Determinantes da separação entre propriedade e gestão nas cooperativas
agropecuárias brasileiras
1. INTRODUÇÃO
As organizações caracterizadas como de propriedade difusa e complexas devem
promover a separação entre propriedade e gestão. Essa é uma proposição
consolidada na literatura de governança corporativa(1), tendo por base
problemas decorrentes de alocação de risco, especialização e risco moral
(ALCHIAN e DEMSETZ, 1972; FAMA e JENSEN, 1983a; HANSMANN, 1996). De um lado, a
separação entre propriedade e gestão evita que o executivo principal arque
diretamente com o efeito riqueza da ação, bem como permite a apropriação de
benefícios advindos da especialização dos papéis de proprietários
(investidores) e gestores. De outro, a separação contribui para reduzir os
custos de tomada de decisão coletiva e de agência e mitiga possíveis problemas
de shirking na atividade de controle.
As características dos direitos de propriedade e a forma de exercer o direito
de controle permitem classificar as cooperativas agropecuárias brasileiras como
organizações econômicas cuja estrutura de propriedade é difusa, com direitos
vagamente definidos (COOK, 1995; GORTON e SCHMID, 1999; CHADDAD e COOK, 2004).
Ademais, essas organizações são estruturadas de forma hierárquica e atuam em
atividades econômicas variadas, frequentemente distintas do negócio de origem
do cooperado (COSTA, CHADDAD e AZEVEDO, 2010), o que permite relacioná-las como
organizações complexas(2). Assim, essas firmas, com a finalidade de aumentar a
probabilidade de sua existência, deveriam promover a separação entre
propriedade e gestão.
Todavia, conforme estudo realizado por Costa, Chaddad e Azevedo (2010), 48% das
cooperativas agropecuárias brasileiras pesquisadas em 2008 não promoviam a
separação entre propriedade e gestão. Isto é, nessas organizações, os
proprietários não são desvinculados das decisões de gestão. Essa constatação
não segue os preceitos teóricos e difere do que ocorre em cooperativas
semelhantes localizadas em Holanda, Suécia, Finlândia e Estados Unidos da
América (GINDER e DEITER, 1989; PELLERVO, 2000; HENDRIKSE, 2005).
A inobservância do preceito teórico para as cooperativas agropecuárias
brasileiras motiva este artigo, em que se tem por objetivo investigar quais os
possíveis determinantes da separação entre propriedade e gestão nessas
organizações. Na medida em que gera informações relevantes sobre os fatores que
afetam o processo de separação entre propriedade e gestão, o resultado
contribui, de forma geral, para ampliar o conhecimento sobre as estruturas de
governança das empresas cujo arranjo societário é coletivo.
O trabalho compreende, além desta introdução, outras quatro partes: referencial
teórico, determinantes da separação entre propriedade e gestão nas cooperativas
agropecuárias brasileiras, resultados e conclusões.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. Estrutura de propriedade e alocação dos direitos de controle nas
organizações
Os direitos dos proprietários de organizações econômicas são separados em dois
tipos distintos e complementares: direito ao resíduo e direito ao controle. O
primeiro refere-se à prerrogativa de o proprietário receber os ganhos e as
perdas geradas, denominados de ganhos ou lucros residuais. Em contraposição, o
segundo concede ao proprietário autoridade, sujeita à regulação externa, para
definir como os membros da organização deverão alocar os ativos a serem
utilizados no sistema produtivo e os mecanismos de monitoramento, premiação ou
punição dos agentes contratados para gerir a empresa (ARROW, 1964; FAMA e
JENSEN, 1983b; MILGROM e ROBERTS, 1992).
A relação entre os direitos de propriedade, estabelecida contratualmente entre
os proprietários, define a estrutura de propriedade (E) da organização(3).
Então, tomando V como a função que considera essa relação, tem-se:
Nas organizações em que o direito de controle ou voto é vinculado ao montante
(s) de capital que cada um dos sócios possui no capital total (S) da sociedade,
a estrutura de propriedade (E) variará entre difusa e concentrada (BEBCHUCK,
1999). Assim, definindo k como a relação entre s e S, tem-se:
[/img/revistas/rausp/v47n4/a06frm02.jpg]
Portanto, nas organizações em que pequena parte ou apenas um dos proprietários
concentra a posse do capital, a estrutura de propriedade é concentrada. Ao
contrário, se a quantidade de donos é elevada e nenhum deles detém parte
relevante do capital, trata-se de uma estrutura de propriedade difusa, cujo
controle é contestável(4)(BEBCHUCK, 1999).
Para Gorton e Schmid (1999), nos casos em que o direito de controle ou voto não
é vinculado ao montante de capital (s), mas ao proprietário, a estrutura de
propriedade (E) é difusa ou concentrada em função do número de sócios (p),
conforme descrito em [3].
[/img/revistas/rausp/v47n4/a06frm03.jpg]
Embora não seja comum o proprietário abdicar do direito ao resultado líquido, a
delegação de parte dos direitos de controle da firma é observada e indicada
para organizações de propriedade difusa (ALCHIAN e DEMSETZ, 1972; HANSMANN,
1996).
O direito de controle possui diferentes definições na literatura: direito de
controle residual (GROSSMAN e HART, 1986), direito de controle formal e efetivo
(ALCHIAN e DEMSETZ, 1972; HANSMANN, 1988). Uma vez que tanto direito de
controle efetivo quanto direito de controle residual são associados a elementos
não especificados nos contratos, assume-se que o segundo pertence
exclusivamente aos proprietários e o primeiro pode ser exercido por aqueles que
não detêm a propriedade da organização.
O direito de controle residual é inerente à posse de um ativo ou autoridade
(GROSSMAN e HART, 1986). Em outras palavras, mesmo que o controle tenha sido
formalmente cedido à outra parte, o proprietário ainda detém o controle sobre
todos os elementos não especificados no contrato. Por exemplo, quem detém esse
direito em uma companhia de capital aberto (S.A.) são os acionistas.
O direito de controle formal é aquele previamente definido em contratos ou
leis. Assim, esse direito é definido como aquele alocado formalmente pelos
proprietários, seus detentores originais, a seus representantes escolhidos por
eleição ou nomeados para controlar a empresa. Por exemplo, na S.A. o conselho
de administração é o órgão eleito que recebe a incumbência de estabelecer quais
regras os membros internos da organização deverão observar para alocar os
ativos e a forma como esses serão monitorados, premiados ou punidos, caso as
regras estabelecidas não sejam seguidas (ARROW, 1964). Seu detentor recebe
formalmente a autoridade para decidir em prol dos interesses dos proprietários.
O direito de controle gera a seu detentor a autoridade para tomar decisões nas
organizações e pode ser delegado formal ou informalmente. Esse modo de
delegação, formal ou informal, é a base para o que Aghion e Tirole (1997)
denominam de autoridade formal ou real. A formal confere a seu detentor o
direito formal de decidir, reconhecido pelas normas jurídicas, e a real é
referente ao efetivo controle das decisões.
Portanto, nas organizações de propriedade difusa, os proprietários detentores
dos direitos de controle residual, para fins de otimização do processo
diretivo, delegam o direito de controle formal para um grupo (conselho de
administração) decidir sobre o controle e gestão da empresa em seu nome.
Em síntese, a abdicação do direito de controle consiste em concentrar parte dos
direitos de propriedade no conselho de administração. Isto é, trata-se de
transferir ao conselho os direitos decisórios sobre as regras de alocação dos
ativos e dos instrumentos de incentivos, que culmina na autoridade para nomear
e destituir o agente responsável pela gestão (MIZRUCHI, 1983; ROE, 2003).
De forma similar a Jensen e Meckling (1976), assume-se que a delegação do
direito de controle formal pelos proprietários ao conselho de administração,
também denominada de separação entre propriedade e controle por Berle e Means
(1932), gera problemas e custos de agência.
2.2. Complexidade e separação do processo decisório
As organizações são caracterizadas como complexas se são compostas de
suborganizações ' departamentos, unidades ou times ' que se relacionam de forma
hierárquica dentro da organização geral e se há dispersão do conhecimento
específico e relevante para a tomada de decisão (HAYEK, 1945; SIMON, 1962; FAMA
e JENSEN, 1983a; JENSEN e MECKLING, 1995).
Assumindo que as organizações, em geral, são compostas por diversas
suborganizações com relação hierárquica entre elas ou delas com uma coordenação
geral, é factível assumir que a complexidade é função do tipo de conhecimento
no interior da organização. Por exemplo, se as organizações realizam atividades
vinculadas a pesquisa, o conhecimento é específico e localizado em diversos
agentes e, portanto, complexa (FAMA e JENSEN, 1983a; JENSEN e MECKLING, 1995).
Então, definindoΣeΔ, respectivamente, como representações da característica de
complexidade e dispersão do conhecimento específico e relevante para a tomada
de decisão, escreve-se [4]:
[/img/revistas/rausp/v47n4/a06frm04.jpg]
Para Fama e Jensen (1983a), as organizações complexas deveriam promover a
separação do processo decisório, ou seja, garantir que as decisões de controle
e gestão não sejam realizadas por uma mesma pessoa ou órgão na empresa.
Especificamente, os autores impõem a separação como condição para que os
proprietários não participem nas decisões de gestão. Ao contrário, segundo
eles, se as organizações são não complexas, a tomada de decisão deveria ser
concentrada. Isto é, os proprietários assumiriam, além das decisões de
controle, as de gestão.
Em consonância com Fama e Jensen (1983a), assume-se que essa divisão das
decisões é que explica a sobrevivência das organizações, pois sua existência
auxilia no controle do problema de agência originado pela relação de agência
estabelecida entre proprietários e conselho de administração e em todos os
níveis da organização e, portanto, limita a possibilidade de os agentes
expropriarem os detentores dos direitos sobre o lucro residual (principal).
2.3. Separação entre propriedade e gestão em organizações de propriedade difusa
e complexas
A aplicação dos conceitos apresentados aos estudos de Hermalin e Weisbach
(2003) e Williamson (2007) permite assumir que o conselho administrativo recebe
por delegação a autoridade formal para decidir sobre a gestão em prol dos
interesses dos demais proprietários (WILLIAMSON, 1984) e configura-se como o
elemento da governança corporativa com autonomia sobre as decisões de controle
da organização (FAMA e JENSEN, 1983a; BECHT, BOLTON e RÖELL, 2002). Ainda, que
cabe ao conselho de administração admitir, monitorar e demitir o agente
responsável pela condução da gestão da empresa (MIZRUCHI, 1983; HERMALIN e
WEISBACH, 1988; ROE, 2003).
Embora Galbraith (1967) aponte que a gestão da empresa é de responsabilidade de
um grupo de profissionais (presidente do conselho de administração, presidente
e vice-presidentes executivos e chefes de departamentos), a partir de Simon
(1962) é possível assumir que a autoridade formal sobre as decisões de gestão é
delegada pelo conselho de administração a um único agente escolhido como
responsável pela condução da organização. Por exemplo, o Chief Executive
Officer (CEO) ou diretor presidente são contratados para exercer o maior cargo
hierárquico diretivo dentro da organização e investidos de autoridade formal
para decidir sobre a gestão e contratualmente devem seguir os limites
estabelecidos pelo conselho de administração para sua tomada de decisão(5)
(BRICKLEY, COLES e JARRELL, 1997).
Portanto, em organizações de propriedade difusa e complexas, a separação entre
propriedade e gestão existe se os proprietários são desvinculados das decisões
de gestão. A desvinculação ocorre se proprietários delegam o direito de
controle formal sobre a organização, ou seja, se existe a separação entre
propriedade e controle (BERLE e MEANS, 1932); se há separação do processo
decisório, isto é, se as decisões de controle e gestão não são de
responsabilidade de uma mesma pessoa ou órgão (FAMA e JENSEN, 1983a).
A separação é concretizada se os contratos formais e as relações de agência
estabelecidas entre os proprietários e o conselho de administração (A1) e entre
o conselho e, por exemplo, o CEO (A2) garantem que o interesse dos
proprietários seja mantido e que os riscos da atividade não sejam alocados aos
responsáveis pela gestão (BAYSINGER e HOSKISSON, 1990).
A relação A1 é delineada via contrato ou estatuto social das organizações e
consiste na delegação dos direitos de controle formal pelos proprietários ao
conselho de administração; A2 é fundamentada no contrato realizado entre
conselho de administração e CEO, que concretiza a separação do processo
decisório(6), conforme sugerem Fama e Jensen (1983a).
Neste trabalho, assume-se que delegação de direito de controle formal sobre a
organização difere de delegação das decisões de gestão no interior da
organização. A delegação do primeiro é o objeto do contrato da relação de
agência A1 e consiste na transferência de parte do direito indissociável da
propriedade dos proprietários ao conselho de administração. Ao contrário, a
separação do processo decisório, estabelecida a partir da relação A2, não
implica a transferência de propriedade e refere-se única e exclusivamente à
definição sobre o direito de decidir a respeito de determinadas questões no
interior da organização.
Em suma, se consideradas as características das organizações, a decisão de
separar propriedade e gestão (Y) nas organizações é explicada teoricamente por
fatores relacionados à estrutura de propriedade (E) e complexidade (Σ). Na
equação [5], a seguir, são apresentadas as relações.
[/img/revistas/rausp/v47n4/a06frm05.jpg]
Note-se que, por uma perspectiva normativa, é possível afirmar que se ocorrem
alterações nos fatores que afetam a dispersão da propriedade e a complexidade
da organização, eles afetam o nível de separação entre propriedade e decisões
de gestão. Em outras palavras, tem-se: [/img/revistas/rausp/v47n4/a06img01.jpg]
> 0 e [/img/revistas/rausp/v47n4/a06img02.jpg] > 0, em que [/img/revistas/
rausp/v47n4/a06img01.jpg] demonstra o efeito marginal da alteração da estrutura
de propriedade dispersa sobre a delegação dos direitos de controle formal e [/
img/revistas/rausp/v47n4/a06img02.jpg] o efeito marginal da alteração da
complexidade sobre a separação do processo decisório. Portanto, fatores que
afetam E eΣafetam Y (VARIAN, 1992).
3. ESTUDO DOS DETERMINANTES DA SEPARAÇÃO ENTRE PROPRIEDADE E GESTÃO NAS
COOPERATIVAS AGROPECUÁRIAS BRASILEIRAS
As cooperativas agropecuárias são organizações econômicas cuja propriedade é
coletiva e são constituídas por produtores rurais para fazer frente às falhas
de mercado (STAATZ, 1987). Elas diferem das demais organizações por duas
razões: os cooperados são simultaneamente proprietários, usuários e
consumidores de seus produtos e serviços (COOK, 1995) e a distribuição dos
resultados econômicos auferidos pela organização aos proprietários é feita
proporcionalmente às operações que cada um deles realizou com a cooperativa
(BARTON, 1989).
O direito de propriedade sobre a organização concretiza-se na medida em que o
produtor estabelece contrato com ela e adquire cotas de capital (capital
social) na sociedade, que lhe asseguram os direitos de proprietário e usuário.
Como não há clara separação desses distintos direitos no contrato, os
cooperados adquirem direitos vagamente definidos, o que dificulta a gestão e o
investimento nessas organizações (COOK, 1995).
Conforme destacam Costa, Chaddad e Azevedo (2010), o instituto (Lei 5764/71)
que regulamenta o funcionamento das cooperativas brasileiras estabelece que,
para serem constituídas, necessitam ter ao menos 20 proprietários e que as
cotas de capital pertençam exclusivamente aos cooperados. Ainda, impõe que a
distribuição do resultado não considere a quantidade de cotas dos proprietários
e que o direito de controle seja desvinculado do montante da cota de capital do
cooperado. Adicionalmente, os autores apontam que os estatutos sociais dessas
organizações estabelecem que o resgate da cota de capital pelo cooperado não é
simultâneo a seu desligamento do quadro de sócios(7) e facultam ao conselho de
administração a remuneração das cotas até o limite de 12% (ao ano).
Em termos descritivos, Costa, Chaddad e Azevedo (2010) relatam que, em 2008, a
cooperativa agropecuária média tinha 37 anos de idade, contava com 2.755
cooperados, tinha 450 funcionários e faturava R$ 254 milhões atuando em cerca
de sete municípios com ao menos um funcionário. Do total, 62% delas executavam
atividades industriais, sendo o índice de concentração de suas atividades
econômicas igual a 0,514(8). Seu conselho de administração era integrado por
oito membros internos eleitos para um mandato de quatro anos, que se reuniam a
cada 28 dias; seu presidente dedicava 29 horas semanais a atividades da
cooperativa.
No que se refere à alocação dos direitos de controle formal e separação do
processo decisório, os autores apontam que 38% dos conselhos das cooperativas
detinham, por delegação, o direito de controle formal e em 65% das cooperativas
não havia separação do processo decisório.
3.1. Metodologia e banco de dados
À medida que as decisões sobre a delegação do direito de controle formal e das
decisões de gestão são realizadas por diferentes instâncias dentro da
cooperativa, a investigação é conduzida de forma separada. Assim, pesquisam-se
em separado os fatores que afetam a delegação dos direitos de controle formal e
a separação do processo decisório. Esse formato gera informações agrupadas às
relações de agência (A1 e A2) e testa se determinantes da propriedade difusa e
complexidade têm implicações sobre a transferência do direito a definir o
principal responsável pela gestão e divisão do processo decisório
respectivamente. Adicionalmente, contribui para a investigação de como o
comportamento do agente e as características da atividade impactam as decisões
dos proprietários e do conselho administrativo.
Os dados da pesquisa são os mesmos utilizados por Costa, Chaddad e Azevedo
(2010), referentes a 77 cooperativas atuantes em 2008 no agronegócio brasileiro
e localizadas nos estados de Minas Gerais (MG), Paraná (PR), Rio Grande do Sul
(RS), Santa Catarina (SC) e São Paulo (SP). Em síntese, os dados retirados do
estatuto social geraram informações sobre a delegação dos direitos de controle
formal; a partir dos questionários obteve-se um diagnóstico sobre alocação das
decisões de controle e gestão, nível de dedicação do presidente à cooperativa e
ocupação dos cargos de executivo responsável pela gestão e presidência do
conselho de administração.
É importante observar que, devido ao tamanho limitado da amostra e por se
tratar de uma única amostragem no tempo (cross section), o resultado da
investigação traz informações que permitem fazer apontamentos sobre o grupo de
cooperativas estudadas, mas pode não informar sobre a realidade de todas as
cooperativas brasileiras.
3.2. Hipóteses de interesse sobre a separação nas cooperativas brasileiras
A partir da equação [5], apresentada anteriormente, espera-se que cooperativas
cuja estrutura de propriedade seja difusa apresentem delegação dos direitos de
controle formal. Esse preceito teórico permite estabelecer a hipótese 1 (H1).
Hipótese 1 A delegação dos direitos de controle formal nas
cooperativas agropecuárias brasileiras é determinada pela estrutura
de propriedade difusa.
De acordo com Gorton e Schmid (1999), quanto maior o número de cooperados, mais
difuso é seu direito de propriedade. Assim, nas palavras de Demsetz e Lehn
(1985), mais difusa é a sua estrutura de propriedade. Portanto, espera-se que
quanto maior o número de cooperados, maior a probabilidade de delegação dos
direitos de controle formal.
A hipótese permite investigar se o número de proprietários, que representa o
grau de dispersão de propriedade, conforme apontam Gorton e Schmid (1999),
afeta a delegação do direito de controle formal.
Os trabalhos de Aghion e Tirole (1997) e Baker, Gibbons e Murphy (1999)
estabelecem que o comportamento do agente afeta a decisão de delegação do
principal. Em particular, Baker, Gibbons e Murphy (1999) apontam que se o
principal percebe a reputação do agente em agir em prol de seus interesses, há
aumento na probabilidade da delegação dos direitos decisórios. Diante disso,
investiga-se a hipótese 2 (H2), a seguir.
Hipótese 2 A delegação dos direitos de controle formal (X) ao
conselho de administração é afetada positivamente pela reputação do
conselho em agir em prol do interesse dos proprietários.
Para Baker, Gibbons e Murphy (1999), se o conselho de administração tem
reputação por agir de forma alinhada aos interesses dos proprietários, espera-
se que haja maior probabilidade de delegação do direito de controle formal. Em
outras palavras, nas cooperativas cujos cooperados reconhecem que o conselho de
administração toma decisões em seu benefício há maior probabilidade de que a
autoridade para definir o CEO seja transferida. Portanto, H2 informa se o
pressuposto dos autores se aplica à transferência dos direitos de controle
formal na relação entre cooperado e conselho de administração nas cooperativas
agropecuárias brasileiras.
Ainda, Aghion e Tirole (1997) descrevem que, se o principal visualiza o esforço
do agente no desenvolvimento de suas atividades, por exemplo, dedicando-se para
captar informações sobre as decisões a serem tomadas, aumenta a probabilidade
de delegação. Portanto, neste artigo é elaborada a hipótese 3 (H3) para
investigar se o esforço do conselho em monitorar as atividades da cooperativa
influencia a probabilidade de delegação pelos cooperados.
Hipótese 3 A delegação dos direitos de controle formal (X) é afetada
positivamente pelo esforço do conselho de administração em monitorar
o comportamento dos gestores.
Com base em Aghion e Tirole (1997), espera-se que a delegação do direito de
controle formal seja mais frequente naquelas cooperativas cujo conselho de
administração se dedique com maior intensidade a suas atividades. Por exemplo,
nas organizações cujos membros do conselho despendam mais tempo estudando os
projetos que lhes são apresentados pelos gerentes ou monitorando o desempenho
da cooperativa a probabilidade da delegação é maior do que nas demais.
Adicionalmente, Aghion e Tirole (1997) relatam que o nível de informação que o
agente possui sobre as atividades delegadas afeta positivamente a decisão de
delegação. Assim, testa-se a hipótese 4 (H4).
Hipótese 4 A delegação dos direitos de controle formal (X) tem
relação positiva com o nível de informação dos proprietários sobre as
atividades desenvolvidas pela cooperativa.
É esperado, com base em Aghion e Tirole (1997), que se os proprietários possuem
maior grau de informação sobre as atividades desenvolvidas pelas cooperativas,
maior é a probabilidade de delegação dos direitos de controle formal.
A partir dos trabalhos de Demsetz e Lehn (1985), Bebchuck (1999) e Hwang
(2005), é possível assumir que os adquirentes do controle na organização se
beneficiam de sua posição. Em outras palavras, os proprietários que compõem o
conselho de administração obtêm benefícios pecuniários ou não pecuniários. Por
exemplo, informação privilegiada, remuneração adicional pelo exercício da
função, influência sobre as decisões estratégicas da empresa, etc. Nesse
contexto, investiga-se a hipótese 5 (H5).
Hipótese 5 A existência de potencial benefício ao controle a ser
adquirido exclusivamente por quem está no controle reduz a
probabilidade de delegação dos direitos de controle formal (X) pelos
proprietários.
Para Demsetz e Lehn (1985), Bebchuck (1999) e Hwang (2005), quanto mais difícil
o monitoramento pelo principal das atividades desenvolvidas pelo agente,
maiores serão os benefícios privados aos controladores. Nessas situações, de
acordo com Demsetz e Lehn (1985), o controle não será delegado. Portanto, H5
investiga como a existência de potenciais benefícios ao controle afetam a
delegação dos proprietários ao conselho de administração nas cooperativas
agropecuárias da amostra.
É esperado que as hipóteses estabelecidas não sejam rejeitadas, pois foram
definidas conforme os preceitos teóricos predominantes. Assim, em síntese,
espera-se que a probabilidade de delegação dos direitos de controle formal seja
afetada positivamente por: grau de dispersão da propriedade, reputação positiva
do conselho de administração junto aos cooperados, dedicação do conselho a suas
atividades na cooperativa e nível de informação do proprietário sobre as
atividades delegadas. Ao contrário, espera-se que a probabilidade de delegação
seja inversa à presença de potenciais benefícios privados aos detentores do
direito de controle formal.
De acordo com Fama e Jensen (1983a), a complexidade da organização impacta a
probabilidade de separação das decisões de controle das de gestão. Isto é, na
visão dos autores, as organizações complexas sobrevivem se promovem a divisão
do processo decisório. Assim, a hipótese 6 (H6), a seguir, verifica se as
cooperativas agropecuárias brasileiras seguem o que é estabelecido pelos
autores.
Hipótese 6 A separação das decisões de controle e gestão nas
cooperativas agropecuárias brasileiras é determinada pela
complexidade da organização.
Portanto, espera-se que aumentos nos fatores que afetam a complexidade da
organização impliquem elevação da probabilidade de delegação das decisões de
gestão pelo principal (conselho de administração) ao agente (CEO), uma vez que
essa decisão contribuirá para reduzir os problemas de agência, otimizará a
alocação do conhecimento relevante para a tomada de decisão na organização e
reduzirá as perdas originadas pelas decisões com baixo nível informacional
(FAMA e JENSEN, 1983a; JENSEN e MECKLING, 1995).
Em significativa parcela (62%) das cooperativas agropecuárias brasileiras,
conforme apontam Costa, Chaddad e Azevedo (2010), o presidente do conselho de
administração assume as funções de CEO. Portanto, dada essa informação, torna-
se interessante investigar se a alocação de autoridade ao conselho de
administração e a existência de limites à reeleição ao cargo de presidente do
conselho têm efeito sobre a separação do processo decisório.
Por meio da hipótese 7 (H7), descrita a seguir, é possível testar se o fato de
o conselho administrativo ter autoridade para nomear ou destituir o CEO tem
impacto sobre a alocação das decisões de controle e gestão.
Hipótese 7 A separação entre as decisões de controle e gestão tem
relação positiva com a alocação dos direitos de controle formal ao
conselho de administração.
A partir dessa hipótese, espera-se que a alocação do direito de controle formal
ao conselho de administração impacte positivamente a probabilidade da separação
do processo decisório, pois a autoridade permite que os membros desenhem
mecanismos de incentivo e enforcement.
A hipótese 8 (H8), apresentada a seguir, permite investigar se a existência de
limites à reeleição ao cargo de presidente do conselho de administração afeta a
separação do processo decisório.
Hipótese 8 A separação entre as decisões de controle e gestão é
afetada positivamente pela existência de limitações à reeleição ao
cargo de presidente da cooperativa.
Assumindo-se que o limite à reeleição afeta a decisão do presidente em acumular
as funções de executivo, então, na medida em que há limites à reeleição,
espera-se que haja elevação na probabilidade de separação do processo
decisório. Isso ocorreria porque a impossibilidade de o presidente acumular
ambos os cargos por um longo período de tempo afeta sua decisão em dedicar-se
às atividades da cooperativa como executivo(9).
3.3. Determinantes da delegação do direito de controle formal e da separação do
processo decisório
Dadas as diferentes relações de agência (A1 e A2) no processo de desvinculação
dos proprietários da gestão, primeiro investigam-se H1 a H5 referentes à
delegação do direito de controle. Na sequência, estudam-se H6 a H8,
concernentes à separação das decisões de controle e gestão.
Para estudar as hipóteses sobre os determinantes da delegação do direito de
controle formal, é utilizada a regressão logística ' modelo logit ', pois
assume-se a delegação como uma variável dependente binária (Xi) afetada, entre
outros fatores, pelo tamanho da organização, reputação e esforço de
monitoramento do conselho de administração, nível de informação dos
proprietários sobre as atividades delegadas, incertezas do mercado de atuação,
regulação externa sobre a atividade desenvolvida pela firma e demais fatores
que permitem àqueles que detêm o controle extrair benefícios diretos ou
indiretos de sua posição como controlador (DEMSETZ e LEHN, 1985; JENSEN e
MECKLING, 1995; AGHION e TIROLE, 1997; BAKER, GIBBONS e MURPHY, 1999; BEBCHUCK,
1999; GORTON e SCHMID, 1999; HWANG, 2005).
O modelo 1, a seguir, descreve como as características da relação ou dos
envolvidos na relação de agência A1 afetam a delegação dos direitos de controle
formal nas organizações cooperativas agropecuárias brasileiras e testa as
hipóteses de H1 a H5.
Modelo 1
[/img/revistas/rausp/v47n4/a06frm06.jpg]
No modelo 1, tem-se que Pi é a probabilidade da delegação do direito de
controle formal,βsão os parâmetros de estimação,Λa matriz de variáveis
explicativas de interesse ou controle do modelo e Xi é a variável binária que
representa a delegação dos direitos de controle formal pelo principal ao
agente.
O estudo dos fatores que afetam a separação das decisões de gestão e controle
utiliza o modelo tobit, dado que a variável dependente é contínua no intervalo
entre zero e um, com probabilidade positiva de assumir o valor zero e há a
possibilidade de concentração em torno do valor limite (WOOLDRIDGE, 2002;
GREENE, 2003). O modelo 2 (tobit) é construído para averiguar se complexidade,
alocação do direito de controle formal e limites à reeleição ao cargo do
presidente afetam a decisão de separação do processo decisório nas cooperativas
brasileiras. Isto é, o modelo é utilizado para testar H6, H7 e H8.
Modelo 2
[/img/revistas/rausp/v47n4/a06frm07.jpg]
Os valores deβe C são, respectivamente, os coeficientes a serem estimados e a
matriz que contém as variáveis de interesse e controle.
No modelo 2, a variável dependente Z* é função do valor da variável Z,
apresentada por Costa, Chaddad e Azevedo (2010) para demonstrar o nível de
separação entre decisões de controle e gestão nas cooperativas agropecuárias
brasileiras(10). A concentração das decisões existe se Z = 0 e aumenta a partir
daí até tornar-se completa com Z = 1. Então, para a operacionalização do tobit
tem-se:
[/img/revistas/rausp/v47n4/a06frm08.jpg]
No quadro a seguir, apresentam-se e descrevem-se as variáveis de interesse que
compõem as matrizesΛ
e C contidas nos modelos 1 e 2 respectivamente(11). Explicitam-se, ainda, os
efeitos esperados de acordo com cada hipótese estabelecida.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
A estatística descritiva da amostra é apresentada na tabela_1. Os valores são
expostos conforme o tipo de cooperativa: cooperativas singulares e centrais ou
federações. As primeiras são organizações compostas majoritariamente de
proprietários produtores rurais; as demais são integradas apenas por
cooperativas singulares.
Os resultados da tabela_1 servem apenas para apresentar as estatísticas
descritivas por tipo de cooperativa estudada na amostra. O teste de média não
apontou diferenças significativas entre os dois tipos de empresas.
Na tabela_2 são expostos os resultados de duas regressões para cada um dos
modelos (1 e 2), para avaliar o efeito marginal das variáveis explicativas
sobre a delegação dos direitos de controle formal (Xi) e da separação do
processo decisório (Z).
A diferença entre a primeira e a segunda regressão de cada modelo revela que,
na primeira, são consideradas todas as variáveis de controle e, na segunda, são
mantidas somente aquelas significativas na primeira regressão.
Os resultados apontam essencialmente se as hipóteses estabelecidas '
controladas pela presença de auditoria externa, efeitos da variação do mercado,
idade, tamanho e tipo de cooperativa e características do estado ' são
corroboradas para as cooperativas agropecuárias brasileiras que compuseram a
amostra.
[/img/revistas/rausp/v47n4/a06quadro.jpg]
A partir dos resultados, nota-se que o número de proprietários (P) não é
significante, assim a hipótese H1 não é corroborada. Isto é, diferentemente do
que se esperava a partir de Gorton e Schmid (1999), não se pode afirmar, a
priori, que a delegação dos direitos de controle formal ocorra nas cooperativas
agropecuárias brasileiras devido à sua estrutura de propriedade difusa.
Diante do resultado, é necessário ponderar o fato de a Lei 5764/71 estabelecer
que a cooperativa deva possuir no mínimo 20 cooperados para sua existência e
que cada cooperado tenha um voto. Portanto, a cooperativa já surge
caracterizada por uma estrutura de propriedade e controle difuso. Assim,
elevações na quantidade de sócios não afetariam de modo significativo a decisão
dos cooperados quanto à delegação do direito de controle formal.
A distribuição de sobras apresentou efeito marginal acima de 55 pontos
percentuais sobre a probabilidade de delegação dos direitos de controle formal
em ambas as regressões do modelo 1. Isto é, se houve distribuição de sobras em
ao menos um dos últimos cinco anos, a probabilidade de os cooperados delegarem
ao conselho de administração o direito de controle formal da organização
aumenta. Como consequência, a hipótese H2 é não rejeitada, ou seja, há indícios
de que a distribuição de sobras afeta positivamente, pelo menos 1% de
significância, a delegação dos direitos de controle formal pelos cooperados ao
conselho de administração(12).
Em outras palavras, infere-se que a delegação dos direitos de controle formal
pelos proprietários ao conselho segue o que é previsto por Baker, Gibbons e
Murphy (1999). Isto é, se existe reputação positiva do conselho junto aos
cooperados, há maior probabilidade de delegação de autoridade para conduzir a
organização.
O esforço do conselho administrativo em monitorar os gestores foi significativo
a 1% a partir da adição das variáveis de controle que consideram as
características fixas do Estado. Os resultados apontam para a não rejeição de
H3, pois o aumento em uma unidade da intensidade de monitoramento do conselho
tem efeito marginal positivo de ao menos 0,5 pontos percentuais sobre a
probabilidade de delegação ao conselho em definir o principal executivo da
cooperativa.
Os proprietários da cooperativa adquirem informações sobre as atividades
desenvolvidas pela organização de duas formas predominantes: contato com o
conselho de administração e monitoramento via assembleias gerais ordinárias e
extraordinárias. Assim, assume-se que quanto maior o tamanho do conselho de
administração (Tam_CA), maior é o nível de informação dos cooperados sobre a
cooperativas e o mesmo ocorre com a elevação do número de assembleias.
O tamanho do conselho de administração (Tam_CA) mostrou-se significativo em
todas as regressões a pelo menos 5%. Os resultados apontam que se há aumentos
no número de membros no conselho administrativo, maior é a probabilidade de
delegação dos direitos de controle ao conselho de administração. Esse resultado
demonstra que a elevação em uma unidade no número de membros do conselho tem
efeito marginal positivo de, ao menos, quatro pontos percentuais na
probabilidade de delegação dos direitos de controle formal. Entretanto, o
monitoramento dos proprietários (Mon_Prop) via assembleias não foi significante
em nenhuma das regressões. Esse resultado corrobora, de certa forma,
Bialoskorski Neto (2004) que aponta para a importância dos contratos
relacionais como instrumento de influência nas cooperativas agropecuárias
brasileiras.
O fato de o tamanho do conselho (Tam_CA) ter apresentado grau de significância
e o monitoramento dos proprietários (Mon_Prop) não ter sido significativo não
permite corroborar ou rejeitar H4. A indefinição demonstra a necessidade de
aprofundar os estudos a respeito de por quais mecanismos os cooperados têm
preferência para adquirir informações sobre as atividades da cooperativa.
Aparentemente, há predileção pela relação com o conselho de administração em
detrimento da participação nas assembleias.
Assumindo que a presença da atividade agroindustrial gera potenciais benefícios
aos membros que estão no controle (DEMSETZ e LEHN, 1985) e que a existência
desses benefícios inibe a delegação dos direitos de controle, os resultados
encontrados na tabela_2 corroboram H5. Isto é, a existência de potenciais
benefícios aos detentores do direito de controle formal, tais como consumo de
bens pecuniários e não pecuniários, reduz a probabilidade de os cooperados
delegarem aos integrantes do conselho autoridade para definir o principal
executivo da cooperativa. Os resultados das regressões foram significativos a
1% com efeito marginal negativo de ao menos 43 pontos percentuais na
probabilidade de delegação dos direitos de controle formal.
As dummies de controle do estado onde a cooperativa está localizada permite
inferir que, aparentemente, existem características específicas às unidades da
federação que incentivam ou inibem a delegação ao conselho de administração do
direito de nomear e demitir o principal executivo da cooperativa.
Os resultados do modelo 2, também apresentados na tabela_2, não permitem
corroborar H6, pois, tanto o número de funcionários (F) quanto o índice de
concentração (HHI) são não significativos. Ao contrário do que aponta Fama e
Jensen (1983a), os resultados demonstram que, aparentemente, a separação entre
decisão de controle e gestão nas cooperativas brasileiras não leva em
consideração as características relacionadas à complexidade.
A reflexão sobre esses resultados permite apontar que talvez o tamanho da
amostra tenha sido insuficiente para captar a estimativa da população. Contudo,
é importante salientar, no que se refere especificamente ao número de
funcionários (F), que a sua não significância pode não estar relacionada à
questão do tamanho da amostra e sim à concentração de funcionários em
atividades que não demandam conhecimento relevante para a tomada de decisão
nessas organizações. No que tange ao HHI, uma candidata justificativa auxiliar
para o resultado é a possibilidade de as cooperativas atuarem em áreas
correlatas ou complementares. Assim, o conhecimento relevante para a tomada de
decisão pode ser menos custoso de ser transferido.
Ainda, os resultados das regressões do modelo 2 demonstram, a pelo menos 5% de
significância, que se os conselhos administrativos têm autoridade formal para
nomear e destituir o CEO, aumenta a probabilidade de separação do processo
decisório. Isto é, se o conselho detém o direito de controle formal, há um
efeito marginal positivo de, no mínimo, 34 pontos percentuais sobre a separação
entre decisão de controle e gestão. Esse resultado permite que H7 seja não
rejeitada e demonstra a importância da alocação do direito de controle formal
ao conselho para consolidar o processo separatório das decisões nas
cooperativas.
H8 foi não rejeitada e os resultados contidos na tabela_2 apontam, com nível de
significância a 1%, que limites à reeleição impactam positivamente a separação
do processo decisório. Aparentemente, a existência de institutos que limitam a
reeleição ao cargo de presidente do conselho de administração tem efeito
marginal acima de 50 pontos percentuais sobre a separação das decisões de
controle e gestão nas cooperativas; o resultado permite inferir que o limite ao
número de mandatos do presidente do conselho reduz a probabilidade de acúmulo
das funções executivas na organização. Crê-se, conforme já apontado, que o
custo de oportunidade do presidente para dedicar-se às atividades de gestão
torna-se elevado e isso implica a maior probabilidade de separação do processo
decisório.
Diferente do que ocorreu com modelo 1, o tamanho do conselho, como proxy para
representar o nível de informações do conselho administrativo (principal) sobre
a atividade delegada ao CEO (agente), não foi significante nas regressões.
Entretanto, a não significância não permite desconsiderar as afirmações de
Aghion e Tirole (1997). Nesse sentido, duas observações são necessárias. A
primeira refere-se à possibilidade da existência de outros instrumentos de
obtenção de informação pelo conselho de administração não considerados no
trabalho; a segunda diz respeito à não distinção entre o número de integrantes
com ou sem funções efetivas no conselho, pois é possível que, se essas
diferenças forem consideradas, haja alterações nos resultados.
5. CONCLUSÕES E SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS
No que se refere especificamente à investigação dos determinantes da delegação
do direito de controle formal, a pesquisa aponta para indícios de que a
quantidade de sócios, a intensidade de monitoramento que os cooperados
executam, via assembleia geral, sobre o conselho administrativo e o tipo de
cooperativa (singular ou central) não afetam sua decisão de delegar autoridade
ao conselho para nomear ou demitir o agente responsável pela gestão da
organização.
Em contrapartida, a distribuição de sobras, o tamanho e o esforço de
monitoramento efetuado pelo conselho e a presença de potenciais benefícios aos
controladores da empresa são considerados importantes determinantes da
delegação dessa autoridade. Adicionalmente, fatores relacionados a tamanho da
cooperativa, incertezas provenientes do mercado e estado de localização afetam
a decisão de delegação de acordo com o conjunto de variáveis utilizado na
investigação.
O fato de a quantidade de cooperados não afetar a decisão dos sócios sobre a
transferência de autoridade ao conselho administrativo demonstra,
diferentemente de Gorton e Schimd (1999), que nas cooperativas agropecuárias
brasileiras a estrutura de propriedade não afeta a delegação dos direitos de
controle formal. É possível que as características estabelecidas pela
instituição formal já estabeleça dispersão suficiente dos direitos de
propriedade, tornando o número de sócios indiferente no processo decisório da
delegação.
O monitoramento dos cooperados sobre as atividades do conselho não apresenta
efeitos significativos sobre a delegação do direito de controle. Entretanto, o
resultado não significa que o nível de informação dos cooperados não tenha
influência sobre a transferência dos direitos de controle formal. Há a
possibilidade de os proprietários estarem monitorando as atividades da
cooperativa por meio de contratos relacionais com conselho ou outros meios não
considerados neste estudo. Portanto, sugere-se que novas pesquisas considerem o
efeito dos diferentes meios de monitoramento na probabilidade de delegação e a
possível preferência do cooperado por contratos relacionais informais com os
conselheiros de administração.
A efetiva distribuição de sobras aos cooperados é um importante determinante da
decisão de delegação de autoridade pelos sócios ao conselho. Isto é, os
cooperados premiam os conselhos que demonstram agir em prol de seus interesses.
Crê-se que a distribuição de sobras é um indicador mensurável e perceptível ao
cooperado e que essas características estimulam seu uso pelo conselho como
mecanismo de criação de reputação junto aos sócios. Todavia, é necessário
salientar que o resultado não permite concluir que o cooperado tenha
preferência por conselhos que priorizam a distribuição de sobras em detrimento
das demais estratégias. Na medida em que existam, além das sobras, outros
indicadores para representar a reputação do conselho junto ao cooperado, é
recomendado que outros estudos sejam conduzidos para averiguar se o resultado
aqui encontrado é mantido.
Os associados às cooperativas agropecuárias brasileiras consideram os
benefícios privados ao controle como um fator determinante sobre a decisão de
delegação dos direitos de controle ao conselho de administração. Nas
cooperativas em que existia a possibilidade de serem expropriados, dada a
presença de atividade industrial que aumenta a dificuldade de monitoramento, a
assembleia concentrou a autoridade para definir quem seria o responsável pela
gestão da organização.
O tamanho per capita da cooperativa e as incertezas do mercado são
determinantes da delegação do direito de controle formal somente se
consideradas as características individuais dos estados onde as organizações
estão localizadas. A influência das incertezas do mercado foi diferente do que
Demsetz e Lehn (1985) encontraram e demonstra que, para cooperativas atuantes
em ambientes incertos, a delegação dos direitos de controle formal ao conselho
torna a decisão mais ágil e menos custosa.
A investigação sobre os determinantes da separação do processo decisório não
permite concluir que a complexidade afete a probabilidade de separação das
decisões de controle e gestão. Entretanto, não se descarta a possibilidade de
que novas proxies para complexidade sejam testadas e constate-se o efeito.
A autonomia do conselho para nomear e demitir o CEO, ou seja, a obtenção do
direito de controle formal, aumenta a probabilidade de se observarem
cooperativas com processos decisórios separados, pois esse órgão da governança
tem a possibilidade de executar adequadamente suas atividades de monitoramento
da gestão. Isto é, tem maior liberdade para desenvolver mecanismos de incentivo
e enforcement aos gestores e não atuar como o conselho batedor de carimbos.
A existência de limites à reeleição ao cargo de presidente da cooperativa
diminui a probabilidade de acúmulo das decisões de controle e gestão.
Entretanto, isso não permite afirmar que a existência de limites à reeleição ao
cargo de presidente do conselho de administração afete seu custo de
oportunidade para executar ambas as funções. Esse resultado abre espaço para
investigações futuras, isto é, para estudar se o custo privado do ocupante do
cargo de presidente do conselho afeta sua disposição em assumir a função de
CEO.
O tamanho do conselho de administração e a presença de atividade industrial,
embora tenham sido relevantes na delegação do direito de controle formal, não
são significativos na separação do processo decisório. Isto é, a quantidade de
membros no conselho e a existência de benefícios privados ao controle não
afetam a decisão de separação entre as decisões de controle e gestão.
Embora haja maior probabilidade de delegação do direito de controle formal nas
cooperativas localizadas em Minas Gerais e São Paulo, quando comparadas àquelas
instaladas no Paraná, elas apresentam menor probabilidade de separação das
decisões de controle e gestão. Os estudos que almejam debater a
profissionalização das cooperativas agropecuárias brasileiras devem considerar
essa constatação em suas investigações.
NOTAS
(1) É importante destacar que no Brasil, a partir da publicação do livro
Governança cooperativa ' diretrizes e mecanismos para fortalecimento da
governança em cooperativas de crédito(MELO SOBRINHO et al., 2009), tem início o
debate sobre o conceito e sua aplicação nas cooperativas. A partir do trabalho,
uma linha de pesquisadores passa a usar o termo governança cooperativa para
referir-se à governança corporativa em cooperativas. Os interessados devem
consultar Melo Sobrinho et al. (2009).
(2) Uma organização é complexa independentemente de ser classificada como
multidivisional (M-form) ou unidivisional (U-form), pois, mesmo nesses dois
diferentes tipos de arranjos, a função objetivo é maximizar o resultado
conjunto de todas as suborganizações. As organizações M-form são aquelas
compostas de múltiplas divisões que englobam tarefas complementares e têm foco
no produto. Ao contrário, as U-form são compostas de unidades especializadas,
ou seja, as tarefas são similares ou substituíveis, cujo foco é o processo
(QIAN, ROLAND e XU, 2006).
(3) Embora não exista na literatura uma definição precisa sobre estrutura de
propriedade, o conceito aqui apresentado mescla as definições sugeridas por
Jensen e Meckling (1976) e Demsetz e Lehn (1985).
(4) No que se refere especificamente às cooperativas brasileiras, a Lei 5764/71
apresenta mecanismos que propiciam a contestação do controle vigente. Por
exemplo, o conselho fiscal ou um quinto dos cooperados podem convocar
assembleia geral para votar a deposição do atual conselho de administração.
(5) Há uma vasta literatura que debate os custos e os benefícios para a
organização da junção dos cargos de CEO e Presidente do Conselho de
Administração. Para iniciar o assunto, recomenda-se consultar Brickley, Coles e
Jarrell (1997).
(6) Para simplificação do raciocínio e consecução do objetivo do trabalho,
considera-se apenas um principal e um agente nas relações A1 e A2. Embora gere
limitações ao trabalho, a simplificação não impede uma primeira verificação
sobre as relações de agência estabelecidas. Espera-se que trabalhos posteriores
considerem as relações entre os principais e entre os agentes e agreguem as
informações adicionais que neste trabalho não se objetiva mostrar.
(7) A justificativa é, em geral, salvaguardar a continuidade da sociedade.
Entretanto, essa cláusula de segurançainibe uma das alternativas ao cooperado
de manifestar o desalinhamento de interesse com o controle da organização, isto
é, a saída da sociedade, conforme aponta Holmström (1999).
(8) O índice utilizado para calcular a concentração das atividades foi o
Herfindahl Hirschmann Indice (HHI), sugerido por Serigati, Azevedo e Orellano
(2009).
(9) Assume-se que há um custo de oportunidade do presidente em dedicar-se às
atividades executivas da cooperativa em relação a suas atividades empresariais
particulares. O fato de haver limite à reeleição elevaria seu custo de
oportunidade para dedicar-se às decisões de controle e gestão.
(10) [/img/revistas/rausp/v47n4/a06img03.jpg] tal que 0 < Z < 1, em que zPR e
zIM são variáveis binárias que apontam se as decisões de controle e gestão
estão alocadas sem sobreposição no agente e no principal; d é variável dummy
que aponta se há sobreposição dos cargos de presidente do conselho de
administração e executivo responsável pela gestão e b aponta a dedicação do
presidente do conselho às atividades da cooperativa.
(11) Por tratarem-se o logit(modelo 1) e o tobit (modelo 2) de modelos não
lineares, sua estimativa por mínimos quadrados ordinários (MQO) gera
estimadores em viés. Assim, deve-se utilizar máxima verossimilhança,
apresentada e debatida em Greene (2003).
(12) É assumida a não existência de endogeneidade entre delegação do direito de
controle formal e distribuição de sobras, pois, em geral, a existência de
sobras é função da estratégia definida entre conselho de administração e
gestores da cooperativa.