A Companhia de Pernambuco e Paraíba e o funcionamento do tráfico de escravos em
Angola (1759-1775/80)
As companhias de comércio criadas por iniciativa de Sebastião José de Carvalho
e Mello, no final da década de 1750, foram um dos mais importantes capítulos da
história econômica colonial portuguesa da segunda metade do século XVIII. Seja
pela introdução e estímulo à produção mercantil do algodão, seja pela
integração definitiva da região do Grão Pará e Maranhão ao mercado atlântico,
ou ainda pelas mudanças institucionais e na organização dos grupos mercantis
portugueses, estas empresas foram um marco na transição entre a depressão
aurífera e a recuperação da agricultura de exportação no final do século. Não
bastasse sua importância, pela ligação com o Estado e a administração pública
portuguesa, produziram e guardaram uma imensa coleção de documentos de cunho
contábil que permitem deslindar a organização do comércio atlântico em seus
três ramos: o africano, o europeu e o americano.
Mesmo assim, foram poucos os estudos sobre elas. Até agora, apenas a Companhia
do Grão Pará e Maranhão foi devassada pelos trabalhos mais abrangentes de
Manuel Nunes Dias e de Antônio Carreira, enquanto que a Companhia Geral de
Pernambuco e da Paraíba (CGPP) foi estudada apenas por José Ribeiro Jr., além
do capítulo de menor fôlego de Antônio Carreira sobre ela no livro As
companhias pombalinas.1 Mais recentemente, monografias e artigos abordaram
alguns temas relacionados às companhias, por exemplo, a sua relação com as
populações coloniais, mas não chegaram a retornar aos seus dados contábeis.2
Particularmente sobre a Companhia de Pernambuco e da Paraíba, os estudos
existentes não abrangem com o devido cuidado cada ramo do negócio do Atlântico.
No caso do tráfico de escravos operado pela Companhia, o trabalho de Carreira
levantou os números de almas exportadas, abordou as rotas, tratou da origem
étnica dos escravos, mas pouco disse a respeito da organização do negócio do
ponto de vista do financiamento e da sua organização na costa da África. Já o
livro de José Ribeiro Jr. apresentou alguns dados, mas também não discutiu os
temas que serão explorados aqui.
O presente artigo limita-se, portanto, ao estudo das atividades mercantis da
Companhia de Pernambuco e da Paraíba no seu ramo africano. Mais precisamente:
pretende estudar o financiamento das atividades no resgate de escravos em
Angola,3 apresentando para isto um levantamento quantitativo das cargas
importadas por Luanda e das conjunturas do negócio, fazendo ainda algumas
considerações sobre a sua lucratividade. As operações da Companhia serão
encaradas como uma amostragem do comércio angolano em geral, pois, como
pretendo demonstrar, apesar das inovações na organização da Companhia
(companhia por ações, monopólio do comércio), há uma tendência a repetir as
experiências prévias no que diz respeito às rotas e carregações. Nessa direção,
desenvolvo uma hipótese, formulada originalmente por Joseph Miller, de que eram
os homens de negócio sediados em Portugal que financiavam o tráfico em Angola.4
Uma das fontes principais do artigo são os livros de demonstrações da Junta de
Lisboa, verdadeiros balanços das suas operações entre 1759-1775. Trata-se de
uma documentação bastante uniforme, ainda que existam mudanças no modo de serem
lançadas as operações no decorrer do tempo. Todavia, tais registros possuem
problemas graves, como já havia notado Antônio Carreira, pois não cobrem todo o
período de atuação da Companhia, que se estendeu até 1787, e nem sequer abordam
os três últimos anos de monopólio. Não bastasse isto, existem lacunas enormes
nos livros, particularmente nas cargas enviadas de Pernambuco para Angola e de
Angola para Pernambuco, isto provavelmente explica a distorção apontada por
Carreira, que compulsou outras fontes, entre os seus números e os dos trabalhos
anteriores de Edmundo Correia Lopes e Cunha Saraiva.5
Além disso, os números reunidos por Antônio Carreira e os do levantamento mais
recente do The Transatlantic Slave Trade Database (TSTD), são diferentes das
listas de exportações de escravos fornecidas pelos administradores do contrato
de Angola (ver tabela_1, colunas B e C).6 Não está clara a origem da distorção,
sonegação, sub-registro por parte dos administradores do contrato, e diferenças
entre as datas da viagem e a do registro contábil podem estar entre as razões.
Mesmo assim, vale a pena apresentar as diferenças.
![](/img/revistas/afro/n48/a02tab01.jpg)
Somando os anos em que existem dados para as três fontes chega-se ao seguinte
resultado A: 22.678, B: 22.552, C: 24.222. Uma quarta fonte no que diz respeito
ao comércio de escravos é a alfândega de Pernambuco, que registrou a importação
de 30.202 cabeças de Angola entre 1760 e 1777, contra as 32.481 levantadas pelo
TSTD durante o mesmo período.7 As diferenças entre as fontes são em torno de
10% e, ainda que não inviabilizem a análise quantitativa, revelam a dificuldade
em se trabalhar com os dados da Companhia.
Ou seja, ainda é necessário um estudo que levante todas as operações
relacionadas ao tráfico, dispersas na imensa coleção de livros e documentos
avulsos da Companhia, que, como sugeria Carreira em 1982, organize "fichas
individualizadas para cada mercadoria e por ano, por carregações e respectivos
preços, consoantes os destinos".9
Mesmo assim, penso que os dados da Companhia, ainda que incompletos, estão
entre as fontes mais importantes para o estudo do funcionamento do tráfico em
Angola, pois é o conjunto mais abrangente de operações no negócio de escravos
que se conhece até o momento. Mas, para utilizar estes dados, foi necessário
desmembrar o trato quantitativo: no cálculo sobre as importações de Angola,
visando discutir as operações de financiamento do tráfico de escravos e as suas
flutuações durante o período, foram utilizados os já referidos Livros de
Demonstração, procurando completar as lacunas com o Livro Mestre da Companhia
com o registro do enfardamento de mercadorias em Lisboa e com o copiador de
cartas da Junta de Lisboa com a administração de Angola.10 Para controle destes
dados e para completar as lacunas referentes aos anos de 1760-1761, quando não
foi possível levantar o número de cargas enviadas de Pernambuco para Angola,
utilizei os números de Corcino Santos sobre a entrada de embarcações no porto
de Luanda com origem em Pernambuco. Cheguei assim a um número muito próximo ao
de Carreira, que reuniu 125 viagens de Angola para Pernambuco "e outras tantas
de retorno" entre 1759 e 1787, ao passo que, em minha pesquisa, foi possível
levantar 105 cargas para Angola entre 1759 e 1780. Considerando que entre 1781
e 1787 foram enviadas mais algumas carregações, acredito que os resultados
alcançados aqui são bastantes seguros.11 Do mesmo modo, o número assemelha-se
aos do TSTD que registra 102 viagens entre 1761 e 1780, incluindo duas em que
foram desembarcados escravos no Rio de Janeiro, ligeiramente inferior aos meus
resultados por causa das diferenças no recorte (as balizas temporais do TSTD
são o ano de descarga dos escravos) e da inexistência de viagens naquele
registro no que se refere ao ano de 1760 (ver nota 7).12
Para estimar a lucratividade e calcular a "balança comercial" da administração
de Angola, relacionei exclusivamente os Livros das Demonstrações. Esta
documentação cobre um pouco mais da metade das negociações totais da Companhia
e se encerra antes mesmo do fim do monopólio; mesmo assim, pode ser vista como
uma amostra relativamente equilibrada, pois ao todo registra 72 operações de
importação incluindo cargas originadas em Lisboa (24) e Pernambuco (48) e
71 operações de exportação, para Pernambuco (69) e para o Rio (2).
Do copiador e de alguns documentos avulsos do Arquivo Histórico Ultramarino
procurei retirar as informações qualitativas sobre o negócio.
***
Criada pelo Alvará de 13 de agosto de 1759, a Companhia de Pernambuco e da
Paraíba fez parte da reorganização institucional promovida pelo Marquês de
Pombal na organização do comércio português. Foi precedida pela criação das
companhias do Maranhão e do Grão Pará, da Agricultura e Vinhas do Alto Douro, e
da menos bem sucedida Companhia da Ásia Portuguesa; estando associada ainda à
criação da Junta de Comércio e à expulsão dos comissários volantes do Brasil.
Fundamentalmente, as medidas favoreciam os grandes capitalistas da praça de
Lisboa, demarcando o que K. Maxwell chamou de "nacionalização da economia luso-
brasileira".13
Entre os privilégios obtidos pela Companhia estava o "exclusivo para ela só
fazer o comércio, que até agora se fez, vaga e exclusivamente das referidas
Capitanias de Pernambuco e Paraíba para a Costa da África e portos dela",14
basicamente Costa da Mina e Angola, locais de onde tradicionalmente resgatavam-
se escravos para Pernambuco. À junta de administração em Lisboa e às duas
direções subordinadas em Pernambuco e no Porto, submetiam-se mais duas
administrações: na Paraíba, ligada à direção de Pernambuco, e em Angola,
controlada pela Junta de Lisboa.15
É notável que a forma de organização dos negócios, no que diz respeito ao
tráfico de escravos, reproduzia padrões anteriores: em Angola, onde a presença
lusitana era mais do que secular e onde já existia uma praça mercantil,
articulada com a praça de Lisboa, era estabelecida uma administração
diretamente ligada à Junta central; na Costa da Mina, onde o resgate era feito
principalmente pelos capitães de navios das praças da América portuguesa, nem
procurador havia,16 e o negócio naquela costa era operado exclusivamente pela
direção de Pernambuco.
A administração de Angola, estabelecida em Luanda por volta de 1760, possuía
dois administradores: nos primeiros anos, Raymundo Jalamá e Francisco Bruno de
Lemos. Os administradores recebiam cargas de Lisboa e Pernambuco com as quais
deveriam operar o resgate, comprando escravos dos comerciantes e pumbeiros de
Luanda, também eram responsáveis pelas expedições dos escravos que partiam para
Pernambuco; recebiam salários, além de comissões sobre as cargas, que deveriam
ser de 5% a venda, 1,5% de cobrança e 1,5% de remessa. Na essência, como dizia
a Junta de Lisboa "o projeto do negócio de Angola é trocar fazendas por
escravos e que as mesmas fazendas que desta se remetem hajam de suprir as
expedições que as foram de Pernambuco".17 Deste modo, o tráfico era plenamente
verticalizado e a maior parte dos lucros contabilizados com as cargas de Angola
era realizada apenas em Pernambuco com a venda final dos escravos.
No entanto, os balanços e a correspondência da Companhia mostram que as
operações foram ligeiramente mais complexas. Nos primeiros anos a administração
em Angola necessitou tomar crédito em letras, provavelmente para comprar alguns
produtos de origem americana.18 Também durante cinco ocasiões os
administradores compraram mercadorias asiáticas diretamente das Naus da Índia,
aproveitando-se da autorização do comércio com estas embarcações entre 1761 e
1772. Por último, como será demonstrado em seguida, a Companhia realizou parte
de seus lucros com letras.
Além disso, os administradores de Angola não se furtavam a fazer negócios por
conta própria, como mostram as queixas da Junta durante a década de 1770.19 Em
compensação, em duas ocasiões, a Junta de Lisboa enviou cargas a comerciantes
de Angola, Manoel Bessa Teixeira e João Alves Ferreira, que não estavam
diretamente engajados na administração.20
Antes de prosseguirmos na análise dos dados e tendo em vista o objetivo deste
artigo, é importante verificar a representatividade da Companhia no conjunto
das negociações angolanas. Para tanto, basta calcular a proporção das suas
compras no total das exportações angolanas de escravos. Entre 1761 e 1778,
enquanto durou o exclusivo, a administração de Angola foi responsável pela
exportação de 26% dos escravos enviados de Luanda, com a sua participação
girando anualmente entre 14 e 44% do total.21 No momento em que foi encerrado o
exclusivo, as exportações da Companhia caíram em números absolutos e relativos
(apenas 13% do total), como era de se esperar; mas ainda ocorreram dois anos de
grandes exportações (1782-1783). Creio que isto permite concluir que a
Companhia de Pernambuco foi, provavelmente, a maior exportadora individual de
escravos em Luanda no período, enquanto durou o monopólio, daí que as suas
operações sejam um retrato ligeiramente fiel do negócio naquela região.22
Vejamos agora o conjunto das negociações da administração de Angola entre 1759-
1775, segundo os balanços gerais da Companhia. Vale lembrar que estes balanços
representam pouco mais da metade das operações da Companhia em Angola.
Os números do Gráfico_1 apresentam um contraste muito claro entre as
exportações feitas pela administração de Angola que superam em mais de 331
contos as suas importações. Há de se considerar ainda que o já referido sub-
registro do livro de demonstrações incide mais sobre as exportações, pois as
ausências nas importações são principalmente de cargas de Pernambuco que mal
ultrapassavam o valor de 2,7 contos por navio, enquanto as cargas enviadas de
Angola eram de 16 contos em média. Retificando as importações pelos dados
levantados em outras fontes (ver nota 10) chega-se a um valor de 993 contos
(ver Tabela_2); procurando completar o valor das exportações de escravos pela
estimativa da carga média de cada navio negreiro, chega-se ao valor de 1.683
contos, ou seja, as exportações ultrapassaram as importações em aproximadamente
69% entre 1759 e 1780. 23
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[/img/revistas/afro/n48/a02tab02.jpg]
A razão desta aparente distorção é muito simples, os valores das cargas eram
calculados pelos seus preços nos portos de origem, como fica claro pelo livro
de enfardamentos da Companhia, de maneira que aos valores das importações devem
ser somados os custos e os lucros das operações.24
Praticamente todas as exportações destinavam-se a Pernambuco, mas constam dois
envios para o Rio de Janeiro. Não está clara a razão destas carregações,
todavia, é possível que não tenham passado de experiências malsucedidas visando
diversificar as operações da Companhia, uma vez que as cargas de escravos
enviadas para Pernambuco resultavam em prejuízos ou em lucros muito pequenos
(ver adiante). As operações no Rio estavam sob o cuidado de um procurador que
também era responsável pelo pagamento de algumas letras sacadas pelos
administradores.25
O estudo das importações pode ser mais abrangente graças ao levantamento mais
completo.
Primeiro, uma conclusão óbvia: há um domínio completo de cargas originadas em
Lisboa (74%), em seguida estão as cargas enviadas pela administração de
Pernambuco (20%) e, por último, as compras feitas pelos administradores de
mercadorias das Naus da Índia (6%) (ver a última coluna da Tabela_2). Ainda que
seja possível um viés nas operações da Companhia pelo seu caráter eminentemente
reinol, estas proporções reforçam estimativas referentes ao período de 1796-
1807 e demonstram que era através da Metrópole que era fornecida a maior parte
das mercadorias para o resgate angolano.26
Aliás, se fosse mais rentável enviar produtos preferencialmente por Pernambuco
ou comprá-los em Angola, a Companhia o faria.27 Isto fica bastante claro nas
instruções da Junta de Lisboa sobre a compra de fazendas das Naus da Índia:
[...] esta junta presume que a esse porto [Luanda] hão de ir as Naus
vindas de Goa, conforme as ordens de S. Maj., ordena a V. Mce. que
das fazendas que elas trouxerem podem comprar as que bem lhe bastam
para o sortimento anual do negócio que essa administração aí fizer e
de sua importância sacar letras sobre esta junta com a maior extensão
de tempo em que se puderem ajustar com os vendedores delas.28
Pretendendo liquidar os negócios em 1785, a Junta determinou que os navios que
faziam o trajeto Luanda-Pernambuco deveriam carregar em Recife produtos para
obter em Angola 1/3 de sua lotação e, completando o resto com escravos dos
particulares, vender carga e casco no Rio de Janeiro. Todavia, alguns meses
depois, a Junta de Lisboa retificava:
[...] refletindo depois esta junta que aqueles administradores não
podiam fomentar com gêneros do país e próprios do consumo desse Reino
aquela terceira parte da lotação de cada uma das embarcações [...]
por não haver naquela Capitania [de Pernambuco] [...].29
Apesar do predomínio reinol no fornecimento de mercadorias, o mesmo não ocorria
no número de embarcações que fazia o resgate. Ao todo, levantei 31 cargas
enviadas de Lisboa para Luanda e 74 cargas de Pernambuco para Luanda, deste
modo, a carga média originada em Portugal era de 23 contos, enquanto que a
carga média do Brasil era de 2,7 contos. Estes valores, porém, não representam
a média das cargas por embarcação de modo exato, pois os registros contábeis
eram sobre as carregações e nem sempre constava o nome do navio.
Este problema é mais grave para os seis primeiros anos de existência da
Companhia, quando não foram registrados os nomes das embarcações e, ademais, o
aluguel de espaços nas embarcações de outros proprietários parece ter sido mais
comum. Foi o caso de uma carga de 1.413.774 réis em um navio da Companhia do
Grão Pará e do Maranhão em 1765.30 Por outro lado, também a Companhia de
Pernambuco deveria tomar fretes nas três pontas do negócio; apesar de não ser
possível verificar isto por causa do modo como eram registrados os fretes na
contabilidade da empresa, mas é certo que depois de 1780 a Junta de Lisboa
instruiu os administradores a tomar e a oferecer fretes em Angola.31 Em todo o
caso, as cargas médias por navio deveriam ser apenas ligeiramente superiores,
visto que oferecer e tomar fretes "às partes" era secundário para a Companhia
em Angola, ao menos durante o período em que durou o monopólio.32
Seja como for, os números da Companhia confirmam uma característica geral do
negócio de Angola: as naves reinóis carregavam valores muito maiores que os
barcos com origem no Brasil. Portanto, é ilusório concluir pelo domínio
"brasílico" sobre o tráfico baseado na frequência de embarcações no porto de
Luanda. 33
As diferenças no valor das cargas e suas consequências sobre a periodicidade do
negócio revelam-se de modo mais claro se analisarmos graficamente a entrada de
mercadorias ano a ano:
A ligação entre Pernambuco e Angola era direta e anualmente entravam
embarcações com jeribita para surtir as grandes cargas que a Companhia enviava
desde Lisboa, sendo assim, as naves que faziam a rota Pernambuco-Angola
deveriam carregar a maior parte dos escravos. Por sua vez, os navios da capital
eram em menor número e, em alguns anos, chegou-se a interromper a ligação entre
Luanda e Lisboa. Essa forma de organização do resgate, com grande separação no
tempo entre o fornecimento de mercadorias no litoral e a realização em
escravos, era típica do negócio de Angola. À baixa frequência de embarcações
reinóis correspondia o uso regular do crédito; como retrucavam os
administradores às críticas da Junta de Lisboa "sem cabedal empatado em dívidas
é impossível que essa administração possa manear-se".34
Isto só era possível com o gerenciamento de estoques em Luanda, operação que
era viável aos grandes monopolistas, fosse a Companhia, fossem os contratadores
de Angola que dominaram boa parte do financiamento do negócio até 1770.35 Ao
mesmo tempo, a irregularidade dos navios com origem em Portugal era possível
pela natureza da carga, basicamente produtos manufaturados não perecíveis de
alto valor e de maior facilidade para transporte e armazenamento, enquanto as
cargas com origem no Brasil eram mais perecíveis e precisavam ser liquidadas
rapidamente; esta é uma das razões porque as taxas de lucro das carregações com
origem em Pernambuco eram tão inferiores (voltarei a este ponto).36
Vale dizer, porém, que, ao contrário do que sugere parte da historiografia
sobre o tráfico, dívidas avultadas eram consideradas um problema pelos
credores, como revela a correspondência da Junta de Lisboa:
o interesse da Companhia não consiste tanto em fazer um negócio muito
avultado, quanto em fazê-lo com segurança e de modo que a todo tempo
possa retirar seu cabedal e lucros [...] que procurem seguir de comum
acordo as regras mais sólidas e mais comuns da melhor segurança [...]
não aumentando as dívidas, nem demorando as cobranças e procurando
quanto lhe for possível vender a troco de dinheiro, letras e cera e
não confiando fazendas, nem contraindo dívidas com os negociantes dos
moradores do sertão.37
O tema certamente merece ser mais bem investigado, mas acredito que uma das
explicações para o uso generalizado de crédito é um reflexo do caráter
particular da presença lusitana em África, frente às nações europeias. Sem uma
manufatura competitiva e com pequena penetração no mercado asiático, Portugal
conseguia controlar o tráfico em Angola graças a sua presença com fortalezas no
hinterland de Luanda e o exclusivo metropolitano. No entanto, nas feiras do
interior a concorrência com as outras nações, ainda que indireta, fazia-se
presente graças à ação dos pumbeiros que iam buscar mercadorias nos portos do
norte, frequentados por franceses e ingleses. Sendo assim, o fornecimento de
crédito seria um dos atrativos dos mercadores portugueses, mas este mercado
funcionava, ainda que imperfeitamente, com a presença das instituições
portuguesas (governador, ouvidor, juiz de fora) que garantiam, mesmo que de
modo precário, a arrecadação das dívidas.38
No tocante às oscilações das importações durante o período estudado, é visível
que elas acompanham a baixa nas exportações de escravos (Tabela_1).
Naturalmente que não existe uma correspondência imediata no tempo entre
importações e exportações, tendo em vista a estocagem de mercadorias nos
armazéns em Luanda e o uso do crédito, é preciso lembrar que os administradores
em Angola necessitavam ajustar a constituição dos banzos a serem enviados ao
interior pelos pumbeiros com o fornecimento de mercadorias de resgate pelos
navios da Companhia que, como se observa no gráfico_2, era bem irregular. Mesmo
assim, podemos ver três períodos muito bem destacados: 1759-1769, com grandes
importações de mercadorias e exportações de escravos, 1770-1778, em que se
reduziu o movimento comercial da administração de Angola e depois de 1779, em
que as operações da Companhia foram vagarosamente paralisadas.
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Lucros e prejuízos
Um dos problemas fundamentais na análise das operações da Companhia de
Pernambuco é a estimativa dos lucros. Como já foi dito, as demonstrações
registram pouco mais da metade das operações no tráfico e a estimativa aqui
terá de se basear unicamente nas negociações reunidas nestes livros.
Além disto, o modo como eram lançados os lucros refletia a morosidade entre os
envios das cargas e a chegada da notícia da realização. Assim, na maioria das
vezes, era lançada uma estimativa dos ganhos no ano em que era registrada a
carregação e apenas nos balanços seguintes era retificada a estimativa sob o
registro "diferença entre o que se orçou e o que realmente rendeu em uma
carga".39 Deste modo, o cálculo ideal seria separar cada carga e identificar os
lucros reais por cada operação e, depois disto, fazer as somas e as decorrentes
análises. No entanto, há uma dificuldade incontornável, pois nem sempre as
retificações posteriores permitem uma identificação exata da carga nos balanços
anteriores. Para tanto, seria necessário retornar aos livros originais e
construir as fichas individualizadas sugeridas por Carreira, o que atualmente é
impossível.
Sendo assim, o modo para avaliar os lucros foi somar o conjunto de estimativas
de lucros e as retificações posteriores para, com isto, obter os lucros globais
no agregado e nas três rotas do tráfico: Lisboa-Angola, Pernambuco-Angola,
Angola-Pernambuco. Este cálculo é imperfeito, pois nem todas as estimativas
foram depois corrigidas nos livros, de modo que para 148 cargas possuímos
apenas 127 correções; a contabilidade é interrompida antes de ser esclarecida a
totalidade de vendas entre 1759 e 1775. A maior incongruência, porém, são 26
cargas de Angola para Pernambuco em que o lucro foi lançado diretamente, sem
estimativa, de modo que o número de cargas com estimativas de lucro é de apenas
122. A única explicação para tamanha discrepância é que também para os casos em
que o lucro foi lançado diretamente ocorreram correções posteriores. Seja como
for, tendo em vista que a maior parte das correções era para baixo, este modo
de calcular os lucros tende a sobrelevar ligeiramente os lucros porque nem
todas as operações registradas e estimadas foram efetivamente retificadas.
A Tabela_3 resume os lucros no conjunto entre 1759-1775, separando-os por
rotas, as taxas foram calculadas apenas sobre o valor das cargas.
[/img/revistas/afro/n48/a02tab03.jpg]
Estes cálculos confirmam as instruções do copiador de cartas da Junta de Lisboa
(ver nota 29), enquanto a venda de mercadorias em Angola produzia receitas
chorudas, o comércio de escravos propriamente dito era pouco lucrativo;
tampouco o negócio de jeribitas produzia muita coisa. Aliás, o que é mais
surpreendente é que a venda de mercadorias da Índia, onde foram investidos
apenas 55 contos, tenha gerado uma receita superior ao conjunto de exportações
de Pernambuco para Angola que movimentou 120 contos e 49 navios (Tabela_3, rota
4).40
No entanto, apenas uma dimensão do negócio é avaliada por estes cálculos, pois
não constam aqui os fretes e tampouco são considerados diversos custos. A
contabilidade da Companhia calculava os ganhos com fretes separadamente da
venda de mercadorias, assim, e apenas até 1769, eram lançados nos lucros ou nos
prejuízos as operações referentes ao transporte descontando-se os gastos com o
custeamento de cada navio dos ganhos com fretes em cada trajeto (a saber,
Lisboa-Angola, Angola-Pernambuco, Pernambuco-Lisboa, Pernambuco-Angola). A
partir de 1770 passou-se a registrar, de modo agregado, os lucros e prejuízos
líquidos obtidos com a totalidade de operações de frete, incluindo os trajetos
do tráfico de escravos e do transporte de açúcar.
À primeira vista, os ganhos com fretes parecem ter origem em negócios
autônomos, de operações em que a Companhia tivesse apenas carregado mercadorias
para terceiros. Ademais, os estatutos definiam uma diferença no que diz
respeito à cobrança de fretes sobre as mercadorias da Companhia:
Nas fazendas secas [...] não poderá a Companhia vender por mais de
quarenta e cinco por cento, em cima de seu primeiro custo em Lisboa
[...] e isto em atenção a que os fretes, seguros, comboios, direitos
de entrada e saída, empacamentos, carretos, comissões e mais despesas
com as ditas fazendas, hão de ser por conta da Companhia [...]
Nas fazendas molhadas, farinhas, e mais comestíveis [...] não poderá
também vender por mais de dezesseis por cento, livres para a
Companhia de despesas, fretes, direitos e mais gastos de compras,
embarques, entradas e saídas [...].41
Os estatutos, portanto, permitiam a cobrança de fretes apenas nos comestíveis e
molhados, enquanto nas fazendas secas o lucro de 45% deveria absorver os
custos. Há uma lacuna na lei no que se refere aos escravos, pois não podiam ser
classificados por nenhuma destas categorias.
Mas calculando os valores levantados com fretes no trajeto Angola-Pernambuco
entre 1761 e 1769, chega-se à conclusão que eles permitiriam carregar 78% dos
escravos efetivamente carregados para Pernambuco no mesmo período, segundo o
TSTD. Como há uma sub-representação dos negócios de escravos nos livros de
demonstração, a conclusão é que os valores dos fretes eram obtidos sobre a
venda dos escravos da própria Companhia em Pernambuco. Ou melhor, os lucros com
fretes eram repassados na venda dos escravos aos compradores de Pernambuco.
A análise dos fretes obtidos entre 1761 e 1769 permite outra conclusão: as
maiores rendas com este negócio eram obtidas na rota Angola-Pernambuco e em
segundo lugar entre Pernambuco e Angola, como mostra o gráfico_3:
[/img/revistas/afro/n48/a02grf03.jpg]
Ou seja, apesar do baixo volume dos lucros no negócio de mercadorias no
conjunto do comércio entre Pernambuco e Angola e da pequena movimentação de
mercadorias, particularmente na exportação de produtos americanos para Luanda,
os ganhos com fretes acabavam por compensar em parte a manutenção do negócio
direto entre África e Brasil. Uma comparação permite visualizar a importância
do negócio de fretes: segundo os livros de demonstrações, os valores levantados
no trajeto Pernambuco-Angola entre 1761-1769 (73.706.23 réis) superam o valor
das mercadorias exportadas por esta rota no mesmo período (73.505.222 réis).
Ao mesmo tempo, vale considerar a pequena importância dos fretes entre Lisboa e
Angola: é verdade que, na média por embarcação, os ganhos com o transporte na
rota Lisboa-Angola (3.723.244 réis) eram maiores que os do trajeto Pernambuco-
Angola (2.541.597 réis). Porém, basta comparar os valores das cargas médias nas
duas rotas (respectivamente, 23 e 2,7 contos) para constatar como os fretes
eram um negócio secundário na rota do Reino. A explicação está na natureza do
negócio: as fazendas trazidas de Portugal possuíam um alto valor e um volume
muito baixo, já os molhados exportados por Pernambuco eram de baixo valor e
volume muito alto. Os já citados estatutos da Companhia refletiam esta
diferença entre um e outro negócio.
Passemos agora ao cálculo geral da taxa de lucro das operações da Companhia com
o tráfico de Angola entre 1759 e 1775, baseado nos livros de demonstrações
(tabela_4). Para tanto, na coluna "Investimentos" serão somados os valores das
cargas (linha 1), os salários dos administradores (linha 4), os preços dos
navios utilizados (linha 2) e os custeios das embarcações (linha 3). Na coluna
"lucros líquidos" serão lançados os ganhos líquidos sobre as vendas com as
mercadorias (linha 5) e os lucros líquidos com os fretes (linha 6), deste valor
serão deduzidas algumas perdas com mortes de escravos em Angola (linha 7),
coluna "custos extraordinários". Penso que o valor dos navios não pode ser
considerado um custo a ser deduzido do lucro líquido, pois faziam parte do
"capital fixo" da empresa; o correto seria considerar uma taxa de depreciação,
mas creio que esta operação já era abarcada pelos custeamentos (ver adiante).42
Mesmo assim, fiz um segundo cálculo inserindo o valor das embarcações como
custos de modo a compensar uma possível depreciação e eventuais custos não
contabilizados.
[/img/revistas/afro/n48/a02tab04.jpg]
Note-se ainda que os valores dos fretes e do custeio das embarcações só foram
discriminados até 1769, por isto extrapolei a média anual do período 1759-1769
para os anos seguintes (ou seja, até 1775).
Esta conta tem defeitos diversos: nem todo o valor dos navios poderia ser
lançado como capital investido no tráfico, pois alguns deles eram utilizados na
rota do açúcar. Do mesmo modo, não considerei os fretes ganhos no último
trajeto da rota triangular (Pernambuco-Lisboa), pois estavam associados ao
negócio do açúcar.43 Tal consideração comprime bastante os ganhos com fretes,
pois não foi possível descontar os custeamentos especificamente do trajeto
entre Pernambuco e Lisboa; ademais a rota triangular, com o retorno a Portugal,
era um ganho de escala do tráfico de escravos.44 Por último, como já foi dito,
uma parte pequena dos ganhos com fretes foi registrada, mesmo para o contexto
do livro de demonstrações. Tudo isto leva a concluir que os ganhos no negócio
do transporte foram subestimados nesta conta, o que não deixa de ser uma
compensação às superestimações dos lucros com o comércio de mercadorias.
Sendo assim, chega-se a uma taxa de lucro de 16% no conjunto das operações do
tráfico (Tabela_4, última linha), se desconsiderado o valor dos navios como um
custo, e 12% se considerados. São, portanto, taxas superiores às calculadas por
Robert Stein sobre o tráfico francês (10%) e Roger Anstey para o inglês (9,5%);
também superam em muito uma das taxas estimadas por Gustavo Acioli Lopes para a
Costa da Mina (3%). Fica, porém, abaixo dos cálculos de Manolo Florentino
(19,2%), mas esta última estimativa possui o defeito de uma clara
superestimação nos preços dos escravos no Brasil.45 Aproxima-se, contudo, dos
números de Acioli Lopes quando este considera os lucros obtidos com o
fretamento (14%).46
Ao comparar os resultados da Companhia com os cálculos de Acioli Lopes, três
considerações se impõem: em primeiro lugar, o cálculo do autor sobre a armação
é bem mais complexo, incluindo soldadas, mantimentos e a amortização das
embarcações. Creio que estes três itens eram cobertos pelo valor do
"custeamento" que a contabilidade da empresa lançava junto aos fretes.47 Em
segundo lugar, Acioli Lopes lança como custo as perdas de vidas na viagem; como
não existem registros destas perdas nos livros de demonstrações, presumo que
este valor era deduzido dos lucros com a venda dos escravos em Pernambuco.48
Tampouco os gastos com impostos eram registrados, mais um custo que seguramente
era deduzido diretamente da realização final da mercadoria humana na América.
A taxa de lucro elevada da Companhia pode ser facilmente explicada como uma
renda de monopólio. Não obstante, como já foi dito, o monopólio da empresa era
sobre o fornecimento de escravos em Pernambuco, onde os lucros foram estreitos,
e não sobre a venda de mercadorias em Angola, onde se concentrava a maior parte
dos lucros. A explicação para este problema está na própria organização do
negócio que refletia as condições do transporte e a estrutura fiscal do
tráfico. Perdas de vidas na viagem do Atlântico e o pagamento de impostos eram
um custo importante do negócio: o TSTDregistra uma mortalidade de 4,2% para os
navios da Companhia entre 1759 e 1775; mais importante era o peso dos impostos,
o valor pago em direitos sobre a exportação de escravos em Angola entre 1759 e
1775 foi de aproximadamente 11% do total do capital investido no tráfico.49
Vale dizer, que o peso fiscal em Angola era bem maior do que na Costa da Mina
segundo os cálculos de Acioli Lopes (6%).50 Como já foi dito, todos estes
custos eram lançados sobre o valor de venda do escravo em Pernambuco,
comprimindo a taxa de lucro sobre esta parte do negócio em particular.
Mais uma vez, a prática da Companhia reproduzia o modo de se negociar em
Angola: os capitães dos navios costumavam pagar os direitos dos escravos com
letras que eram descontadas sobre as vendas destes no Brasil. Apesar de os
administradores da Companhia desejarem pagar os direitos de exportação com
moedas de cobre, tiveram de se submeter à prática da terra.51 Prática, aliás,
que era um resultado da separação entre as propriedades das cargas que
financiavam o resgate, geralmente de homens de negócio reinóis, e dos escravos
que pertenciam à comunidade mercantil de Luanda.52 Atuando principalmente no
fornecimento de fazendas de resgate, os capitalistas de Lisboa se evadiam dos
riscos e dos altos custos do trajeto Angola-Brasil, reproduzindo um tipo de
hierarquia econômica e territorial em que o domínio sobre o crédito e sobre a
ligação entre a Europa e Angola eram a chave para obter uma lucratividade
superior.
De fato, a própria Junta de Lisboa estava consciente deste problema do tráfico
em Angola, como mostram as suas queixas sobre a lucratividade da venda com
escravos. Em 1768, preocupada com a quantidade de capitais imobilizados em
Luanda e com o acúmulo de escravos invendáveis em Pernambuco, escrevia:
[...] tem resolvido proporcionar o fundo desta negociação com a saída
de gêneros que exporta desse continente, de sorte que não haja
excesso na extração, pois que não há uma competente saída. Para este
efeito pretende não mandar para essa administração mais fazenda que a
que basta para surtir e promover a venda da que lá se acha até chegar
ao ponto de existir nessa administração um fundo competente ao
negócio que a Companhia deve fazer e das cabeças que aquelas
capitanias podem comprar. Neste sistema novo regularão V. Mcê. as
suas receitas e igualmente as suas expedições, conferindo com a
Direção de Pernambuco o número de cabeças que aquelas capitanias
podem comprar. A respeito, porém, da cera V. Mcês. poderão mandar
toda a que puderem adquirir por ser este gênero de melhor saída e não
ter o risco de se arruinar. Não é a tenção desta Junta diminuir o
negócio desse Reino [de Angola] todas as vezes que V. Mcês. se
esforçarem em tirar os cabedais, produto das fazendas que remetemos,
da mesma sorte que praticavam sempre os negociantes particulares por
letras. Isto se entendendo naquele cabedal que exceder o número de
cabeças com que se fornecer Pernambuco [...].53
Além de procurar reduzir as exportações de escravos para melhorar os preços em
Pernambuco, a Junta pretendia realizar os capitais envolvidos no tráfico em
cera e letras, de modo a evitar em parte os referidos custos (mortalidade e
impostos) com a venda de escravos. Mas a verdade é que a Companhia não podia
furtar-se de fornecer escravos e, portanto, tinha de absorver as perdas do
Atlântico Sul e as operações com letras e cera, ao que tudo indica foram
secundárias.
Ademais, o monopólio sobre o fornecimento de Pernambuco e Paraíba pode ter
aumentado de modo indireto os lucros obtidos com as vendas em Angola. Como o
lucro em Angola era essencialmente contábil, ou seja, não se transformava em
dinheiro líquido, mas apenas em escravos que deveriam ainda ser vendidos em
Pernambuco, é possível que fazendas de resgate mais caras comprassem escravos
de pior qualidade.54 Assim, o alto lucro na venda das fazendas era compensado,
no outro lado do Atlântico, por ganhos insignificantes ou até mesmo em
prejuízos (que seriam ainda maiores na ausência do monopólio). De qualquer
modo, o fato é que a Companhia estava ganhando dinheiro com o resgate de
escravos angolanos em uma época em que quase todo mundo estava perdendo.55
Sendo assim, a CGPP reproduzia alguns dos esquemas de financiamento "típicos"
do negócio de Angola, com uma relativa separação entre o fornecimento de
mercadorias para o resgate e o transporte de escravos, e um decorrente
contraste entre os valores das cargas enviadas de Lisboa e as remetidas do
Brasil e de Angola. No entanto, o caráter monopolístico da empresa e a
obrigação de fornecer escravos para Pernambuco fazia com que os lucros obtidos
em Luanda tivessem de ser realizados em escravos e não preferencialmente em
letras, como parece ter sido o caso dos negócios operados pelos negociantes
reinóis particulares que enviavam cargas para a praça africana.56 Esta
particularidade obrigava a Companhia a assumir os riscos com as perdas de
escravos na passagem Atlântica e os custos com impostos. Os problemas poderiam
ser parcialmente dirimidos graças a uma política de estrangulamento do mercado
de Pernambuco visando a manter altos os preços de venda final dos escravos,
como parece ter sido a deliberação da Junta de Lisboa em 1768, repassando parte
dos custos ao produtor estabelecido no Brasil. Havia, portanto, um aspecto
político nos lucros registrados pelos livros de demonstração, dimensionando
ganhos altíssimos às cargas originadas em Lisboa e jogando às possessões
coloniais os custos da realização das mercadorias.
Cabe abordar um último aspecto da contabilidade da Companhia que permite
qualificar a lucratividade e pensar o outro lado dos "lucros políticos" da
CGPP: as dívidas. Apesar da Junta de Lisboa instruir a administração de Angola
a não vender a crédito, o fato é que isto era impossível e ao que tudo indica a
venda a fiado foi amplamente praticada. Estas operações eram por conta dos
administradores em Luanda e, portanto, os livros de demonstração registram
dívidas exclusivamente da "administração de Angola" e não de particulares como
era o caso de Pernambuco. É que, como havia avisado a Junta, eram os
administradores que deveriam "responder sobre si" no caso de dívidas.
Nas "Correntes que se acham existir nos balanços demonstrativos desde o
princípio da Companhia até 31/12/1775" constavam os seguintes valores em haver:
Cargas de Angola para Pernambuco............. 97.342.501 réis.
Cargas de Lisboa para Angola............. 225.365.879 réis.
Cargas de Pernambuco para Angola............. 32.321.742 réis.
Trata-se de cargas enviadas sobre as quais não existia o registro da venda e
que totalizavam mais de 335 contos de réis, valor comparável ao conjunto dos
ganhos com o tráfico. Mas isto não pode ser encarado como uma dívida em seu
sentido estrito, tendo em vista que elas iam sendo liquidadas à medida que as
notícias das vendas chegavam a Lisboa. Tanto é assim que em 1785, ano em que a
Junta de Liquidação da Companhia pretendeu encerrar as negociações, as
correntes relacionadas ao tráfico em Angola somavam apenas 70 contos de réis. O
fechamento das operações certamente teve reflexos sobre a cobrança da venda de
mercadorias, pois em 1793 a Companhia ainda tinha em haver mais de 65 contos de
réis em Angola, valor que certamente estava perdido e que poderia ser lançado
como prejuízo.57
Sendo assim, a presença de mercadorias sem o devido registro de venda em 1785,
após sete anos de operações que visavam essencialmente liquidar os negócios,
mostra que apesar da lucratividade razoável, o tempo de rotação do capital era
extremante alto.
Considerações finais
Penso que este estudo de caso permite relativizar parte da produção
historiográfica dos últimos 20 anos, particularmente no que diz respeito à tese
do domínio dos mercadores coloniais sobre o tráfico: a contabilidade da
Companhia mostra uma presença avassaladora de cargas de origem reinol no
tráfico em Angola, apesar da baixa frequência de embarcações. Os números
apresentados comprovam a interpretação de Joseph Miller sobre o tráfico, que
vem sendo sistematicamente ignorada pela historiografia brasileira, e os
números das balanças de comércio portuguesas e mapas de importação e exportação
de Angola entre 1796 e 1807.58
Ao mesmo tempo, a importância do mercado de fretes na ligação entre Angola e
Pernambuco, aspecto que já havia sido ressaltado por Miller, fica demonstrada
quantitativamente. No conjunto, portanto, a participação "brasílica" na balança
de pagamentos do tráfico de Angola foi bem maior do que sugere a análise pura
dos dados de importação e exportação, mas se fôssemos calcular uma balança de
pagamentos seria necessário incluir a diferença na lucratividade das
mercadorias que, como foi visto, favorecia a metrópole. Penso que aqui é
possível uma aproximação com a historiografia recente, desde que devidamente
qualificada: o domínio brasileiro era sobre o "tráfego" de Angola e não sobre o
"tráfico" de Angola, para utilizar uma importante distinção conceitual sugerida
por Leonor da Freire Costa.59 O negócio do transporte era uma atividade
importantíssima, como mostram os expressivos ganhos com fretes da CGPP; caberia
um estudo dos efeitos de encadeamento deste sobre a construção naval e a
produção de alimentos para a matalotagem no Brasil, seguindo aqui uma via de
análise explorada por Amaral Lapa em seu estudo sobre a Carreira da Índia.60
Outra aproximação, mas aqui se trata mais dos trabalhos da historiografia
anglo-saxã, diz respeito ao cálculo da lucratividade do tráfico. Ao contrário
do que presumia o velho Eric Wiiliams, a lucratividade do tráfico era "normal",
mesmo para uma companhia monopolista. O resultado entre 12 e 16% aproxima-se
dos cálculos rigorosos de Acioli Lopes para o Atlântico lusitano, Anstey para o
Atlântico inglês e Stein para o Atlântico francês. Mas vale lembrar que esta
lucratividade merece ser comparada com outras alternativas de investimentos
numa economia de Antigo Regime. Stuart Schwartz estimou uma taxa de retorno
entre 5 e 10% para os engenhos baianos durante o século XVIII; já Helen Osório
calculou taxas de lucro entre 61,6%, 75% e 110,6% de alguns contratos do Rio
Grande do Sul no final do século XVIII, no conjunto das operações, por sua vez,
Acioli Lopes encontrou taxas bem menos significativas para o dízimo do açúcar
na primeira metade do século XVIII, entre 1 e 4,6% anual.61
As receitas obtidas pela Companhia com o tráfico são menores apenas do que os
lucros obtidos com os contratos do Rio Grande no final do século XVIII, mas são
conjunturas distintas, considerando que a Companhia operou durante uma
depressão comercial, sua taxa de lucro parece ser ainda mais formidável. O
tráfico em Angola era, no final das contas um interessante vent for profit para
o capital mercantil metropolitano.
Texto recebido em 24 de outubro de 2011 e aprovado em 16 de outubro de 2012.
*
O autor agradece aos pareceristas anônimos que contribuíram para o melhoramento
do artigo.
1 José Ribeiro Jr., Colonização e monopólio no Nordeste brasileiro, São Paulo:
Hucitec, 2004; e Antônio Carreira, As companhias
pombalinas,Lisboa: Presença, 1983.
2 Por exemplo, Érika S. A. Carlos, "O fim do monopólio: a extinção da Companhia
Geral de Pernambuco e Paraíba" (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal
de Pernambuco, 2001).
3 Sigo a documentação da Companhia e boa parte dos registros alfandegários que
designam por "Angola" o comércio feito através do porto de Luanda. Esta
designação parece ser comum no Império português durante o século XVIII, pois,
de acordo com Miller, enquanto nas colônias das demais nações europeias os
escravos denominados Angola diziam respeito a todos os indivíduos resgatados ao
sul do Cabo Lopes, no Brasil eram designados por "Angola" os escravos
despachados por Luanda. Não pretendo generalizar o "modelo" de funcionamento do
tráfico discutido aqui para outras zonas como Loango, Cabinda e Benguela.
Joseph Miller, "África Central durante a era do comércio de escravizados, de
1490 a 1850", in Linda Heywood (org.), Diáspora negra no Brasil (São Paulo:
Contexto, 2010), pp. 38-42.
4 Joseph Miller, Way of Death: Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade,
1730-1830, Winscosin: The Universisty of Winscosin Press, 1988. A historiografia tem avançado bastante no debate a respeito das
relações entre o comércio de escravos e as comunidades africanas do interior, o
impacto do tráfico sobre a demografia e sobre as guerras no interior de Angola
e demais regiões da África Centro-Ocidental. Ver por exemplo: John Thornton,
"Early Kongo Portuguese Relations: A New Interpretation", History in Africa, v.
8 (1981), pp. 183-204; John Thornton, "As guerras civis no
Congo e o tráfico de escravos: a história e a demografia de 1718 a 1844
revisitadas", Estudos Afro-Asiáticos, n. 32 (1997), pp. 55-74, John Thornton, Cannibals, Witches, and Slave Traders in the Atlantic
World. The William and Mary Quarterly, Third Series, v. 60, n. 2 (2003), pp.
273-94; Roquinaldo Ferreira, "Transforming Atlantic Slaving:
Trade, Warfare and Territorial Control in Angola, 1650-1800" (Tese de
Doutorado, Universidade da Califórnia, 2003); José Curto,
Raymond Gervais, "A dinâmica demográfica de Luanda no contexto do tráfico de
escravos do Atlântico Sul, 1781-1844", Topoi, n. 4 (2002), pp. 85-138. Ver também os trabalhos mais gerais de John Thornton, "The Portuguese
in Africa",in Francisco Bethencourt e Diogo Curto, Portuguese Oceanic
Expansion, 1400-1800 (Cambridge: Cambridge University Press, 2007); Jan Vansina, "O Reino do Congo e seus vizinhos"; e Marian Malowist,
"A luta pelo comércio internacional e suas implicações para a África", ambos in
Allan Bethwell (org.), História da África, v. V (Brasília: Unesco, 2010), pp.
647-695 e pp. 1-27; David Birmgham, Trade and Conflict in
Angola. The Mbundu and their Neighbours under the Influence of the Portuguese
1483-1790. Oxford: Clarendon Press, 1966. Paradoxalmente são
poucas as contribuições recentes sobre a organização financeira do negócio
durante o século XVIII, especialmente se considerarmos que existem muitas
fontes contábeis e alfandegárias nos arquivos portugueses. Os trabalhos mais
abrangentes a este respeito e sobre o século XVIII permanecem sendo os de
Joseph Miller, "Imports at Luanda, Angola 1785-1823", in G. Pasch e A. Jones,
Figuring African Trade (Berlin: Reimer, 1986); Joseph Miller,
"Slave Prices in the Portuguese Southern Atlantic, 1600-1830", in Paul Lovejoy
(org.), Africans in Bondage. Studies in Slavery and Slave Trade (Winscosin:
African Studies Program; University of Winscosin, 1986), pp. 43-77; e Joseph Miller, "Capitalism and Slaving: The Financial and
Commercial Organization of the Angolan Slave Trade, According to the Accounts
of Antonio Coelho Guerreiro (1684-1692)" The International Journal of African
Historical Studies, v. 17, n. 1 (1984). Também José Curto
trabalhou com o material alfandegário de Luanda em seu estudo sobre o papel das
bebidas alcoólicas no tráfico: José Curto, Álcool e escravos. O comércio luso-
brasileiro do álcool em Mpinda, Luanda e Benguela durante o tráfico atlântico
de escravos (c. 1480-1830) e o seu impacto nas sociedades da África Central e
Ocidental, Lisboa: Vulgata, 2002. Existem ainda algumas obras
mais recentes que tratam do século XVII: Linda Newson e Susie Minchin, From
Capture to Sale: The Portuguese Slave Trade to Spanish America in the early
Seventeenth Century, Leiden/Boston: Brill, 2007; e Filipa R.
Silva, "Crossing Empires: Portuguese, Sephardic, and Dutch Business Networks in
the Atlantic Slave Trade, 1580-1640", The Americas, v. 68, n. 1 (2011), pp. 7-
32.
5 Cf. Carreira, As companhias pombalinas,p. 236. Sobre as
lacunas nos livros de demonstração ver infra o comentário a respeito dos
cálculos de importação e de lucratividade do negócio.
6 David Eltis et. al. "Voyages: The Trans-Atlantic Slave Trade Database"
(2008), www.slavevoyages. Ressalte-se que o TSTD não é uma
fonte totalmente independente e que uma boa parte de seus dados referentes a
Pernambuco no período baseia-se nas mesmas fontes do artigo.
7 O TSTD não registra exportações no ano de 1760, pois o filtro utilizado foi o
proprietário das embarcações (a Companhia) e no ano de 1760 ela pode ter
fretado embarcações para carregar os escravos para Pernambuco. Em todo o caso,
no livro de demonstrações consta uma carga enviada de Lisboa para Angola em
1759 que certamente deve ter produzido uma exportação de escravos no ano
seguinte: ANTT, CGPP, Livros de demonstrações, L-394. Os números da alfândega
de Pernambuco estão em certidões, inclusas em AHU, cx. 130, doc. 9823, 13/07/
1778, José César de Meneses.
8 Miller utilizou, provavelmente, as mesmas fontes e a diferença deve ser
resultado de eu não ter contabilizado "as crias", mas apenas os escravos
adultos. Cf. Joseph Miller, "The Numbers, Origins, and Destinations of Slaves
in the Eighteenth-Century Angolan Slave-Trade", in Joseph Inikori e Stanley L.
Engerman (orgs.), The Atlantic Slave Trade: Efects on Economies, Societies and
Peoples in Africa, (Durham: Duke University Press, 1992), p. 77-116.
9 Carreira, As companhias pombalinas, p. 8.
10 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, doravante ANTT, Companhia Geral de
Pernambuco e Paraíba (CGPP), Junta de Lisboa, Livros de Demonstrações (394,
395), ANTT, CGPP, Junta de Lisboa, Livros Mestre (470, 471), ANTT, CGPP, Junta
de Lisboa, Livro de Enfardamentos, 484, ANTT, CGPP, Junta de Lisboa, Copiador
de Cartas, 290.
11 Pelo copiador de cartas da Junta sabemos que foram enviadas mais três cargas
de Lisboa depois de 1781, além disso, a administração de Pernambuco enviava
entre duas a três embarcações anuais no período imediatamente anterior ao fim
do monopólio. Considerando uma possível redução no negócio da Companhia, é
provável que Pernambuco tenha enviado algo entre sete ou quatorze cargas entre
1781-1787. Note-se ainda que uma parte dos registros com os quais trabalhei
refere-se apenas às cargas e não às embarcações, portanto, não creio que exista
uma correspondência total, como sugere Carreira, entre o número de viagens com
escravos e o número de carregações para Angola.
12 Também pode ter pesado o fato de que nem todo registro de carga no livro de
demonstrações diz respeito a uma viagem ou embarcação.
13 Kenneth Maxwell, Chocolate, piratas e outros malandros, São Paulo: Paz e
Terra, 1999. Ver também José A. França, "Burguesia pombalina,
nobreza mariana, fidalguia liberal", in Maria H. C. Santos, Pombal revisitado,
v. I (Lisboa: Estampa, 1984), pp. 19-33.
14 Estatuto da Companhia de Pernambuco e Paraíba, artigo 26, apud: Carreira, As
companhias pombalinas, p. 223.
15 Ribeiro Jr., Colonização e monopólio, p. 85.
16 Os portugueses possuíam feitorias em Jakin e Ouidah, mas comerciavam também
com as feitorias das outras nações europeias: cf. Robin Law e Kristin Mann,
"West Africa in the Atlantic Community: The Case of the Slave Coast",The
William and Mary Quarterly, Third Series, v. 56, n. 2,
African and American Atlantic Worlds (1999), pp. 307-34;
Robin Law, The gold trade of Whydah in the seventeen and eighteenth centuries,
in David Henige e D. McCaskie (orgs.), West African Economic and Social
History. Studies in memory of Marion Johnson (105-118) (Madison: University of
Wisconsin, 1990), pp. 105-18. Sobre as diferenças do tráfico
em Angola e na Costa da Mina, cf. Gustavo Acioli Lopes e Maximiliano Menz,
"Resgate e mercadorias: uma análise comparada do tráfico luso-brasileiro em
Angola e na Costa da Mina (século XVIII)". Afro-Ásia,n. 37 (2008), pp. 43-73. Ver também Gustavo Acioli Lopes, "Negócio da Costa da Mina e
comércio atlântico - tabaco, açúcar, ouro e tráfico de escravos: Pernambuco
(1654-1760)" (Tese de Doutorado, USP, 2008); Miller, Way of
Death.
17 ANTT, CGPP, Junta de Lisboa, Copiador de Cartas, L-290, 21/08/1762.
18 Não é possível quantificar o quanto foi utilizado em letras nestas primeiras
operações, pois é provável que este valor tenha sido lançado na contabilidade
junto com outras somas em dinheiro tomado em empréstimo. Mas, segundo a Junta,
uma das primeiras cargas de escravos enviadas ao Brasil "[...] foi quase toda
comprada a dinheiro, de que sacaram letras [...]". ANTT, CGPP, Junta de Lisboa,
Copiador de Cartas, L-290, 06/11/1761.
19 ANTT, CGPP, Junta de Lisboa, Copiador de Cartas, L-290 19/06/1772 e 21/05/
1773.
20 Cf. ANTT, CGPP, Junta de Lisboa, Enfardamentos, L-484.
21 Curto, Álcool e escravos, quadros IV e VIII; e The Transatlantic Slave Trade
Database (http://www.slavevoyages.org/tast/database/search.faces, consultado em
25/05/2011).
22 Outro grande operador no tráfico era o contrato Angola. Como, durante a
década de 1760, os contratadores estavam sediados em Portugal (Estevam José de
Almeida e Domingos Dias da Silva), é muito provável que suas operações
repetissem o padrão da CGPP, remetendo grandes cargas de Lisboa. No momento
estou preparando um estudo sobre o contrato de Angola, utilizando para isto os
livros contábeis de um dos contratadores. Ver ainda Miller, Way of Death, pp.
535-69.
23 Para se chegar a este valor presumiu-se que o número de operações de
exportação teria sido igual ao de importação (105), segundo a já referida
interpolação dos dados dos Livros de Demonstrações com outras fontes (ver a
introdução do artigo). Daí multiplicou-se a diferença (34) entre este valor
(105) e o número de operações de exportação registradas nas demonstrações (71)
pela carga média das embarcações que faziam a rota Angola-Pernambuco
(16.801.164 réis), para com isto completar o total exportado pela administração
de Angola entre 1759 e 1780.
24 ANTT, CGPP, Junta de Lisboa, Livro de Enfardamentos, L-484.
25 Cf. ANTT, CGPP, Junta de Lisboa, Copiador de Cartas, L-290.
26 Entre 1796 e 1807 a participação metropolitana no fornecimento de
mercadorias para Angola teria ficado entre 54% e 60%, e as cargas médias com
origem em Portugal seriam de 73 contos de réis e as com origem na Bahia de
apenas 12 contos de réis. Maximiliano M. Menz, "As 'Geometrias' do tráfico. O
comércio metropolitano e o tráfico de escravos em Angola", Revista de História,
n. 166 (2012), pp. 185-222. Ver ainda Lopes e Menz, "Resgate
e mercadorias".
27 Na verdade, apenas a compra de produtos das Naus da Índia era rentável em
Angola, pois ao comprar produtos europeus ou americanos na região era
necessário pagar os lucros e os custos dos fornecedores de Lisboa e do Brasil.
Como dizia a Junta, "faz uma tão grande diferença o expedir os navios com os
produtos das carregações da Companhia a expedi-los com dinheiro de letras, que
por este último modo quase que não faz conta alguma". ANTT, CGPP, Junta de
Lisboa, Copiador de Cartas, L-290, 13/01/1764. Como demonstrarei adiante a
lucratividade da Companhia concentrava-se no fornecimento de fazendas e não na
venda dos escravos.
28 ANTT, CGPP, Junta de Lisboa, Copiador de Cartas, L-290, 25/02/1763. Durante
a década de 1760 a Coroa autorizou que as naus da Carreira da Índia tocassem em
Luanda e vendessem mercadorias no local. De acordo com os registros
alfandegários dos despachos das cargas das Naus da Índia, havia um número muito
grande de despachantes de mercadorias, incluindo os administradores da CGPP e
do contrato de Angola ligados a mercadores metropolitanos. O maior despachante
individual foi Antonio José da Gama e Cia. que despachou 22 contos entre 1766 e
1772 (3,14 contos por ano). AHU, Avulsos, Angola, cx. 50, doc. 16, 14/06/1766,
AHU, Avulsos, Angola, cx. 51, doc. 71, 1767 AHU, Avulsos, Angola, cx. 55, doc.
53, 12/08/1772, AHU, Avulsos, Angola, cx. 55, doc. 89, 07/12/1771, AHU,
Avulsos, Angola, cx. 56, doc. 70, 16/08/1772. Nas fontes alfandegárias e
contábeis com as quais trabalhei não existem indícios que comprovem a tese de
Roquinaldo Ferreira ("Transforming Slaving") de que os mercadores do Brasil
controlavam o comércio de têxteis indianos em Angola, pelo menos no que se
refere à segunda metade do século XVIII. Ademais o acesso dos mercadores do
Brasil ao oriente se restringia a Moçambique. Luís Frederico Dias Antunes, "A
influência africana e indiana no Brasil na virada do século XVIII: escravos e
têxteis, inJoão Fragoso, Jucá Sampaio e Adriana Campos (orgs.), Nas rotas do
Impéro: eixos mercantis e relações sociais no mundo português (Vitória: Edufes,
2006), pp. 148-49. Os estudos de Vitorino Magalhães Godinho,
Paulo Guinote e Jorge Pedreira mostram a grande vitalidade do comércio
metropolitano com a Índia na segunda metade do século XVIII: Vitorino Magalhães
Godinho, "Os portugueses e a 'Carreira da Índia' (1497-1810)", in Mito e
mercadoria, utopia e prática de navegar, séculos XIII-XVIII (Lisboa: Difel,
1990), p. 344; Paulo Guinote, "India Route Project: Ascensão
e declínio da carreira da Índia", in http://nautarch.tamu.edu/shiplab/,
Nautical Archaeology Program, Texas A& M University, 2003; Jorge Pedreira, Os Homens de Negócio da Praça de Lisboa de Pombal ao
Vintismo (1755-1822).Diferenciação, reprodução e identificação de um grupo
social, Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 1995, pp. 339-41. Deste modo, pela comparação entre os dados das balanças de comércio
portuguesas e os registros de importação de Luanda é possível estimar que em
torno de 76% das importações angolanas deste tipo de produto tinham origem em
Portugal entre 1798 e 1805. Cf. Menz, "As 'Geometrias' do tráfico", p. 197.
29 ANTT, CGPP, Junta de Lisboa, Copiador de Cartas, L-290, 14/06/1785, ver as
instruções originais na correspondência de 08/02/1785.
30 ANTT, CGPP, Livro de Demonstrações, L-394.
31 ANTT, CGPP, Junta de Lisboa, Copiador de Cartas, L-290, 10/11/1781 e 31/12/
1784.
32 Ao contrário do que ocorria com o comércio de atanados, açúcar e meios de
sola. Cf. Ribeiro Jr., Colonização e monopólio, pp. 137-55. A
presunção da baixa importância dos fretes no tráfico baseia-se no pequeno
registro de fretes da Companhia do Grão Pará e Maranhão para Angola. ANTT,
Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão, Junta de Lisboa, Livro de carga dos
navios por saída, L-75; e na comparação entre os valores dos fretes registrados
nos livros de demonstrações da CGPP e o número de escravos carregados por
algumas das embarcações segundo os mapas do AHU. Carreira afirma que entre 1782
e 1783 a Companhia carregou 2.436 escravos e 7 crias de particulares. Cf.
Carreira, As companhias pombalinas, p. 234. Voltarei a tratar
do negócio de fretes.
33 Vale acrescentar que em 1770, ao ser encerrado o contrato de Angola, a Junta
de Fazenda do governo de Angola, preocupada com a diminuição no fornecimento de
mercadorias para o resgate, elaborou um cálculo sobre a quantidade de
importações necessárias para financiar as exportações de escravos. Segundo os
membros da Junta, o produto anual das embarcações com origem nos portos
brasileiros era de 160 contos (28%), restando 404 contos que deveriam ser
completados por embarcações vindas de Lisboa. AHU, cx. 54, doc. 28, Avulsos,
Angola, 03/06/1770, anexada à correspondência de D. Francisco de Souza
Coutinho. Luiz Felipe Alencastro é um dos que argumentam pelo domínio brasílico
a partir da maior frequência de embarcações com origem no Brasil: O trato dos
viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul, São Paulo: Companhia das Letras,
2000,pp. 323-24. Também Mariana Candido conclui que os
mercadores do Brasil dominavam o negócio em Benguela pelo mesmo argumento:
"Merchants and the Business of the Slave Trade at Benguela, 1750-1850", African
Economic History, n. 35 (2007), p. 8. Já Acioli Lopes
demonstra que as poucas naus metropolitanas que frequentavam a Costa da Mina
também levavam cargas mais valiosas que as embarcações com origem no Brasil:
"Negócio da Costa da Mina", pp. 44-5.
34 ANTT, CGPP, Junta de Lisboa, Copiador de Cartas, L-290, 21/05/1773. As
palavras são de autoria da Junta de Lisboa que comentava uma resposta da
administração de Angola. Sobre o uso do crédito em Benguela ver Mariana
Candido, " Merchants and the Business", pp. 13-7.
35 Cf. Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), Coleção Lamego, Códice 82,
Francisco Inocencio Coutinho , 03/02/1770 e Joseph Miller,
Way of Death.
36 A outra razão era que a concorrência no fornecimento de produtos americanos
era muito maior, dada a maior frequência dos navios do Brasil.
37 ANTT, CGPP, Junta de Lisboa, Copiador de Cartas, L-290, 21/05/1773. Ver, por
exemplo, Manolo Florentino, Em costas negras. São Paulo: Companhia das Letras,
1997. Uma discussão mais ampla sobre parte da historiografia
brasileira está em Menz, "As 'geometrias' do tráfico".
38 Miller tem uma opinião parecida sobre o crédito: Miller, "The Numbers,
Origins", pp. 85-6. Naturalmente, as outras nações também
faziam uso do crédito, por exemplo, as grandes firmas traficantes inglesas
mantinham feitorias na costa da África que forneciam, mas creio que a baixa
frequência de embarcações metropolitanas no tráfico angolano tornava mais comum
o uso do crédito em Angola. Sobre o uso do crédito pelos ingleses, cf. Joseph
Inikori, African and the Industrial Revolution in England: A study in
international trade and economic development, Cambridge: Cambridge University
Press, 2002, pp. 323-24.
39 ANTT, CGPP, Junta de Lisboa, Livros de Demonstrações, L-394.
40 Não custa lembrar que o livro de demonstrações subestima as exportações de
Pernambuco para Angola, mesmo assim se aplicarmos a taxa de 15% sobre o
conjunto das exportações de Pernambuco (ver Tabela_2), chega-se a um valor (em
torno de 30 contos) apenas levemente superior ao dos lucros levantados pelas 5
cargas das Naus da Índia.
41 Estatuto da Companhia de Pernambuco e Paraíba, artigo 27, apud: Carreira, As
companhias pombalinas, p. 291.
42 O fato é que os tumbeiros não eram contabilizados como custos nos livros de
demonstração e as suas avaliações mantiveram-se as mesmas entre 1763 e 1775.
43 Por outro lado, levantei apenas 16 embarcações e para duas delas não
encontrei os seus respectivos preços.
44 Também retirei desta conta uma operação que estava relacionada a Angola e
Costa da Mina e, portanto, poderia distorcer ainda mais as médias.
45 Cf. Acioli Lopes, "Negócio da Costa da Mina", pp. 163-8. O
autor sumaria as diversas estimativas da lucratividade do tráfico e apresenta
os cálculos mais completos que conheço para o tráfico do Brasil, ainda que
baseados em apenas uma embarcação; esta, porém, tratava-se de uma viagem
"típica", pois a documentação reunida sobre a embarcação visava informar a
Coroa sobre os gastos no tráfico da Costa da Mina. Além disso, o autor retifica
os números de Florentino, alcançando uma taxa de 10%.
46 Acioli Lopes, "Negócio da Costa da Mina", p. 169.
47 Pela "Conta da despesa que se fez com o custeamento da Fragata de Sua
Majestade Nossa Senhora da Graça":AHU, Pernambuco, cx.130, doc. 9.832 Joé Cesar
de Menezes, 05/09/1778, constata-se que por "custeamento" entendia-se gastos
com soldadas, alimentação e hospedagem da tripulação no porto, carpintaria,
calafete, mastrearia, reparos em geral, curativos aos doentes e taxas
portuárias.
48 È possível, porém, que as perdas de escravos em Angola tenham sido
subestimadas na contabilidade da empresa.
49 Valor obtido a partir de duas estimativas (259 contos e 242 contos), por não
existirem registros sobre os gastos efetivamente feitos nesta operação; as duas
estimativas multiplicam um número de escravos exportados pela Companhia pelo
direito de 8.700 rs. Mas como há divergência nas fontes sobre o número de
escravos, procurei estabelecer um cálculo de controle. Assim, a primeira
estimativa foi baseada nos registros dos administradores do contrato de Angola,
interpolando as lacunas com os números de Miller (1770) e do TSTD (1768 e 1773)
(cf. Tabela_1). A segunda operação foi baseada nos números do TSTD, mas o
número de escravos foi descontado em 14% levando em consideração que o Livro de
Demonstrações registra apenas 69 viagens entre Angola e Pernambuco, enquanto
que no TSTDconstam 80 viagens.
50 Acioli Lopes, "Negócio da Costa da Mina", p. 166.
51 Sobre as letras, cf. AHU, Angola, cx. 52, doc. 58 (consta como sendo
posterior a 1768, mas na verdade é do reinado de D. Maria I). Sobre a tentativa
dos administradores da Companhia em pagar os direitos com moeda, ver AHU,
Angola, cx. 48, doc. 31, Francisco Inocencio Coutinho, 04/08/1764.
52 Cf. Miller, Way of Death, passim.
53 ANTT, CGPP, Junta de Lisboa, Copiador de Cartas, L-290, 04/07/1768.
54 No borrador da junta (ANTT, CGPP, Junta de Lisboa, Copiador de Cartas, L-
290) encontramos queixas sobre a qualidade dos escravos nas cartas de 06/11/
1761 e 09/04/1783, mas não é possível constatar se isto foi uma constante em
todo o período.
55 São muitas as reclamações sobre as condições do negócio de escravos no
Brasil durante as décadas de 1760 e 1770, por exemplo, AHU, Angola, cx. 54,
doc. 20, Francisco Inocencio Coutinho, 15/03/1770 e, de fato, as exportações de
escravos para o Brasil caíram bastante durante a década de 1770. Ver Manolo
Florentino, Alexandre Vieira Ribeiro, Daniel Domingues da Silva. "Aspectos
comparativos do tráfico de africanos para o Brasil (séculos XVIII e XIX)",
Afro-Ásia, n. 31 (2004), pp. 83 126, gráfico_1; e Curto,
Álcool e escravos, quadros IV e VIII.
56 Miller, Way of death.
57 ANTT, CGPP, Junta de Lisboa, Livros de demonstrações, L-395. O valor não foi
lançado como prejuízo no cálculo da lucratividade, pois envolve operações
posteriores a 1775.
58 Cf. Menz, "As 'geometrias' do tráfico".
59 Leonor Costa, O transporte no Atlântico e a Companhia Geral do Comércio do
Brasil, 1580-1663, Lisboa: CNCDP, 2002.
60 José R. Lapa, A Bahia e Carreira da Índia, São Paulo/Campinas: Hucitec/
Editora da Unicamp, 2000.
61 Cf. Stwart Schwartz, Segredos internos, p. 204; e Helen
Osório, "Estancieiros, lavradores e comerciantes na constituição da extremadura
portuguesa na América: Rio Grande de São Pedro, 1737-1822" (Tese de Doutorado,
Universidade Federal Fluminense, 1999), pp. 223-6. Acioli
Lopes, "Negócio da Costa da Mina", p. 26.