Comunidades quilombolas de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil: autoavaliação
de saúde e fatores associados
Introdução
A autoavaliação da saúde é um indicador complexo do estado de saúde do
indivíduo que possui como atributo a capacidade de uma avaliação global, uma
vez que traz consigo a apreensão tanto de aspectos objetivos quanto subjetivos
da saúde 1,2. Passou a ser incorporado às pesquisas sobre condições de saúde
populacionais há pouco mais de três décadas, respaldado por estudos que
demonstraram sua robusta associação com a mortalidade, morbidade, limitação
funcional, qualidade de vida e uso dos serviços de saúde 2,3,4,5,6. É um
conceito subjetivo que embora esteja fortemente relacionado a medidas
biológicas objetivas é mediado por experiências psicossociais e pelos contextos
sociais e culturais. Pode ser entendido como resultante de processo cognitivo,
frequentemente intuitivo, que envolve processamento das informações,
interpretação de significados e seleção.
Jylhä 3 propôs um modelo teórico para o processo de autoavaliação que envolve
três estágios. No primeiro, a pessoa reconhece o significado de saúde e
identifica quais os componentes relevantes para avaliar o seu estado de saúde;
no segundo, avalia a importância de cada um destes componentes; por fim, decide
qual dos níveis da escala predefinida melhor resume a sua situação.
No Brasil, os Suplementos de Saúde, incluídos nos anos 1998, 2003 e 2008 na
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios(PNAD), são importantes fontes de
informação sobre a autoavaliação do estado de saúde 5. Resultados da PNAD 2008
informam a prevalência global de 3,8% para a autoavaliação de estado de saúde
“ruim ou muito ruim”, variando de 4,6% na Região Nordeste a 3,3% na Sudeste 5.
Verifica-se variabilidade por situação de residência, com maior percentual de
avaliação negativa na zona rural tanto no país como um todo quanto no Estado da
Bahia (Ministério da Saúde. PROADESS: Avaliação do Desempenho do Sistema de
Saúde. http://www.proadess.icict.fiocruz.br, acessado em 25/Jul/2012).
Estudos de base populacional conduzidos nos últimos anos no país verificaram
associação entre a autoavaliação da saúde e fatores sociodemográficos, medidas
objetivas de saúde, fatores comportamentais e psicossociais. Foi observado que
a saúde tende a ser pior avaliada entre mulheres, idosos, pessoas com piores
condições de saúde, com menor acesso ao serviço de saúde, de menor
escolaridade, menor renda, com hábitos de vida não saudáveis e com pouco
suporte social 7,8,9,10. Internacionalmente, fatores como pertencimento a
minorias étnicas e raciais, falta de apoio social, ser imigrante, entre outros,
têm sido relacionados à pior autoavaliação de saúde 11,12,13,14. Além disso,
constatou-se diferença entre os sexos com relação à importância atribuída aos
fatores, sendo os psicossociais mais importantes para as mulheres e os
comportamentais para os homens 15.
No Brasil, país com o maior contingente de população negra fora da África 16, é
recente o esforço no sentido de compreender os determinantes sociais de saúde
priorizando a população negra. Diferentes estudos expuseram a situação de
marginalização socioeconômica e a precariedade das condições de vida e de saúde
desse contingente populacional: sobrerrepresentação nos índices de pobreza,
menor expectativa de vida ao nascer, menor acesso aos serviços de saúde, maior
mortalidade infantil e materna, pior percepção do estado de saúde em comparação
com a população branca 16,17,18,19,20. Diferentemente de outros países, por
exemplo, os Estados Unidos, são ainda raras as publicações nacionais que buscam
a interconexão étnico- racial e iniquidades em saúde 21,22. Entre as
dificuldades para a incorporação do recorte étnico- racial na área da saúde,
estão as questões de ordem teórico-metodológicas envolvendo definições e
operacionalização dos conceitos etnia, raça e de suas classificações
21,22,23,24. No tocante às desigualdades étnico-raciais, a situação dos
quilombolas merece destaque por se tratar de um grupo em situação de
vulnerabilidade social, decorrente de um processo histórico de resistência à
escravidão e invisibilidade política e social, do pós-abolicionismo ao
reconhecimento na Constituição Federal de 1988, cujo reflexo está expresso em
piores indicadores sociais e de saúde 19,25.
Entende-se por remanescentes de quilombos o que está no Decreto Federal
no4.887/2003 26: “Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, os
grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória
histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção
de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica
sofrida”.
Pensar a situação de saúde da população quilombola é, também, considerar a
localização das comunidades que, situadas geralmente em áreas rurais,
apresentam um relativo isolamento geográfico, aumentando o grau de exposição
desta população às iniquidades em saúde e dificultando o acesso aos serviços de
saúde 17,19,27.
Apesar de fazermos referência à “população quilombola”, é importante ressaltar
a necessidade de investigações conduzidas no sentido de buscar as
especificidades dos diferentes quilombos existentes no país, pois estes guardam
entre si diferenças não só geográficas como também relacionadas às trajetórias
históricas próprias 22.
Políticas públicas têm sido propostas no país com o intuito de articular ações
intersetoriais visando a reduzir a vulnerabilidade social em comunidades
remanescentes de quilombos 27. No entanto, a efetividade dessas ações carece de
estudos demográficos e epidemiológicos que as subsidiem 18.
Estudos envolvendo populações quilombolas foram conduzidos em diferentes
estados do país e identificaram precárias condições socioeconômicas e presença
de diversos agravos à saúde 17,18,19,27. Não foram encontrados trabalhos que
caracterizem a situação de saúde da população de remanescentes de quilombos do
Município de Vitória da Conquista, Bahia. Considerando que por meio da
autoavaliação do estado de saúde é possível identificar necessidades de saúde
de uma população 5,10,11, acredita-se que este estudo possa contribuir para a
construção de um corpo de conhecimento sobre as condições de saúde dessa
população em particular.
Este trabalho teve como objetivo estimar a prevalência de autoavaliação ruim/
muito ruim nessa população e verificar os fatores demográficos, sociais,
comportamentais e psicossociais associados à autoavaliação de saúde,
estratificada por sexo.
Metodologia
Desenho do estudo e coleta de dados
Estudo transversal realizado em comunidades quilombolas certificadas pela
Fundação Cultural Palmares 27, localizadas no Município de Vitória da
Conquista, no período de setembro a outubro de 2011. Parte integrante do
projeto de pesquisa COMQUISTA: Comunidades Quilombolas de Vitória da Conquista
– BA. Avaliação de Saúde e seus Condicionantes, realizado pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O Município de Vitória da Conquista está localizado na região econômica do
Sudoeste da Bahia, possui a 5a maior economia do estado, com participação de
2,29% no Produto Interno Bruto (PIB) estadual. A população total é de 315.884
habitantes, sendo 10% rural. Quanto à cor, 9,8% dos habitantes são
classificados como pretos e 55,2% como pardos (Prefeitura Municipal de Vitória
da Conquista. Descrição da População de Vitória da Conquista. http://
www.pmvcba.gov.br/v2/dados-estatisticos, acessado em 05/Abr/2013). Possui 25
comunidades remanescentes de quilombos certificadas pela Fundação Cultural
Palmares, localizadas na área rural do município e concentradas em cinco dos 11
distritos da região, distantes, em média, 31,2Km da sede do município. Suas
origens remontam à permanência de escravos negros na região após a falência de
empreendimentos agrícolas 25. Participaram da pesquisa cinco comunidades que
atenderam aos critérios de inclusão: certificação pela Fundação Cultural
Palmares e contar com pelo menos cinquenta famílias cadastradas.
A população de referência do trabalho consistiu de indivíduos com idade igual
ou superior a 18 anos, residentes nas comunidades quilombolas incluídas no
estudo, sendo estimada em 2.935 indivíduos. A amostragem foi feita em dois
estágios: foi selecionada uma comunidade em cada distrito, e nas comunidades
selecionadas foram escolhidos os domicílios. Todos os indivíduos com 18 anos ou
mais residentes nos domicílios escolhidos foram convidados a participar da
pesquisa.
O cálculo do tamanho amostral baseou-se nos seguintes parâmetros: prevalência
de 50%, precisão de 5%, intervalo de 95% de confiança (IC95%) e efeito de
desenho igual a 2, perfazendo um total de 680 indivíduos. A esse valor
acrescentou-se 30% para compensar as perdas, totalizando uma amostra de 884
indivíduos.
Neste estudo, foram excluídas as mulheres em período gestacional, por ser este
período dotado de especificidades que podem alterar a autoavaliação do estado
de saúde e sua associação com as variáveis explicativas, e os indivíduos para
os quais as informações foram relatadas por informantes secundários,
considerando que as informações autorrelatadas refletem melhor a condição de
saúde do indivíduo do que as relatadas por informantes 28.
Os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais, realizadas por
entrevistadores treinados pela equipe coordenadora do projeto. O instrumento de
entrevistas utilizado foi uma versão adaptada para este trabalho do
questionário semiestruturado da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS). Detalhes
sobre o desenho do estudo e coleta dos dados podem ser obtidos em Bezerra et
al. 29.
Variáveis estudadas
A autoavaliação da saúde, variável de desfecho, foi obtida por meio da
pergunta: “Em geral, como o(a) sr(a) avalia a sua saúde?”, com as respostas em
escala de cinco categorias (muito boa, boa, regular, ruim e muito ruim). Para a
análise, as respostas foram categorizadas em três níveis: muito boa/boa,
regular e ruim/muito ruim.
As variáveis explicativas incluídas neste estudo foram: (1) sociodemográficas –
condição de quilombola autorreferida (sim, não); cor autorreferida (preta,
parda e outra, incluindo brancos, amarelos e indígenas); sexo (masculino,
feminino); idade em grupo etário (18-29, 30-39, 40-49, 40-59, 60 e mais);
escolaridade em anos completos de estudos agrupados (0, 1-3, 4-7, 8 e mais);
situação conjugal [com companheiro(a), sem companheiro(a)]; possuir fonte de
renda (sim, não); (2) hábitos relacionados à saúde – prática de atividade
física (sim, não); tabagismo (nunca fumou, ex-fumante, fumante); consumo de
álcool (nenhum, moderado, excessivo); consumo de frutas e verduras
(satisfatório, insatisfatório); (3) situação de saúde – estado nutricional
medido pelo índice de massa corporal (IMC) obtido com base no peso e altura
aferidos e classificado em baixo peso (IMC < 18,5kg/m2), peso adequado (18,5 ≤
IMC < 25kg/m2), sobrepeso (25 ≤ IMC < 30kg/m2), obeso (IMC ≥ 30kg/m2);
limitação nas atividades da vida diária (nenhuma, uma, duas, três ou mais);
“sentir-se deprimido nos últimos 15 dias” (alguma vez, nunca), número de
doenças crônicas (nenhuma, uma, duas, três ou mais), ter sofrido acidentes ou
ferimentos nos últimos 12 meses (sim, não); (4) acesso a serviço de saúde –
avaliado pela realização de consulta médica nos últimos 12 meses (sim, não);
(5) apoio social (menor apoio, maior apoio); e (6) contexto domiciliar (piores
condições, melhores condições).
Os indígenas foram incorporados na categoria “outra”, juntamente com os brancos
e amarelos, devido à sua pequena participação na amostra (n = 20, 2,68%) e por
apresentarem perfil de autoavaliação em saúde semelhante aos demais componentes
do agrupamento, intermediário entre brancos e amarelos. O padrão de consumo de
álcool foi construído utilizando- se as informações de número de doses diárias
e números de dias da semana em que havia consumo, gerando o consumo semanal.
Esse foi classificado em consumo excessivo se maior que dez doses para mulher e
15 doses para homens, ou o consumo de cinco ou mais doses em uma única ocasião
por homens ou quatro ou mais por mulheres, pelo menos uma vez nas últimas duas
semanas. Para o consumo de sucos, frutas, legumes e verduras considerou-se o
número de dias na semana em que consumiu pelo menos uma porção destes
alimentos. Foi considerado satisfatório se ≥ 5 dias. O número de doenças
crônicas foi construído baseando-se nas informações autorreferidas do
diagnóstico médico de 12 doenças crônicas (hipertensão arterial, diabetes,
hipercolesterolemia, doença cardíaca, acidente vascular cerebral, asma ou
bronquite, depressão, outra doença mental, doença pulmonar, artrite, problema
na coluna e osteoporose. Não se considerou presença de hipertensão arterial ou
diabetes exclusivamente durante gravidez). A variável acidentes e ferimentos
foi construída com base nas respostas positivas para as questões: acidentes de
trânsito, acidentes exceto de trânsito e violência física ou agressões que
tenham resultado em lesões corporais nos últimos 12 meses.
O apoio social foi avaliado valendo-se das informações sobre familiares ou
parentes com quem se sente à vontade e pode falar sobre quase tudo (um ou mais,
nenhum); amigo(s) com quem se sente à vontade e pode falar sobre quase tudo (um
ou mais, nenhum); frequência a grupos para atividades esportivas e/ou
artísticas (muito frequente/frequente, raramente/nunca); frequência a reuniões
de associação de moradores ou funcionários, sindicatos ou partidos, centros
acadêmicos ou similares (muito frequente/frequente, raramente/nunca);
frequência a cultos religiosos (muito frequente/frequente, raramente/nunca);
realização de trabalhos voluntários (sim, não). Para cada uma das variáveis
criou-se um indicador de participação/apoio. Com base nesses indicadores foi
criado um escore de apoio social utilizando-se a técnica de análise fatorial,
considerando como entrada a matriz de correlação tetracórica dos indicadores. O
escore foi posteriormente categorizado pelo valor da mediana, em alto e baixo.
O contexto domiciliar foi avaliado por meio do tipo de abastecimento de água
(rede geral/poço/cisterna, tanque/açude/aguada/outro); disponibilidade de rede
elétrica (sim, não); destino do lixo (queimado/enterrado, jogado no rio/
terreno/outro); material utilizado na construção da moradia (alvenaria/madeira
aparada, taipa/barro/adobe/outros) e foi elaborado de maneira similar ao apoio
social.
Análise estatística
Inicialmente, foi feita uma análise descritiva dos dados e estimada a
prevalência em cada uma das categorias da autoavaliação do estado de saúde para
a amostra total e estratificada por sexo, com os respectivos IC95%. Procedeu-se
a análise de associação da variável resposta com cada variável explicativa,
ajustando por sexo e idade, utilizando-se o modelo logístico ordinal – modelo
de chances proporcionais (MCP) 30. Variáveis significativas no nível de 20%
foram selecionadas para inclusão no modelo final. No modelo final, ajustado por
idade e sexo, permaneceram aquelas que apresentaram significância no nível de
5%. O modelo foi testado com relação à suposição de proporcionalidade das
chances. Para as variáveis nas quais a suposição não foi verificada, a
suposição foi relaxada com a adoção do modelo de chances proporcionais parciais
(MCPP) 30. A comparação entre modelos foi feita pelo teste da razão de
verossimilhança e o ajuste do modelo final foi avaliado pelo teste de Hosmer
& Lemeshow.
Todas as análises foram realizadas com o auxílio do programa Stata, versão 12.0
(Stata Corp., College Station, Estados Unidos).
Questões éticas
O projeto foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Faculdade São
Francisco de Barreira (CAAE 0118.0.066.000-10) e da UFMG (CAAE 0118.0.066.203-
10).
Resultados
Foram visitados 422 domicílios e identificados 943 indivíduos elegíveis para o
estudo; 797 participaram da pesquisa. A perda de 146 indivíduos (13,3%) deveu-
se ao não encontro após três visitas ao domicílio ou recusa. Essas são
referentes majoritariamente a indivíduos do sexo masculino (n = 113, 77,4%) e
na faixa etária de 18 a 34 anos (n = 95, 65,2%). Para avaliar o efeito das
perdas sobre as estimativas foi efetuada análise ponderada utilizando-se peso
pós-estratificação e os resultados não diferiram da análise não ponderada.
Optou-se por apresentar os resultados não ponderados.
Dos 797 indivíduos que concordaram em participar da pesquisa, foram excluídos
36 informantes secundários (4,5%), 11 gestantes (1,4%) e 3 (0,4%) participantes
que não responderam à questão relativa à autoavaliação de saúde, resultando em
uma amostra de 747 indivíduos.
A distribuição da autoavaliação da saúde é apresentada na Figura_1, para a
amostra total e segundo os sexos, com os respectivos IC95%. Homens e mulheres
não diferiram significativamente com relação à distribuição. Na amostra total,
a prevalência de autoavaliação da saúde ruim/muito ruim foi de 12,5% (IC95%:
10,1%; 14,8%). Homens apresentaram prevalência (ruim/muito ruim) de 14% (IC95%:
10,4%; 17,7%) e mulheres de 11,1% (IC95%: 8,0%; 14,1%). A Tabela_1 apresenta a
distribuição da autoavaliação da saúde segundo sexo sem agregação das
categorias de resposta.
Figura 1 Autoavaliação de saúde segundo sexo e amostra total. População
quilombola, Vitória da Conquista, Bahia, Brasil, 2011.
Tabela 1 Autoavaliação de saúde para amostra total e estratificada por sexo,
segundo categoria de resposta. População quilombola, Vitória da Conquista,
Bahia, Brasil, 2011.
Autoavaliação de saúTotal Homem Mulher
% IC95% % IC95% % IC95%
Muito boa 5,1 3,5; 6,7 6,0 3,5; 8,5 4,3 2,3; 6,3
Boa 39,4 3,5; 6,7 40,4 35,2; 45,6 38,4 33,6; 43,2
Regular 43,1 39,5; 46,7 39,5 34,4; 44,7 46,2 41,3; 51,2
Ruim 10,0 7,9; 12,2 11,7 8,4; 15,1 8,5 5,8; 11,3
Muito ruim 2,4 1,3; 3,5 2,3 0,7; 3,9 2,5 0,9; 4,1
IC95%: intervalo de 95% de confiança.
A Tabela_2 apresenta a distribuição das variáveis explicativas para a amostra
total e para homens e mulheres. Os participantes autorreportaram-se
majoritariamente como quilombolas (83,5%), do sexo feminino (53,3%), cor preta
(39,4%) ou parda (44,6%), idades entre 18 e 29 anos (24,4%), com companheiro
(63,9%), tinham de 1 a 3 anos de estudos (28%) ou não tinham frequentado a
escola (32,4%) e possuíam alguma fonte de renda (71,7%). A inatividade física
foi relatada por 74,2% dos entrevistados, 19,8% informaram fumar e 58,6%
negaram o consumo de bebida alcoólica. Quanto ao consumo diário de frutas e
verduras, 69,3% informaram consumo satisfatório. Com relação às condições de
saúde, identificou-se sobrepeso em 30,4% dos indivíduos e obesidade em 10,7%.
Ausência de diagnóstico de doença crônica foi observada em 39,8% dos
entrevistados, 38,4% não apresentavam limitação nas atividades da vida diária e
13,5% relataram depressão nos 15 dias anteriores à pesquisa. Quanto à consulta
médica nos últimos 12 meses, 50,1% dos respondentes informaram ter realizado ao
menos uma. Um maior apoio social foi identificado para 67,7% dos indivíduos e
melhor contexto domiciliar para 49,8%.
Tabela 2 Distribuição de variáveis demográficas, socioeconômicas,
comportamentais e de saúde: amostra total, homens e mulheres. População
quilombola, Vitória da Conquista, Bahia, Brasil, 2011.
Variáveis Amostra Homem Mulher Valor de
total (n = (n = p
(n = 349) 398)
747)
n (%) n (%) n (%)
Quilombola
Sim 623 283 340 0,132
(83,5) (81,3) (85,4)
Não 123 65 58
(16,5) (18,7) (14,6)
Idade (anos)
18-29 182 74 108 0,047
(24,4) (21,2) (27,5)
30-39 156 64 92
(20,8) (18,3) (23,1)
40-49 147 72 75
(19,7) (20,6) (18,9)
50-59 101 56 45
(13,5) (16,1) (11,3)
60 e mais 161 83 78
(21,6) (23,8) (19,6)
Sexo
Masculino 349
(46,7)
Feminino 398
(53,3)
Cor
Preta 291 130 161 0,164
(39,0) (37,2) (40,4)
Parda 329 150 179
(44,0) (44,0) (45,0)
Outras 127 69 58
(17,0) (19,8) (14,6)
Escolaridade (anos)
0 241 116 125 0,900
(32,4) (33,3) (31,6)
1-3 208 96 112
(28,0) (27,6) (28,4)
4-7 206 93 113
(27,7) (26,7) (28,6)
8 e mais 88 43 45
(11,8) (12,4) (11,4)
Situação conjugal
Com companheiro(a) 477 224 253 0,861
(63,9) (64,2) (63,6)
Sem companheiro(a) 270 125 145
(36,1) (35,8) (36,4)
Possuir fonte de renda
Sim 526 233 293
(71,7) (68,1) (74,7)
Não 208 109 99 0,047
(28,3) (31,9) (25,3)
Prática de atividade física
Sim 193 121 72 < 0,001
(25,8) (34,7) (18,1)
Não 554 228 326
(74,2) (65,3) (81,9)
Consumo de frutas/verduras
Satisfatório 518 245 273 0,634
(69,3) (70,2) (68,6)
Insatisfatório 229 105 125
(30,7) (29,8) (31,4)
Estado nutricional
Peso adequado 413 235 178 < 0,001
(55,3) (67,3) (44,7)
Baixo peso 27 13 14 (3,5)
(3,6) (3,7)
Sobrepeso 227 89 138
(30,4) (25,5) (34,7)
Obeso 80 12 68
(10,7) (3,5) (17,1)
Consumo de álcool
Nenhum 437 150 287 < 0,001
(58,6) (43,1) (72,1)
Moderado 229 136 93
(30,7) (39,1) (23,4)
Excessivo 80 62 18 (4,5)
(10,7) (17,8)
Tabagismo
Nunca fumou 395 111 284 < 0,001
(52,9) (31,8) (71,4)
Ex-fumante 204 86 77
(27,3) (36,4) (19,3)
Fumante 148 63 37 (9,3)
(19,8) (31,8)
Número de doenças crônicas (com diagnóstico
médico)
Nenhuma 297 149 148 0,274
(39,8) (42,7) (37,2)
1 253 112 141
(33,9) (32,1) (35,4)
2 125 60 65
(16,7) (17,2) (16,3)
3 ou mais 72 28 44
(9,6) (8,0) (11,1)
Limitação nas atividades da vida diária
Nenhuma 287 154 133 0,014
(38,4) (44,1) (33,4)
1 137 64 73
(18,3) (18,3) (18,4)
2 108 45 63
(14,5) (12,9) (15,8)
3 ou mais 215 86 129
(28,8) (24,7) (32,4)
Sentir-se deprimido (últimos 15 dias)
Alguma vez 101 43 58 0,369
(13,5) (12,3) (14,6)
Nunca 646 306 340
(86,5) (87,7) (85,4)
Acidentes/Ferimentos (últimos 12 meses)
Sim 80 44 36 (9,1) 0,116
(10,7) (12,6)
Não 667 305 362
(89,3) (87,4) (90,9)
Consulta médica (últimos 12 meses)
Sim 373 201 172 < 0,001
(49,9) (57,6) (43,2)
Não 374 148 226
(50,1) (42,4) (56,8)
Apoio social
Menor apoio 241 137 104 < 0,001
(67,7) (39,3) (26,1)
Maior apoio 506 212 294
(32,3) (60,7) (77,9)
Contexto domiciliar
Piores condições 375 165 210 0,135
(50,2) (47,3) (52,8)
Melhores condições 372 184 188
(49,8) (52,7) (47,2)
A distribuição das variáveis explicativas não foi igual para homens e mulheres.
Os homens eram mais velhos, apresentaram maior prevalência de pessoas sem
renda, de ativos no lazer, de fumantes e ex-fumantes, de consumidores de
álcool, de adequação de peso, de ausência de limitação funcional, de vítimas de
acidente e ferimentos nos últimos 12 meses, de uso do serviço de saúde e menor
apoio social.
A Tabela_3 apresenta os resultados da análise de associação das variáveis
explicativas com a autoavaliação em saúde, ajustada por idade e sexo. Para a
amostra total, melhor autoavaliação da saúde foi associada à autoclassificação
como branco/indígena/amarelo, ter consumo satisfatório de frutas e verduras e
não ter feito consulta médica nos últimos 12 meses. Pior autoavaliação esteve
associada aos indivíduos mais velhos, mais escolarizados, obesos, com maior
número de doenças crônicas, com limitação nas atividades da vida diária, que
informaram sentir depressão nos últimos 15 dias e entre aqueles com maior apoio
social. Na análise estratificada por sexo, as variáveis consumo de frutas e
apoio social perderam a significância. As demais apresentaram padrão semelhante
à amostra total com pequenas especificidades. Entre os homens a escolaridade
perdeu a significância, e entre as mulheres o consumo moderado de álcool
apresentou associação negativa com melhor autoavaliação da saúde.
Tabela 3 Associações de variáveis demográficas, socioeconômicas,
comportamentais e de saúde com a autoavaliação da saúde de adultos: amostra
total e estratificada por sexo. População quilombola, Vitória da Conquista,
Bahia, Brasil, 2011.
Variáveis Total * Homens ** Mulheres
**
OR IC95% OR IC95% OR IC95%
Quilombola
Sim 1,00 1,00 1,00
Não 1,02 0,69; 0,96 0,57; 1,14 0,65;
1,49 1,63 1,98
Idade (anos)
18-29 1,00 1,00 1,00
30-39 0,81 0,53; 1,03 0,53; 0,68 0,40;
1,22 2,02 *** 1,17
40-49 0,55 0,36; 0,56 0,29; 0,55 0,31;
0,84 1,05 0,97
50-59 0,43 0,27; 0,47 0,24; 0,39 0,20;
§ 0,69 0,92 0,76
60 e mais 0,32 0,21; 0,26 § 0,14; 0,42 0,24;
§ 0,49 0,48 0,75
Sexo
Masculino 1,00
Feminino 0,86 0,65;
1,14
Cor
Preta 1,00 1,00 1,00
Parda 0,96 0,71; 0,98 0,62; 0,95 0,63;
1,30 1,53 1,43
Outra 2,00 1,31; 1,52 0,84; 2,80 1,49;
3,07 *** 2,74 5,26
Escolaridade (anos)
0 1,00 1,00 1,00
1-3 0,77 0,52; 1,03 0,60; 0,60 0,33;
*** 1,14 1,75 1,08
4-7 0,74 0,49; 1,13 0,62; 0,49 0,27;
*** 1,13 2,05 0,90
8 e mais 0,70 0,39; 1,01 0,45; 0,47 0,20;
1,24 2,24 1,08
Situação conjugal
Sem companheiro(a) 1,00 1,00 1,00
Com companheiro(a) 1,21 0,90; 1,21 0,77; 1,13 0,75;
1,64 1,90 1,72
Possuir fonte de renda
Não 1,00 1,00 1,00
Sim 1,05 0,76; 1,14 0,72; 0,97 0,61;
1,45 1,79 1,53
Prática de atividade física
Não 1,00 1,00 1,00
Sim 1,05 0,75; 1,08 0,66; 1,13 0,70;
1,47 1,77 1,85
Consumo de frutas/verduras
Insatisfatório 1,00 1,00 1,00
Satisfatório 1,22 0,90; 1,33 0,85; 1,18 0,78;
*** 1,65 2,08 1,78
Estado nutricional
Peso adequado 1,00 1,00 1,00
Baixo peso 1,46 0,66; 2,72 0,81; 0,77 0,25;
3,22 *** 9,10 2,32
Sobrepeso 0,96 0,70; 0,90 0,56; 1,01 0,65;
1,33 1,46 1,57
Obeso 0,65 0,40; 0,24 0,08; 0,78 0,45;
1,04 0,72 1,35
Consumo de álcool
Nenhum 1,00 1,00 1,00
Moderado 0,83 0,60; 0,96 0,61; 0,74 0,47;
1,15 1,52 *** 1,16
Excessivo 1,24 0,76; 1,36 0,76; 1,02 0,39;
2,03 2,45 2,65
Tabagismo
Nunca fumou 1,00 1,00 1,00
Ex-fumante 0,96 0,67; 1,04 0,59; 1,08 0,64;
1,39 1,83 1,80
Fumante 0,87 0,58; 1,03 0,59; 0,72 0,36;
1,31 1,78 1,43
Número doenças crônicas (com diagnóstico
médico)
Nenhuma 1,00 1,00 1,00
1 0,34 0,24; 0,36 § 0,22; 0,31 0,19;
§ 0,48 0,60 § 0,50
2 0,17 0,11; 0,14§ 0,07; 0,19 0,10;
§ 0,27 0,27 § 0,36
3 ou mais 0,10 0,06; 0,10 § 0,04; 0,09 0,04;
§ 0,17 0,25 § 0,19
Limitação nas atividades da vida diária
Nenhuma 1,00 1,00 1,00
1 0,58 0,38; 0,56 0,31; 0,64 0,35;
0,88 1,02 1,15
2 0,20§0,13; 0,18 § 0,09; 0,23 0,13;
0,32 0,35 § 0,44
3 ou mais 0,13 0,06; 0,17 § 0,09; 0,11 0,06;
§ 0,19 0,30 § 0,19
Sentir-se deprimido (últimos 15 dias)
Nunca 1,00 1,00 1,00
Alguma vez 0,45 0,30; 0,36 § 0,19; 0,52 0,30;
§ 0,67 0,67 0,90
Acidentes/Ferimentos (últimos 12 meses)
Não 1,00 1,00 1,00
Sim 0,72 0,46; 0,73 0,40; 0,70 0,36;
1,13 1,35 1,34
Consulta médica (últimos 12 meses)
Sim 1,00 1,00 1,00
Não 2,02 1,50; 2,27 § 1,44; 1,78 1,20;
§ 2,71 3,58 2,64
Apoio social
Menor apoio 1,00 1,00 1,00
Maior apoio 0,78 0,58; 0,80 0,52; 0,82 0,52;
1,06 1,21 1,28
Contexto domiciliar
Piores condições 1,00 1,00 1,00
Melhores condições 1,10 0,83; 0,98 0,65; 1,20 0,82;
1,45 1,47 1,76
IC95%: intervalo de 95% de confiança; OR: odds ratio.
* Análise ajustada por sexo e idade;
** Análise ajustada por idade;
*** p < 0,20;
p < 0,01;
p < 0,10;
p < 0,05;
§ p < 0,001.
A Tabela_4 apresenta o resultado dos ajustes dos modelos finais. Na
interpretação dos modelos é necessário considerar dois grupos de variáveis
explicativas: aquelas em que o pressuposto de chances proporcionais foi
verificado e aquelas para as quais o pressuposto não foi verificado. Para o
primeiro grupo o efeito da variável é constante em todas as transições e há
somente um parâmetro a ser estimado. Para as demais, estima-se um coeficiente
para cada transição.
Tabela 4 Modelos de odds proporcionais parciais (múltiplos) explicativos da
autoavaliação da saúde de adultos: amostra total e estratificada por sexo.
População quilombola, Vitória da Conquista, Bahia, Brasil, 2011.
Variáveis Total Homens Mulheres
Muito Muito Muito Muito Muito Muito
boa/boa boa/boa boa/boa boa/boa boa/boa boa/boa
e x e x e x
regular regular regular regular regular regular
x ruim/ e ruim/ x ruim/ e ruim/ x ruim/ e ruim/
muito muito muito muito muito muito
ruim ruim ruim ruim ruim ruim
OR OR OR OR OR OR
(IC95%) (IC95%) (IC95%) (IC95%) (IC95%) (IC95%)
Sexo
Masculino 1,00
1,44 *
Feminino (1,05;
1,97)
Idade (anos)
18-29 1,00 1,00 1,00
1,02 1,33 0,95
30-39 (0,62; (0,64; (0,48;
1,97) 2,74) 1,87)
0,75 0,81 0,81
40-49 (0,44; (0,41; (0,39;
1,28) 1,63) 1,68)
0,95 1,14 0,75
50-59 (0,51; (0,54; (0,31;
1,75) 2,41) 1,83)
0,90 0,81 1,10
60 e mais (0,48; (0,40; (0,43;
1,67) 1,64) 2,78)
Cor
Preta 1,00 1,00 1,00 1,00
0,98 0,98 0,88 0,88
Parda (0,71; (0,71; (0,56; (0,56;
1,36) 1,36) 1,38) 1,38)
1,07 2,26 ** 0,97 3,36 **
Outra (0,55; (1,38; (0,34; (1,62;
2,10) 3,69) 2,78) 6,98)
Escolaridade (anos)
0 1,00 1,00 1,00 1,00
0,79 0,79 0,66 0,66
1-3 (0,52; (0,52; (0,34; (0,34;
1,21) 1,21) 1,26) 1,26)
1,69 0,59 * 1,37 0,47 **
4-7 (0,83; (0,35; (0,51; (0,22;
3,44) 0,96) 3,67) 0,97)
0,58 0,58 0,53 0,53
8 e mais (0,30; (0,30; (0,21; (0,212;
1,09) 1,09) 1,36) 1,36)
Consumo de frutas/verduras
Insatisfatório 1,00
1,56 *
Satisfatório (1,11;
2,20)
Número de doenças crônicas (com diagnóstico
médico)
Nenhuma 1,00 1,00 1,00
0,38 0,40 0,36
1 *** *** ***
(0,26; (0,24; (0,21;
0,56) 0,67) 0,62)
0,26 0,19 0,31
2 *** *** ***
(0,16; (0,09; (0,15;
0,42) 0,37) 0,61)
0,18 0,17 0,15
3 ou mais *** *** ***
(0,10; (0,07; (0,06;
0,33) 0,41) 0,34)
Limitações nas atividades da vida diária
Nenhuma 1,00 1,00 1,00
0,65 0,56 0,86 *
1 (0,42; (0,30; (0,46;
1,02) 1,05) 1,63)
0,24 0,20 0,31
2 *** *** ***
(0,15; (0,10; (0,16;
0,39) 0,40) 0,60)
0,18 0,25 0,15
3 ou mais *** *** ***
(0,12; (0,13; (0,08;
0,27) 0,45) 0,27)
Consulta médica (últimos 12 meses)
Sim 1,00 1,00 1,00 1,00
0,95 1,78 * 0,64 1,67 **
Não (0,58; (1,25; (0,32; (1,04;
1,57) 2,55) 1,27) 2,70)
Apoio social
Menor apoio 1,00 1,00
1,48 0,75 *
Maior apoio (0,90; (0,52;
2,43) 1,09)
IC95%: intervalo de 95% de confiança; OR: odds ratio.
* p < 0,01;
** p < 0,05;
*** p < 0,001.
Para a amostra total, atendendo ao pressuposto de chances proporcionais,
verificou- se uma melhor autovaliação da saúde entre as mulheres e entre os
indivíduos que informaram consumo de frutas e verduras satisfatório. A
associação da autoavaliação em saúde foi negativa com o número de doenças
crônicas e a limitação das atividades da vida diária, a partir de duas
limitações.
As variáveis cor, escolaridade, ter feito consulta médica e apoio social
estiveram associadas apenas à chance de avaliar a saúde como muito boa/boa.
Pessoas com 4 a 7 anos de estudos, aquelas que recebem maior apoio social
apresentaram menor chance de reportar a saúde muito boa/boa, já as que se
declararam brancas/indígenas/amarelas e as que não consultaram o médico nos
últimos 12 meses apresentaram maior chance de se avaliar nesta categoria.
A amostra de mulheres apresentou o mesmo comportamento da amostra total, exceto
para a variável apoio social, que não se mostrou significativa em nenhum dos
subgrupos analisados. Entre os homens, melhor autoavaliação em saúde esteve
associada negativamente com o número de doenças crônicas e limitação das
atividades diárias.
Discussão
Foi encontrada prevalência elevada de autoavaliação de saúde ruim/muito ruim
(12,5%) quando comparada a valores obtidos em outras pesquisas nacionais.
Estudo utilizando os dados da Pesquisa Mundial de Saúde de 2003 reportou
estimativa de 9% de autoavaliação ruim/muito ruim para a população adulta
brasileira 7, e os resultados da PNAD 2008 9 informaram prevalência de 5,6%,
com variação entre os sexos – 5,9% entre as mulheres e 5,3% entre os homens,
com pior autoavaliação de estado de saúde nos que residiam na área rural
(7,3%). Para a zona rural da Bahia, encontrou-se 4,8% de autoavaliação ruim/
muito ruim. Esses resultados são inferiores aos encontrados neste trabalho,
cuja distribuição por sexo foi de 14% entre os homens e 11,1% entre as
mulheres.
Comparando com a população brasileira em 2008 10, a população das comunidades
quilombolas de Vitória da Conquista era mais jovem, apresentou perfil
semelhante com relação ao tabagismo e à inatividade física, maior porcentagem
de eutróficos, de consumo adequado de frutas e verduras e menos doenças
crônicas. O nível de escolaridade era mais baixo, apresentou maior prevalência
de consumo excessivo de álcool e a presença de negros e pardos era superior.
Embora em muitos aspectos a população das comunidades quilombolas de Vitória da
Conquista tenha apresentado perfil mais compatível com um estado de saúde mais
favorável, a prevalência de autoavaliação negativa da saúde nesta população foi
mais do que o dobro da observada na amostra da população brasileira 9.
A autoavaliação de saúde é recomendada para uso em estudos populacionais por
ser um indicador viável, inclusivo e informativo da situação de saúde, das
necessidades e uso de serviços de saúde 5,6,8,9,10. A proporção de pessoas que
define seu estado de saúde como regular ou ruim é poderoso no sentido de
predizer o uso de serviços de saúde e estar associado à mortalidade em estudos
longitudinais 1,3. Dessa maneira, a elevada prevalência de autoavaliação
negativa de saúde informa a situação de precariedade social vivenciada por esta
população quilombola.
Entre as variáveis sociodemográficas, a cor da pele esteve associada ao
desfecho de interesse, na população total e entre as mulheres, com as pessoas
classificadas como pretas ou pardas apresentando pior autoavaliação de saúde.
Esses resultados corroboram achados que mostram uma pior autoavaliação de saúde
entre minorias étnicas/raciais 18,20,26. Os negros apresentam piores resultados
de saúde mesmo quando comparados a indivíduos brancos com os mesmos níveis
socioeconômicos 20.
Encontrou-se melhor autoavaliação da saúde entre as mulheres, resultado
distinto do encontrado em estudos nacionais 4,10. Pavão et al. 10 observam que
a associação entre sexo e autoavaliação da saúde tem apresentado resultados
conflitantes em estudos internacionais e nacionais 4,9,31. Macintyre et al. 31
alertam para o risco do excesso de generalização dos resultados encontrados
para a associação entre sexo e saúde, ressaltando que complexidades nos padrões
da relação estão sendo negligenciados.
Um resultado que se contrapõe a outros trabalhos foi a associação negativa
identificada entre maior escolaridade e pior autoavaliação da saúde, observada
para a amostra total e entre as mulheres. Consistentemente, estudos têm
encontrado maior nível educacional associado a uma melhor saúde autorreferida
8,9,10. A associação entre escolaridade e saúde é explicada por meio de três
vias inter-relacionadas: conhecimento sobre a saúde e adoção de comportamentos
saudáveis; melhoria de emprego e renda; e maior controle de fatores sociais e
psicológicos, levando à redução de estresse. Uma possível explicação para o
resultado divergente encontrado no nosso estudo seria o baixo nível de
escolaridade dessa população quilombola, em que observou- se 32,3% dos
indivíduos sem instrução formal e escolaridade mediana de três anos de estudos.
Nesse ambiente, pode-se conjecturar que um pequeno aumento na escolaridade seja
suficiente para modificar o contexto de avaliação, aumentando a expectativa com
relação ao próprio estado de saúde, mas incapaz de traduzir em mudanças nas
condições de vida e nas escolhas pessoais necessárias para atingir um melhor
nível efetivo de saúde. Essa dissonância entre a expectativa e a ação poderia
levar à relação negativa observada 3.
Corroborando com os resultados de outros estudos, nacionais e internacionais,
as variáveis relacionadas à situação de saúde – presença de doenças crônicas e
atividades da vida diária comprometidas – estiveram negativamente associadas
com a melhor autoavaliação de saúde 8,9,10.
Quanto à consulta médica, observou-se uma relação positiva entre não consultar
o médico e uma melhor autoavaliação de saúde, na população total e para as
mulheres, indicando que para essa população a procura por consulta médica
parece estar relacionada com a situação de doença. Em parte esse resultado é
justificado pela dificuldade de acesso aos serviços de saúde que se observa nas
comunidades rurais em geral e nesta, em particular 32. Resultado semelhante foi
encontrado por Kassouf 33, para o Brasil urbano e rural, em análise dos dados
da PNAD 1998.
Entre os resultados obtidos neste estudo, alguns são especialmente reveladores.
O primeiro deles diz respeito à composição dos modelos finais. Houve predomínio
dos indicadores objetivos de saúde, sendo a dimensão física a única a
permanecer no modelo masculino. Tomando o modelo de Jylhä 3 como referencial
teórico pode- se apreender que, de maneira geral, o conceito de saúde utilizado
por essa população está fortemente relacionado à ausência de doenças e
limitações nas atividades da vida diária. Uma possível explicação para esse
comportamento seria a tendência observada em populações com menor escolaridade
em considerar os aspectos físicos e funcionais para a autoavaliação de saúde, e
grupos mais escolarizados tenderiam a apreciar aspectos multidimensionais na
sua avaliação: sensação de bem-estar físico, psicológico, estar ativo
fisicamente, entre outros 34. Há diferença também por grupo etário, com pessoas
mais jovens valorizando principalmente comportamentos relacionados à saúde e
medidas objetivas de saúde, enquanto pessoas idosas tendem a considerar um
contexto mais complexo 3. A permanência das variáveis cor da pele, escolaridade
e não realizar consultas médicas nos últimos 12 meses no modelo final feminino
sugere que as mulheres, apesar de não diferirem dos homens com relação à
escolaridade e apresentarem uma distribuição etária mais jovem, avaliam sua
saúde utilizando um modelo mais abrangente. Essa diferença pode ser explicada
pela articulação entre a percepção de saúde e gênero, compreendido como a
construção social que considera, além das diferenças biológicas, as diferenças
socioculturais e suas implicações como acesso diferenciado à informação, saúde,
educação e ao poder de negociação nas relações sociais 15,35,36.
Um segundo resultado singular é a permanência da variável cor da pele no modelo
final do grupo das mulheres. As mulheres que se autoclassificaram como branca/
indígena/amarela avaliaram melhor a sua saúde do que as mulheres que se
classificaram como pretas ou pardas. Resultado semelhante foi obtido por Barata
et al. 20 em estudo envolvendo a população brasileira de 15 a 64 anos de idade,
com dados da PNAD 1998, em que foi reportado que mulheres negras possuem maior
chance de referir saúde ruim, quando comparadas às mulheres brancas, mesmo após
ajuste por idade, escolaridade e renda. Esses resultados informam a influência,
entre outros fatores, das desigualdades raciais na autoavaliação do estado de
saúde. Um terceiro resultado é a relação inversa apresentada entre apoio social
e autoavaliação, que contraria outros estudos que apontam consistentemente para
a associação entre melhor autoavaliação de saúde e maior apoio social 14. O
resultado encontrado nos leva a inferir que um maior apoio social seja
dispensado aos indivíduos mais frágeis, aqueles que estejam doentes ou têm
alguma limitação funcional. Para melhor entender essa associação é preciso
considerar que as variáveis de maior peso na composição do indicador apoio
social foram os indicadores de presença de amigos e de familiares em que se
confia. Para as variáveis relativas à participação em agremiações ou reuniões,
grande parte da amostra respondeu nunca ou quase nunca participar e estas
tiveram menor peso na formação do índice.
Finalmente, um ponto a se destacar refere-se à caracterização dos indivíduos
com relação à autodeclaração de pertencimento ao grupo quilombola e sua
associação com a autoavaliação em saúde. Considerando que 16,5% se
autodeclararam não quilombolas e que estes não diferiram dos quilombolas com
relação à autodeclaração do estado de saúde, há que se perguntar se os baixos
níveis de saúde encontrados nesta população estão associados à situação da
comunidade ser quilombola ou a outras características da comunidade: rural,
pobre, do Nordeste brasileiro.
Dentre as limitações presentes neste estudo, pode-se citar a não inclusão de
escalas de discriminação no instrumento de coleta de dados, o que
impossibilitou o aprofundamento na discussão da associação da cor com os
aspectos da saúde. Não foi possível confrontar nossos resultados com os achados
relativos a outras populações remanescentes de quilombos, pela inexistência de
publicações sobre o tema. Mesmo a comparação com os resultados de outros grupos
populacionais brasileiros fica de certa forma comprometida, uma vez que não há
uniformidade nas alternativas de classificação da saúde apresentadas ao
entrevistado, tampouco na agregação das categorias na etapa de análise. Outra
limitação do estudo está relacionada com as interpretações da pergunta e da
escala de respostas pré-definidas 22. Considerando que a população quilombola
inscreve-se em um contexto sociocultural específico, seria relevante investigar
a adequação do instrumento de coleta de dados para este grupo populacional.
Como em todo estudo transversal há a limitação relacionada ao delineamento, que
torna inviável o estabelecimento de relações de temporalidade e assimetria.
Destaca-se o emprego do modelo para análise das associações. Levando-se em
consideração a característica ordinal da variável dependente, não apenas a
interpretação dos resultados se torna mais simples como o poder de
discriminação do modelo fica aumentado. São raros os trabalhos que utilizam a
regressão logística ordinal para analisar a autoavaliação do estado de saúde 9.
Os resultados deste estudo permitem vislumbrar a situação de saúde precária
dessas comunidades, revelada por uma elevada autopercepção de saúde muito ruim/
ruim. Evidenciam, também, uma estrutura da autoavaliação de saúde na qual a
dimensão física mostrou-se preponderante. Permitiram demonstrar a importância
da inclusão da variável cor da pele nas pesquisas em saúde 23. Considerando que
a autoavaliação da saúde é dependente não apenas das características do
indivíduo, mas também do contexto social no qual ele está inserido, sugere-se a
realização de estudos qualitativos que aprofundem o entendimento dos fatores
associados à autoavaliação do estado de saúde e que permitam identificar a
conotação atribuída às diferentes categorias de respostas pré-definidas,
adequando-as ao contexto específico 3,9,22,34.
O estudo mostrou também a necessidade de se comparar as comunidades quilombolas
com outras comunidades rurais brasileiras, no intuito de procurar entender a
real dimensão da situação dos remanescentes de quilombos.
Ressalta-se, também, a relevância de mais pesquisas envolvendo comunidades
remanescentes de quilombos no país, com delineamentos que possibilitem o
reconhecimento de suas especificidades, e colaborem na construção e
implementação de políticas públicas que contribuam no enfrentamento das
desigualdades raciais e redução da vulnerabilidade social des- tas comunidades.
Agradecimentos
Aos pesquisadores do Projeto COMQUISTA pela participação na elaboração do
projeto, planejamento e supervisão da coleta dos dados. À Secretaria Municipal
de Saúde de Vitória da Conquista, especialmente aos profissionais de saúde
responsáveis pelas comunidades quilombolas pesquisadas, pelo apoio oferecido
para a realização do trabalho; e aos quilombolas entrevistados, pela
receptividade. À Capes (Edital 05/2009); Ministério da Saúde/CNPq/FAPESB/SESAB
(Edital 20/2010/PPSUS-BA), pelo financiamento. Ao CNPq pelas bolsas de
produtividade concedidas à F. A. Proietti e C. C. César.