Preferências domésticas e instituições do processo decisório em política
econômica externa
INTRODUÇÃO
Este artigo busca discutir a dinâmica da participação dos atores domésticos não
governamentais no processo decisório de política econômica externa, em especial
no tocante às questões comerciais, e sua interação com atores governamentais em
diferentes contextos institucionais. Para tanto, são discutidas as respostas
que a literatura de ciência política, relações internacionais e economia
oferece para as seguintes perguntas: (a) os atores domésticos não
governamentais - ou societários - influenciam as decisões de política econômica
externa?; (b) o que determina as preferências desses atores por políticas
específicas?; (c) que características institucionais do processo decisório
oferecem maior ou menor permeabilidade às demandas dos atores domésticos?; (d)
como interagem atores governamentais e societários e que variáveis
institucionais afetam essa interação?
Como apontam Frieden (2000) e Rodrik (1994), um modelo explicativo da política
comercial deve conter quatro elementos básicos. Primeiro, uma explicação sobre
as variáveis que influenciam as preferências individuais em relação às opções
de políticas disponíveis. Segundo, uma explicação de como essas preferências
individuais são agregadas e canalizadas, por meio das instituições
socioeconômicas e políticas, em demandas por determinadas políticas. Terceiro,
uma caracterização das preferências dos atores governamentais. Por fim, uma
especificação do contexto institucional em que o processo decisório ocorre.
A literatura parte da questão redistributiva do comércio internacional para
dela derivar as preferências dos diversos atores domésticos. Dessa forma, os
ganhos ou perdas (efetivos e potenciais) com o comércio internacional
determinariam as preferências dos atores por políticas de maior abertura ou de
maior proteção, ao passo que diferentes grupos de atores teriam propensões
distintas a se organizar e demandar suas preferências junto aos tomadores de
decisão em política econômica externa. Os modelos teóricos disponíveis buscam
estabelecer quais características econômicas dos indivíduos estão associadas a
diferentes tipos de preferências. Ademais, processos como a internacionalização
da economia e a liberalização negociada com outros países também foram
identificados como fatores que interferem nas preferências e nos incentivos à
mobilização dos atores domésticos.
Parte da literatura, em especial a referida como abordagem societária, supõe um
nexo causal direto entre as preferências dos atores domésticos e os resultados
de política econômica externa. No entanto, as características político-
institucionais do processo decisório governamental em política econômica
externa condicionam a forma pela qual os interesses dos atores domésticos são
filtrados e refletidos nas decisões e políticas governamentais. Determinadas
características podem aumentar ou reduzir a permeabilidade do processo
decisório às demandas societárias e processá-las de formas distintas,
acarretando maior ou menor identidade entre preferências domésticas e política
externa comercial. No limite, a depender do contexto institucional em que se dê
o processo decisório, a política pode ou refletir completamente as preferências
dos atores domésticos organizados, ou, pelo contrário, resultar unicamente das
preferências autônomas dos atores governamentais.
Como destaca Milner (1997:15), embora seja comum notar que interesses e
instituições exercem influência conjunta sobre as políticas públicas, os
pesquisadores da área frequentemente favorecem, em suas formulações, uma das
variáveis em detrimento da outra. É preciso considerar, no entanto, que
explicações societárias e institucionais devem ser integradas para melhor
explicar os resultados de política econômica externa.
Neste artigo, identifico, a partir da literatura, as variáveis mais relevantes
para o estudo da influência das preferências societárias sobre as decisões de
política econômica externa. Primeiro, discuto os determinantes das preferências
de atores societários e governamentais, bem como os fatores que influenciam a
propensão dos indivíduos para mobilização e organização em torno da atividade
política. Em seguida, trato das limitações de uma abordagem focada
exclusivamente em preferências individuais e da necessidade da incorporação de
variáveis institucionais às explicações da política econômica externa. Para
tanto, são apresentadas três abordagens institucionais principais. Por fim,
discuto as limitações que sofrem as explicações centradas em instituições e
proponho formas de integração das diferentes explicações parciais.
ATORES E PREFERÊNCIAS
As teorias que buscam no plano doméstico as fontes da explicação para a
política econômica externa nasceram como reação à insatisfação com a abordagem
sistêmica da economia política internacional, na qual identificavam pelo menos
duas dificuldades fundamentais. Primeiro, restrições sistêmicas permitem um
leque limitado de comportamentos; no entanto, os comportamentos observados
variam significativamente dentro do escopo desse leque. Segundo, se, por um
lado, o sistema internacional recompensa alguns tipos de comportamento e pune
outros, isso é igualmente verdadeiro para o nível doméstico. Portanto, os
tomadores de decisão precisam compatibilizar ganhos e perdas nos planos externo
e doméstico (Milner, 1997; Putnam, 1988; Skidmore e Hudson, 1993).
Além disso, as abordagens que enfatizam os atores domésticos e suas
preferências postulam a inevitabilidade do conflito doméstico sobre o que
consiste o interesse nacional, de modo que a definição do interesse nacional se
torna uma variável central. Atores domésticos possuem preferências distintas e
a formação de uma preferência nacional depende dos recursos que os atores detêm
e de como as instituições políticas domésticas agregam essas diversas
preferências (Milner, 1997:4-5; 1998:772; Moravcsik, 1997:513 e 518; Putnam,
1988:460).
Uma teoria da política externa, assim, deve mostrar como diferentes fatores
domésticos alteram o comportamento externo de diferentes Estados ou de um mesmo
Estado ao longo do tempo. As propostas de explicação discutidas nesta seção
enfatizam, de um lado, as preferências dos diversos atores que influenciam o
processo político doméstico e, de outro, as instituições políticas que
condicionam sua forma de atuação.
Deve-se, portanto, identificar, antes de tudo, os atores que podem tomar parte
do processo decisório em política econômica externa. A literatura trata de uma
série de atores, muitas vezes em diferentes níveis de agregação; divido os
atores domésticos em atores governamentais e não governamentais (ou
societários). Entre os governamentais estão os poderes Executivo e Legislativo,
líderes políticos eleitos que ocupam postos de comando nesses dois poderes e
indivíduos pertencentes às carreiras da burocracia que ocupam cargos no alto
escalão dos órgãos e das agências governamentais. Entre os atores societários
encontramos indivíduos fora do aparato governamental que assumem papéis os mais
variados, como consumidores, trabalhadores, empresários, proprietários de
terra, líderes sindicais ou de movimentos sociais e representantes das mais
diversas associações civis. Em geral, os atores societários adquirem
importância à medida que se organizam em grupos, seja qual for sua forma
institucional (Moravcsik, 1997:517)1.
Dado o foco nas preferências dos atores domésticos, é necessário definir e
diferenciar os conceitos de interesses e de preferências. Os interesses dos
atores são seus objetivos fundamentais; os interesses de atores econômicos, por
exemplo, envolvem a maximização da renda, enquanto os dos atores políticos
envolvem, em grande medida, a maximização das chances de continuar no poder. Já
as preferências se referem a opções específicas de políticas que, na visão dos
atores, maximizarão sua renda ou suas chances de se manter no poder. Em suma,
interesses são a fundação sobre a qual se baseiam as preferências dos atores.
Preferências são utilizadas como variável explicativa; interesses, não
(Frieden, 2000:37; Milner, 1997:15 e 33).
Para facilitar a instrumentalização das preferências em modelos teóricos,
Milner (1997) propõe o conceito de estrutura de preferências domésticas como
uma forma sintética de discutir as preferências dos diversos atores. Essa
estrutura se refere às "posições relativas" das preferências de atores
domésticos relevantes no tocante a cada questão específica de política
econômica externa (ibidem:16).
Vamos começar discutindo os modelos que tentam explicar a origem das
preferências dos indivíduos, sobretudo em questões de política comercial. Em
seguida, examino os modelos políticos que buscam compreender como ocorre a
transformação das preferências individuais em demandas políticas organizadas.
Passo, então, aos efeitos do contexto institucional internacional e da
internacionalização econômica sobre as preferências domésticas. Adiante,
discuto as explicações existentes sobre a origem das preferências dos atores
governamentais; por fim, indico algumas limitações que sofrem os modelos
teóricos centrados em preferências domésticas.
Preferências de Indivíduos e Grupos de Interesse (Atores Societários)
Existem explicações concorrentes sobre a origem das preferências dos atores
domésticos societários por determinado tipo de política comercial, as quais se
baseiam, principalmente, em dois modelos teóricos do comércio internacional: o
modelo Heckscher-Ohlin (ou modelo fatorial) e o modelo Ricardo-Viner (ou modelo
setorial). Em ambos os modelos, as preferências dos atores são deduzidas das
mudanças em sua renda advindas de mudanças na política comercial (Frieden,
2000:37) e são enfatizados os efeitos redistributivos da política comercial,
associando-se preferência por proteção àqueles grupos que perdem com os fluxos
comerciais e preferência por liberalização àqueles que ganham. Adota-se a
premissa de que os atores maximizam sua utilidade e fazem cálculos de custo-
benefício sobre a melhor forma de alcançar seus objetivos (idem, ibidem).
Atores preferem, portanto, políticas públicas que maximizem sua renda (ibidem:
39). Em suma, o impacto redistributivo de mudanças na política comercial
determinará as preferências dos grupos de interesse (Milner, 1997:60).
A abordagem fatorial se baseia no teorema de Stolper-Samuelson do modelo
Heckscher-Ohlin, o qual demonstra que, quando há mobilidade dos fatores de
produção (como trabalho e capital) entre os setores da economia, o aumento no
nível de proteção da economia aumenta a remuneração dos fatores relativamente
escassos no país e diminui a dos fatores relativamente abundantes. Os
detentores de fatores abundantes, portanto, terão incentivos para tentar
liberalizar o comércio, e os detentores de recursos escassos, para restringi-lo
(Alt et alii, 1996:692; Frieden e Rogowski, 1996:38-39; Krugman e Obstfeld,
2001; Milner, 2002; Milner e Keohane, 1996:8; Scheve e Slaughter, 2001:272-
273). O modelo prevê que as clivagens em torno das questões de política
comercial vão se formar com base na dotação relativa de fatores produtivos -
trabalho versuscapital, terra versuscapital, trabalho e capital versusterra
etc. -, sendo que as linhas de clivagem específicas vão depender da dotação
relativa de fatores de cada país (Alt et alii, 1996:692; Baldwin, 1989:120;
Rogowski,1987; Milner, 2002:450).
A abordagem setorial, por sua vez, baseia-se no modelo Ricardo-Viner do
comércio internacional (também conhecido como teoria dos fatores específicos),
segundo o qual vários fatores produtivos são de uso muito específico, de modo
que se observam frequentemente efeitos setoriais (e não fatoriais) sobre o
comportamento político dos atores. Dado que pelo menos um fator de produção é
imóvel (isto é, específico ao setor), todos os fatores ligados a setores que
competem com importações perdem com a liberalização comercial, enquanto aqueles
empregados em setores exportadores ganham. As clivagens em torno das questões
de política comercial, portanto, oporão trabalho, terra e capital em setores
ameaçados por importações a trabalho, terra e capital empregados em setores de
exportação; serão clivagens setoriais, e não fatoriais (Alt et alii, 1996:692;
Frieden e Rogowski, 1996:38; Milner, 2002:451; Scheve e Slaughter, 2001:272-
273).
A principal diferença entre os dois modelos está no grau de especificidade dos
fatores produtivos ou, inversamente, em seu grau de mobilidade entre os setores
da economia - isto é, a facilidade com que podem serem pregados em usos
alternativos (Alt et alii, 1996:690; Frieden, 2000:39; Milner, 2002:451; Scheve
e Slaughter, 2001:268). Diferentes graus de mobilidade implicam efeitos
diferentes sobre a remuneração dos fatores advindos da liberalização comercial;
logo, implicam também preferências diferentes por parte dos atores domésticos
(Alt et alii, 1999:101-103; Scheve e Slaughter, 2001:272).
Alt et alii(1996:697) argumentam que as premissas diferentes adotadas pelos
dois modelos a respeito da especificidade dos fatores são, na verdade, os
extremos de um continuumque vai desde a mobilidade sem quaisquer custos até a
mobilidade com custos proibitivos. Além disso, alguns economistas tendem a
interpretar o modelo de fatores específicos (Ricardo-Viner) como uma versão de
curto prazo no modelo de Heckscher-Ohlin (que estaria mais apto a estimar o
comportamento de longo prazo dos fatores produtivos). Segundo essa
interpretação, no longo prazo não há fator que seja completamente específico,
enquanto no curto prazo poucos fatores podem ser transferidos entre setores da
economia sem custos significativos (Scheve e Slaughter, 2001:272). Assim,
análises que utilizam as premissas do modelo Heckscher-Ohlin tendem a gerar
melhores previsões quando aplicadas a longos períodos históricos, ao passo que
o modelo de fatores específicos é mais apropriado para explicações de períodos
curtos. Se os indivíduos avaliarem, na prática, tanto os efeitos de curto
quanto de longo prazo, suas preferências comerciais podem depender não apenas
do tipo de fator que detêm como também do setor em que estão empregados (Alt et
alii, 1996:698; Scheve e Slaughter, 2001:272).
Há, ademais, outra interpretação acerca da especificidade dos fatores. Alt et
alii(1999:102) argumentam que as economias podem ser compostas de fatores
produtivos cuja especificidade varia de empresa para empresa ou de setor para
setor em um dado momento (e não intertemporalmente, como na interpretação
exposta anteriormente). O trabalho poderia ser específico a alguns setores, mas
não a outros, bem como a terra e o capital, de modo que a política comercial
pode não afetar tipos amplos de fatores da mesma forma. Além disso, pode-se
admitir maiores variações nos padrões de formação de coalizões; por exemplo,
trabalho e capital podem ser aliados em alguns contextos, mas rivais em outros.
Nessa perspectiva, empresas com ativos menos móveis - ou mais específicos - são
mais propensas a demandar proteção do que empresas com ativos mais móveis-ou
menos específicos (ibidem:103). Apesar de ganhar em complexidade e fidelidade à
realidade, a abordagem peca por maior indeterminação e perda de capacidade
preditiva, visto que requer especificação empírica de suas premissas.
Grande parte dos fluxos de comércio mundial atual, porém, não pode ser
explicada pelos dois modelos anteriores (fatorial e setorial). Nenhum dos dois
prevê a importância crescente do comércio intraindustrial entre países com
dotações relativas de fatores semelhantes (Alt et alii, 1996:693). Uma terceira
abordagem, por sua vez, enfatiza a existência de economias de escala em
determinadas empresas ou setores econômicos e baseia-se na teoria do comércio
intraindustrial, o qual tende a gerar efeitos distributivos diferentes daqueles
previstos pelos modelos Heckscher-Ohlin e Ricardo-Viner. Em geral, o comércio
intraindustrial é associado a efeitos redistributivos mais amenos e, por
conseguinte, a menos conflitos políticos domésticos, pois produz menores custos
de ajuste (idem, ibidem:694; Krugman, 1983; Milner, 2002:450; Rodrik, 1994:6).
Como argumentam Alt et alii(1996), o modelo de comércio intraindustrial pode
gerar consequências distributivas neutras e a possibilidade teórica de que
todos ganhem com o aumento dos fluxos comerciais. Essa última consequência
ocorre porque, com a diferenciação de produtos, oaumento do comércio não causa
o fechamento ou a redução de nenhuma linha de produto, uma vez que nenhum
produto idêntico é produzido por outra empresa, e nenhum proprietário de
determinado fator produtivo perde com a realocação setorial (ibidem:694). Em
termos de formação de coalizões, em setores caracterizados por economias de
escala, a abertura da economia aumenta as vantagens das empresas grandes em
relação às pequenas. Nesse caso, a demanda por liberalização varia,
essencialmente, de acordo com o tamanho da empresa e a intensidade das
economias de escala (Frieden e Rogowski, 1996:39-40; Milner e Yoffie, 1989). Os
conflitos políticos, portanto, são menos intensos nos casos em que o comércio
intraindustrial predomina sobre o interindustrial, baseado em vantagens
comparativas.
Outros estudos buscam explicar as origens das preferências com base em
características particulares de setores específicos da economia. Alguns
argumentos associam as preferências de setores específicos com seu grau de
internacionalização, de forma que setores exportadores e empresas
multinacionais tenderiam a favorecer a liberalização comercial e a receber
menos proteção do que aqueles voltados para o mercado interno (Milner, 1997:63;
2002:451; Milner e Keohane, 1996:8). Logo, segundo essa perspectiva, as
preferências dos grupos societários e as clivagens políticas entre eles
dependem de seu grau de exposição à economia internacional.
Alguns estudos realizaram testes empíricos dos modelos que buscam explicar a
formação das preferências comerciais dos indivíduos e dos grupos domésticos.
Rogowski (1987) conclui, a partir da análise de alguns períodos históricos de
expansão e de contração dos fluxos comerciais, que o aumento do comércio
internacional tende a gerar clivagens urbano-rurais em alguns contextos e
conflitos de classe em outros. Isto é, as clivagens em torno das questões de
política comercial tendem a gerar conflitos entre trabalhadores, capitalistas e
proprietários de terra, dando suporte ao modelo fatorial (Heckscher-Ohlin). A
depender da dotação relativa de fatores do país, coalizões podem opor
trabalhadores e capitalistas a proprietários de terra (conflito urbano-rural)
ou, em outros casos, capitalistas e proprietários de terra a trabalhadores
(conflito de classe).
Scheve e Slaughter (2001:288) concluem, com base em testes estatísticos, que
existe alto grau de mobilidade intersetorial dos fatores no horizonte temporal
relevante para os indivíduos na avaliação de políticas comerciais. Seus
resultados são mais consistentes com o modelo Heckscher-Ohlin do que com o
modelo Ricardo-Viner, indicando que a dotação de fatores é determinante na
explicação da formação das preferências. Sua análise estatística sugere,
ademais, que a posse de imóvel também interfere na determinação das
preferências individuais em relação ao comércio; além da remuneração dos
fatores produtivos, as preferências dependem dos ativos não produtivos (como
imóveis) que os indivíduos possuem e dos efeitos docomérciointernacional sobreo
valor desses ativos (ibidem:270-271). Rodrik e Mayda (2001), por sua vez,
concluem que preferências por liberalização possuem grau significativo de
correlação estatística com o nível de capital humano do indivíduo, da forma
prevista pelo modelo fatorial (Heckscher-Ohlin). Preferências em relação ao
comércio também apresentam alguma correlação, embora menos significativa, com a
exposição ao comércio do setor em que o indivíduo está empregado: indivíduos em
setores de bens não comercializáveis tendem a ser mais favoráveis à
liberalização, enquanto aqueles empregados em setores com desvantagem
comparativa são mais protecionistas.
Por outro lado, Frieden (2000:39) e Hathaway (1998:580) argumentam que as
indústrias caracterizadas por habilidades, maquinário e redes de fornecimento e
distribuição específicos serão mais motivadas a influenciar as políticas em seu
favor. Alt et alii(1999) oferecem evidência empírica para esse argumento. Sob
pressão de concorrência internacional, empresas cujos ativos sejam mais
específicos (ou menos móveis) são mais propensas a demandar proteção ao
governo. Assim, variações na especificidade dos fatores de empresa para empresa
ou de setor para setor são importantes para explicar o comportamento político
de indivíduos e grupos.
Não há conclusões definitivas sobre qual modelo explicativo produz melhores
resultados quando confrontado com as evidências. Como discutido, o horizonte
temporal da análise pode determinar qual modelo é mais apropriado. Dependendo
da área temática e das consequências redistributivas, explicações baseadas em
fatores produtivos podem ser mais bem-sucedidas; em outros casos, setores e
empresas específicos podem ser mais apropriados (Milner, 1997:63). Ademais, a
flexibilização das premissas de cada um pode contribuir para melhores
resultados explicativos em casos específicos, em detrimento do rigor e da
parcimônia.
Finalmente, as explicações sobre a demanda por política comercial precisam ser
integradas com explicações sobre os determinantes da ação política. Como aponta
Rodrik (1994:2), o modelo deve conter uma explicação de como as preferências
individuais são agregadas e canalizadas em demandas por determinadas políticas.
A maioria dos modelos trata esse componente implicitamente; alguns, entretanto,
buscaram explicitá-lo em modelos de ação coletiva.
Mobilização para a Atividade Política
Os modelos econômicos apresentados especificam as preferências societárias em
relação à política comercial, mas nenhum deles explica como suas implicações
redistributivas são expressas na arena política, nem qual é o resultado em
termos da composição de coalizões. Não é possível deduzir a formação e a
composição das coalizões apenas com base na especificação das preferências. Não
é suficiente que os atores tenham incentivos para tentar influenciar as
políticas; eles precisam se organizar para exercer pressão política efetiva
(Alt et alii, 1996:695; Frieden, 2000:40).
Existe um conjunto de modelos políticos baseados em custos de ação coletiva, os
quais tentam explicar como as preferências dos atores se traduzem em coalizões
políticas, isto é, em ação política efetiva (Alt et alii, 1996:690). Uma
ferramenta para explicar que tipos de grupos serão formados é a lógica da ação
coletiva (Olson, 1977). Ao decidir sobre a realização de ação política,
indivíduos fazem cálculos de custo-benefício; o lado da equação relativo aos
benefícios pode ser entendido por meio dos modelos de preferências já
apresentados, em que a intensidade dos benefícios esperados pelos indivíduos
varia de acordo com variáveis como a dotação relativa dos fatores, seu grau de
especificidade, entre outras. Por outro lado, os indivíduos levam em conta os
custos da ação coletiva, e esses custos podem ser potencializados pelo problema
do carona (idem, ibidem). A formação e a coesão das coalizões dependerão,
portanto, de como os indivíduos percebem a intensidade de suas preferências e
os custos associados à ação política. A literatura sobre ação coletiva sugere
ainda que a coesão dos grupos depende de fatores tais como o tamanho do grupo e
sua capacidade de fornecer benefícios seletivos para seus membros (Frieden,
2000:40). Em geral, grupos pequenos com interesses específicos se organizam
mais facilmente e garantem benefícios mais efetivamente do que grupos grandes
com interesses difusos.
Os primeiros modelos políticos de ação coletiva trataram de clivagens entre
produtores e consumidores. As primeiras conclusões teóricas no campo da
economia política da proteção refletiram os insightsde Downs (1999) e Olson
(1977), segundo os quais os interesses dos produtores prevaleceriam sobre os
dos consumidores nas decisões dos formuladores de políticas (Baldwin, 1989:
121). Isso decorre do fato de que cada grupo - consumidores e produtores -
enfrenta custos diferentes de mobilização, organização e atuação política. Um
grupo de produtores de determinado setor da economia tende a ser composto de um
número pequeno de indivíduos, e os possíveis ganhos de uma política de proteção
ou perdas de uma política de abertura tendem a ser significativos para cada
membro do grupo. Os produtores, portanto, terão grande incentivo para arcar com
os custos de informação, mobilização e organização, com vistas a exercer
pressão organizada sobre os agentes públicos, em busca de políticas que lhes
sejam favoráveis. Por outro lado, o grupo dos consumidores é difuso e composto
de um número enorme de indivíduos. Os possíveis ganhos ou perdas, ainda que
altos em termos absolutos, serão ínfimos em termos per capita, e, por isso,
nenhum indivíduo do grupo terá incentivo suficiente para incorrer em custos de
informação e organização na busca por políticas que lhe sejam benéficas. Grosso
modo, portanto, Downs (1999) e Olson (1977) indicam que produtores de
determinados setores se organizarão de forma mais efetiva do que os
consumidores e conseguirão garantir para si proteção comercial. Ademais, subjaz
a essa literatura a noção de um mercado político de proteção, em que setores
demandantes oferecem votos e contribuições de campanha a políticos que
retribuem em forma de proteção comercial. Nesse caso, o governo é visto como um
conjunto de indivíduos auto-interessados que atuam no mercado político
(Caporaso e Levine, 1992:126-143; Odell, 1990:142).
Com base nas conclusões desse modelo político, esperar-se-ia que os governos
sempre oferecessem proteção completa aos setores econômicos prejudicados por
importações, e não se conseguiria explicar, dessa forma, as políticas de
abertura de mercado. De fato, o modelo prevê uma tendência à perpetuação de
políticas de proteção (Milner, 2002:449; Rodrik, 1994:26), mas faltam a ele
considerações sobre as dinâmicas políticas relativas aos setores competitivos
da economia. Como, de acordo com o modelo, não se pode esperar que consumidores
se organizem para demandar liberalização, deve-se incluir, nas explicações da
política econômica externa, as dinâmicas de ação coletiva dos grupos de
produtores interessados na liberalização (aqueles próximos à vantagem
comparativa do país). Para suprir essas dificuldades, alguns autores incluíram,
em sua análise, os efeitos do contexto institucional internacional sobre as
dinâmicas políticas domésticas; para isso, introduziram considerações sobre as
dinâmicas dos jogos de dois níveis e trataram de demonstrar alguns dos
incentivos à ação coletiva para os grupos de produtores não protecionistas.
Contexto Institucional Internacional
As instituições internacionais são aqui consideradas não por seu papel na
agregação de preferências no âmbito do sistema internacional, mas pelas
oportunidades e restrições que apresentam aos atores domésticos. Isto é, as
instituições internacionais interferem nos incentivos à ação coletiva dos
diferentes atores societários domésticos e, por isso, podem ser consideradas
variáveis intervenientes na explicação dos resultados da política econômica
externa dos países.
Alguns estudiosos introduziram a análise dos jogos de dois níveis proposta por
Putnam (1988) nos modelos explicativos da política comercial, o que permitiu a
explicação de situações em que as negociações internacionais afetavam o
processo político doméstico e vice-versa (Cortell e Davis Jr., 1996; Davis,
2003; 2004; Goldstein e Martin, 2000). De forma geral, a introdução dessa
dinâmica buscou explicar como instituições internacionais promovem a
liberalização comercial na presença de forte pressão de grupos domésticos
(Davis, 2003:2). O objetivo é explicar como o contexto institucional da
negociação comercial pode ajudar a contornar demandas bem organizadas de
determinados grupos e tornar politicamente possível a liberalização. O foco,
portanto, é sobre a liberalização negociada (idem, ibidem:3).
Enfatizam-se as instituições específicas às negociações comerciais, isto é, a
agenda, as regras e os procedimentos que regulam a interação entre os países
(ibidem:22; Davis, 2004:153). A explicação passa, essencialmente, pela
existência de issue linkagesem determinadas negociações internacionais, quando
a estrutura da negociação condiciona a liberalização de determinado setor (como
o agrícola) à abertura de outro setor (como serviços ou bens industrializados).
Na presença dessa condicionalidade, grupos potencialmente beneficiários do
livre-comércio têm maior incentivo a se mobilizar para pressionar pela abertura
do mercado de seu país. Grupos de exportadores passam a demandar abertura ao
governo, na medida em que a abertura do mercado doméstico passaaser necessária
para a obtenção de ganhos de acesso aos mercados estrangeiros. O processo de
issue linkage, portanto, deve engajar setores que favoreçam a liberalização no
debate político para contrabalançar os setores que preferem proteção (idem,
2003:42; 2004:157). Negociações com issue linkagesdiluem a influência de
setores protecionistas por que os forçam a competir com outros grupos de
interesse na arena política (Davis, 2003:45)2.
Os governos, por sua vez, aceitando um compromisso de liberalização, incorrem
em menores custos políticos do que os que enfrentariam no caso de abertura
unilateral (Lusztig, 2004). Nesse caso, o processo negociador acaba por ajudar
a compensar os problemas de ação coletiva domésticos que resultam em políticas
de proteção. Como afirma Davis (2004:167), isso evidencia a possibilidade de
que a estrutura de uma negociação internacional contrabalanceie o mercado
político da proteção comercial na arena doméstica. Em suma, a estrutura da
negociação internacional - em torno de issue linkages- altera o equilíbrio
doméstico de interesses a favor da liberalização (Davis, 2003:15; 2004:154).
Por sua vez, Goldstein e Martin (2000) enfatizam o papel das instituições
internacionais no fornecimento de mais e melhores informações sobre as
implicações redistributivas domésticas dos acordos comerciais de liberalização.
A partir disso, extraem conclusões diferentes sobre os efeitos do contexto
institucional internacional sobre a política doméstica. Informações sobre quem
ganha e quem perde afetam os incentivos para a mobilização dos grupos (ibidem:
603-604). À diferença de Davis, no entanto, essa abordagem gera previsões
ambíguas a respeito dos efeitos das instituições internacionais sobre o
processo de liberalização, sobretudo no que tange à dinâmica política
doméstica. Seu objetivo é alertar sobre as dificuldades potenciais que a
legalização internacional pode gerar para o processo multilateral de
liberalização (ibidem:605).
Uma das consequências do provimento de informações por parte de instituições
internacionais é a maior transparência e previsibilidade sobre os efeitos
distributivos da liberalização. O aumento da quantidade e da qualidade dessas
informações, porém, gera efeitos dúbios sobre a mobilização de interesses
domésticos e, portanto, sobre a capacidade dos governos de manter o apoio a
políticas de liberalização, de forma que os efeitos sobre a dinâmica política
dependem do equilíbrio vigente entre interesses exportadores e protecionistas
(ibidem). No caso em que os interesses exportadores já são bem organizados,
mais conhecimento sobre as consequências redistributivas aumenta a mobilização
relativa de forças protecionistas; nesse sentido, mais transparência pode
tornar as negociações para liberalização politicamente mais difíceis. Embora as
informações sejam igualmente importantes para protecionistas e defensores do
livre-comércio, "se esses grupos estiverem mobilizados em graus distintos
previamente ao processo de legalização, a disseminação de informação terá um
efeito marginal maior sobre os grupos que estiverem menos organizados" (ibidem:
606; traduçãodoautor).
Em resumo, os argumentos teóricos oferecem resultados ambíguos acerca dos
efeitos do contexto institucional internacional sobre a política dos grupos
societários. Eles apontam direções para a pesquisa, mas as respostas têm de ser
buscadas na análise empírica e na melhor especificação dos modelos.
Efeitos da Internacionalização Econômica sobre a Estrutura de Preferências
Domésticas
Os fluxos de comércio internacional também podem afetar a política doméstica
dos países e, por conseguinte, suas políticas comerciais. Nesse caso, o aumento
do comércio internacional - também chamado de internacionalização da economia -
é estudado como variável independente na explicação da política comercial; o
aumento dos fluxos de comércio produziria mudanças importantes nas
preferências, instituições e política domésticas (Milner, 2002:449). O ponto em
comum entre os diferentes argumentos sobre a internacionalização é a sugestão
de que o aumento da exposição da economia nacional ao livre-comércio leva ao
aumento de pressões contra a proteção e, assim, cria um ciclo virtuoso de
demandas crescentes por liberalização (idem, ibidem:456). Milner (1999), Milner
e Keohane (1996), Frieden e Rogowski (1996) e Rogowski (1987) propõem uma
abordagem estática, enquanto Hathaway (1998) e Lusztig (2004) trabalham
explicações dinâmicas dos efeitos da internacionalização econômica sobre a
política doméstica.
Modelo estático- Rogowski (1987) argumenta que, à medida que os países abrem
sua economia, o setor de bens comercializáveis tende a crescer juntamente com a
exposição às pressões econômicas externas; isso leva a novas clivagens
políticas e a conflitos entre fatores escassos e abundantes. Milner (1988)
também argumenta que o aumento da abertura econômica muda as preferências
domésticas, elevando o número potencial de defensores do livre-comércio, uma
vez que cresce o número de empresas exportadoras e multinacionais. Por outro
lado, a abertura também pode causar a diminuição do número de empresas
protecionistas na medida em que elas sucumbam à concorrência estrangeira.
Frieden e Rogowski (1996:31) argumentam que a facilitação do comércio
internacional aumenta a transmissão das tendências econômicas mundiais para as
economias nacionais. Dessa forma, ela torna mais intensas as preferências dos
atores em relação à política econômica externa dos governos. Ademais, a
internacionalização afeta as preferências dos atores domésticos de forma
previsível, com base em seus interesses econômicos. Os produtores mais próximos
à vantagem comparativa do país tendem a favorecer políticas de maior abertura,
enquanto os produtores prejudicados tendem a se opor. Logo, como ganhadores e
perdedores têm interesses conflitantes, novas coalizões que se baseiam nos
diferentes efeitos da maior abertura econômica serão formadas (ibidem:29 e 37;
Milner e Keohane, 1996:15).
No entanto, mudanças de preferências não dizem muito sobre como as políticas e
as instituições mudarão em decorrência da internacionalização: é preciso saber
também qual será seu efeito sobre a influência política relativa dos diversos
atores (Milner e Keohane, 1996:15). Rogowski (1987:1123) afirma que aqueles que
sofrem um aumento repentino no nível de renda terão maior capacidade de
expandir sua influência política. Essencialmente, o modelo estático postula que
várias condições exógenas criam novos atores com preferência pela
liberalização, o que altera o equilíbrio de poder a seu favor (Milner, 1999:
97).
Modelo dinâmico- Hathaway (1998) e Lusztig (2004) propõem modelos de
preferências societárias dinâmicas para explicar variações nas demandas por
proteção ao longo do tempo. Como reação ao aumento da concorrência externa no
mercado doméstico, as empresas domésticas devem optar entre duas formas
possíveis de ação: ajuste ou ação política.Oprimeiro caminho - ajuste - envolve
uma série de mudanças, na estrutura da empresa, destinadas à adequação às novas
condições de mercado. O caminho alternativo é a ação política, isto é, o ato de
reclamar ou de se organizar para reclamar, com a intenção de recuperar as
vantagens perdidas com a liberalização (Hathaway, 1998:578). Os diferentes
setores podem adotar um dos dois caminhos (ajuste ou mobilização) ou
combinações dos dois. À medida que as empresas de um setor realizam ajustes em
resposta ao aumento da concorrência internacional, o agregado de preferências
do setor econômico muda, já que o ajuste bem-sucedido reduz a severidade de
futuros ajustes e, portanto, os potenciais custos de futuras liberalizações
(idem, ibidem:577).
As empresas que sobrevivem a processos de liberalização podem até mesmo se
tornar competitivas no mercado internacional (ibidem:585). Como consequência,
essas empresas se tornam menos propensas a demandar proteção e, eventualmente,
podem se tornar demandantes de mais liberalização. Ademais, as empresas menos
eficientes do setor que forem incapazes de realizar ajustes terminam por deixar
o mercado. O setor fica, portanto, mais propenso a favorecer - ou, ao menos,
menos propenso a se opor a - futuras liberalizações (ibidem:585-586). Portanto,
no modelo de Hathaway, a liberalização comercial tende a reduzir, ao invés de
aumentar, a demanda por proteção por parte daquele setor (ibidem:576).
Por sua vez, Lusztig (2004) argumenta que, sob determinadas condições,
oponentes da liberalização podem acabar se tornando aliados importantes de
governos na implementação de reformas comerciais. Esse autor estabelece uma
tipologia para diferenciar os diferentes grupos protecionistas em termos de sua
capacidade (e disposição) de realizar ajuste. De um lado estão os grupos
inflexíveis (inflexible rent-seekers), que consistem de produtores domésticos
cujo capital é imóvel e que investiram em setores que não conseguem competir no
mercado internacional. Esses produtores tendem a investir consideravelmente em
atividade política (Lusztig, 2004:7). De outro lado estão os grupos flexíveis
(flexible rent-seekers), que também preferem arcar com os custos da atividade
política a fazer ajuste, mas que são capazes de, em último caso, reestruturar
suas operações para se tornarem competitivos no mercado internacional.
Analogamente à explicação de Hathaway (1998), na medida em que os grupos
flexíveis se ajustam às novas condições de concorrência impostas, têm menos
incentivos para demandar proteção (ibidem:8).
Ambos os argumentos sugerem, portanto, que o próprio processo de liberalização
e de abertura da economia pode gerar mudanças de preferências entre os atores
societários domésticos e criar grupos com preferência pela abertura que, por
sua vez, apoiarão - ou, ao menos, não mais resistirão a - tentativas
subsequentes de liberalização.
É apropriado fazer uma distinção conceitual entre as explicações estáticas e
dinâmicas relativas aos efeitos da internacionalização. Nos modelos estáticos,
o aumento nos fluxos comerciais de um dado país altera a estrutura doméstica de
preferências ao gerar incentivos para que atores que antes não participavam do
processo político se mobilizem e passem a demandar suas preferências junto aos
decisores públicos. A internacionalização, portanto, não altera as preferências
de cada ator específico, mas a configuração de preferências no agregado, uma
vez que os atores que participam do jogo político mudam. Em outras palavras, a
explicação mostra que, por exemplo, se mais atores com interesse na
liberalização entram na disputa política, a estrutura doméstica de preferências
passa a refletir o peso relativamente maior dessas preferências; logo,
interesses protecionistas adquirem peso relativamente menor. Deve-se notar que,
nesse caso, não houve mudança na preferência de nenhum ator específico, mas no
equilíbrio agregado entre preferências diversas. Por outro lado, os modelos
dinâmicos argumentam que a internacionalização da economia doméstica pode
alterar as preferências de alguns atores ao longo do tempo, visto que estes se
ajustam às condições de concorrência externa impostas pela liberalização. Os
atores que optam pelo ajuste - e são bem-sucedidos - terão menos interesse em
proteção e, portanto, serão menos propensos a demandá-la. Ao mesmo tempo,
atores que optam pelo não ajuste (e não conseguem proteção) ou que não têm
sucesso no processo de ajuste deixarão o setor, diminuindo o número de de
mandantes de proteção. Nesse modelo, as mudanças previstas pelo modelo estático
ocorrem em paralelo com mudanças nas preferências de atores específicos. Muda,
portanto, a estrutura doméstica de preferências, sobretudo porque, com o
decorrer do tempo, mudam as preferências de atores importantes.
Preferências dos Atores Governamentais
Autores diferentes tratam dos atores governamentais em níveis distintos de
agregação. Alguns trabalham no nível dos poderes Executivo e Legislativo - e os
consideram unitários e racionais (Milner, 1997); outros tratam dos atores
burocráticos - isto é, ministérios, departamentos, agências governamentais e
indivíduos que ocupam cargos importantes nesses órgãos (Allison e Halperin,
1972). Outros ainda lidam com líderes políticos individuais e enfatizam os
determinantes cognitivos de seu comportamento (Goldstein e Keohane, 1993; Kemp,
2007). Portanto, a escolha do nível de análise influenciará, em grande medida,
a explicação da origem das preferências dos atores governamentais.
Aqueles que estudam os poderes Executivo e Legislativo como atores do processo
decisório em política externa e em política comercial os concebem como atores
unitários e racionais basicamente por motivos heurísticos - isto é, para fins
de investigação e de criação de hipóteses empiricamente testáveis. A
maximização da utilidade do Executivo depende da reeleição; isso quer dizer que
escolherá políticas que sirvam imediatamente a seus interesses eleitorais
(Milner, 1997:34; Van Belle, 1993). No modelo, suas chances de reeleição
dependem de dois fatores: o estado geral da economia e as preferências dos
grupos de interesse que o apoiam (Milner, 1997:34-35). Embora, em último caso,
são os eleitores que definem o destino dos líderes políticos, grupos de
interesse podem ser importantes no provimento de contribuições de campanha,
votos, exposição na mídia etc. O Poder Legislativo também é considerado
unitário e racional. Novamente como recurso metodológico, entende-se por
preferências do Legislativo as preferências do legislador médio (idem, ibidem:
35). A reeleição dos legisladores também depende do estado geral da economia e
do apoio de grupos de interesse, com peso relativamente maior para o último.
Por que, então, se Legislativo e Executivo compartilham interesses comuns,
frequentemente diferem em suas preferências por políticas específicas? De
acordo com os autores, porque eles representam eleitorados diferentes. O
Executivo responde a um eleitorado nacional; por isso, é responsável pelo
desempenho agregado da economia, fator esse que lhe constrange mais do que ao
Legislativo. Além disso, o Executivo também deve se preocupar com elementos
externos ao sistema político nacional, pois suas preferências também são
afetadas pelas demandas e pressões de parceiros internacionais. Por outro lado,
o Legislativo se preocupa com um eleitorado local; por isso, é mais permeável a
interesses particulares e possui preferências que divergem do Executivo (Lima e
Santos, 2001:127; Milner, 1997:36; Nielson, 2003:473).
Executivos e legislativos, porém, não são atores unitários. Na prática, seus
conflitos internos podem, algumas vezes, ser mais intensos e complexos do que
suas disputas com outros atores (Milner, 1997:34). Deve-se, portanto,
considerar a abordagem da política burocrática, que trata exclusivamente das
disputas internas entre agências do Poder Executivo. Nessa perspectiva, os
atores políticos são as grandes organizações e os indivíduos que ocupam postos
no alto escalão dessas organizações e competem na tentativa de influenciar
tanto as decisões quanto as ações do governo (Allison e Halperin, 1972:42).
Dessa forma, as ações governamentais podem ser entendidas como o resultado de
barganhas entre atores hierarquicamente posicionados no governo (idem, ibidem:
43). O indivíduo aqui possui importância, uma vez que ocupa uma posição
hierárquica na burocracia estatal. Suas percepções e preferências têm origem
tanto em suas características individuais quanto em sua posição na estrutura
burocrática. Segundo Allison e Halperin (ibidem:48), os interesses que afetam
as preferências dos atores podem ser enquadrados em quatro categorias:
interesses de segurança nacional; interesses organizacionais; interesses
domésticos; e interesses pessoais. Entretanto, o modelo acaba por deixar
implícito que a origem das preferências do indivíduo recai completamente sobre
sua posição na estrutura burocrática.
O sucesso de cada jogador na disputa política depende basicamente de suas
vantagens na barganha (controle sobre informação e sobre instrumentos de
implementação de políticas) e de sua habilidade e disposição em utilizar essas
vantagens (ibidem:50). Contudo, como apontam Hollis e Smith (1986:276), o
modelo burocrático possui um nível elevado de indeterminação em suas
explicações; não é capaz de gerar previsões específicas e verificáveis sobre
quais atores terão mais chances de sucesso - e sob quais condições. Sobretudo,
permanece sem resposta a questão de como funciona o poder nas barganhas
interburocráticas e qual é sua origem (ibidem:281; Katzenstein, 1977a:599).
Há que se considerar, ademais, que as preferências dos indivíduos que ocupam
cargos políticos eletivos ou cargos burocráticos de alto escalão dependem
fortemente de suas convicções político-ideológicas (Lima e Santos, 2001:127).
Alguns autores argumentam que, na determinação da política comercial, as
preferências e ideias dos tomadores de decisão podem ser mais importantes do
que as preferências de grupos societários domésticos. Mudanças em suas ideias
sobre política comercial podem ter papel importante na determinação das
escolhas de políticas específicas. Aqui entram as explicações que privilegiam o
papel independente das ideias, valores, crenças e vieses cognitivos na
determinaçãodas preferências dos atores e dos conteúdos das políticas. O que se
deve enfatizar, nesse caso, são as inter-relações entre ideias e interesses
para a compreensão da política econômica externa (Bhagwati, 1988:xii; Milner,
2002:452; Odell, 1990:149)3.
Goldstein e Keohane (1993) tentam mostrar como ideias ajudam a explicar
resultados políticos, particularmente aqueles relacionados à política externa.
Esses autores distinguem três tipos de ideia ou crença: visões de mundo,
crenças de princípios e crenças causais. Ademais, propõem três mecanismos
causais por meio dos quais as ideias podem influenciar políticas: primeiro,
podem atuar como mapas cognitivos (road maps) que esclarecem objetivos ou
relações entre fins e meios para os decisores; segundo, podem ajudar a definir
estratégias em jogos que não possuem equilíbrio único; terceiro, podem se
inserir em instituições políticas, de modo que persistam no tempo e continuem
influenciando políticas mesmo depois que as condições que lhes deram origem não
mais existam (Goldstein, 1988; Goldstein e Keohane, 1993:7-8). As abordagens
sobre ideias - por causa da dificuldade de definir, observar e mensurar a
variável - padecem também de considerável indeterminação em duas explicações.
Como afirma Odell (1990:152), faltam proposições gerais que ajudem a explicar
por que algumas ideias se tornam mais influentes do que outras ou quais ideias
estão diretamente relacionadas a aspectos específicos da política econômica
externa. As abordagens teóricas existentes são imprecisas e se apoiam,
sobretudo, em estudos empíricos interpretativos. Faltam propostas de explicação
mais rigorosas, capazes de oferecer direções menos incertas às pesquisas da
área.
Ainda no campo das explicações cognitivas sobre as preferências comerciais,
Kemp (2007) mostra como uma série de vieses cognitivos pode afetar a forma pela
qual atores governamentais percebem e respondem a problemas de política
comercial. Há alguns fatores principais identificados na literatura da
psicologia econômica que podem explicar vieses negativos em relação ao livre-
comércio: primeiro, as visões de utilidade dos indivíduos tendem a enfatizar
emprego em detrimento de consumo; segundo, há vieses resultantes da aversão ao
risco que favorecem o status quo(Baldwin, 1989:123-124); terceiro, indivíduos
consideram questões de justiça (fairness)em situações de barganha; quarto, nem
todos compreendem plenamente o princípio da vantagem comparativa. É
interessante notar que os efeitos desses fatores psicológicos sobre as atitudes
dos indivíduos parecem ser cumulativos em vez de independentes (Kemp, 2007:37).
Cabe adicionar que a internacionalização da economia doméstica gera
oportunidade se restrições não apenas para os grupos societários, como
discutido, mas também para os atores governamentais (Milner e Keohane, 1996:4).
Segundo Milner (1997:43-44), dois fatores afetam as preferências dos atores
governamentais: o grau de abertura da economia e as externalidades que os
países estrangeiros podem impor à economia nacional. A abertura pode implicar
perda de eficácia dos instrumentos tradicionais de política econômica, além de
significar que os preços relativos do país sofrem restrições e choques do
mercado internacional. Essas restrições geram incentivos para a adoção de uma
política econômica externa cooperativa, visando à coordenação de políticas
nacionais. Por outro lado, políticas de cooperação geram custos, sobretudo
aqueles relacionados às consequências distributivas da cooperação e à perda de
controle sobre os instrumentos de política econômica. Os atores políticos,
portanto, fazem cálculos de custo-benefício que levam em conta os elementos já
discutidos (ibidem:46-47; Milner e Keohane, 1996:17).
Limitações das Abordagens Centradas em Preferências
Os modelos centrados em preferências domésticas possuem uma série de fraquezas.
Por um lado, conseguem explicar as origens domésticas da oposição e do apoio a
políticas comerciais (as demandas societárias por proteção ou liberalização),
mas atribuem ao governo um papel passivo de tradutor das demandas societárias.
Por outro lado, as preferências dos tomadores de decisão podem ajudar a
explicar apenas parcialmente o lado da oferta da política comercial, indicando
a disposição dos líderes políticos em oferecer proteção ou liberalização. Em
suma, os modelos de preferências comerciais parecem fornecer apenas uma
explicação inicial sobre a oferta e a demanda por política comercial (Milner,
2002:453).
Assim, pouco se diz sobre o processo pelo qual as demandas de grupos de
interesse geram respostas do governo. Grande parte da literatura não buscou
identificar as condições mais favoráveis para levar governos a fornecer
proteção, rejeitar demandas ou mudar os níveis de pro-teção ao longo do tempo
(Goldstein, 1986:163; Odell, 1990:141-142; Skidmore e Hudson, 1993:6).
Se, por um lado, eles não propõem nenhuma explicação sobre como as preferências
são agregadas em diferentes níveis, por outro, pressupõem que o governo não
tenha um papel minimamente independente no processo decisório (Milner, 2002:
451; Odell e Willett, 1993:3). Como consequência, dedica-se muita atenção ao
"interesse" na proteção e pouca à quantidade e à efetividade da proteção
recebida (Goldstein, 1986:163). O que falta nessas explicações são instituições
políticas.
Instituições
Modelos exclusivamente societários - que remontam à tradição do pluralismo
político - não explicam como os governos consideram e pesam as diversas
demandas societárias por proteção-ou seja, ignoram o lado da oferta da política
comercial. Em geral, atribuem um papel passivo aos governos, como meros
tradutores das demandas societárias em políticas públicas. Ignoram, em
particular, a forma pela qual instituições políticas canalizam e intermedeiam
as demandas dos grupos de interesse (Nielson, 2003:470).
Como afirma Odell (1990:153), o comportamento político de indivíduos e grupos
responde a oportunidades e a restrições criadas por instituições. O objetivo da
análise institucional, portanto, é explicar como as restrições impostas pelas
instituições afetam as atividades políticas dos grupos societários (Frieden,
2000:42). Instituições políticas podem influenciar a forma pela qual as
preferências dos atores são traduzidas em políticas. Nem todas as preferências
têm o mesmo impacto sobre as políticas; as preferências de alguns grupos têm
peso maior em qualquer processo decisório. Nesse sentido, instituições criam um
viés a favor de certos atores em detrimento de outros; elas podem estabelecer
quais grupos domésticos têm mais acesso e voz no processo decisório, além de
determinar o grau de permeabilidade do governo a esses interesses. Em outras
palavras, elas são responsáveis pelo processo de agregação política das
preferências domésticas (Garrett e Lange, 1996:50; Hermann e Hermann, 1989:362;
Hudson, 2006:126; Ikenberry, 1988:222-223; Milner, 1997:18; 1998:760-761; 2002:
449; Milner e Keohane, 1996:4-6; Nielson, 2003:471-472; Odell e Willett, 1993:
3).
Algumas instituições, por exemplo, tendem a conceder aos grupos de interesse
acesso privilegiado aos tomadores de decisão e aos instrumentos de política,
tornando suas demandas mais difíceis de resistir. Por outro lado, outros tipos
de instituição tendem a insular os tomadores de decisão das demandas
societárias, conferindo-lhes grande margem de autonomia na formulação e na
execução das políticas públicas. Pode-se conceber dois extremos em termos de
contexto institucional doméstico: de um lado, as formulações que atribuem ao
governo o papel completamente passivo de mero receptor e tradutor de demandas
societárias organizadas; de outro, formulações que atribuem ao governo
autonomia irrestrita em face das pressões societárias, de modo que são capazes
de formular e executar políticas inteiramente alinhadas às preferências dos
indivíduos que ocupam os postos de decisão. Entre esses dois extremos, existe
uma série de combinações possíveis de elementos institucionais que garantem
mais ou menos autonomia aos decisores governamentais e mais ou menos poder às
demandas societárias organizadas.
Portanto, embora as preferências domésticas possuam um papel importante na
explicação da política comercial, o argumento principal é o de que as
instituições políticas agregam essas preferências, concedendo a alguns setores
acesso diferenciado às principais instâncias do processo decisório. Dessa
forma, é necessário entender as instituições para explicar a oferta de
proteção, e não apenas sua demanda; diferentes instituições agregam
preferências de forma distinta e, portanto, resultam em políticas diversas.
Nesta discussão, são enfatizados os elementos institucionais - identificados na
literatura - que tornam os governos mais ou menos permeáveis às demandas
societárias. O foco, portanto, recai sobre o insulamento ou a permeabilidade do
processo decisório em política econômica externa às demandas dos atores
societários.
Três abordagens institucionais principais serão discutidas. Primeiro, uma
literatura de influência crescente que se define, sobretudo, pelo método.
Batizada de "institucionalismo racional" por Milner (1998), essa abordagem se
insere na tradição da escolha racional da ciência política e utiliza amplamente
métodos quantitativos para medir e avaliar o impacto de variáveis
institucionais sobre os resultados de políticas públicas. Seu foco é sobre o
impacto das regras e normas que estruturam o ambiente de interação estratégica
dos atores e moldam a forma pela qual resultados coletivos são alcançados. A
segunda abordagem, por seu turno, concebe o Estado como uma estrutura
organizacional ou um conjunto de leis e arranjos institucionais historicamente
contingentes. Essa abordagem está diretamente associada aos trabalhos de
Goldstein (1986; 1988). Seu foco é sobre a forma como ideias se tornam
institucionalizadas em normas e regras e adquirem persistência ao longo do
tempo, garantindo sua influência sobre as políticas. Aterceira abordagem,
conhecida como abordagem estatal, concebe o Estado como um ator autônomo e
independente no processo político. Sua ênfase principal é sobre o comportamento
de líderes políticos e executivos do Estado, que são considerados racionais em
certa medida, pois respondem a restrições internas e externas na busca de
promover políticas que estejam de acordo com suas próprias preferências
(Ikenberry, Lake e Mastanduno, 1988:10).
Institucionalismo Racional
O institucionalismo racional enfoca o impacto das regras e normas que
estruturam o ambiente de interação estratégica dos atores e moldam a forma pela
qual resultados coletivos são alcançados (Milner, 1998:762). A política
externa, nesses estudos, é resultado da agregação de preferências domésticas no
contexto de instituições políticas, e o resultado coletivo depende das
interações estratégicas desses grupos (idem, ibidem:779).
A literatura pertencente ao subcampo do institucionalismo racional é vasta e
investiga o impacto de uma série de variáveis sobre o processo decisório e
sobre os resultados de políticas públicas. Em geral, enxerga as instituições
como arenas de conflito e cooperação que enviesam resultados a favor de certos
grupos (ibidem:762). Ademais, algumas instituições formais dos sistemas
políticos nacionais podem torná-los mais ou menos insulados das pressões
societárias. Entre as variáveis estudadas, incluem-se o tipo de regime - se
democrático ou autoritário, se presidencialista ou parlamentarista -, as regras
eleitorais, o tipo de sistema partidário, o tipo de federalismo, o número de
pontos de veto etc. Em suma, elementos que definem a natureza do sistema
político nacional são variáveis que afetam a forma como as instituições
políticas filtram e traduzem as preferências societárias em políticas públicas
(Garrett e Lange, 1996; Hudson, 2006:126; Milner, 2002:452-454; Milner e
Keohane, 1996:5-6; Nielson, 2003; Thies e Porche, 2007:175; Tsebelis, 1995).
A permeabilidade dos governos a mudanças nas preferências domésticas varia
significativamente de acordo com o tipo de regime (Garrett e Lange, 1996;
Milner e Kubota, 2005). Segundo Garrett e Lange (1996:61), espera-se que a
política econômica externa se aproxime daquela prevista por abordagens
societárias mais em regimes democráticos do que em autoritários. Ademais,
sistemas eleitorais democráticos sempre aproximarão as políticas aos interesses
de setores menos produtivos em decorrência do princípio "uma pessoa, um voto"
(ibidem:65). A magnitude desse viés varia de acordo com as regras eleitorais,
mas eleições democráticas sempre darão maior poder aos setores de bens não
comercializáveis do que preveriam os modelos do pluralismo político.
A permeabilidade a mudanças nas preferências societárias é inversamente
proporcional ao número de pontos de veto no sistema político - isto é, o número
de atores institucionais cuja aquiescência é necessária para realizar uma
mudança de política (Tsebelis, 1995). Ademais, essas perspectivas, em geral,
sugerem que sistemas políticos fragmentados são similares àqueles que possuem
muitos pontos de veto e, como eles, são resistentes a mudanças (Milner, 2002:
454; Tsebelis, 1995).
Por sua vez, Milner (1997:18) se concentra nas instituições políticas que
estabelecem a distribuição dos poderes legislativos entre os atores políticos.
No processo decisório, quatro elementos são essenciais como recurso de poder
para os atores domésticos: a capacidade de estabelecer a agenda, de emendar as
políticas propostas, de ratificar ou vetar propostas e de propor referendos. A
forma como o poder é compartilhado afeta as preferências que prevalecerão na
tomada de decisão. Quanto maior o controle de um ator político sobre o processo
legislativo, maior sua capacidade de implementar políticas que reflitam suas
preferências (ibidem:101). Por isso, a relação institucional entre o executivo
e o legislativo nas democracias é de suma importância para o entendimento da
política econômica externa (ibidem:99; Milner e Rosendorff, 1997).
Nielson (2003) argumenta que presidentes fortes com poderes legislativos
significativos e líderes partidários fortes podem ajudar a superar vieses
protecionistas na política doméstica. Os resultados empíricos por ele
alcançados sugerem que a delegação da competência pela política comercial para
presidentes demonstra correlação significativa com a liberalização comercial.
Segundo Nielson (ibidem:470-471), reformas comerciais são mais prováveis quando
poderes significativos são delegados a líderes partidários do Legislativo ou ao
Executivo, visto que seus mandatos e posições institucionais os levam a
considerar mais seriamente a busca de bens públicos. Lima e Santos (2001:121)
argumentam na mesma linha: para esses autores, a política externa e,
especialmente, a de comércio exterior são comumente delegadas ao Executivo,
porque, entre outras razões, "a solução de delegar [...] surge como um freio
aos excessos distributivistas de corporações e localidades". Por isso,
tenderiam a predominar desenhos institucionais que "assegurem uma autoridade
executiva forte" (ibidem:125).
A validade do argumento, no entanto, depende de uma condição importante: os
líderes do Poder Executivo em questão devem acreditar nas virtudes do livre-
comércio. Nesse caso, as instituições fornecem apenas condições mais propícias
à liberalização, mas não a determinam; as ideias e crenças dos políticos são
uma variável anterior (Geddes, 1990:218). Dessa forma, Milner (2002:453)
conclui não ser pacífico que um maior insulamento dos decisores sempre
produzirá políticas liberalizantes. As preferências desses tomadores de decisão
também serão determinantes no resultado.
Como argumenta Milner (1997:19), a conclusão geral dessa literatura é que as
instituições são importantes como fator explicativo, mas as preferências são
primordiais, uma vez que delimitam o grau de variação nos resultados que as
instituições podem produzir.
Ideias e Instituições
A segunda abordagem institucional a ser discutida concebe o Estado como uma
estrutura organizacional ou um conjunto de leis e arranjos institucionais
historicamente contingentes. Nesse sentido, a política comercial pode ser
entendida como um conjunto de regras de decisão que refletem as ideias e os
vieses dos tomadores de decisão que as criaram. Essa abordagem está associada
sobretudo aos trabalhos de Goldstein (1986; 1988). Seu foco é sobre a forma
pela qual ideias se tornam institucionalizadas em normas e regras e adquirem
persistência ao longo do tempo, garantindo sua influência sobre as políticas. A
explicação da política comercial, nesse caso, passa pela inter-relação entre
duas variáveis: as ideias dos tomadores de decisão e as instituições políticas.
As ideias são importantes na medida em que se institucionalizam em regras e
normas que restringem o comportamento de indivíduos e grupos de dentro e de
fora do Estado (Goldstein, 1988:214; Goldstein e Keohane, 1993:12; Sikkink,
1991:2 e 25).
A partir do momento em que as ideias influenciam o desenho organizacional das
agências do Estado, sua influência vai se refletir nos incentivos para aqueles
que estão dentro e fora da organização. Esse mecanismo causal enfatiza a forma
como instituições políticas, na forma de agências, leis, normas e
procedimentos, medeiam a relação entre ideias e políticas públicas,
especialmente apolíticaexterna (Goldstein, 1988:181; Goldstein e Keohane, 1993:
20). Isso também explica por que algumas práticas e instituições sobrevivem ao
tempo mesmo que as ideias que lhes deram origem já não sejam dominantes na
arena política (Goldstein, 1988:181).
São de interesse particular as regras que regulam a relação entre governo e
setor privado nas questões de política comercial, especialmente aquelas que
balizam a avaliação do Estado sobre a legitimidade das demandas feitas pelos
atores societários (idem, 1986:161; 1988:180; Ikenberry, 1988:228). Goldstein
(1986; 1988) identifica três dessas regras para o caso da política comercial
norte-americana. Primeiro, a transferência da responsabilidade institucional
pela política comercial do Legislativo para o Executivo, a qual implicou que
interesses particularistas não pudessem mais dominar as questões comerciais.
Segundo, o processo decisório em política comercial caracteriza-se por normas,
valores e instituições que protegem o mercado americano de práticas predatórias
de produtores estrangeiros. Terceiro, por questões de legitimidade, o governo
norte-americano precisa parecer responsável perante cidadãos e grupos
domésticos; entretanto, isso não significa dar a eles o que eles querem. Então,
a regra estipula que, se tiver de ser oferecida, a proteção deve ser simbólica
e o mais irrestrita possível, ou seja, com menos custos políticos (Goldstein,
1986:166).
Thies e Porche (2007) obtiveram resultados empíricos que sustentam o argumento
de Goldstein. Conforme concluem em seu estudo de caso, as instituições da
política comercial norte-americana foram desenhadas para aparentar a concessão
de proteção, sem fazê-lo de forma substantiva.
A abordagem de Goldstein trabalha implicitamente com a noção de que, uma vez
inseridas em instituições, as ideias influenciarão automaticamente a formulação
e a execução da política econômica externa. Segundo Drezner (2000), no entanto,
a explicação de como as ideias inseridas em instituições persistem e
influenciam a política externa é incompleta. Uma abordagem de política
burocrática, por sua vez, permitiria enfocar as estratégias que essas
instituições deveriam adotar para sobreviver e alcançar sucesso na arena
política, na qual elas concorrem com outras instituições (ibidem:733).
Para Drezner, instituições enfrentam um trade-offentre sobrevivência e sucesso
(em termos de influência sobre resultados). Agências insuladas de outras
burocracias têm maior chance de sobrevivência (isto é, de não serem absorvidas
por outras burocracias), mas dificilmente conseguirão influenciar os grandes
contornos das políticas. Por outro lado, agências inseridas em contextos
burocráticos mais amplos têm menos chances de manter suas ideias originárias
intactas, mas, se sobreviverem, têm mais chances de traduzir suas ideias em
políticas efetivas. Em suma, o posicionamento das instituições em relação às
outras instituições existentes influencia sua capacidade de sobreviver e de
interferir nos resultados(ibidem:746).
Autonomia e Capacidade Estatal
A terceira abordagem, conhecida como abordagem estatal, concebe o Estado como
um ator autônomo e independente no processo político, cujas iniciativas
próprias são centrais. Sua ênfase principal é sobre o comportamento de líderes
políticos e executivos do Estado (elite burocrática), que são considerados
racionais em certa medida, pois buscam promover políticas que estejam de acordo
com suas próprias preferências, em ambientes de restrições internas e externas
(Ikenberry, 1988:220; Ikenberry, Lake e Mastanduno, 1988:10). Como aponta
Geddes (1990:217), ações de governo podem promover as preferências autônomas de
membros da elite burocrática. Por vezes, líderes governamentais implementam
mudanças em políticas sem levar em consideração demandas de importantes grupos
políticos e econômicos (ibidem). Essa abordagem se concentra, portanto, na
estrutura institucional do Estado e na capacidade dos atores políticos e
administrativos, que ocupam posições nessa estrutura, de formular e implementar
a política econômica externa (Evans, Rueschemeyer e Skocpol, 1985; Ikenberry,
Lake e Mastanduno, 1988:1-2).
O que caracteriza a abordagem é sobretudo o conceito de autonomia estatal4.
Geddes (1990:217) a define como a capacidade dos agentes governamentais de
formular e de executar políticas de forma independente. Ademais, autonomia
estatal implica que os agentes governamentais (1) possuem preferências que não
são meros reflexos das preferências de grupos societários importantes e (2) têm
capacidade, em termos organizacionais, coercitivos e de expertise, de
implementar as decisões baseadas em suas próprias preferências (ibidem).
Garrett e Lange (1996:67) afirmam que existe autonomia burocrática quando (1)
um grau considerável de autoridade é delegado à burocracia e (2) as
preferências dos burocratas são distintas daquelas dos políticos eleitos. Por
sua vez, Müller e Risse-Kappen (1993:34) definem autonomia estatal como a
situação em que tomadores de decisão em política externa são relativamente
independentes de demandas e de pressões societárias.
As abordagens estatais fazem um contraponto direto às societárias. Para estas,
explicações da política econômica externa se baseiam na disputa entre grupos de
interesse domésticos; atores governamentais e instituições não possuem papel
autônomo nem interveniente na formação das políticas. Como afirma Goldstein
(1988:184), poucos tentam explicar o conteúdo das políticas como resultado dos
interesses e das crenças do Estado. Pelo contrário, em geral, não se leva em
consideração a ação independente do Estado. Entretanto, na realidade, atores
governamentais, em especial agências burocráticas, exercem uma influência
importante sobre a política que não é captada por modelos baseados apenas nas
demandas societárias. Thacker (2000:37) assevera que o Estado por si próprio é
um ator-chave no processo de mudança das políticas; por isso, não se deve
enxergá-lo como simples receptor de pressões internacionais e societárias. Isso
implica que os atores governamentais nem sempre mudam sua maneira de formular e
de implementar políticas de acordo com as preferências dos atores societários
(Garrett e Lange, 1996:67; Ikenberry, Lake e Mastanduno, 1988:7; Sikkink, 1991:
10; Thacker, 2000:44). Como argumentam Garrett e Lange (1996:54), quanto maior
o grau de autoridade delegado a agências burocráticas independentes, menor o
papel das preferências privadas nos processos de mudança das políticas.
O que todas as abordagens estatais possuem em comum é a atenção às formas
institucionais do Estado e às relações deste com a sociedade. No entanto, cada
autor utiliza critérios específicos e atribui conteúdo distinto às variações
possíveis no grau de autonomia estatal/burocrática de cada país.
Katzenstein (1977a; 1977b) sugere uma diferenciação dos países em termos de:
estrutura do sistema político e de seu grau de centralização; nível de
fragmentação e de polarização societárias; e redes de políticas (policy
networks), isto é, a estrutura que liga o sistema político à sociedade e a
medida em que esta é controlada pelo Estado, pela sociedade ou se é
corporativista. Esses três elementos compõem a estrutura doméstica dos países
(Katzenstein, 1977a:596). O conceito de estrutura doméstica guarda grande
semelhança com o de sistemas nacionais de economia política de Gilpin (2001:
149), os quais são definidos pelo papel do Estado na economia, pela estrutura
do setor privado (grau de concentração, coordenação etc.) e pelos diferentes
padrões de inter-relação entre Estado e setor privado.
Essa abordagem sugere que os países diferem na medida em que seus governos e
sociedades são centralizados e no leque de instrumentos de política disponíveis
para os executivos do Estado na condução da política econômica externa. Eles
também diferem no grau de autonomia que os atores governamentais possuem em
relação às forças societárias, visto que as estruturas domésticas determinam a
seletividade do sistema político em relação às demandas societárias.
A autonomia estatal é definida por Katzenstein (1976) em termos da força ou da
fraqueza do Estado em sua relação com a sociedade; assim, a forma como os
países responderiam a pressões econômicas externas dependeria da força das
instituições políticas. Estados fracos são dominados pelos atores societários;
suas decisões de política econômica externa são restringidas pela opinião
pública, grupos de interesse, parlamento e demais atores externos ao Poder
Executivo. Por outro lado, Estados fortes são capazes de insular os tomadores
de decisão de pressões políticas imediatistas.
Cortell e Davis Jr. (1996:454) definem a estrutura doméstica como a organização
da autoridade sobre a tomada de decisão e o padrão de relações Estado-
sociedade. A organização do processo decisório varia de acordo com a
centralização ou a descentralização, dependendo do número de agências
burocráticas e de ministérios que possuem competência sobre determinada
questão. O padrão de relações Estado-sociedade diz respeito aos arranjos
institucionais que conferem aos atores societários acesso à formulação e à
implementação de políticas. Os autores trata mas relações Estado-sociedade em
termos de proximidade e distância (e não de força ou fraqueza). As relações são
distantes quando atores societários são excluídos do processo de formulação de
políticas. Por outro lado, são próximas quando as instituições do processo
decisório incorporam atores societários ou seus interesses (ibidem:454-455).
Geddes (1990:217) e Sikkink (1991:11 e 22) chamam a atenção para questões
relativas à capacidade institucional do Estado, isto é, para os meios e
instrumentos de que o Estado dispõe para implementar suas preferências ).
Capacidade estatal diz respeito aos instrumentos administrativos e coercitivos
disponíveis ao poder público para implementar os objetivos do governo. Como
define Sikkink, "capacidade estatal é um conceito relacional: um Estado é
considerado forte ou capaz em relação às tarefas e objetivos que lhe são
conferidos" (1991:11; tradução do autor).
A capacidade estatal se define pela natureza das estruturas organizacionais do
Estado, as normas e procedimentos que governam a burocracia, e sua capacidade
técnica. Depende, portanto, de características do governo e da administração
pública, tais como carreiras relativamente insuladas dos interesses
socioeconômicos e políticos dominantes; procedimentos meritocráticos de
recrutamento, remuneração, treinamento, promoção e demissão que concentrem
expertisee recursos humanos de alta qualidade na burocracia e reduzam a
influência partidária sobre as ações e as decisões relativas à organização
interna do Estado; a existência de instrumentos econômicos por meio dos quais
os atores governamentais possam manipular os incentivos para os atores
privados; e limitações na participação política que tornem possível que os
atores governamentais ignorem as preferências de alguns grupos societários sem
precisar temer as consequências eleitorais (Geddes, 1990:218; Sikkink, 1991:
172-173 e 189).
Por fim, Evans (1995) propõe uma solução conceitual para os dilemas da relação
entre autonomia estatal e preferências societárias - ou entre insulamento e
captura. Seu conceito de autonomia inserida (embedded autonomy) integra os dois
elementos centrais nas discussões de autonomia estatal: a organização interna
do Estado e as relações Estado-sociedade. A autonomia inserida combina
insulamento burocrático com intensa relação com a estrutura social (ibidem:50).
A inserção é necessária para a obtenção das informações e dos recursos
necessários para a implementação das políticas (ibidem:58; Geddes, 1990:220).
É preciso notar que autonomia e inserção podem produzir resultados indesejáveis
se não existirem conjuntamente. Na ausência de autonomia, desaparece a
distinção entre inserção e mera captura por grupos de interesse. Por outro
lado, agências insuladas podem formar coalizões e estabelecer relações
cooperativas com atores societários, mas não são dominadas por eles (Evans,
1995:59; Geddes, 1990:220).
Em suma, a literatura relativa às questões de autonomia estatal indica que as
possíveis variações na estrutura organizacional do Estado e em suas relações
com a sociedade - e as diferentes combinações entre as duas variáveis - criam
diferentes resultados de políticas públicas. Primeiro, criam graus distintos de
permeabilidade do processo decisório a atores societários; segundo, criam
diferentes graus de capacidade estatal, ou seja, de propensão a que as
políticas reflitam as preferências dos atores governamentais. Essa literatura
não permite previsões precisas sobre quais são os resultados mais prováveis
dado determinado contexto institucional, mas fornece orientações interessantes
sobre as perguntas que devem ser feitas e as variáveis que devem ser
investigadas ao se analisar os determinantes domésticos da política econômica
externa.
Mudança Institucional
É ainda pouco explorado o campo da mudança institucional. As abordagens
institucionais aqui discutidas utilizam instituições como variáveis
independentes ou intervenientes em suas explicações. No entanto, também se pode
estudá-las como variáveis dependentes; em termos metodológicos, isso significa
endogeneizar as instituições nos modelos explicativos. Ainda são relativamente
limitadas as explicações sobre as variáveis que influenciam as mudanças
institucionais.
Como apontam Frieden (2000:41) e Garrett e Lange (1996), instituições podem ser
analisadas de duas formas: estaticamente (isto é, instituições são constantes,
não variam no modelo) ou endogenamente (isto é, busca-se explicar o que causa
mudanças institucionais). Os teóricos do institucionalismo racional são os que
mais avançaram nessa empreitada. Sua premissa fundamental é que os atores
avaliam se as instituições existentes são de seu interesse. Se os custos de
observância às instituições existentes forem altos, eles podem cogitar mudar as
instituições em uma direção que lhes seja favorável (Frieden, 2000:41-42;
Ikenberry, 1988:224). Entretanto, não me deterei sobre esse aspecto das
explicações institucionais, dado que o foco da investigação privilegia o estudo
das instituições em seu papel de intermediárias entre preferências individuais
e políticas públicas.
Limitações das Abordagens Institucionais
Como reconhece Ikenberry (1988:242), a abordagem institucional oferece apenas
algumas das respostas necessárias para a explicação da política externa
econômica. A abordagem privilegia os constrangimentos estruturais com que se
deparam atores societários e governamentais no processo de tomada de decisão.
Explicações centradas em restrições e em constrangimentos, porém, indicam quais
cursos de ação não são possíveis ou factíveis, mas dizem pouco sobre os que são
(ibidem). Em último caso, o leque de resultados possíveis é determinado pela
estrutura doméstica de preferências, podendo as instituições apenas explicar
variações dentro desse leque.
Faltam às abordagens institucionais elementos explicativos relacionados à
"agência" dos indivíduos que operam no âmbito das instituições. Mais
especificamente, faltam explicações das motivações e das capacidades dos
indivíduos para agir politicamente em um dado contexto institucional de
restrições e de oportunidades. Esses elementos devem ser buscados nos modelos
que privilegiam as preferências individuais (sejam de atores societários ou
governamentais) e naqueles que investigam os fatores ideacionais e cognitivos
do comportamento humano, associados aos modelos de ação coletiva que atentam
para os custos e para as oportunidades da ação política. Ademais, a necessidade
de se incluir as ideias dos tomadores de decisão como elemento explicativo será
ainda mais premente quanto maior for a autonomia estatal no caso estudado. É
justamente nos casos em que atores governamentais possuem maior margem de
atuação que suas ideias e preferências serão mais importantes na formação das
políticas públicas.
Cabe destacar ainda que o campo da análise institucional em política econômica
externa apresenta escassos resultados empíricos. Na vertente do
institucionalismo racional, pode-se encontrar análises estatísticas feitas com
base em amplas bases de dados. No entanto, variáveis institucionais são de
difícil mensuração e operacionalização estatística, o que confere uma grande
margem de arbitrariedade às análises e prejudica a possibilidade de
generalização dos resultados. Por outro lado, as outras duas vertentes mais
interpretativas também oferecem poucos estudos de casos detalhados e, menos
ainda, análises comparativas entre diversos países em termos de suas estruturas
institucionais. O avanço do campo, portanto, depende de um esforço maior de
confrontação dos modelos teóricos e interpretativos com a realidade.
CONCLUSÃO
Teorias e modelos explicativos da política econômica externa devem integrar
quatro elementos principais discutidos neste capítulo: (a) a origem das
preferências dos atores societários; (b) a forma como elas são agregadas por
instituições socioeconômicas em demandas por políticas organizadas; (c) a
origem das preferências dos atores governamentais; e (d) o papel das
instituições políticas na filtragem e na canalização de algumas preferências em
detrimento de outras. Entretanto, nenhum dos modelos apresentados satisfaz a
todos esses quesitos isoladamente. Como sugere Milner (1999:104), há um
consenso crescente de que preferências e instituições são importantes e
mutuamente determinadas, mas resta muito a fazer em termos de modelagem teórica
e de investigação empírica.
Os modelos teóricos sobre a formação de preferências individuais e sobre a ação
coletiva em torno de bens públicos são bem desenvolvidos e formalizados, além
de contarem com vasta produção empírica. Contudo, fornecem apenas explicações
parciais.
As abordagens institucionais ainda têm um caminho a percorrer na definição
precisa de conceitos e de variáveis que sejam aceitos consensualmente. Há ainda
muita divergência sobre quais são as variáveis institucionais centrais e os
níveis de agregação mais relevantes. Os estudos institucionais padecem também
da falta de acúmulo empírico, talvez pelas dificuldades de mensuração e
instrumentalização das variáveis; faltam sobretudo estudos de caso e estudos
comparados detalhados que deem conta dos efeitos das variações institucionais -
às vezes sutis - em diferentes países.
Entre as abordagens teóricas examinadas, as que buscam explicar resultados de
políticas por meio de ideias e crenças são as menos desenvolvidas. Certamente,
a natureza imaterial do objeto o torna menos suscetível à modelagem teórica.
Não obstante, ideias e crenças são centrais na formação das preferências de
atores governamentais. É preciso uma compreensão mais apurada de como esses
atores formam suas preferências.
Portanto, uma explicação consistente da formação e da execução da política
econômica externa, em especial da política externa comercial, deve ser capaz de
integrar os modelos parciais existentes de forma coerente. São necessárias
teorias que levem em conta tanto as preferências dos atores domésticos quanto
as instituições políticas domésticas.
NOTAS
1. Para uma discussão mais completa dos diferentes tipos de atores domésticos
relevantes para o estudo da política externa, ver Hudson (2006:125-141).
2. Uma versão embrionária desse argumento pode ser encontrada em Hoekman (1989:
714).
3. Para uma revisão mais abrangente da literatura sobre o impacto das ideias
nas políticas públicas, ver Faria (2003).
4. É importante fazer a ressalva de que o termo autonomia estataléimpreciso
epodecausar confusão. Em praticamente toda a literatura, ele é utilizado como
sinônimo de autonomia burocrática, termo esse que seria mais apropriado, tendo
em vista que os estudos dessa vertente se concentram no papel do Poder
Executivo, mais especificamente nas elites burocráticas dos órgãos e das
agências governamentais que lhe dão suporte.