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BrBRCVHe0034-71672016000100197

BrBRCVHe0034-71672016000100197

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
ano2016
Issue0001
Article number00197

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Documentação do processo de enfermagem: justificativa e métodos de estudo analítico INTRODUÇÃO O modelo de assistência de enfermagem orientado pelo processo de enfermagem (PE) valoriza o planejamento das ações, as intervenções, a avaliação e as metas específicas traçadas para cada paciente. No Brasil, a documentação do PE em todas as situações em que o cuidado profissional de enfermagem ocorre passou a ser exigida em 2002(1). Desde então, tal exigência tem mobilizado os serviços de saúde no sentido de atendê-la e relatos têm sido publicados destacando inúmeros fatores potencialmente envolvidos com as facilidades e dificuldades para a documentação clínica segundo o PE(2).

No entanto, ainda se observa ausência de estudos empíricos correlacionais que testem a capacidade de determinados fatores explicarem a documentação do PE nos serviços de saúde. Assim, o projeto "Processo de Enfermagem nos Hospitais e Ambulatórios da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo" (Projeto SAE-SES) buscou avançar na compreensão dos fatores envolvidos na sua implementação por meio da análise da documentação clínica de enfermagem.

Este artigo discorre sobre a justificativa e os métodos do Projeto SAE-SES.

Ressalta-se que, embora no Brasil não seja comum a publicação de artigos com o detalhamento de métodos, essa prática é importante no caso de projetos integrados de pesquisa para que a comunidade científica disponha de informações suficientes para apreciar a qualidade metodológica dos estudos deles resultantes, o que nem sempre é possível com a usual e necessária limitação do tamanho dos textos nos periódicos científicos.

A principal finalidade do Projeto SAE-SES é ampliar o contexto no qual têm sido considerados os fatores envolvidos na prática de enfermagem orientada pelo PE, instrumento fundamental para a clínica de enfermagem, pois oferece referências para as decisões fundamentais do cuidado(3).

O conceito de PE surgiu entre os educadores dos Estados Unidos da América, na década de 1950, como um instrumento para guiar os estudantes na aprendizagem de habilidades de pensamento crítico necessárias à prática de enfermagem(4). Os líderes de enfermagem passaram a incentivar sua utilização nos serviços de enfermagem por reconhecê-lo como instrumento útil para a aplicação das ideias de cuidado total ao indivíduo(4).

no Brasil, o PE foi introduzido na década de 1970, por Wanda de Aguiar Horta, para operacionalizar a enfermagem, concebida como a ciência que trata da assistência ao ser humano em suas necessidades humanas básicas(5). Com o uso no ensino e nos serviços de saúde, o PE acabou sendo denominado e reconhecido como Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), embora não se saiba exatamente a origem de tal designação. Em razão do uso intercambiável dessas duas expressões ser disseminado, neste projeto os termos Processo de Enfermagem e Sistematização da Assistência de Enfermagem são usados como sinônimos, apesar de terem sido diferenciados no dispositivo legal que rege a documentação do processo de enfermagem no país(1).

várias definições de PE que diferem nos aspectos que focalizam ou na ênfase que a eles atribuem. Neste estudo, é definido como instrumento que provê um guia sistematizado para o desenvolvimento de um estilo de pensamento que direciona os julgamentos clínicos necessários para o cuidado de enfermagem(4), bem como a sua documentação. O PE preconiza que a assistência de enfermagem seja pautada na avaliação do paciente, a qual fornece os dados para que os diagnósticos de enfermagem sejam identificados. Os diagnósticos, por sua vez, direcionam a definição de metas a serem alcançadas. Juntos, diagnósticos e metas, constituem as bases para selecionar as intervenções mais apropriadas à situação específica do paciente. Realizadas as intervenções, o alcance das metas deve ser avaliado e, dessa avaliação, retorna-se às fases precedentes, caso as metas não tenham sido alcançadas, ou novos diagnósticos tenham sido identificados(3).

O PE, na perspectiva adotada, é um instrumento para guiar decisões clínicas dos enfermeiros e, como tal, refere-se a aspectos cognitivos e intelectuais dos enfermeiros. No entanto, a documentação de enfermagem nos serviços de saúde, quando estruturada segundo o PE, permite estimar como o processo é operacionalizado pelos enfermeiros e, pelo menos em parte, a qualidade do cuidado de enfermagem oferecido. A análise da documentação do PE nos serviços de saúde configura uma forma de estudá-lo.

Em virtude dos inúmeros benefícios apresentados, o PE tem sido alvo de discussões e pesquisas como instrumento para o cuidado de enfermagem a ser ensinado, utilizado na clínica e no gerenciamento de enfermagem e a ser avaliado. Além de constituir registros técnicos, científicos, legais e éticos, e de fornecer às instituições de saúde registros importantes para fins de faturamento, a documentação do PE subsidia a auditoria das ações de enfermagem e, sobretudo, permite estimar a qualidade do atendimento prestado ao cliente (6). Os serviços de saúde que não documentavam o PE iniciaram projetos para atender à Resolução 358/2009 do COFEN(1). Mais ainda, a "implementação da SAE" foi considerada um ideal a ser alcançado, ainda que não fossem conhecidos os requisitos indispensáveis para tal objetivo. Essa situação tem mobilizado enfermeiros clínicos, gerentes e pesquisadores a assumir posturas mais ou menos favoráveis ao PE e à sua implementação.

A organização do trabalho envolve um acúmulo de funções administrativas exigidas pela demanda das instituições de saúde. Portanto, a análise da aplicabilidade do PE deve considerar o perfil, as demandas de atendimento dessas instituições, as características e complexidade do paciente e o capital humano disponível. Assim, a finalidade do Projeto SAE-SES foi avaliar quantitativamente a influência de aspectos relativos aos serviços e profissionais de enfermagem sobre o processo de implementação do PE. Compuseram seus objetivos: 1) descrever as características das unidades de serviço dos hospitais e ambulatórios e dos profissionais de enfermagem no âmbito da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo; 2) relacionar essas características com a documentação do PE. Foram utilizadas variáveis de recursos humanos, de características dos serviços e relacionadas a indicadores assistenciais para identificar fatores capazes de explicar a adequada documentação do PE.

MÉTODO O Projeto SAE-SES foi um estudo descritivo-exploratório multinível com obtenção de dados nos níveis da instituição, do setor ou unidade de serviço e dos profissionais de enfermagem.

Entre 2008 e 2010, a equipe de pesquisa idealizou, elaborou e encaminhou o projeto para agências de fomento com a finalidade de obter auxílio financeiro para sua realização. No período de um ano, janeiro de 2011 a janeiro 2012, os dados foram coletados segundo diretrizes determinadas pela equipe, constantes de um manual que trazia a definição conceitual e operacional das variáveis e os instrumentos para padronizar os procedimentos de coleta de dados.

A equipe de coletadores de dados, composta por enfermeiros, recebeu treinamento teórico de 12 horas, de modo a permitir a obtenção de dados fidedignos e consistentes. Um hospital de grande porte na capital de São Paulo constituiu campo para o projeto piloto, momento em que ocorreu o treinamento prático dos coletadores de dados, o que possibilitou à equipe o ajuste de instrumentos e procedimentos de coleta.

Optou-se por utilizar diversas fontes de dados: 1) o serviço de arquivo médico e estatística, para obter dados sobre a produtividade da instituição e dos setores; 2) a diretoria de enfermagem, para obter dados sobre quantitativo e qualitativo da equipe de enfermagem e indicadores de qualidade da assistência de enfermagem; 3) o serviço de educação continuada, com vistas à obtenção de dados sobre os aspectos históricos da implantação do processo de enfermagem; 4) enfermeiro em serviço no setor e observação de prontuários, para coletar dados sobre características operacionais da documentação do PE; e 5) enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem foram fontes para obtenção de dados sobre as características da equipe de enfermagem.

Cenário do estudo Estudo realizado nos ambulatórios e hospitais da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP). O reconhecimento de que a documentação do PE era necessária para melhorar a qualidade do cuidado de enfermagem resultou da implementação de indicadores de qualidade da assistência e de processos de acreditação institucional no âmbito das instituições sob administração direta da SES-SP. Uma vez que a implantação do PE pressupõe mudança lenta, dinâmica e gradual que diz respeito não apenas aos exercentes da enfermagem, mas também à gestão administrativa das instituições, a SES-SP nomeou a Comissão Central da SAE e estruturou o Projeto Tecendo a SAE. Tal projeto objetivou melhorar a qualidade da assistência à saúde prestada pela SES-SP nas unidades vinculadas à Coordenadoria de Serviços de Saúde, por meio da Implantação do Processo de Enfermagem e da Gestão para a Qualidade de Enfermagem em todas as suas Unidades de Saúde(7). A construção e implementação desse projeto estão relatadas em outra publicação(7).

Todos os ambulatórios e hospitais da SES/SP eram elegíveis e foram convidados a participar do estudo. A adoção do PE não representou critério de inclusão, pois era variável de estudo. Segundo dados da Coordenadoria de Serviços de Saúde, estavam sob sua coordenação, na época da coleta, sete ambulatórios especializados, seis unidades de saúde mental e 30 hospitais, localizados em várias regiões do estado de São Paulo.

O recrutamento das instituições para participação no estudo seguiu o seguinte fluxo: envio de carta ao Diretor Técnico de Departamento de cada hospital ou ambulatório solicitando os devidos encaminhamentos para manifestação de participação da instituição no estudo. Junto com a solicitação, enviou-se documento de resposta para ser preenchido pelo Diretor Técnico de Departamento com a sua manifestação de participação num prazo de 15 dias. Nos casos em que não houve retorno decorridos 20 dias, fez-se contato telefônico para identificar possíveis extravios de documentos ou outras razões para a ausência de resposta. Se necessário, os procedimentos de convite eram refeitos, aguardando-se mais 10 dias após o segundo envio de solicitação para a definição das instituições participantes. A ausência de resposta nesse prazo foi considerada como recusa em participar.

Integraram este estudo 27 hospitais, sete ambulatórios de especialidades e seis unidades de saúde mental, o que propiciou um fecundo cenário para a investigação das similaridades e diferenças do PE em cada contexto. A base para as análises foi a unidade de serviço ou setor. Uma vez que a definição de "unidade de serviço" é variável (ala, andar, setor etc.), estabeleceu-se, para este projeto, que "unidade de serviço" dentro de um ambulatório ou hospital seria definida pelas escalas mensais do serviço de enfermagem. Isto é, uma "unidade de serviço" de um ambulatório ou de um hospital é a área coberta pelas pessoas da enfermagem que compõem uma escala mensal para assistência ao paciente. Assim, o total de "unidades" foi igual ao número de escalas mensais de enfermagem destinadas ao atendimento dos pacientes no hospital ou ambulatório.

Todas as unidades de serviço onde ocorresse cuidado ao paciente e cuja instituição tivesse autorizado a participação no estudo constituíram locais de coleta de dados. Foi considerado que cada setor apresentaria especificidades em termos de especialidade atendida, perfil dos pacientes e dos profissionais de enfermagem que poderiam estar associados às características operacionais do PE.

Variáveis e instrumentos As variáveis e instrumentos estão descritos a seguir de acordo com o nível das variáveis. O nível institucional refere-se ao hospital ou ambulatório como um todo; o nível de unidades de serviço, às variáveis relativas a uma área de serviço definida pelo conjunto de profissionais de enfermagem organizados em escalas mensais de trabalho para atender a um determinado movimento de pacientes; o nível de profissionais de enfermagem compreende variáveis das pessoas que atuavam na unidade de serviço de uma instituição.

Nível institucional Além do nome, endereço e tipo da instituição foram obtidos dados para caracterizar o ambiente de trabalho da enfermagem. Algumas variáveis previstas como vinculadas aos setores acabaram sendo coletadas no nível da instituição pelas razões expostas na seção de coleta dos dados.

A opção por coletar esses dados decorre da influência do ambiente de trabalho dos hospitais na satisfação e rotatividade do pessoal de enfermagem ser bem documentada(8'9). Neste sentido, o cenário profissional de prática de enfermagem é compreendido como o sistema de apoio para o enfermeiro controlar a realização do cuidado de enfermagem e o ambiente em que ele é prestado. O PE, por sua vez, configura instrumento para a realização do cuidado de enfermagem e a sua implantação e manutenção requerem um local de trabalho adequado. No presente estudo, utilizou-se o Nursing Work Index - Revised (NWI-R)(8) para obter dados sobre as características do ambiente de trabalho, pois havia interesse em estudar as associações desses atributos com a operacionalização do PE.

O NWI-R, traduzido e validado no Brasil em 2008(10), é composto por 57 itens, dos quais 15 foram distribuídos, de forma conceitual, em três subescalas: autonomia, controle sobre o ambiente e relações entre médicos e enfermeiros.

Desses 15 itens, dez foram agrupados para compor a quarta subescala: suporte organizacional(8). Cada item é respondido usando uma escala tipo Likert que pode variar entre um e quatro pontos. Quanto menor a pontuação, maior a presença de atributos favoráveis à prática profissional do enfermeiro(10). Os escores das subescalas são obtidos pela média dos escores das respostas dos sujeitos e podem variar entre um e quatro pontos(8). Em estudo brasileiro realizado em unidades de terapia intensiva(11), a versão brasileira do NWI- R apresentou os seguintes coeficientes de consistência interna (alfa de Cronbach): subescala de autonomia - 0,645; subescala de controle sobre o ambiente - 0,732; subescala de relações entre médicos e enfermeiros -0,702; e subescala de suporte organizacional - 0,748.

Nível de unidades de serviço As variáveis sobre a documentação do PE, coletadas por unidades de serviço das instituições, foram: documentação da avaliação inicial (histórico), dos diagnósticos, da prescrição e da evolução do paciente. Considerando que a anotação é uma prática clássica de documentação em enfermagem, especialmente quando não se documenta o PE de forma estruturada, ela foi incluída como uma variável no conjunto de dados sobre o PE. Investigou-se frequência, local, suporte e responsável pela realização da documentação de cada fase.

Além dos dados para descrever a operacionalização do PE no nível das unidades de serviço, outros foram coletados: a) caracterização geral da unidade de serviço; b) produtividade e indicadores de qualidade; e c) quantitativo de pessoal de enfermagem. Optou-se por caracterizar os setores segundo o tipo de especialidade atendida (pediatria, psiquiatria, clínica geral etc.); tipo de estrutura física (centro cirúrgico, pronto-socorro, unidade de terapia intensiva etc.); instalações disponíveis para o serviço (número de leitos, quantidade de consultórios e de salas de operação etc.); e quanto ao grau de dependência estimado dos pacientes típicos da unidade. Em termos de produtividade e indicadores de qualidade, houve coleta de dados sobre movimento dos pacientes (admissões, transferências, altas, óbitos); procedimentos realizados (consultas, partos, cirurgias, exames etc.); taxas de infecção, de úlcera por pressão, flebite e não conformidade medicamentosa). Obteve-se quantitativo de pessoal de enfermagem em termos de número de auxiliares e enfermeiros por plantão de 6 horas e 12 horas. Computou-se o número de plantões de 6 e 12 horas a serem realizados por mês e, após, o de leitos ativos em cada setor/unidade. Os dados de quantitativo de pessoal, de produtividade e de indicadores de qualidade referiram-se a três meses alternados anteriores à coleta de dados. Adotou-se tal estratégia com vistas a reduzir o efeito da sazonalidade nos dados obtidos. Por exemplo, se a coleta ocorreu no mês de julho de 2010 em um determinado hospital, os dados de produtividade e indicadores foram coletados para os meses de junho, abril e fevereiro de 2010, calculando-se as médias mensais dos valores de cada variável.

Nível de profissionais de enfermagem Os profissionais de enfermagem responderam a instrumentos padronizados para a avaliação das variáveis a eles relacionadas, a fim de conhecer características da força de trabalho em enfermagem.

Os seguintes instrumentos foram respondidos pelos profissionais: Posições sobre o Processo de Enfermagem, Power as Knowing Participation in Change Tool, Índice de Qualidade de Vida no trabalho para Enfermeiros, Escala de Estresse no Trabalho e Maslach Burnout Index.

Posições sobre o Processo de Enfermagem: o instrumento refere-se a atitudes mais ou menos favoráveis ao PE. Os enfermeiros que têm atitudes mais favoráveis ao PE provavelmente terão mais facilidade para envolver-se nas mudanças requeridas para implantar e manter a SAE, e aqueles que apresentam atitudes mais desfavoráveis terão, provavelmente, mais dificuldade. Mensurou-se essa variável por meio do instrumento padronizado Posições sobre o Processo de Enfermagem(12). O instrumento, uma adaptação do Positions on Nursing Diagnosis,é composto por 20 duplas de adjetivos, sendo que um dos adjetivos de cada dupla representa uma disposição favorável ao conceito e, o outro, a desfavorável(12). Cada dupla é separada por sete pontos equidistantes e o respondente deve marcar um deles de acordo com a proximidade de sua disposição com um dos adjetivos de cada dupla. A pontuação total no instrumento varia entre 20 e 140, e quanto maior, mais favorável a atitude frente ao PE. No estudo em que o desenvolvimento do instrumento Posições sobre o Processo de Enfermagem foi realizado(12), as estimativas de consistência interna (alfa de Chronbach) resultaram adequadas: para a amostra total de 1.489 auxiliares e enfermeiros foi 0,95; para a subamostra de 889 auxiliares alcançou 0,96; e para a subamostra de 600 enfermeiros totalizou 0,95(12).

Power as Knowing Participation in Change Tool. A percepção da enfermagem quanto ao seu próprio poder tem sido analisada por vários referenciais teóricos (13,14). duas perspectivas antagônicas nos estudos sobre o poder. Numa delas, ele é tratado como elemento de dominação de outras pessoas - 'o poder sobre' algo ou alguém; na outra, como elemento necessário à participação nas mudanças nos ambientes de vida - 'o poder para' fazer algo, para participar das mudanças. Na perspectiva do 'poder para', estudo verificou diferença de conhecimento, envolvimento com o cuidado, entre outras variáveis, de enfermeiros que se percebiam com mais ou menos poder(13). Na outra perspectiva, a do 'poder sobre', a análise do discurso de enfermeiros de unidades de internação clínica e cirúrgica identificou o conhecimento científico como valor e meio de obter segurança no agir e assegurar o poder(15).

Neste estudo, intenciona-se conhecer a percepção de poder que a enfermagem tem em relação às mudanças, admitindo-se que tal percepção pode se associar às atitudes e aos comportamentos relativos à operacionalização do PE. O poder, neste estudo, foi definido como a capacidade de participar intencionalmente da natureza das mudanças(14). Envolve a consciência que a pessoa tem do contexto em que se insere (Consciência), a percepção sobre o modo como ela faz suas escolhas (Escolhas); a percepção sobre a liberdade que tem para agir intencionalmente (Liberdade) e sobre o seu envolvimento na criação de mudanças (Envolvimento)(14). Poder como participação intencional é estar cônscio do que se escolhe fazer, sentir-se livre para fazer o que se escolhe, fazer intencionalmente o que se escolheu e envolver-se na criação de mudanças(14).

A percepção de poder pôde ser avaliada por meio do instrumento Power as Knowing Participation in Change Tool (PKPCT)(14), o qual usa a técnica do diferencial semântico para medir o significado dos indicadores operacionais de poder: consciência, escolhas, liberdade para agir intencionalmente e envolvimento na criação de mudanças. O PKPCT tem as mesmas 12 duplas de adjetivos aplicadas aos quatro indicadores operacionais de poder, totalizando 48 itens que podem variar de 1 a 7 pontos(14). A décima terceira dupla de adjetivos de cada subescala é a repetição invertida de uma dupla de adjetivos para testar a confiabilidade das respostas e não é pontuada no escore total(14). O escore total do PKPCT pode variar de 48 a 336 e não ponto de corte: quanto maior a pontuação, maior a percepção de poder(16). A confiabilidade nos 48 itens, verificada pelo alfa de Cronbach, variou de 0,88 (primeira aplicação) a 0,98 (segunda aplicação) em um estudo do tipo "antes e depois" envolvendo 60 enfermeiros brasileiros(16).

Índice de Qualidade de Vida no trabalho para Enfermeiros - versão reduzida.

Neste estudo, a qualidade de vida no trabalho é definida como percepção de satisfação dos enfermeiros com aspectos do trabalho por eles considerados importantes(17). Essa variável foi escolhida com base no pressuposto de que quanto melhor a qualidade de vida no trabalho percebida pelos profissionais de enfermagem, melhor é também a disposição para mudanças, como a implementação do PE. Investigou-se a qualidade de vida no trabalho por meio do instrumento Índice de Qualidade de Vida no trabalho para Enfermeiros (IQVT)(17). O IQVT é composto por 31 itens distribuídos em quatro domínios: valorização e reconhecimento institucional; condições de trabalho, segurança e remuneração; identidade e imagem profissional e integração com a equipe(17). A medida no IQVT fundamenta-se nos graus de satisfação e de importância percebidos pelos enfermeiros(17). Cada item é pontuado em duas escalas do tipo Likert.

A primeira, que mensura a satisfação, pode variar de um, muito insatisfeito, a cinco, muito satisfeito. A segunda escala mensura a importância e pode variar de um, nada importante, a cinco, muito importante. O instrumento apresenta uma questão geral sobre qualidade de vida que não entra no cálculo do escore total do instrumento(17). Para o cálculo do escore em cada domínio, deve-se inicialmente recodificar a pontuação dos itens de satisfação. Para tanto, deve- se subtrair o valor três dos escores atribuídos a cada um dos cinco níveis de satisfação e, assim, obter os valores -2, -1, 0, +1 e +2. Em seguida, os escores recodificados são multiplicados pelos valores atribuídos na escala de importância. O escore total é obtido somando-se os valores dos itens de cada domínio e dividindo-se pelo número de itens respondidos. Com a finalidade de eliminar pontuações negativas, soma-se 10 aos valores obtidos, assim a pontuação no domínio pode variar de 0 a 20. Valores mais altos indicam melhor qualidade de vida no trabalho(17). Em estudo com 348 enfermeiros, o IQVT apresentou alfa deCronbach de 0,94 para o total de itens e de 0,77 a 0,92 para os domínios(17).

Escala de Estresse no Trabalho. O estresse ocupacional, objeto de muitas investigações, pode ser abordado do ponto de vista dos estressores organizacionais, das respostas dos indivíduos a esses estressores ou dos diversos aspectos envolvidos no processo estressor-resposta(18). Sob a perspectiva do estressor-resposta, pode ser entendido como um processo em que o indivíduo avalia as demandas do trabalho como estressores que excedem suas habilidades de enfrentamento e resultam em reações negativas (18). O estresse ocupacional foi avaliado por meio da versão reduzida da Escala de Estresse no Trabalho, composta por 13 itens, cujas respostas podem variar de um, discordo totalmente, a cinco pontos, concordo totalmente; quanto maior a pontuação, maior o estresse apresentado(18). O instrumento consiste em uma medida geral de estresse, cujos itens abordam estressores diversos e reações emocionais constantemente associadas aos mesmos(18). No estudo de desenvolvimento, a escala apresentou adequadas estimativas de validade e confiabilidade de 0,85, avaliada pelo alfa de Cronbach(18).

Maslach Burnout Inventory. O esgotamento profissional da enfermagem, também conhecido por burnout, parece estar envolvido nos fatores do trabalho que contribuem para os resultados dos pacientes(19). Estudos brasileiros e internacionais apontam que os membros da equipe de enfermagem são especialmente susceptíveis ao esgotamento profissional devido ao conteúdo e contexto próprios dos trabalhos que realizam(8-20). O esgotamento profissional foi introduzido neste projeto por estar possivelmente associado a resultados das mudanças nos serviços de saúde como a implantação do PE. Avaliou-se o burnout por meio do instrumento Maslach Burnout Inventory (MBI) que contém 22 itens distribuídos em três domínios: exaustão emocional, diminuição da realização pessoal e despersonalização. A soma das respostas dos sujeitos determina a variação de cada domínio: nove a 45 pontos para exaustão emocional, entre cinco e 25 para a despersonalização e entre oito e 40 para a realização pessoal(21). Nos domínios exaustão e despersonalização, quanto maior a pontuação, maior o sentimento de exaustão emocional e despersonalização percebido pelo enfermeiro. Em relação ao domínio diminuição da realização pessoal, maiores pontuações retratam maior realização profissional(21).

No presente estudo foram utilizadas 5 categorias de resposta (nunca, raramente, algumas vezes, frequentemente, sempre), o que difere do instrumento original com 7 categorias de resposta. A opção por 5 categorias decorre da observação de que amostra brasileira apresentou dificuldades de discriminar entre as categorias de resposta do instrumento original(22). Estudo que realizou avaliação das propriedades psicométricas do MBI relatadas em estudo empírico identificou alfa deCronbach de 0,71 a 0,88 para os domínios(23).

Coleta dos dados A Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo dispõe de sistema integrado de dados gerenciado pelo Núcleo de Informação Hospitalar (NIH), responsável por captar informações assistenciais e administrativas das unidades de administração direta da SES/SP. Testes para verificar a viabilidade de coletar dados de produtividade dos serviços diretamente do sistema de informação não tiveram sucesso, especialmente porque os registros eram armazenados segundo especialidades médicas e, por estarem consolidados nessa estrutura, não havia como desentranhá-los segundo unidades de serviço por instituição, que foi o recorte necessário para o estudo. Quanto aos recursos humanos, as solicitações de informações por instituição na administração da SES/SP foram infrutíferas.

Por essas razões, todos os dados foram coletados localmente por assistentes de pesquisa remunerados, os quais receberam treinamento para o estudo e foram supervisionados presencialmente por pelo menos um pesquisador, que se responsabilizou pelo gerenciamento da coleta e pela qualidade do material obtido. Puderam atuar como assistentes de pesquisa estudantes de graduação de enfermagem ou enfermeiros com experiência em PE.

As estimativas de tempo e número de equipes necessárias para a coleta dos dados basearam-se na localização das instituições elegíveis e previsão do número de setores existentes em cada uma, pois, até então, tais dados eram inexistentes.

Ambulatórios e hospitais da Coordenadoria de Serviços de Saúde/SES de São Paulo foram agrupados em cinco regiões, segundo a localização no estado de São Paulo.

A Região 1 referia-se a instituições sediadas na capital do estado; a Região 2 era composta pelas instituições em municípios nos arredores da capital; a Região 3 reunia os municípios de Itu, Sorocaba e Botucatu; a Região 4, Ribeirão Preto, Américo Brasiliense, Santa Rita do Passaquatro e Casa Branca; e a Região 5 representava as instituições nos municípios de Presidente Prudente, Mirandópolis, Promissão, Lins e Assis.

Agendou-se a coleta de dados em cada instituição cujo Diretor Técnico autorizou a participação no estudo, e realizou-se contato telefônico com as responsáveis técnicas pela enfermagem, explicando a finalidade do estudo e os procedimentos de coleta dos dados. Os instrumentos de coleta foram enviados previamente por e-mail, com a expectativa de que os dados a serem fornecidos pelos serviços de informações (movimento de pacientes e produtividade) de cada instituição estivessem disponíveis no dia da coleta de dados. No entanto, a ausência de definições padronizadas das variáveis e a falta de padronização na metodologia de coleta e armazenamento dos dados entre as instituições, bem como variações nas unidades de análise em que os dados eram consolidados, exigiram que o coletador fizesse contato com o setor de informações de cada instituição para obter tais dados de cada unidade de serviço. Os dados de grande parte das variáveis previstas estavam consolidados para a instituição sem, no entanto, que se conseguisse recuperá-los por setor/unidade. Por essa razão, muitas das análises previstas para o nível do setor puderam ser realizadas para o nível de instituição.

Os pesquisadores solicitaram as escalas de enfermagem e contaram os números de profissionais em cada categoria, identificando aqueles que estavam de férias e licença. O expediente da Diretoria de Enfermagem forneceu dados sobre os indicadores de qualidade da assistência de enfermagem e cada unidade de serviço foi visitada. O enfermeiro assistencial que estava de plantão aceitou conceder entrevista, forneceu dados sobre as características operacionais do PE, por meio de respostas a perguntas fechadas e abertas, e indicou o prontuário de um paciente típico internado no momento da coleta para ser avaliado. O prontuário indicado foi observado para variáveis previamente definidas sobre a documentação do PE. Os enfermeiros assistenciais e gerentes foram convidados a responder ao questionário Nursing Work Index - Revised (NWI-R) com o objetivo de obter dados sobre as características do ambiente de trabalho. Os profissionais de enfermagem que estavam de plantão no dia da coleta receberam informações sobre os objetivos do estudo e foram convidados a responder aos questionários Posições sobre o Processo de Enfermagem, Power as Knowing Participation in Change Tool, Índice de Qualidade de Vida no trabalho para Enfermeiros, Escala de Estresse e Maslach Burnout Index.

A dinâmica da coleta de dados mostrou-se flexível o suficiente para garantir a qualidade dos dados e causar o menor impacto na rotina de enfermagem da instituição.

Aspectos éticos Após submissão do projeto ao Comitê de Ética da Escola de Enfermagem da USP, obteve-se autorização da Coordenadoria de Serviços de Saúde - SES/SP para realizá-lo. Os possíveis participantes foram esclarecidos sobre o estudo e seus procedimentos e aqueles que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido específico para cada tipo de participação.

Análise de dados Optou-se por construir bancos de dados separados para informações institucionais, dos setores e relativas aos profissionais de enfermagem, mantendo-se, em cada nível, aquelas correspondentes ao nível imediatamente superior, de forma que pudessem ser integradas em qualquer dos três níveis.

Realizou-se análise preliminar para testar a consistência dos dados, identificar valores extremos ou erros de digitação. A base de dados deste projeto contém informações no nível institucional (hospital ou ambulatório), no nível de unidade de serviço de cada hospital ou ambulatório participante e no nível do pessoal de enfermagem (enfermeiros e auxiliares de enfermagem).

Estão em andamento análises descritivas das variáveis envolvidas. Para as análises inferenciais ou explanatórias, em que a documentação do PE é a variável dependente no nível de unidade de serviço, ela será considerada dicotômica (completa ou incompleta), aplicando-se a seguinte regra: completa se houver documentação da avaliação do paciente/usuário, diagnóstico de enfermagem, prescrição de enfermagem e evolução de enfermagem; incompleta se faltar a documentação de uma ou mais fases do PE. Nos casos das análises em que o PE for variável dependente no nível de instituição, ela será tratada como contínua, e calculada como a proporção de completude da documentação do PE, dividindo-se o número total de fases documentadas em todos os setores/unidades por quatro vezes o número de unidades de serviço da instituição. O resultado obtido deve, então, ser multiplicado por 100. a multiplicação por quatro do total de setores/unidades da instituição visa obter o número máximo possível de fases documentadas na instituição como um todo (avaliação, diagnóstico, prescrição e evolução).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados obtidos deste estudo servirão para análises do ponto de vista científico e político. Científico porque oferecerão evidências empíricas sobre as variáveis envolvidas com a documentação do processo de enfermagem. Essas evidências poderão confirmar ou refutar as avaliações qualitativas sobre as relações entre variáveis de pessoal e a implementação do PE, além de ampliar a perspectiva de análise para variáveis mais amplas, como o ambiente organizacional. No entanto, é importante estar atento ao fato da documentação do PE ser apenas uma extrapolação de sua implementação nos serviços. A ideia de que o PE é um instrumento que provê um guia sistematizado para o desenvolvimento de um estilo de pensamento que direciona os julgamentos clínicos necessários para o cuidado de enfermagem(6) o torna intangível em sua própria natureza; assim, a avaliação da documentação do PE provê medida apenas indireta do grau de implementação do PE nos serviços de saúde.

Do ponto de vista político, os resultados deste estudo podem informar os órgãos de fiscalização profissional e de acreditação de serviços sobre as exigências ou padrões de qualidade pautados na documentação do PE. A identificação das variáveis que explicam o grau de documentação do PE poderá nortear a definição de estratégias e políticas capazes de promover as condições necessárias para a boa documentação.

Ter o PE implementado e documentado em todos os encontros do usuário ou paciente com a enfermagem é um ideal que tem desafiado a profissão e a disciplina de enfermagem. No entanto, ter uma boa documentação do PE não garante os melhores resultados de saúde possíveis aos pacientes/usuários que recebem os cuidados de enfermagem. Para a pesquisa, permanece o desafio de responder à questão: qual o impacto da implementação do PE nos resultados de saúde dos pacientes? Como citar este artigo: Cruz DALM, Guedes ES, Santos MA, Sousa RMC, Turrini RNT, Maia MM, Araújo SAN. Nursing process documentation: rationale and methods of analytical study. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016;69(1):183-9.


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