado e competente,
conforme vai lidando com situações em diversos cenários e, assim, enfrentar as
exigências do mercado de trabalho(3).
A análise das experiências vividas pelos estudantes durante o ECS, sob a ótica
destes, poderá subsidiar a compreensão dessas vivências na formação da
identidade do profissional enfermeiro, como pessoa capaz de crítica, reflexão e
efetiva transformação da realidade. Esta possibilidade motivou e justificou o
desenvolvimento deste estudo.
OBJETIVO
Analisar a experiência dos estudantes no desenvolvimento de atividades do ECS
do curso de graduação em enfermagem de uma universidade pública do estado de
São Paulo, numa unidade de internação de hospital universitário.
PERCURSO METODOLÓGICO
Trata-se de um estudo qualitativo, exploratório, no qual utilizamos a análise
documental para compreender as experiências vivenciadas por um grupo de
estudantes durante a disciplina de ECS do curso de graduação em enfermagem de
uma universidade pública do estado de São Paulo. Esta disciplina ocorre nos
dois últimos semestres do curso de graduação, sendo que em um deles o aluno
desenvolve atividades em unidade hospitalar e no outro, em unidade básica de
saúde. No caso em análise neste estudo, as atividades foram desenvolvidas sob a
supervisão de enfermeiros assistenciais e orientação de docentes em uma unidade
de internação de um hospital escola.
Compreendemos documentos como produções escritas que podem ser utilizadas como
fonte de dados e informações, por meio das quais seja possível compreender
comportamentos, significados e aspirações. Dentre estes podemos incluir:
diários, cartas pessoais, memorandos, propostas, cartas ao editor, registros
individuais de estudantes, artigos de jornal, dentre outras(6).
Documentos constituem uma fonte poderosa da qual podem ser retiradas evidências
que fundamentam afirmações e declarações do pesquisador, não se conformando
simplesmente numa fonte de informação descontextualizada, mas surgindo num
contexto determinado e fornecendo informações sobre este mesmo contexto. O
propósito da análise documental é fazer inferências sobre os valores, os
sentimentos, as intenções e a ideologia das fontes ou autores dos documentos
(7).
Os documentos utilizados especificamente para este estudo foram os relatos dos
estudantes, referentes aos relatórios finais de estágio desenvolvido pelos
mesmos durante o ECS, no período de março de 2007 a novembro de 2009. O período
foi escolhido por se tratar das primeiras experiências com o ECS no curso de
Graduação em Enfermagem em apreço. Tais relatórios são produzidos de forma
livre pelos alunos, porém seguindo algumas diretrizes como o número de páginas
(limitado a três) e os tópicos a serem desenvolvidos no conteúdo (aspectos
gerenciais por exemplo) e constitui um dos requisitos para a aprovação no ECS.
Foram analisados seis documentos, equivalentes aos produzidos pelos alunos que
realizaram estágio neste período na citada unidade, explicitando que a unidade
recebia um aluno em ECS por semestre. Os autores convencionaram, por conta de
codificação, atribuir aos alunos os nomes de diamante, pérola, ametista,
safira, rubi e esmeralda.
Para análise deste material utilizou-se como referencial a análise de conteúdo
temático(8), na tentativa de identificar significados e obter inferências sobre
os documentos produzidos pelos alunos. Desta forma percorremos os seguintes
passos: 1) Desenvolvimento de leituras exaustivas dos documentos; 2)
Identificação, no corpus dos documentos, das unidades de registro,
representadas por frases ou conjunto de frases que transmitiam pontos
importantes para o estudo, devidamente codificadas; 3) Realização da
categorização temática inicial por características quali-quantitativa
(repetição de temática) e relevância implícita (valor unitário da temática); 4)
Reagrupamento temático, categorização final e discussão das categorias
temáticas.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de
filiação dos autores, em 27 de abril de 2010, sob o número 278/2010, sendo
autorizada a dispensa de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por se
tratar de documentos de domínio público, que se encontravam disponíveis em um
sítio eletrônico da universidade em questão.
RESULTADO E DISCUSSÃO
Elencamos a seguir as categorias que emergiram do contexto de análise dos
documentos produzidos pelos estudantes sobre a experiência de ECS e a
consequente discussão a partir de referenciais que abordassem assuntos
relacionados a estas categorias.
Descrição de atividades administrativas relativas à equipe de enfermagem
Discutiremos nessa categoria a percepção registrada pelos estudantes a respeito
do processo de trabalho do enfermeiro, especificamente no que se refere às
atividades gerenciais.
Eles dividem ainda quem ficará responsável naquele dia pelo expurgo,
reposição dos sacos de hamper, farmácia, laboratório e exames/banco
de sangue e arrumação da copa. A divisão dos quartos é feita pelo
enfermeiro, que leva em consideração a gravidade do paciente, escala
de banho do plantão (mensal) e grau de dependência do paciente.
(Diamante)
Observamos pelos registros que as atividades são percebidas como uma sequência
de passos que é executada de forma rotineira, sem permitir flexibilidade na sua
realização. Ao final, esse conjunto de atividades resulta em um dia de trabalho
do enfermeiro.
A prática clínica de enfermagem é realizada sob a orientação de rotinas em
diferentes graus. Na literatura de enfermagem, essas são descritas como tendo
aspectos negativos e positivos. Em pesquisas sobre rotinas organizacionais, é
feita uma distinção entre a rotina como regra e como ação rotineira. Estas se
tornam significativas quando a ação individual está em harmonia com o padrão
cultural em que o trabalho de enfermagem é baseado. Em vez de deixar uma
prática cotidiana se tornar uma rotina, devemos avaliá-la e procurar
desenvolvê-la a partir de pesquisas e fundamentos teóricos, tornando-a o ponto
de partida para a prática de enfermagem(9).
Considerando ainda as atividades gerenciais, observamos que o enfermeiro
supervisor é visto como uma figura essencial no desenvolvimento do processo de
trabalho da unidade.
...[Enfermeiro Apoiador] que é responsável por dar retaguarda aos
funcionários de todos os plantões. Sua permanência na enfermaria é
constante e sua atividade de supervisão pode ser vista durante o
tempo todo e em todos os plantões. (Diamante)
A análise desse registro nos sugere que o enfermeiro supervisor é percebido, ou
idealizado, como um modelo a ser seguido na atuação prática. Esse modelo pode
ser considerado um propósito a ser alcançado pelo aluno ao concluir a sua
formação. O enfermeiro que acompanha o aluno neste momento de sua formação deve
ter consciência da importância de seu papel enquanto referência profissional
para o graduando e da responsabilidade de sua posição, o que deve gerar maior
preocupação em rever e atualizar seus conhecimentos. Sua participação na
elaboração do planejamento do estágio é indispensável, pois sua ausência nessa
etapa e o consequente desconhecimento acerca do seu papel revelam grandes
fragilidades na construção e desenvolvimento do ECS. Desta forma, ressaltamos
que se espera do enfermeiro supervisor do ECS não apenas a sua competência
técnica e experiência profissional, mas também sua competência didático-
pedagógica(10).
A atuação do enfermeiro como supervisor do ECS pode propiciar esta oportunidade
de atualização, contribuindo para o seu acesso a novos conhecimentos, bem como
à troca de experiência com o graduando e à aproximação com os professores e com
o ambiente acadêmico da universidade. Essas oportunidades podem viabilizar o
fornecimento de subsídios para sua preparação, como a oferta de cursos e apoio
à pesquisa, instrumentos tão necessários para o aperfeiçoamento do profissional
(10).
O enfermeiro tem se caracterizado como um indivíduo que necessita, para sua
formação, receber um aporte teórico científico que lhe permita trabalhar o
processo de assistência de enfermagem em sua concepção mais abrangente,
atendendo as necessidades de saúde do indivíduo e comunidade de forma
organizada, sistematizada e teoricamente embasada. Para tanto, aos agentes e
instituições formadoras destes profissionais cabe integrar, dentro do processo
formativo, aspectos de natureza teórico-científica, técnica e administrativa.
Isso constitui missão bastante complexa dada à amplitude deste campo de atuação
e a falta de um delineamento maior quanto às funções deste profissional e a
interface com as atividades de outros profissionais da área de saúde(11).
Questões administrativas: "disputas de poder" e relacionamento interpessoal
Analisamos nessa categoria a percepção dos alunos a respeito dos conflitos
experienciados durante o período de estágio e sua proposta para minimizá-los.
Percebi, neste sentido, uma "briga" muito grande entre a enfermagem e
os residentes do setor responsáveis pela internação. (Diamante)
Quanto ao relacionamento, os componentes de cada equipe parecem se
relacionar bem entre si, mas há uma disputa "velada" entre os turnos.
(Diamante)
O ambiente de trabalho, de acordo com esses registros, é percebido como não
harmonioso e não impeditivo à disputa entre diferentes categorias e entre a
própria equipe de enfermagem. Isso emerge como uma necessidade de trabalhar o
individualismo, a desunião e a disputa de poder que podem estar presentes entre
os profissionais. Trata-se de uma questão delicada para ser trabalhada junto à
equipe, principalmente quando apontada por uma pessoa (aluno) que está neste
ambiente há pouco tempo, porém, necessária. Assim, observamos mais uma, dentre
a variedade de experiências que compõem o processo de formação do graduando em
ECS. Quanto mais possibilidades de vivenciar os diferentes espaços do cuidado,
mais aumentam as possibilidades de o aluno vivenciar situações que demandam
ações e reflexões para melhorar seu ambiente de trabalho, sempre se pautando
pelo conhecimento científico e neste caso em especial, pelas questões éticas
que devem subsidiar a todo o momento as práticas de enfermagem.
Essa necessidade de intervir nessa disputa ("de poder") é revelada nos
registros de outro estudante, que identifica a necessidade de viabilizar
oportunidades para o enfrentamento dos conflitos.
Desta forma, sugiro encontros mais frequentes de toda a equipe, como
em colegiados, para realização de dinâmicas motivacionais, de
trabalho em equipe... (Pérola)
Seria uma proposta para manter a saúde mental do trabalhador.
(Pérola)
Entendemos que a disputa de poder aparece como fator de estresse e sofrimento
psíquico para as equipes e as reuniões são apontadas como a dinâmica que
propiciaria a solução de conflitos.
O relacionamento no trabalho é um processo complexo, pois cada pessoa traz
consigo ligações por laços profissionais, afetivos, amizades e afinidades,
sendo condicionadas por uma série de atitudes recíprocas. Consequentemente,
essas características possibilitam ao trabalhador conviver com maior ou menor
habilidade com seus pares nos locais de trabalho. Na prática profissional
percebem-se mal entendidos, desconfianças, sentimentos de coerção, egoísmo,
desrespeito e irritação mostrando diferenças individuais manifestas no ambiente
de trabalho, em decorrência de mau relacionamento(12). As habilidades humanas,
tais como a gestão de pessoas, o gerenciamento de conflitos e capacidade de
manter um ambiente de trabalho equilibrado e saudável, são importantes para a
qualificação e competitividade do enfermeiro no mercado de trabalho. Os
conflitos, inevitáveis no relacionamento humano, podem propiciar transformações
quando são visualizados de forma positiva, pelo seu potencial de impulsionar o
grupo em busca do alcance de objetivos comuns(12).
Críticas dos estudantes ao cuidado realizado (o cuidado burocratizado)
Pretendemos apresentar a seguir a percepção dos alunos sobre o desenvolvimento
da "Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE)" na unidade de
internação.
...ele [enfermeiro] realiza a SAE quase sempre sem realizar exame
físico ou mesmo histórico de enfermagem, o que demonstra o quão
muitas vezes a SAE é considerada um procedimento meramente
burocrático, perdendo seu verdadeiro valor dentro do processo de
cuidado. (Diamante)
A teoria de enfermagem utilizada para o processo é o da Wanda A.
Horta (2001), mas, para que o processo seja aplicado na sua integra
sem dificultar o andamento da enfermaria no dia a dia deve-se ter
mais recursos humanos para operacionalizar todo o processo da SAE.
(Ametista)
É fácil compreender que tal processo é imperfeito devido à recente
implantação do raciocínio de diagnósticos baseado na NANDA. Essa é
uma etapa de sistematização de enfermagem nova, tendo que ser
incorporada por enfermeiros que sequer ouviram falar sobre o assunto
durante a graduação. (Safira)
As falas nos permitem remeter a uma sistematização realizada como mero processo
burocrático, gerando no aluno um conflito entre o que é aprendido na
universidade (o trabalho idealizado) e a realidade na prática. Contudo,
entende-se que os estudantes aprendem, dentre outras formas, pela observação e
análise crítica de seus instrutores, bem como pela adaptação aos contextos
sociais nos quais se inserem, compartilhando experiências e saberes na busca
pelo desenvolvimento de suas competências para o exercício profissional(13).
Com bases nos discursos é possível dizer que essa burocratização do cuidado
parece ser desencadeada por múltiplos fatores, tais como uma prática
profissional descompromissada, ou a falta de recursos internos ou conjunturais
para aproximar-se do ideal.
Em estudo conduzido para avaliar os fatores que, segundo um grupo de
enfermeiros de um hospital universitário do sul do Brasil, interferem na
adequada utilização do processo de enfermagem, os autores encontraram, com
maior frequência, argumentos relativamente 'tradicionais': plantões agitados,
número de pacientes por enfermeiro e o envolvimento com tarefas
administrativas. Outros parâmetros implicados foram a ausência de um modelo
padronizado, deficiências no conhecimento sobre o exame físico e a própria
terminologia dos diagnósticos de enfermagem(14). Frente a tais dificuldades é
sugerido o envolvimento de todos os enfermeiros de unidades de internação para
a elaboração de um processo de enfermagem que implique em discussões dos
conceitos básicos e revisão da prática adotada. Tal refinamento deverá
permitir, ainda, a elaboração de uma sistematização da assistência de
enfermagem mais adequada que permita o alcance de metas pré-estabelecidas(15).
Além disso, a SAE é considerada um importante instrumento de aprendizagem para
os estudantes, sendo que os enfermeiros, preparados para ensinar o Diagnóstico
de Enfermagem, estimulam os alunos a desenvolverem o raciocínio clínico para
construção de um cuidado sistematizado e adequado as individualidades do
sujeito, família e comunidade(13).
O cuidado como deve ser feito
Esta categoria, em contrapartida à anterior, nos remete a experiências
positivas vivenciadas pelos alunos, sugerindo que a construção de seu saber se
faz a partir da reflexão crítica sobre os erros identificados, assim como por
meio dos exemplos positivos do cuidado de boa qualidade.
... percebi que a única enfermeira que estava de plantão teve o
cuidado de passar em todos os quartos para verificar os sinais vitais
de todos os pacientes, já realizando muitas vezes o exame físico
focado nos pacientes em que terá de realizar a SAE. (Diamante)
No dia a dia, o cuidado é feito de maneira integral. Ou seja, o
profissional fica o tempo todo com os mesmos pacientes e realiza com
ele todos os procedimentos e cuidados necessários durante todo o
plantão; e isto é válido para todos os turnos. (Diamante)
Identificamos a satisfação do aluno ao verificar que o cuidado pode ser
desenvolvido de forma adequada, segura e livre de iatrogenias. Seus próprios
anseios e sonhos como futuro profissional parecem projetar-se no fazer do
enfermeiro que acompanha de perto o paciente. Expressa, dessa maneira, a
satisfação em ver a teoria acontecendo na prática. Essa capacidade de observar,
avaliar e sistematizar o processo de cuidado desenvolvido no campo de estágio é
essencial e deve fazer parte de suas habilidades pessoais, potencializadas pelo
suporte teórico oferecido na graduação. A observação direta das situações
vivenciadas na prática constitui-se como elemento fundamental na construção de
estratégias para os enfrentamentos do exercício profissional, uma vez que é
pela reflexão e teorização, a partir de situações da prática, que se estabelece
o processo de ensino-aprendizagem(16).
O trabalho de enfermagem visa à integralidade do sujeito, consequentemente o
cuidado deve conjugar a arte e a técnica, por isso é possível determinar que a
sua execução requer conhecimento do outro, sobre o outro e sobre nossas
competências enquanto enfermeiros. O cuidado de enfermagem e a sua dimensão
prática compõem o corpo de conhecimento da enfermagem, e importam não só aos
enfermeiros que os executam, mas também a população que é atendida por eles
(17). O cuidado de boa qualidade traz satisfação a quem o realiza e é um
direito de quem o recebe, traduzindo o exercício adequado das competências do
enfermeiro. Portanto, durante sua formação, o aluno almeja aproximar-se do
ideal, por meio da aquisição de habilidades que permitam a ele realizar o
cuidado com perfeição.
Contribuindo para a construção da assistência
Mantendo o raciocínio do cuidado idealizado, nesta categoria apresentamos a
contribuição do estagiário para a construção de uma assistência mais adequada,
propondo intervenções a serem implementadas no seu campo de estágio, assim como
descrevemos por meio de suas falas o autodesenvolvimento percebido.
Como proposta de intervenção e partindo da necessidade do setor e
interesse da estudante, optou-se por reelaborar o instrumento de
adesão que vinha sendo aplicado na unidade... o instrumento foi bem
aceito e está sendo aplicado rotineiramente. (Diamante)
Na vivência em diversos plantões aprendi em cada um deles
experiências diferentes... (Esmeralda)
Durante o estágio houve maior interesse de participar de cursos,
fóruns, etc., pela motivação de estar mais perto das questões e
problemas do dia a dia do profissional de Enfermagem contemplando o
desenvolvimento de visão crítica ao processo de trabalho. (Esmeralda)
Bem como pude participar de algumas resoluções de conflitos... Fiz
orientações para os pacientes e familiares e também para equipe de
enfermagem... Sempre levando questionamentos a fim de proporcionar
que a equipe refletisse sobre os procedimentos realizados. (Ametista)
Percebemos o aluno ampliando seus horizontes com o aprendizado da prática,
vivenciando o que é bom e o que é ruim na sua própria opinião. Nesse processo,
coexistem a sua identidade como aluno em aprendizagem e a oportunidade de atuar
como enfermeiro da unidade, o que garante a ele, aparentemente, tranquilidade
no desenvolvimento de suas atividades e a satisfação pelo fazer, além da
autonomia e responsabilidade frente ao paciente. A sensação percebida de ser "o
enfermeiro da unidade" expressa pelos alunos reflete, para os supervisores e
orientadores do estágio, o alcance dos objetivos propostos no seu inicio, que
consistem, dentre outras competências, o desenvolvimento de habilidades que
lhes permitam planejar, participar e implementar projetos de formação e
qualificação dos trabalhadores de enfermagem, assim como programas de educação
e promoção à saúde, considerando a especificidade dos diferentes grupos sociais
e dos distintos processos de vida, saúde, trabalho e adoecimento(18).
...realizar vários estudos sobre a área, os quais me fizeram crescer
e semear conhecimentos às demais personagens da equipe de enfermagem
e esses sujeitos demonstraram sua satisfação com os conhecimentos.
(Rubi)
Com ajuda de minha supervisão, procurei aprender como ter uma visão
global de todas as necessidades do PACIENTE... ...atuando na
assistência... ...e em tantas outras situações que exigiam a presença
de um enfermeiro, por se tratar de técnica com competência de nível
superior. (Pérola)
O desenvolvimento das competências deve ser oportunizado em situações que o
graduando possa argumentar e expressar suas ideias, de forma que aprenda a
analisar, refletir e se responsabilize por seu aprendizado contínuo(13).
Espera-se que o aluno do ECS busque o desenvolvimento não somente de
competências e habilidades instrumentais da profissão, mas a sensibilização
para a coerência entre teoria e prática buscando a construção de conhecimentos
e valores a partir da articulação com a realidade e com a equipe de trabalho
que esta a sua volta.
A vivência prática estimulando o crescimento profissional
Para finalizar o conjunto de categorias identificadas, apresentamos a seguir as
avaliações dos alunos sobre a contribuição do ECS para a construção de si
próprio como um profissional melhor preparado para enfrentar o mercado de
trabalho.
Em suma, acredito que os objetivos iniciais foram atingidos e que,
mais importante que a experiência prática que este estágio nos
oferece, juntamente com o interesse do estudante e da equipe em
ensinar e aprender conjuntamente, estão o crescimento individual de
cada um com tudo isso que somente a prática nos proporciona.
(Diamante)
Creio que me preparou muito bem para o mercado de trabalho, pois me
ajudou a ver as dificuldades e os problemas em que vou enfrentar na
minha profissão e, desta forma, me ensinou a lidar com vários deles.
(Rubi)
Em relação ao supervisor do estágio, este me acolheu de forma
tranquila me incluindo na equipe e me ensinando tudo o que precisava
aprender, estando do meu lado nos momentos de dúvidas e certezas,
favorecendo-me a segurança durante procedimentos difíceis e resolução
de problemas complexos. Estabelecendo-se, portanto, a confiança de
ambas as partes. (Rubi)
Partindo da premissa de que o desenvolvimento de competências para atuação do
profissional enfermeiro é passível de ser aprendido e que as experiências são
fundamentais na concretização desse aprendizado, identifica-se, com base no
discurso dos sujeitos, que o ECS contribuiu de forma decisiva para aprendizagem
de "como ser enfermeiro" em sua formação enquanto graduando em enfermagem(18).
Tive oportunidade durante o estágio supervisionado de conhecer
diferentes métodos de trabalho em diferentes turnos e cada enfermeiro
desses períodos tem uma maneira de trabalho, e isso foi muito rico,
pois, refleti muito sobre o modelo de profissional que pretendo ser.
(Ametista)
Destreza em técnicas e agilidade em tomadas de ações são qualidades
conquistadas com a prática em serviço. Pessoalmente, não me considero
dotada plenamente de tais qualidades, mas vejo-me suficientemente
preparada para superar obstáculos que virão e cada vez mais
habilidosa nas ações gerenciais e assistenciais. (Safira)
No decorrer do estágio o meu convívio com a equipe de enfermagem foi
progressivo e senti-me integrada à equipe. (Esmeralda)
As falas sustentam a proposição de que o ECS é uma oportunidade única da
formação do graduando em enfermagem. Ao mesmo tempo em que o aluno aprende, ele
também ensina, e o campo de estágio em questão favorece tal vivência.
Percebemos que há uma transformação em curso ao longo do ECS: os alunos o
iniciam como "uma pessoa" e finalizam "como outra". Sua identidade e perfil de
"enfermeiro ideal" vão sendo formados a partir das experiências com os
enfermeiros da unidade, fortalecendo a sua confiança para atuar como
profissionais ao deixarem a universidade, o que parece ser a conquista maior
que o ECS pode proporcionar.
O processo de formação do enfermeiro, na contemporaneidade, se constitui num
grande desafio, que é o de formar profissionais com competência técnica e
política, dotados de conhecimento, raciocínio, percepção e sensibilidade para
as questões da vida e da sociedade, devendo estar capacitados para intervir em
contextos de incertezas e complexidade. A educação formal é essencial à
construção do ser humano como sujeito histórico, político e social e, portanto,
a escola é local de compartilhamento de saberes. No entanto, a educação que
acontece em outros espaços, é parte da atividade de outros profissionais
indispensáveis a formação de enfermeiros capazes de refletir sobre sua
realidade vivida e com pensamento crítico, aptos ao exercício profissional em
suas áreas de conhecimento(19-20).
Dessa maneira, há que se reconhecer a importância e necessidade deste processo
vivencial pelo acadêmico, uma vez que o torna preparado para enfrentar uma
realidade que não vem moldada, mas sim, aberta a adquirir um novo "molde ou
forma", de acordo com a equipe de trabalho de saúde que se encontre atuando
nesse momento, bem como do contexto no qual o acadêmico de enfermagem esta
inserido(3).
CONCLUSÃO
Os relatos dos graduandos em Enfermagem que vivenciaram o Estágio Curricular
Supervisionado na unidade de internação analisada sugerem que a experiência foi
positiva, contribuindo para a construção de um elo entre a teoria oferecida
pela academia e a prática do serviço. O crescimento pessoal e profissional
referido pelos estudantes parece ter reflexos na segurança com que deixarão o
curso de graduação para atuarem como profissionais, minimizando a ruptura que
pode significar essa mudança de papéis.
As atividades desenvolvidas durante o ECS contribuem para a percepção do futuro
profissional sobre a relevância do trabalho do enfermeiro, assim como para a
reflexão crítica sobre o processo de trabalho atual e real, calcada na vivência
prática do cotidiano do profissional. Na perspectiva de um aprendizado dinâmico
e progressivo, a vivência da prática pelo aluno, acompanhando e sendo
acompanhado por profissionais atuantes e interagindo com a equipe de
enfermagem, integrado a ela como um de seus membros contribui de forma decisiva
na evolução do conhecimento teórico e na sua efetiva aplicação prática. A
experiência vivida também tem potencial para propiciar a transformação de
pensamentos, percepções e valores dos profissionais e das instituições de saúde
e de ensino, o que poderia se constituir em semente para mudanças.
Limitações do estudo
Os dados trabalhados não foram oriundos de entrevistas e sim de documentos.
Portanto as falas não foram coletadas especificamente a partir de relatos orais
ou com condução específica, o que não permitiu uma exploração mais aprofundada
das significações atribuídas pelos indivíduos em um momento de relação face a
face. Utilizamos, porém, os pontos de vista expressos nos documentos produzidos
pelos sujeitos da pesquisa como ponto de partida para a análise.