As formas africanas de auto-inscrição
"A única subjetividade é o tempo..."
(Deleuze, 1985:110)
D
urante os últimos três séculos, temos visto surgir tendências intelectuais cujo
objetivo tem sido conferir autoridade simbólica a certos elementos integrados
ao imaginário coletivo africano. Algumas destas tendências se desenvolveram,
outras permaneceram como meros esboços.1 Muito poucas são notáveis por sua
riqueza e criatividade, e em menor número ainda, são aquelas tendências dotadas
de uma força excepcional. Não há nada que se compare, por exemplo, à filosofia
alemã, que, de Lutero a Heidegger, tem se baseado não só no misticismo
religioso, mas, mais fundamentalmente, no desejo de transgredir a fronteira
entre o humano e o divino.
Tampouco há algo comparável ao messianismo judaico, que, combinando desejo e
sonho, enfrentou, sem nenhuma mediação, o problema do absoluto e suas
promessas, desenvolvendo este último até suas mais extremas conseqüências de
tragédia e desespero, enquanto ao mesmo tempo tratava a singularidade do
sofrimento judeu como sendo algo sagrado, correndo o risco de torná-lo um tabu
(cf. Scholem, 2000; Baer, 2000; Arendt, 1987; Goldberg, 2000). Seguindo o
exemplo destas duas metanarrativas, as formas africanas de escrever o próprio
self são inseparavelmente conectadas à problemática da autoconstrução e da
moderna filosofia do sujeito. Entretanto, as similaridades acabam aí.2
Vários fatores evitaram o desenvolvimento de concepções que poderiam ter
explicado o significado do passado e do presente africanos através da
referência ao futuro. O esforço de determinar as condições sob as quais o
sujeito africano podia adquirir integralmente sua própria subjetividade,
tornar-se consciente de si mesmo, sem ter que prestar contas a ninguém, cedo
encontrou duas formas de historicismo que o liquidaram: primeiro, o
"economicismo", com sua bagagem de instrumentalismo e oportunismo
político; segundo, o fardo da metafísica da diferença.3 A primeira corrente de
pensamento ' que gosta de se apresentar como "democrática, radical' e
progressista" ' utiliza categorias marxistas e nacionalistas para
desenvolver um imaginário da cultura e da política, no qual a manipulação da
retórica da autonomia, da resistência e da emancipação serve como o único
critério para determinar a legitimidade do discurso "africano"
autêntico. A segunda corrente se desenvolveu a partir da ênfase na
"condição nativa". Ela promove a idéia de uma única identidade
africana, cuja base é o pertencimento à raça negra.
No centro dessas duas correntes de pensamento repousam três eventos históricos:
a escravidão, o colonialismo e oapartheid. A estes eventos, um específico
conjunto de significados canônicos foi atribuído. Primeiro, a idéia de que,
através dos processos de escravidão, colonização e apartheid, o eu africano se
torna alienado de si mesmo (divisão do self). Supõe-se que esta separação
resulta em uma perda de familiaridade consigo mesmo, a ponto de o sujeito,
tendo se tornado um estranho para si mesmo, ser relegado a uma forma inanimada
de identidade (objetificação). Não apenas o eu não é mais reconhecido pelo
Outro, como também não mais se reconhece a si próprio.4
O segundo significado canônico tem a ver com a propriedade. De acordo com a
narrativa dominante, os três eventos citados acarretaram a ausência de bens,
sendo assim um processo no qual os procedimentos econômicos e jurídicos levaram
à expropriação material. A isto se seguiu uma experiência singular de sujeição,
caracterizada pela falsificação da história da África pelo Outro, o que
resultou em um estado de exterioridade máxima (estranhamento) e de
"desrazão". Estes dois aspectos (a expropriação material e a
violência da falsificação) são considerados os principais fatores que
constituem a singularidade da história africana, e da tragédia na qual ela se
baseia.5
Finalmente, a idéia da degradação histórica. A escravidão, a colonização e o
apartheid são considerados não só como tendo aprisionado o sujeito africano na
humilhação, no desenraizamento e no sofrimento indizível, mas também em uma
zona de não-ser e de morte social caracterizada pela negação da dignidade, pelo
profundo dano psíquico e pelos tormentos do exílio.6 Em todos os três casos,
supõe-se que os elementos fundamentais da escravidão, da colonização e do
apartheid são fatores que servem para unificar o desejo africano de se conhecer
a si mesmo, de reconquistar seu destino (soberania) e de pertencer a si mesmo
no mundo (autonomia).
Seguindo o modelo da reflexão judaica sobre o fenômeno do sofrimento, da
contingência e da finitude, estes três significados poderiam ter sido
utilizados como ponto de partida para uma interpretação filosófica e crítica
sobre o aparentemente longo vôo em direção ao nada que a África tem
experimentado durante toda a sua história. A teologia, a literatura, o cinema,
a música, a filosofia política e a psicanálise também poderiam ter sido
envolvidos neste processo, mas isto não ocorreu.7 Na verdade, a produção dos
significados dominantes destes eventos foi colonizada por duas correntes
ideológicas de pensamento: uma, nativista, outra, instrumentalista, que afirmam
falar "em nome" da África como um todo.8 Nos trechos seguintes,
examinarei estas duas correntes de pensamento e delinearei seus pontos fracos.
Ao longo desta discussão, proporei formas alternativas ao aniquilamento ao qual
elas levaram a reflexão sobre a experiência africana do self e do mundo.
Mostrarei como as imaginações africanas atuais sobre o self nascem a partir de
diversas, mas freqüentemente interconectadas, práticas, cujo objetivo é não
apenas estabelecer debates factuais e morais sobre o mundo, mas abrir o caminho
para a
construção de um estilo próprio.
Fantasias Primais
A primeira corrente de pensamento (marxista e nacionalista) está permeada pela
tensão entre o voluntarismo e a vitimização. Ela tem quatro características
principais. Primeiro, uma falta de reflexividade e uma concepção instrumental
do conhecimento e da ciência, no sentido de que nenhuma delas é reconhecida
como autônoma. Elas são úteis, na medida em que estiverem a serviço da luta
partidária.9 Esta luta é, ela própria, investida de um significado moral, já
que se afirma que opõe as forças revolucionárias às conservadoras.10 A segunda
característica é uma visão mecânica e reificada da história. A causalidade é
atribuída a entidades fictícias e totalmente invisíveis, no entanto
consideradas sempre determinantes, em última instância, da vida e do trabalho
do sujeito. De acordo com esse ponto de vista, a história da África pode ser
reduzida a uma série de fenômenos de sujeição interconectada em uma
continuidade compacta. Considera-se que a experiência africana do mundo é
determinada, a priori, por um conjunto de forças ' sempre as mesmas, embora
aparecendo de diferentes formas ' cuja função é evitar o florescimento da
singularidade africana, daquela parte do eu histórico africano que é
irredutível a qualquer outro.
Como resultado, afirma-se que a África não é responsável pelas catástrofes que
sobre ela se abatem. Supõe-se que o atual destino do Continente não advém de
escolhas livres e autônomas, mas do legado de uma história imposta aos
africanos, marcada a ferro e fogo em sua carne através do estupro, da
brutalidade e de todo tipo de condicionantes econômicas.11 Considera-se que a
dificuldade de o sujeito africano representar a si mesmo(a) como o sujeito de
uma vontade livre, resulta desta longa história de subjugação. Isto leva a uma
atitude ingênua e acrítica diante das chamadas lutas pela libertação nacional e
dos movimentos sociais; à ênfase na violência como o melhor caminho para a
autodeterminação; à fetichização do poder estatal; à desqualificação do modelo
liberal de democracia; e ao sonho autoritário e populista de uma sociedade de
massas.12
A terceira característica é um desejo de destruir a tradição e a crença de que
a verdadeira identidade é conferida pela divisão de trabalho que faz surgir as
classes sociais, em que o proletariado (rural ou urbano) tem o papel de classe
universal por excelência.13 A suposição de que a classe operária é o único
agenciamento prático que pode se engajar em uma atividade emancipatória,
resulta na negação das múltiplas bases do poder social.14 Finalmente, este
corpo de pensamentos repousa em uma relação essencialmente polêmica com o
mundo. Esta polêmica relação baseia-se em um conjunto de rituais retóricos: o
primeiro ritual contradiz e refuta as definições ocidentais da África e dos
africanos, apontando para as falsidades e preconceitos que elas têm como
pressupostos; o segundo, denuncia o que o Ocidente fez (e continua fazendo) à
África em nome destas definições; o terceiro, fornece as chamadas provas que,
ao desqualificarem as representações ficcionais do Ocidente sobre a África, e
ao refutarem a afirmação de que este detém o monopólio da expressão do humano
em geral, supostamente abrem um espaço em que os africanos podem finalmente
narrar suas próprias fábulas em uma linguagem e voz que não podem ser imitadas,
porque são verdadeiramente suas.15
O que poderia parecer a apoteose do voluntarismo, paradoxalmente é acompanhado
de uma falta de profundidade filosófica e de um culto à vitimização.
Filosoficamente, a temática hegeliana da identidade e da diferença, tal como
classicamente exemplificada pela relação senhor/escravo, é sub-repticiamente
reapropriada pelos ex-colonizados. Em uma tocante lembrança da "operação
etnográfica", os ex-colonizados atribuem uma série de características
pseudo-históricas a uma entidade geográfica que está, ela mesma, subsumida a
umnome racial.Estas características e este nome são, então, utilizados para
identificar ou tornar possível o reconhecimento daqueles que, por possuírem
tais características ou ostentarem tal nome, são considerados como pertencentes
à coletividade racial e à entidade geográfica, assim definidas. À guisa de
"falar com a própria voz", a figura do "nativo" é
reiterada. Fronteiras entre o "nativo" e o Outro, "não-
nativo", são demarcadas. Com base nestas fronteiras, pode-se, assim,
distinguir entre o "autêntico" e o "não-autêntico".
No trecho que se segue, argumento que (1) as narrativas marxistas e
nacionalistas sobre o eu e o mundo têm sido superficiais; (2) como conseqüência
desta superficialidade, suas noções de autogoverno e de autonomia têm pouca
base filosófica; e (3) seu privilegiamento da vitimização, em detrimento do
sujeito, em última instância resulta de uma compreensão da história como
feitiçaria.
Auto-afirmação, autonomia e emancipação africanas ' em nome das quais o direito
ao próprio eu é afirmado ' não são questões novas. Quando o tráfico de escravos
no Atlântico chegou ao fim, dúvidas quanto à habilidade africana para se
autogovernar, ou seja, de acordo com Hegel, para controlar sua ânsia predatória
e sua crueldade, ganharam mais vigor. Tais dúvidas se conectavam a outra, mais
fundamental, que estava implícita na forma como a modernidade resolveu o
complexo problema geral da alteridade e, dentro dele, o statusdo signo
africano. Tanto os movimentos filantrópicos, como a intelligentsia da época,
responderam a esta dúvida a partir do paradigma do Iluminismo.16
Para que se possa entender as implicações políticas destes debates, talvez eu
deva assinalar que, para o pensamento iluminista, a humanidade se define pela
posse de uma identidade genérica que é universal em sua essência, e da qual
derivam direitos e valores que podem ser partilhados por todos. Uma natureza
comum une todos os seres humanos. Ela é idêntica em cada um deles, porque a
razão está em seu centro. O exercício da razão leva não apenas à liberdade e à
autonomia, mas também à habilidade de guiar a vida individual de acordo com
princípios morais e com a idéia do bem. Fora deste círculo, não há lugar para
uma política do universal. Durante a fase pós-abolição, a questão era se os
africanos estavam fora ou dentro do círculo, ou seja,se eles eram seres humanos
como todos os outros. Em outras palavras, seria possível encontrar, entre os
africanos, o mesmo ser humano, apenas disfarçado sob diferentes formas e
designações? Poderíamos considerar os corpos, as línguas, o trabalho e a vida
africanos como produtos de uma atividade humana, como manifestações de uma
subjetividade ' ou seja, de uma consciência tal como a nossa ' de forma a
permitir que os consideremos, a cada um deles individualmente, como um alter
ego(um outro eu)?
A estas questões, o Iluminismo ofereceu três diferentes respostas com
implicações políticas relativamente distintas. Um conjunto inicial de respostas
sugere que os africanos poderiam ser mantidos dentro dos limites de sua suposta
diferença ontológica. O lado mais sombrio do Iluminismo via no signo africano
algo único, e até mesmo indestrutível, que o separava de todos os outros signos
humanos. A melhor testemunha desta especificidade era o corpo negro, que
supostamente não continha nenhuma forma de consciência, nem tinha nenhuma das
características da razão ou da beleza.17 Conseqüentemente, ele não poderia ser
considerado um corpo composto de carne como o meu, porque pertenceria
unicamente à ordem da extensão material e do objeto condenado à morte e à
destruição. A centralidade do corpo no cálculo da sujeição política explica a
importância dada, ao longo do século XIX, pelas teorias da regeneração física,
moral e política dos negros e, mais tarde, dos judeus.
De acordo com este lado mais sombrio do Iluminismo, os africanos teriam
desenvolvido concepções particulares sobre a sociedade, o mundo e o bem que
eles não compartilhariam com outros povos. E ocorre que tais concepções de
forma alguma manifestariam o poder da invenção e da universalidade peculiar à
razão. Tampouco as representações, a vida, o trabalho, a língua, ou os atos
referentes à morte realizados pelos africanos, obedecem a qualquer regra ou lei
cujo significado eles possam, por sua própria conta, conceber ou justificar.
Por causa desta diferença radical, seria legítimo excluí-los, tanto de facto
como de jure, da esfera da total e completa cidadania humana: eles nada têm que
possa contribuir para o desenvolvimento do universal.18
Uma mudança significativa ocorreu no início da colonização. O princípio da
diferença ontológica persistiu, e a preocupação com a autodeterminação foi
conectada à necessidade de se "tornar civilizado". Um leve
deslizamento ocorreu dentro da velha economia da alteridade. A tese da não-
similaridade não foi repudiada, mas não mais se baseava somente na vacuidade do
signo como tal. Ao signo foi dado um nome: a tradição. Se os africanos eram
tipos diferentes de seres, era porque eles tinham sua própria identidade. Esta
identidade não podia ser abolida. Pelo contrário, a diferença teria de ser
inscrita em uma ordem institucional distinta, enquanto, ao mesmo tempo, esta
ordem seria forçada a operar a partir de uma perspectiva fundamentalmente
desigual e hierarquizada. Em outras palavras, a diferença era reconhecida, mas
apenas na medida em que implicasse desigualdades, que eram, além disso,
consideradas naturais, no sentido de que ela justificava a discriminação e, nos
casos mais extremos, a segregação.19
Mais tarde, o Estado colonial usou a tradição ' ou seja, o princípio da
diferença e da não-similaridade ' como uma forma de governo em si mesma.
Específicas formas de conhecimento foram produzidas com este objetivo. Seu
propósito era canonizar a diferença e eliminar a pluralidade e a ambivalência
da tradição.20 O paradoxo deste processo de reificação era que, de um lado, ele
parecia ser o reconhecimento desta tradição, enquanto de outro ele constituía
um julgamento moral, porque, em última análise, tal tradição se tornara
específica apenas para melhor indicar a extensão na qual o mundo do nativo, em
sua naturalidade, não coincidia, de forma alguma, com o nosso; em suma, ele não
era parte de nosso mundo, e, portanto, não podia servir como base para uma
experiência de convivência em uma sociedade civil.
A terceira variante tem a ver com a política da assimilação.Aqui, vale a pena
uma comparação com aexperiência judaica. Tal como para a figura "dos
negros", a invocação da figura dos judeus como o arquetípico outro do
Ocidente foi central para a noção iluminista de Bildung (o processo formativo
pelo qual o indivíduo se move em direção à autonomia). Os judeus eram
percebidos como a negação da promessa iluminista de uma emancipação através do
uso da razão. Em princípio, o conceito de assimilação fundou-se na
possibilidade de uma experiência do mundo comum a todos os seres humanos, ou
melhor, uma experiência de humanidade universal baseada na similaridade
essencial entre os seres humanos.
Este mundo comum a todos os seres humanos, estasimilaridade, supostamente não
estavam dados, a priori,a todos.O nativo em especial deveria ser convertidoa
eles. Esta conversão era a condição para que ele fosse percebido e reconhecido
como nosso companheiro e, por conta de sua humanidade, deixasse de ser
irrepresentável e indefinível. Dadas estas condições, a assimilação consistia
no reconhecimento de uma individualidade africana diferente em relação ao
grupo. Os sujeitos africanos podiam ter direitos e usufruir deles, não por
causa de seu pertencimento às regras da tradição, mas pelo seu statuscomo
indivíduos capazes de pensarem por si mesmos e exercerem sua razão, esta
faculdade peculiar aos humanos.21
Reconhecer esta individualidade, ou seja, esta habilidade em imaginar metas
diferentes daquelas impostas pelos costumes, era se afastar da diferença. Esta
deveria ser apagada e anulada se os africanos quisessem tornar-se iguais a nós
tornar-se iguais a nós e quisessem, assim, ser considerados como alter ego.
Desta forma, a essência da política da assimilação consistia em des-
substancializar e estetizar a diferença, ao menos para uma categoria de nativos
(les évolués) cooptados para o espaço da modernidade por terem sido
"convertidos" e "cultivados", ou seja, tornados passíveis
de se encaixarem na idéia de cidadania e do gozo dos direitos civis. Isso
envolvia a passagem da tradição para a sociedade civil ' mas, por meio da
experiência do cristianismo e do Estado colonial.22
Quando, no período pós-escravocrata, a crítica africana levantou a questão da
autogestão, herdou estes três momentos, mas não os submeteu a uma crítica
coerente. Pelo contrário, sob o emblema da emancipação e da autonomia, ela
aceitou, em sua maioria, as categorias básicas que o discurso ocidental usava,
então, para seu relato da história universal.23 A noção de
"civilização" foi uma destas categorias. Ela autorizou a distinção
entre o humano e o não-humano ou o ainda-não-suficientemente-humano que poderia
se tornar humano se lhe fosse dado um treinamento adequado.24 Os três vetores
deste processo de domesticação eram a conversão ao cristianismo, a introdução à
economia de mercado e a adoção de formas de governo racionais e iluministas
(cf. Blyden, 1967). Na realidade, era menos uma questão de compreender o que
levara à situação de servidão, e o que a servidão significava, do que de
postular, em abstrato, a necessidade de se libertar dela.
Para os primeiros pensadores africanos modernos, a libertação da situação de
servidão era equivalente, acima de tudo, à conquista do poder formal. A questão
filosófica e moral fundamental ' ou seja, como renegociar um laço social
corrompido por relações comerciais (a venda de seres humanos), pela violência
das guerras sem fim e pelas catastróficas conseqüências do modo pelo qual o
poder era exercido ' era considerada secundária. A crítica africana não assumiu
como sua tarefa primordial uma reflexão política e filosófica sobre o caráter
das disputas internas que acarretaram o tráfico de escravos. Menos ainda se
preocupou com as modalidades de reinvenção da convivência em uma situação na
qual, com relação à filosofia da razão que ela afirmava partilhar, todas as
evidentes aparências de uma vida humana possível pareciam inexistir, e o que
parecia ser política tinha mais a ver com o poder de destruir e de lucrar, do
que com qualquer tipo de filosofia de vida ou razão.
Para ser exato, os nacionalismos africanos do pós-guerra, acompanhando, a este
respeito, as tendências de seu tempo, substituíram o conceito de
"civilização" pelo de "progresso". Mas, eles assim o
fizeram apenas para reforçar as teleologias da época.25 Tendo posto de lado a
possibilidade de uma reflexão propriamente filosófica sobre a condição
africana, apenas a questão crua do poder permaneceu: quem podia capturá-lo e
usufruí-lo foi legitimado. Para justificar o direito à soberania e à
autodeterminação, e para lutar pelo poder, duas categorias foram mobilizadas:
de um lado, a figura do africano como um sujeito vitimizado e espoliado; de
outro, a afirmação da singularidade cultural africana (cf. Azikiwe, 1969;
Nkrumah, 1961; Cabral, 1970). Ambas implicaram um profundo investimento na
idéia de raça e uma radicalização da diferença.
No centro do paradigma pós-colonial da vitimização, encontramos uma leitura do
eu e do mundo como sendo formados a partir de uma série de conspirações. Na
história africana, supõe-se, não existe nem ironia, nem acaso. A história
africana, afirma-se, é essencialmente governada por forças que estão acima do
controle dos africanos. A diversidade e a desordem do mundo, assim como o
caráter, em aberto, das possibilidades históricas, foram reduzidos a um ciclo
espasmódico e imutável, que infinitamente se repete de acordo com uma
conspiração sempre fomentada por forças que estão acima do alcance dos
africanos. A própria existência é expressa, quase sempre, como vacilante. Em
última análise, considerava-se o africano como apenas um sujeito castrado, o
passivo instrumento de gozo do outro. Sob tais condições, não poderia haver uma
visão mais radicalmente utópica que a sugestão de uma África desconectada do
mundo: o sonho louco de um mundo sem Outros.
Este ódio do mundo (que também mascara um profundo desejo de reconhecimento) e
esta leitura conspiratória da história eram apresentados como o discurso
"democrático", "radical" e "progressista" da
emancipação e da autonomia, como a base da chamada política da africanidade.26
Mas, por trás da neurose da vitimização, uma forma de pensar circular,
negativa, xenófoba e racista se desenvolve. Para funcionar, ela precisa de
superstições. Tem que criar ficções que depois passem como verdades. Tem que
fabricar máscaras constantemente remodeladas para se adequarem às necessidades
de cada período. O curso da história africana é considerado como sendo
determinado pela ação combinada de uma diabólica dupla formada por um inimigo '
ou torturador ' e uma vítima. Neste universo fechado, no qual "fazer
história" consiste em aniquilar os inimigos, a política é concebida como
um processo sacrificial, e a história, no fim das contas, como parte da grande
economia da feitiçaria
.27
A Prosa do Nativismo
Paralela a esta corrente de pensamento ' que busca fundar uma política da
africanidade usando as categorias da economia política marxista, ao mesmo tempo
em que vê a política como um processo sacrificial e a história como feitiçaria
', uma configuração retórica desenvolveu uma temática central: a da identidade
cultural. Esta corrente de pensamento caracterizou-se por uma tensão
estrutural, opondo uma tendência universalizante que afirmava o pertencimento à
condição humana (igualdade) à outra, particularista, que enfatizava a diferença
e a especificidade, frisando não a originalidade, mas o princípio da repetição
(a tradição) e os valores autóctones. O ponto em que estas duas tendências
políticas e culturais convergiam era a raça. Deixe-me fazer um breve resumo da
história de sua problematização no pensamento africano.
Em primeiro plano, existe a noção de "raça" e seu statusnas questões
referentes ao reconhecimento dos atributos humanos. Na verdade, a maioria das
teorias do século XIX estabelecia uma íntima relação entre o sujeito humano e o
sujeito racial. A raça, em si, era entendida como um conjunto de propriedades
fisiológicas visíveis e de características morais discerníveis. Considerava-se
que estas propriedades e características distinguiam as espécies humanas umas
das outras (cf. Kant, 1978). Mais ainda, tais propriedades fisiológicas e
características morais tornavam possível classificar estas espécies dentro de
uma hierarquia cujos violentos efeitos são de caráter tanto político, como
econômico e cultural (ver Guiral e Temime, 1977). Como já foi dito, a
classificação dominante durante o período do comércio escravista no Atlântico
logo depois excluía os africanos do círculo da humanidade, ou, de qualquer
forma, lhes designava um status inferior na hierarquia das raças.
Esta negação de humanidade (ou este status de inferioridade) forçou seu
discurso a se expressar em uma tautologia: "somos seres humanos como
quaisquer outros".28 Ou: "temos um passado glorioso que testemunha
nossa humanidade".29 Por isso, o discurso sobre a identidade africana
ficou preso em um dilema do qual luta para se libertar: será que a identidade
africana participa de uma genérica identidade humana?30 Ou se deve insistir, em
nome da diferença e da singularidade, na possibilidade de formas culturais
diversas dentro de uma mesma humanidade ' formas estas cujo objetivo não é ser
auto-suficiente, e cuja significação última é universal?31
A apologética densidade da afirmação "somos seres humanos como quaisquer
outros" apenas pode ser compreendida face à violência da negação que a
precede, e que a torna não apenas possível, mas também necessária.32 A
reafirmação de uma identidade humana que foi negada pelo Outro pertence, neste
caso, ao discurso da reabilitação e funciona como uma forma de autovalidação
(cf. Irele, 1991:79). Mas, se o discurso de reabilitação tenta confirmar que os
africanos também pertencem à humanidade em geral, ele não ameaça a ficção da
raça.33 A defesa da humanidade dos africanos é quase sempre acompanhada pela
afirmação de que sua raça, tradições e costumes têm um caráter específico.
Nas narrativas africanas dominantes sobre o self, é a raça que torna possível
fundamentar não apenas a diferença em geral, mas também a própria idéia de
nação, já que se consideram os determinantes raciais como a base moral para a
solidariedade política. Na história do ser africano, a raça é o sujeito moral e
ao mesmo tempo um fato imanente da consciência. Os alicerces fundamentais da
antropologia novecentista, ou seja, o preconceito evolucionista e a crença na
idéia de progresso, permanecem intactos; a racialização da nação (negra) e a
nacionalização da raça (negra) caminham lado a lado. Seja na negritude ou nas
diferentes versões do pan-africanismo, a revolta não é contra o pertencimento
africano a uma outra raça, mas contra o preconceito que designa a esta raça um
status inferior.
No que diz respeito à tradição, o ponto de partida é a afirmação de que os
africanos têm uma cultura autêntica que lhes confere um eu particular
irredutível ao de qualquer outro grupo. A negação deste eu e desta
autenticidade seria, assim, por si mesma, uma mutilação. Com base nesta
singularidade, supõe-se que a África reinvente sua relação consigo mesma e com
o mundo para pertencer a si mesma e escapar das obscuras regiões e do opaco
mundo aos quais a história a tem confinado. Por causa das vicissitudes da
história, consideramos que a tradição ficou para trás. Daí a importância, para
redescobri-la, da regressão e da imaginação, condições necessárias para superar
a fase de humilhação e de angústia existencial causada pela histórica
degradação do Continente.
A ênfase na afirmação de uma "interpretação africana" das coisas, na
criação de esquemas próprios de autogestão, na compreensão de si mesmo e do
universo, na produção de um saber endógeno ' tudo isso levou a demandas por uma
"ciência africana", por uma "democracia africana", por uma
"língua africana".34 Esta ânsia de tornar a África única é
apresentada como um problema moral e político, a reconquista do poder de narrar
a própria história ' e, portanto, a própria identidade ' parecendo se tornar
constitutivo de qualquer subjetividade. Em última análise, não se trata mais de
afirmar o status de alter ego para os africanos no mundo, mas sim de declarar
em alto e bom som sua alteridade.
Esta alteridade deve ser preservada a todo custo. Nas versões mais extremas do
nativismo, a diferença, assim, é louvada, não como fonte de qualquer tipo de
universalismo, mas como a inspiração para determinar os princípios e normas que
governam as vidas dos africanos em completa autonomia e, se necessário, em
oposição ao resto do mundo. Versões mais leves deixam aberta a possibilidade de
se "trabalhar em direção ao universal" e de enriquecer a
racionalidade ocidental, acrescentando a ela os "valores da civilização
negra", "o gênio peculiar à raça negra". Senghor chamou a isto
de "rendez-vous du donner et recevoir" (o ponto de encontro entre o
dar e o receber), do qual se supõe que um dos resultados seja a métissagede
culturas.
Desde o século XIX, aqueles que afirmam que os africanos têm sua própria
identidade cultural, que há uma autoctonia especificamente africana, resolveram
encontrar uma denominação geral e um lugar onde ancorar sua prosa. O local
geográfico foi a África tropical, definida como uma fronteira totalmente
ficcional, cuja meta era abolir a fantasmática anatomia inventada pelos
europeus e seguida por Hegel e outros.35 De alguma forma, os desunidos membros
desta polis imaginária teriam que se unir novamente. O "corpo
desmembrado" da história do Continente é, assim, reconstituído à luz do
mito. Fez-se uma tentativa de localizar a africanidade em um lugar de
características culturais específicas que se esperava que a pesquisa etnológica
pudesse fornecer. Finalmente, a historiografia nacionalista se lançou à busca
de relíquias perdidas dos antigos impérios africanos e do Egito faraônico (cf.
Ki-Zerbo, 1972; Anta Diop, 1960; Obenga, 1973).
Na prosa do nativismo, assim como em algumas versões das narrativas marxistas e
nacionalistas, uma quase equivalência é estabelecida entre raça e geografia. A
identidade cultural deriva da relação entre os dois termos, tornando-se a
geografia o lugar privilegiado no qual se supõe que as instituições e o poder
da raça (negra) ganhem corpo.36 O pan-africanismo, em particular, define o
"nativo" e o "cidadão" a partir de sua identificação com o
povo negro. Nesta mitologia, os negros tornam-se cidadãos não porque são seres
humanos dotados de direitos políticos, mas por causa, tanto de sua cor, como do
privilégio de sua autoctonia. As autenticidades territorial e racial confundem-
se, e a África se torna a terra da gente negra. Já que a interpretação racial
está na base de uma ligação cívica restrita, tudo o que não seja negro está
fora de lugar, e, portanto, não pode reivindicar nenhuma forma de africanidade.
Assim, os corpos espacial, racial e cívico são um só, cada um deles sendo
testemunha de uma origem comunal autóctone, a partir da qual todo aquele que
nasceu nesta terra ou partilha da mesma cor e dos mesmos ancestrais é um irmão
ou uma irmã.
A idéia de uma africanidade não-negra é simplesmente impensável. Daí a
impossibilidade de conceber, por exemplo, a existência de africanos de origem
européia, árabe ou asiática ' ou a noção de que os africanos podem ter
múltiplas ancestralidades. Um dos resultados do comércio de escravos no
Atlântico foi que hoje os negros vivem em locais os mais distantes. Como se
pode inscrevê-los em uma nação definida racial e geograficamente, quando a
geografia e a história os arrancaram do local de onde seus ancestrais vieram?
Já que o espaço geográfico africano constitui a pátria natural do povo negro,
aqueles que a escravidão levou devem "retornar à terra de [seus] pais... e
descansarem em paz" (Blyden, 1967:124).
O Espelho Despedaçado
Acabamos de ver que os discursos africanos dominantes sobre o self se
desenvolveram dentro de um paradigma racista. Como discursos de inversão, eles
retiram suas categorias principais dos mitos a que afirmam se opor, e
reproduzem suas dicotomias (a diferença racial entre negro e branco; a
confrontação cultural entre povos civilizados e selvagens; a oposição religiosa
entre cristãos e pagãos; a convicção de que raça existe e está na base da
moralidade e da nacionalidade). Eles estão inscritos em uma genealogia
intelectual baseada em uma identidade territorializada e em uma geografia
racializada, em que o mito de uma polis racial obscurece o fato de que, se por
um lado a rapacidade do capitalismo está na origem da tragédia, o fracasso
africano em controlar sua própria ânsia predatória e sua própria crueldade
também levou à escravidão e à subjugação (cf. Miller, 1988). Mais
fundamentalmente, por trás do sonho da emancipação política e da retórica da
autonomia, uma perversa operação foi estabelecida, cujo resultado apenas
fortaleceu o ressentimento africano e sua neurose de vitimização.
De todas as tentativas feitas, durante o século XX, de romper com este sonho
vazio e com este velho modo de pensar, duas são de particular interesse para
nossa discussão. Em primeiro lugar estão os esforços para desconstruir a
tradição (e assim a própria África) demonstrando-se que esta foi inventada.37
Deste ponto de vista, a África enquanto tal existe apenas na base do texto que
a constrói como a ficção do Outro. Este texto, portanto, combina com o poder
estruturante, de tal forma que um eu que reivindique falar por si mesmo, uma
voz que seja autêntica, sempre corre o risco de ser condenada a expressar um
discurso preestabelecido que mascara o seu próprio, censura-o ou o força à
imitação.
Em outras palavras, a África só existe na base de umabiblioteca preexistenteque
intervém e se imiscui por toda parte, mesmo no discurso que afirma refutá-la, a
tal ponto que, com relação à tradição e à identidade africanas, hoje é
impossível distinguir o "original" da cópia, ou mesmo de um
simulacro.38 O mesmo pode ser dito sobre qualquer projeto que vise desenredar a
África do Ocidente. Uma segunda via problematizou a identidade africana como
uma identidade em formação (cf. Appiah, 1992).39 Deste ponto de vista, o mundo
não é mais percebido como uma ameaça; pelo contrário, ele é imaginado como uma
vasta rede de afinidades. Em contraste com as mitologias unanimistas, o ponto
essencial é que todos podem imaginar e escolher o que o(a) torna africano.
Em grande medida, estas duas críticas levam a considerações metodológicas. Elas
não vão ao fundo do problema: como devemos lidar com os espectros invocados
pelos "nativistas" e os chamados "radicais", em suas
respectivas tentativas de fundar uma identidade africana, bem na hora em que a
imaginação e as práticas sociais destas mesmas identidades mostram que outras
ordens de realidade estão sendo estabelecidas? Em outras palavras, como devemos
conceber, criativamente e em sua heteronomia, os significantes abertos a
qualquer significado que são a escravidão, o colonialismo e o apartheid?
Filosoficamente, deve-se dar prioridade àquilo que, na experiência africana de
mundo, escapa à determinação e à idéia de uma história que ainda está sendo
feita, e que se pode apenas seguir, ou repetir. Antropologicamente, à obsessão
com a singularidade e a diferença,devemosopor a temática da igualdade. Para nos
afastarmos do ressentimento e da lamentação sobre a perda de um nom propre',
deve-se abrir um espaço intelectual para repensarmos aquelas temporalidades que
estão, sempre simultaneamente, se ramificando em diversos futuros diferentes, e
ao fazerem isso abrem caminho para apossibilidade de múltiplas
ancestralidades.Sociologicamente, deve ser dada atenção às práticas cotidianas
através das quais os africanos reconhecem o mundo e mantêm com ele uma
familiaridade sem precedentes, ao mesmo tempo em que eles inventam algo que
pertence tanto a eles, quanto ao mundo em geral.40
Deixem-me examinar, em breves linhas, algumas das questões propriamente
filosóficas desprezadas pela crítica africana em sua reflexão sobre a
escravidão, a colonização e o apartheid.A primeira diz respeito aostatus do
sofrimento na história, as várias maneiras com que as forças históricas
infligem dano psíquico aos corpos coletivos, e as formas através das quais a
violência molda a subjetividade. Aqui, a comparação com outras experiências
históricas teria se mostrado apropriada. Tal seria o caso do Holocausto judeu.
Sem dúvida, o Holocausto judeu, a escravidão e o apartheid representam formas
de sofrimento genuínas. Todos são caracterizados por uma expropriação do eu por
forças inomináveis. Em cada um dos três casos, estas forças assumem várias
formas. Mas em todos eles a seqüência central é a mesma: à intoxicação
orgiástica, representada pela administração da morte em massa, corresponde,
como um eco, a colocação da vida entre dois quiasmas, de forma tal que o
sujeito não sabe mais se está morto ou vivo. Um impulso destrutivo e uma
desarticulação do eu e de toda a individualidade constituem o pano de fundo
dionisíaco destes eventos separados no tempo, mas conectados pela mesma teia: a
extrema desvalorização da vida. No fundo, estes três eventos testemunham contra
a vida. Sob o pretexto de que a origem e a raça são critérios para qualquer
tipo de avaliação, eles interditam a vida. Daí a pergunta: como se pode redimir
a vida, ou seja, resgatá-la da incessante operação de sua negação?
A segunda questão tem a ver com o trabalho da memória, com a função do
esquecimento, e com as modalidades da reparação. Será possível reunir a
escravidão, a colonização e o apartheid em uma só memória, não a partir de uma
distinção do tipo antes e depois, ou passado e futuro, mas em seu poder
genético: a partir da impossibilidade de um mundo sem Outros que eles revelam,
e do peso da responsabilidade dos próprios africanos em face da tragédia ' que
não é o único elemento ' em sua história? Aqui, a comparação entre as
experiências africana e judia revela profundas diferenças. Contrariamente à
memória judaica do Holocausto, não há, propriamente falando, nenhuma memória
africana da escravidão.41 Ou, se há uma memória, ela é caracterizada pela
fragmentação (cf. Borgomano, 2000). No melhor dos casos, a escravidão é
experimentada como uma ferida cujo significado pertence ao domínio do
inconsciente psíquico (feitiçaria).42 Os esforços conscientes em direção à
recuperação da memória raramente escaparam à ambivalência que caracteriza
gestos similares em outros contextos históricos (cf. Singleton, 1999; Bruner,
1996).43
Há duas razões para isto. Primeiro, entre a memória dos afro-americanos sobre a
escravidão e aquela dos africanos do Continente, há uma zona de sombra que dá
margem a um profundo silêncio: o silêncio da culpa e da recusa dos africanos em
enfrentar o inquietante aspecto do crime que diretamente envolve sua própria
responsabilidade. Pois o destino dos escravos negros na modernidade não é
apenas resultado da vontade tirânica e da crueldade do Outro ' mesmo que estas
sejam bem conhecidas. O outro significante primitivo é a morte do irmão pelo
irmão, "a elisão da primeira sílaba do nome da família" (Lacan) ' em
suma, a polis dividida.Ao longo da série de eventos que levaram à escravidão,
há o rastro que os discursos africanos dominantes tentam apagar.
Isto é uma ablação significante, porque permite o funcionamento da ilusão de
que as temporalidades da servidão e da miséria foram as mesmas em ambos os
lados do Atlântico. Isto não é verdade (cf. Taylor, 1998).44 E é isto que evita
que o trauma, a ausência e a perda sejam os mesmos de ambos os lados do
Atlântico.45 Como resultado, o apelo à raça como a base política e moral da
solidariedade sempre dependerá, em alguma medida, de uma miragem de
consciência, já que os africanos continentais não repensaram o comércio
escravista e as outras formas de escravidão, não apenas como uma catástrofe que
se abateu sobre eles, mas também como fruto de uma história em que eles tiveram
parte ativa na construção da forma pela qual lidaram uns com os outros.46
A segunda razão é de outra ordem. Em certas partes do Novo Mundo, a memória da
escravidão é conscientemente reprimida pelos descendentes dos escravos
africanos. O drama familiar que está na base desta tragédia, assim como,
atualmente, a miséria de suas existências, são constantemente negados. Para ser
exato, esta negação não é equivalente ao esquecimento. Ela é simultaneamente
uma recusa de reconhecer a própria ancestralidade e uma recusa a lembrar um ato
que provoca sentimentos de vergonha. Sob tais condições, a prioridade não é
realmente restabelecer contato consigo mesmo e com suas próprias origens. Nem é
uma questão de restaurar uma relação plena e positiva consigo mesmo, posto que
este eu foi danificado e humilhado para além de qualquer limite. Já que a
narrativa da escravidão foi condenada a ser elíptica, um fantasma persegue e
ronda o sujeito e inscreve em seu inconsciente o corpo morto de uma linguagem
que deve ser constantemente reprimida. Pois para existir no presente, é
considerado necessário esquecer o nome do pai no próprio instante no qual se
afirma levantar a questão da origem e da filiação. Este é notavelmente o caso
das Antilhas.47
A terceira questão é relativa ao simbolismo do exílio, e sem dúvida à metáfora
do campo de concentração, que é utilizada para comparar a condição de
escravidão com a condição judaica, assim como as relações entre raça e cultura
na consciência moderna (Gilroy, 1999). Há algo de leviano e superficial nesta
comparação. Na verdade, a imaginação judaica constantemente oscila entre uma
pluralidade de mitos contrastantes e tensões não-resolvidas, mas produtivas: o
mito da autoctonia, de um lado, e a realidade de um deslocamento forçado, do
nomadismo e do ser errante, por outro; o fato empírico do deslocamento, por um
lado, e a esperança de que a promessa seja cumprida e também do retorno, por
outro; em suma, uma temporalidade em suspenso, na qual reside a visão dividida
da diáspora e de Israel, em que a ausência de território de forma alguma
significa a interrupção da continuidade judaica. E finalmente, para além da
contingência, da fragmentação e do terror, há um livro, o Torá, um texto que
constantemente está sendo escrito, reescrito e reinterpretado.
Para além da evidência das fraturas e da difração, a experiência dos escravos
africanos no Novo Mundo reflete uma plenitude de identidade mais ou menos
comparável, mesmo que as formas de sua expressão difiram, e mesmo que não haja
nenhum livro. Tal como os judeus no mundo europeu, eles têm que "narrar a
si mesmos" e "narrar o mundo", e lidar com este mundo a partir
de uma posição na qual suas vidas, seu trabalho e seu modo de falar (langage)
são parcamente legíveis, pois estão envolvidos em embalagens fantasmagóricas.
Eles têm que inventar uma arte de existir em meio à espoliação, mesmo que agora
seja quase impossível invocar o passado e lançar sobre ele algum encantamento,
exceto talvez nos termos sincopados de um corpo que constantemente é
transformado de ser em aparência, de canção em música (Gilroy, 1993; Hall,
1992). Dito isto, a similaridade termina. Contrariamente ao Holocausto, nem
filosoficamente, nem politicamente, nem culturalmente a experiência de
escravidão dos negros no Novo Mundo e em outras partes do mundo foi
interpretada de forma a trazer a possibilidade de fundar um telos universal.
A crítica marxista e nacionalista subestimou a grande variedade da experiência
africana da conquista colonial. A historiografia recente tem mostrado que os
africanos deram respostas diferentes à escolha a que os europeus os forçaram.
As divisões sociais, durante o período do comércio escravista no Atlântico,
tornaram-se mais agudas sob o teste da invasão européia. As novas formas de
bem-estar adquiridas durante a fase do comércio de escravos, e logo após ela,
fizeram adernar as constituições existentes. As duas principais religiões
monoteístas, o islã e o cristianismo, questionaram as bases cosmológicas das
sociedades locais. Enquanto a violência política e a extorsão se intensificaram
durante a segunda metade do século XIX, o poder se libertou da responsabilidade
política. As guerras pela sucessão local resultaram em uma crise de autoridade,
ao mesmo tempo em que afetaram as relações de poder e de obediência. Na maioria
dos lugares, o avanço colonial em direção ao interior do Continente foi quase
"uma efervescente revolta escrava" (Lonsdale, 1981).
De muitas formas, a colonização foi uma co-invenção. Ela tanto foi o resultado
da violência ocidental, quanto do trabalho de seus auxiliares africanos em
busca de lucro. Onde havia falta de colonos brancos para ocupar o território,
os poderes coloniais geralmente recrutavam os negros para colonizarem seus
próprios conterrâneos (congénères) em nome da nação metropolitana. Mais
decisivamente, por mais "doentio" que possa parecer, o colonialismo
como fenômeno mental e material exerceu uma forte sedução sobre os africanos.
Esta atração foi tanto material, como moral e intelectual. Possibilidades
ostensivas de mobilidade ascendente foram prometidas pelo sistema colonial. Se
tais promessas realmente foram cumpridas, é algo que não está em questão. Como
uma fábrica de ficções refratada e infinitamente reconstituída, o colonialismo
gerou mútuas utopias e alucinações partilhadas pelos colonizadores e pelos
colonizados.48
Os exemplos acima são suficientes para demonstrar que, através do recurso a
certos expedientes, e por deixar de assinalar estas questões centrais sobre a
vida, suas formas, suas possibilidades e sobre aquilo que a nega, a crítica
africana, dominada pela economia política e pelo impulso nativista, tem, desde
o começo, inscrito a busca pela identidade política em uma temporalidade
puramente instrumental e de curto prazo. Quando surgiu a pergunta, no auge do
colonialismo, sobre se a autogestão era possível, esta nunca foi aprofundada
até a questão geral do "ser" e do "tempo", ou seja, da
vida, mas sim estacionou na luta dos nativos para conseguirem o poder político
e tomarem o aparelho de Estado. Na verdade, tudo se resume a uma perversa
estrutura: a autoctonia. O poder de arriscar a própria vida, ou seja, como
Hegel sugere, a habilidade de acabar com a condição servil e renascer como
sujeito do mundo, gradativamente foi perdendo lugar na prosa da autoctonia.
Self, Polis e Cosmopolis
Enfim, onde estamos hoje? Que formas de imaginar a própria identidade estão em
desenvolvimento e que práticas sociais elas produzem? O que aconteceu com os
tropos da vitimização, da raça e da tradição?
Em primeiro lugar, devo observar que a temática do antiimperialismo se exauriu.
Isso não significa, no entanto, que o pathos da vitimização foi transcendido.
Na verdade, este debate foi revivido durante os anos 80 e 90, na forma de uma
crítica aos programas de ajuste estrutural e às concepções neoliberais sobre as
relações entre o Estado e o mercado.49 Neste ínterim, a ideologia do pan-
africanismo defrontou-se com a realidade dos Estados nacionais que, ao
contrário do que tradicionalmente se falava, haviam se tornado menos
artificiais do que se pensara. Mas, o mais significativo movimento é aquele que
esboça uma junção entre o velho imaginário da "revolução" e do
"anticolonialismo", a velha temática antiimperialista, com as teses
nativistas. Fragmentos destes imaginários estão atualmente se combinando para
oporem-se à globalização, para relançarem a metafísica da diferença, para
reinvocarem a tradição e reviverem a utopia de uma africanidade que é a
equivalência da negritude.
A temática da raça sofreu também grandes mudanças. Há algum tempo, o caso
extremo da África do Sul (e outras colônias de assentamento) levava as pessoas
a pensarem que a oposição polar entre brancos e negros resumia em si mesma toda
a questão racial na África. Entretanto, os repertórios com base nos quais os
imaginários sobre a raça e o simbolismo do sangue se constituem, sempre se
caracterizaram por sua grande variedade. Em um nível acima da oposição branco/
negro, outras clivagens raciais sempre lançaram alguns africanos contra outros,
não só aquelas mais visíveis (africanos negros versus africanos com ancestrais
árabes, asiáticos, judaicos ou chineses; amhariesversusoromos;
tutsisversushutus), mas também todas as outras que se referem tanto à existente
panóplia de cores, como à participação de alguns grupos em projetos de
dominação (africanos negros versus creoles, sírio-libaneses, berberes, tuaregs,
afro-brasileiros, fulanis, mouros etc.).
Na verdade, não importa que definição se dê a tal noção: a unidade racial
africana sempre foi um mito. Este mito atualmente está implodindo diante do
impacto de fatores externos e internos conectados com as formas pelas quais as
sociedades africanas estão ligadas a fluxos culturais globais. De um lado '
mesmo que as desigualdades de poder e de acesso à propriedade, e mesmo que os
estereótipos racistas e a violência permaneçam ' a categoria "branco"
não se refere mais aos mesmos significados que no tempo da colonização ou do
apartheid. Embora a "condição branca" não tenha atingido um ponto de
absoluta fluidez que a levaria a se destacar, de uma vez por todas, de qualquer
referência ao poder, ao privilégio e à opressão, fica claro que a experiência
dos africanos de origem européia continuou a se pluralizar através do
Continente, e que as formas nas quais esta experiência é imaginada, não só
pelos próprios brancos, mas também por outros, não são mais as mesmas. A
diversidade desta experiência agora faz da identidade dos africanos de origem
européia uma identidade contingente e situada.50
O mesmo pode ser dito sobre os luso-africanos, os africanos de origem asiática
ou sírio-libanesa, mesmo que as condições históricas de sua transformação em
cidadãos e suas posições no mapa social difiram daquelas referentes aos brancos
e negros (Gregory, 1993).51 O caso dos africanos de origem árabe sugere
transformações de outro tipo. De um lado, as relações históricas e as
influências entre o Maghreb mediterrâneo e a África sub-saariana são
continuamente tanto reprimidas como transformadas em folclore. Oficialmente, a
identidade maghrebiana é árabe-islâmica. Na realidade, ela provém de uma
sincrética mistura de contribuições saharianas, berberes, árabes (da península)
e mesmo judaicas e turcas.52 De outro lado, o islã tem servido como o idioma de
uma matriz sociocultural dentro da qual a adesão à mesma fé e o pertencimento a
uma única comunidade religiosa não afastam uma relação senhor-escravo, como
vemos na Mauritânia ou, bem mais ao Leste, na região árabe do Nilo (no Sudão em
particular).
O simbolismo do sangue e das cores evolui por graus. Como em outras partes do
mundo, a raça, a classe, a etnicidade e o gênero se interceptam e produzem,
apesar de toda a ambivalência inerente a tais operações, efeitos de violência.
Em geral, as próprias formas de consciência racial estão mudando em todo o
Continente. A produção de identidades raciais para além da oposição binária
branco/negro cada vez mais opera de acordo com lógicas distintas, enquanto as
velhas demarcações perdem seu aspecto mecânico e se multiplicam as
oportunidades de transgressões. De várias formas, a instabilidade das
categorias raciais demonstra que há muitos tipos de branquitude e de
negritude.53
Deixe-me enfocar, por um instante, o tropo da tradição. O projeto de invocar a
tradição é baseado em um conjunto de idéias e práticas sociais fragmentárias,
ou seja, em um imaginário que retira dela referentes, tanto de fontes locais,
como globais. Os vetores mais poderosos deste imagináriosão os movimentos
comunitários. Tais movimentos retiram seu poder da reabilitação das origens e
do pertencimento, em que uma visão cosmopolita e universalista tende a
enfatizar como sua característica essencial a habilidade de se afastar de
qualquer tipo de essência. A idéia é que não há identidade que de alguma forma
não leve a questões relativas à origem e à ligação com elas, não importa que
definição de origem seja dada e o quanto de ficção seja inerente a tal
definição.
A différend de origem supostamente é o ponto de partida para se tornar
consciente da própria identidade. De outro lado, toda identidade teria de ser
traduzida em termos territoriais. Sob este ponto de vista, não há identidade
sem territorialidade, que não seja a vívida consciência de ter um lugar e ser
dono dele, seja por nascimento, por conquista ou pelo fato de ter se
estabelecido em um dado local e este ter se tornado parte de sua auto-
representação. A territorialidade par excellence é a localidade, ou seja, a
casa, o pequeno espaço e o estado herdado, em que relações próximas e diretas
são reforçadas pelo pertencimento a uma genealogia comum, à mesma matriz, real
ou suposta, que serve como base para o espaço cívico. Funerais e cremações são
algumas das formas principais de ritualizar o pertencimento ao espaço cívico
representado pela casa (ver Arhin, 1994; Van der Geest, 2000). Da combinação de
categorias ideológicas de pertencimento e de origem, de um lado, com categorias
espaciais de território e localidade, de outro, emerge a cidadania, ou seja, a
capacidade de usufruir da casa, de excluir forasteiros deste usufruto, o
direito à proteção e o acesso a uma gama de bens e recursos coletivos situados
no espaço assim delimitado.
Além disso, os três idiomas de filiação, genealogia e herança podem, como tais,
ser convertidos em recursos recicláveis no processo de globalização. Um dos
veículos desta conversão é o léxico internacional dos direitos. Seja em relação
à proteção do meio ambiente ou ao direito das minorias ou dos povos nativos, em
todos os casos a questão é afirmar uma identidade ferida. A ferida supostamente
teria levado a uma privação dos direitos específicos que a
"comunidade" tenta recuperar usando o léxico internacional dos
direitos. O outro veículo para invocar a tradição e reciclar identidades locais
é o mercado. Isto ocorre particularmente no turismo e nas políticas
relacionadas a questões de herança.
Mas se, como em qualquer outro lugar, a conexão com os fluxos da globalização
passa (entre outras coisas) pela mercantilização de identidades sob o disfarce
da tradição, uma das mediações-chave entre o tempo global e as formas locais de
reinvocar a tradição passa a ser a guerra ou, mais precisamente, o estado de
guerra. Para além de seus aspectos puramente empíricos (a lógica da formação de
milícias armadas, as relações entre a guerra e o lucro, a privatização da
violência, o contrabando e o comércio de armas), o estado de guerra na África
contemporânea poderia ser concebido como uma experiência cultural comum que
molda identidades, do mesmo modo que a família, a escola e outras instituições
sociais. De uma forma ainda mais determinante, o estado de guerra se refere a
regimes de subjetividade que devem ser resumidamente explorados aqui.
O primeiro deles se refere à entrada em uma zona de indistinção,ou seja, em um
espaço fora da jurisdição humana, em que as fronteiras entre a regra da lei e o
caos desaparecem, as decisões sobre a vida e a morte se tornam inteiramente
arbitrárias e tudo se torna possível.54 Na maioria das zonas de guerra na
África, a entrada em uma zona de indistinção é marcada por um caráter sem
precedentes de tortura, mutilação e assassinato em massa (cf. Brinkman, 2000).
Progressivamente, a disseminação de fragmentos de terror vai ocupando espaços,
explode relações de referência temporal e enfraquece as possibilidades para os
indivíduos de se reconhecerem como sujeitos integrados (ver Diop, 2000;
Monenembo, 2000). A espetacularização do sofrimento que se segue serve apenas
para reforçar o processo de constituição de memórias traumáticas. O horror das
agressões ao corpo está ali para quem quiser ver. Ossos humanos e pedaços de
corpo derivam de corpos feridos, muitas vezes decepados, e de rostos mutilados.
O trauma se tornou algo quase que permanente. A memória é fisicamente
incorporada em corpos que permanentemente ostentam os sinais de sua própria
destruição em uma paisagem geral de fragmentação e decadência econômica. Na
maioria das instâncias, a vida tem tomado a forma de uma incessante jornada
através do espaço. Alguém deixa um lugar e se estabelece em outro, apenas para
ser desalojado dali novamente pelo terror, confrontado com circunstâncias
imprevisíveis, e se estabelecer uma vez mais em outro lugar, onde puder.55
O segundo regime é a
dimensão sacrificial da guerra.56
Como já foi demonstrado em outros lugares, em várias regiões do Continente, a
desconstrução material das referências territoriais existentes caminha lado a
lado com o surgimento de economias de guerra (e da guerra como uma economia
geral) nas quais violentos conflitos não mais implicam necessariamente em que
aqueles que têm armas se opõem uns aos outros. Muitos conflitos parecem mais
ser entre os que têm armas e os que não as têm. Nestes contextos, uma marcante
desconexão entre as pessoas e as coisas se desenvolve, em que o valor das
coisas se sobrepõe ao valor das pessoas. As formas resultantes de violência têm
como sua principal meta a destruição física das pessoas (massacres de civis,
genocídios, vários tipos de mutilação e morte) e a exploração primária dos
recursos minerais (cf. Mbembe, 2000). A maioria destes eventos se baseia na
idéia da
história como processo sacrificial.
Aqui, a palavra "sacrifício" tem dois sentidos: o auto-sacrifício
(colocar a própria vida à disposição do outro, se deixar morrer por uma causa)
e o assassinato em massa (a aniquilação física de incontáveis vidas humanas).
De um lado, o auto-sacrifício implica em que alguém vai matar outros seres
humanos que são identificados como sendo "o inimigo". Este alguém
aceita a idéia de que pode ser morto neste processo. Este alguém acredita que
neste tipo de morte se encontra a essência da vida. De outro lado, o massacre
constitui o mais grandioso signo tanto de soberania como do que Bataille chama
de dispêndio (Bataille, 1967). Mais do que qualquer outra coisa, isto marca o
limite do princípio de utilidade ' e portanto da idéia de preservação ' das
vidas humanas. É a soberania da perda, através da espetacular destruição e do
derramamento de sangue dos seres humanos.
Os cadáveres reais, as coisas mortas, tudo parece congelado e solto no espaço.
Emergem dúvidas como estas: será que aquelas coisas aparentemente animadas, que
parecem vivas, o estão realmente, ou serão elas apenas cadáveres figurativos
daqueles que estiveram vivos e agora são um espelho despedaçado na fronteira da
loucura e da abjeção?57 A função desta violência dionisíaca não é estarrecer ou
mesmo enlouquecer58. Também não é simplesmente parte de um processo de
manumissão e abatimento. Para ser exato, ela não é mais uma questão de se
apropriar do Outro ou de animalizá-lo ou de torná-lo uma mercadoria, como
ocorreu durante o período do comércio de escravos no Atlântico, ou logo após
ele. É uma questão de abolir de uma vez por todas a própria idéia de uma dívida
em relação à vida(cf. Mbembe, no prelo).
Mas no ato que consiste em matar inumeráveis vítimas sacrificiais, o agente do
massacre também busca transcender a si próprio e inventar um novo eu. Tremendo
de embriaguez, ele ou ela se transforma em uma espécie de obra de arte formada
e esculpida pela crueldade. É neste sentido que o estado de guerra se torna
parte das novas práticas africanas em torno do eu. Através da guerra, o sujeito
africano transforma sua própria subjetividade e produz algo que não pertence ao
domínio de uma identidade perdida que deve a todo custo ser fundada novamente,
mas sim algo radicalmente diferente, algo que pode mudar, e cuja teoria e
vocabulário ainda estão por serem inventados (ver Kourouma, 2000).
Em terceiro lugar, o estado de guerra se relaciona a dois outros determinantes
centrais que estiveram presentes na experiência da escravidão e doapartheid: a
vida e a propriedade. A vida, no sentido de que o estado de guerra autoriza o
poder, e mesmo a força bruta, a ser exercido de forma extrema e absoluta. Como
resultado, o cálculo que governa as práticas culturais e políticas não têm mais
como seu objetivo a sujeição dos indivíduos nem o gozo do poder sobre a vida em
si mesmo. Sua função é abolir qualquer idéia de ancestralidade, e portanto
qualquer dívida em relação a um passado. Surge aí, então, um imaginário
original sobre a soberania cujo campo de exercício é a vida em sua
generalidade. Esta última pode ser sujeita a uma morte empírica, ou seja,
biológica. Mas ela pode também ocorrer "à prestação", tanto quanto o
podem as coisas, em uma economia geral na qual massacres e carnificinas são
então relacionados da mesma forma que, no dogma marxista, o capital, o trabalho
e a mais-valia costumavam se relacionar.
A outra forma de instituir uma imaginação ' através da qual a junção entre o
local e o cosmopolita se efetive ' é o estado de religião (l'état de religion).
Para a maioria das pessoas, a relação com a soberania divina agora serve como
principal fonte de significados, mesmo que as formações discursivas que retiram
seu simbolismo central da religião estejam longe de ser homogêneos. Em quase
todo lugar, as práticas em curso a partir das quais o poder divino é mimetizado
ou performatizado se ligam ao processo de reinvenção do eu e da polis' esta, em
seu duplo sentido: a polis terrena e a celestial(o reino). Esta categorização
não reflete apenas uma divisão entre este mundo e o do além. Ela também indica
como o eu surge a partir da interação entre o mundo dos seres existentes e
daquilo que não pode ser a isto reduzido. Através de rituais específicos e de
celebrações de vários tipos, a vida religiosa vai se tornando o lugar onde as
redes de uma nova relação, não biológica, entre os membros de uma família ou
mesmo um oecumene se formam, ao mesmo tempo em que as noções de soberania
divina e patronato vão sendo transformadas e novos dogmas emergem.
Mais fundamentalmente, o desenvolvimento de um novo imaginário religioso se
baseia na mobilização de três formações ideo-simbólicas cuja ligação com
concepções contemporâneas é evidente: a noção de carisma (que autoriza a
prática da profecia e da declaração oracular, da possessão e da cura); os
registros sacrificiais (mortes e funerais); e finalmente os domínios do
milagroso (ou seja, a crença de que tudo é possível). O carisma, em particular,
se refere a dois fatos aparentemente contraditórios. De um lado, ele representa
o zênite da individualidade, assim como da experiência compartilhada. Embora se
suponha que nem todo membro da congregação seja tocado pelo dom da profecia,
per se, cada um deles todavia tem acesso livre à mesma fonte de poder: a graça
divina. Esta última é expressa através de capacidades tais como a cura, a
vidência de espíritos, a capacidade de falar em várias línguas (cf. Falco,
1999). De outro lado, o carisma representa a manutenção de um poder e de uma
autoridade distinta e autônoma, benevolamente exercida a serviço das
necessidades de uma comunidade. O exercício desta autoridade coloca o
taumaturgo em uma relação hierárquica com aqueles que não estão envolvidos com
a mesma magia, o mesmo saber. Tenta-se gerenciar o "mundo real" na
base da convicção de que toda simbolização se refere, em primeiro lugar, a um
sistema invisível, do universo mágico, pertencendo o presente, acima de tudo, a
uma seqüência que sempre dá margem a algo diferente.
A última mudança cultural importante tem a ver com a questão do desejo e do
consumo imaginário em uma economia de carências e escassez.59 Tanto as fontes
como os vetores desta imaginação são, em larga medida, os mesmos encontrados em
qualquer outro lugar do mundo. Mas, um em particular requer nossa atenção. É
aquele que tem a ver com tudo o que afeta a economia dos bens desejados, que
são conhecidos, que podem por vezes serem vistos, que se quer aproveitar, mas
ao qual nunca se terá acesso. Há um elemento de ficção nestes bens desejados.
Nesta situação, o que é decisivo na formação das subjetividades é talvez o fato
de que o fluxo de trocas não ocorre. Onde a aquisição e o consumo de bens
desejados, porém não acessíveis, são problemáticos, outros regimes de
subjetividade se desenvolvem.
Onde a carência e a escassez prevalecem, a apropriação de bens desejados muitas
vezes se apresenta através da pilhagem, do gozo violento, ou no reino
fantasmático (ver Comaroff e Comaroff, 1999). As fantasias, portanto, se
direcionam a objetos puramente imaginários. Os poderes de imaginação são
estimulados, intensificados pela própria inacessibilidade dos objetos de
desejo. As práticas do roubo, as várias formas de atividade mercenária e os
diferentes registros de falsificação se baseiam em uma economia que mobiliza
paixões tais como cobiça, inveja, ciúme e a sede de conquista. O curso da vida
é associado a um jogo de acaso (uma loteria) na qual o horizonte existencial
temporal é colonizado pelo presente imediato e por cálculos prosaicos de curto
prazo. Na engrenagem geral de captação dos fluxos da troca global, os rituais
de ostentação se desenvolvem. Eles consistem em mimetizar os grandes
significados do consumo global.
Conclusão
Tentativas de definir a identidade africana de forma simples e clara têm ao
longo do tempo geralmente falhado. Outras tentativas parecem estar tendo o
mesmo fim, já que a crítica das imaginações africanas sobre o self e o mundo
permanece presa dentro de uma concepção de tempo como espaço e de identidade
como geografia. Desta confusão resultou uma interdição massiva das noções
gêmeas de "universalismo" e de "cosmopolitismo", e uma
celebração da autoctonia, ou seja, de um eu entendido como sendo tanto vítima
como mutilado. Uma das implicações principais de tal compreensão de tempo e de
sujeito é que o pensamento africano passou a conceber a política ou através de
um resgate de uma natureza essencial, porém perdida (a libertação da essência)
ou como um processo sacrificial.
Para ser exato, não há nenhuma identidade africana que possa ser designada por
um único termo, ou que possa ser nomeada por uma única palavra; ou que possa
ser subsumida a uma única categoria. A identidade africana não existe como
substância. Ela é constituída, de variantes formas, através de uma série de
práticas, notavelmente as práticas do self (cf. Biaya, 2001, e no prelo; ver,
também, Malaquais, no prelo). Tampouco as formas desta identidade e seus
idiomas são sempre idênticos. E tais formas e idiomas são móveis, reversíveis,
e instáveis. Isto posto, elas não podem ser reduzidas a uma ordem puramente
biológica baseada no sangue, na raça ou na geografia. Nem podem se reduzir à
tradição, na medida em que o significado desta última está constantemente
mudando (cf. Hamilton, 1998).
Mas aquela retórica, agora tão familiar e clichê, da não-substancialidade, da
instabilidade e da indeterminação é apenas mais uma forma inadequada de lidar
com as imaginações africanas sobre o eu e o mundo (ver Simone, no prelo; Diouf,
2000; MacGaffey e Bazenguissa-Ganga, 2000). Não é mais suficiente afirmar que
apenas um eu africano dotado de uma capacidade narrativa de síntese, ou seja,
capaz de gerar tantas histórias quantas forem possíveis a partir de quantas
vozes forem possíveis, pode afirmar a discrepância e a multiplicidade de normas
e regras interligadas características de nossa época. Talvez um passo além
deste círculo seja reconceitualizar a própria noção de tempo em sua relação com
a memória e a subjetividade.60 Já que o tempo em que vivemos é fundamentalmente
fraturado, o próprio projeto de um resgate essencialista ou sacrificial do eu
está, por definição, fadado ao fracasso. Apenas as diversas (e muitas vezes
interconectadas) práticas através das quais os africanos estilizam sua conduta
podem dar conta da densidade da qual o presente africano é feito.
Notas
1.
Para um panorama geral, cf. Chukwudi Eze (1997).
2.
Não há como negar o fato de que uma distinta filosofia africana emergiu a
partir da interseção das práticas religiosas africanas com a interrogação sobre
a tragédia humana. Em sua maioria, este questionamento foi governado por
narrativas sobre a perda. A mediação africana entre a soberania divina e as
histórias do povo africano não resultou em uma reflexão filosófico-teológica
suficientemente sistematizada para situar o infortúnio humano e o erro em uma
perspectiva teórica singular. Apesar disso, ver tentativas neste sentido, de
Eboussi-Boulaga (1981); Éla (1981, 1988); Mudimbe (1997).
3.
Para ser exato, as duas correntes de pensamento não têm uma única teoria sobre
a identidade, a política ou a cultura. Para críticas diferentes, ver Dieng
(1979); Jewsiewicki (1985); Mudimbe (1994:41-46; 1991:166-191). Pode-se ir mais
longe na argumentação, afirmando-se que em sua tentativa de reconceitualizar o
problema do sujeito, o feminismo africano não alterou fundamentalmente a
compreensão marxista, nacionalista ou nativista africanas dominantes a respeito
da subjetividade ou dos conceitos da intencionalidade humana. Ver, por exemplo,
Mama, Imam & Sow (1997); Amadiume (1997).
4.
Discutindo tal questão, seja em termos de "alienação", ou de
"desrazão", a crítica francesa tem conceitualizado de forma mais
profunda este processo. Ver, em particular, Fanon (1967); Hamidou Kane (1961);
Eboussi-Boulaga (1977, 1981).
5.
Isto se aplica particularmente aos estudos anglófonos sobre economia política
marxista, antropologia e história. Por vezes estes estudos também repousam em
teses nacionalistas e dependentistas. Como exemplos, ver Aké (1981); Rodney
(1981) e, de uma forma mais geral, Amin (1973).
6.
Sobre a problemática da escravidão e da reparação, ver Ajayi (2000). Para
interpretações mais sutis e sofisticadas da escravidão e de seu impacto, cf.
Patterson (1982). Sobre a "dispersão" vista a partir do outro lado do
Atlântico, cf. Gilroy (1993).
7.
Para ser exato, foram feitas tentativas ocasionais. O apartheidtem sido tema
de constante interpretação bíblica. Ver, entre outros, Boesak (1984); Tutu
(1984). A colonização também tem sido tema de tais interpretações. Ver, por
exemplo, Bimwenyi-Kweshi (1981); Éla (1980, 1985).
8.
Ver, por exemplo, Mkandawire & Soludo (1999).
9.
Ver, por exemplo, Depelchin (1983).
10.
Esta tendência tomou forma durante o último quarto do século XX, em um grande
número de produções ideológicas de instituições nacionais, como a Universidade
de Dar-es-Salam (Tanzânia) nos anos 60 e 70, e outras instituições continentais
tais como o Conselho para o Desenvolvimento da Pesquisa em Ciência Social na
África (CODESRIA) além de organizações sub-regionais tais como a Southern
African Political Economy Series (SAPES) em Harare (Zimbabwe). Para uma
teorização a respeito, ver Aké (1981a, 1978).
11.
Ver a crítica ideológica dos programas de ajuste estrutural e da contínua
dependência conceitual a partir de um paradigma desenvolvimentista em
Mkandawire & Olukoshi (1995).
12.
Ver, sobre movimentos sociais, Mamdani & Wamba-dia-Wamba (1995). Sobre a
crítica populista da democracia liberal, ver Aké (2000); Shivji (1989, 1988).
13.
Ver, por exemplo, Mamdani (1997); Shivji (1976).
14.
Um exemplo recente é Mamdani (1996, 1976).
15.
Ver, por exemplo, Zeleza (1993, 1997).
16.
Para ser exato, o Iluminismo não tem uma única teoria racial. No entanto, a
maioria de seus escritores trabalhou dentro de um único universo de discursos.
Como demonstra Paul Gilroy, o extenso debate sobre se os "negros"
deveriam ser admitidos como membros da família humana foi central na formação
da episteme moderna. Ver Gilroy (1998:847). Ver, também, Buck-Morss (2000), e,
de forma mais geral, Chukwudi Eze (1997).
17.
Sobre a centralidade do corpo na filosofia ocidental e seu status como a
unidade ideal do sujeito, o locus do reconhecimento de sua identidade, cf.
Merleau-Ponty (1945:81-234). Sobre o "peso" do corpo do colonizado,
ver Fanon (1967:110-113).
18.
Sobre esse ponto e tudo o que o precede, cf. Grandmaison (1992); Pluchon
(1984); Montesquieu (1979); Voltaire (s/d), Kant (1965).
19.
A mais completa forma institucional desta economia da alteridade é o sistema
de apartheid,,no qual as hierarquias são biológicas em seu caráter. Sua versão
reduzida é a "indirect rule":uma forma não muito custosa de dominação
que, nas colônias britânicas, tornava possível exercer a autoridade sobre os
nativos de maneira regular, com poucos soldados, mas utilizando as paixões e
vícios dos nativos. Cf. Mair (1936); Lugard (1980).
20.
Isto era feito apesar do fato de que a "tradição" variava
radicalmente de lugar para lugar. Como foi o caso em outros locais, a
"tradição" tornou-se o tropo para uma sociedade considerada fora da
história, sem indivíduos. Ela poderia, de agora em diante, ser reproduzida
através da força da lei. Sobre experiências similares em outras partes do mundo
colonizado, ver Dirks (1997).
21.
Na prática, os novos sujeitos políticos criados pela política da assimilação
foram considerados como sendo uma reprodução homogênea do sujeito
metropolitano. Christopher Miller afirma, corretamente, que a "teoria e a
prática da assimilação enfatizavam a continuidade com a metrópole e a
reprodução de seus' valores, ao mesmo tempo ignorando ou negando a ruptura
verdadeiramente profunda que os sujeitos coloniais estavam experimentando em
relação às suas próprias culturas" (cf. Miller, 1998:122). Como Fanon
tornará claro, a barreira entre o assimilé e a essência nacional francesa
continuou sendo a raça, com a biologia restringindo o grau de nacionalidade
francesa acessível ao colonizado (cf. Fanon, 1967:cap. 5).
22.
Mesmo quando o postulado da igualdade entre os seres humanos é admitido, a
colonização é, por vezes, justificada em nome da "civilização" (cf.,
entre outros, Tocqueville, 1988). Sobre as ambigüidades das políticas de
assimilação francesas, ver Conklin (1998).
23.
Cf. os ensaios reunidos em Wilson (1969).
24.
Cf., por exemplo, Condorcet (1849).
25.
Ver, por exemplo, os textos reunidos em Bragança e Wallerstein (1982).
26.
Ver Mafeje 2000. Para visões diferentes, cf., no mesmo volume, as
contribuições de Mwangi & Zaiman (2000); Éboussi-Boulaga (2000); Ben
Romdhane (2000).
27.
Isto é algo que a linguagem comum reconhece plenamente, mas que o léxico
marxista africano evita nomear. Ver, por exemplo, Wamba-dia-Wamba (1998).
28.
Cf. a importância deste tema em Fanon (1952). Ver também Césaire (1950) e, de
forma geral, a poesia de Léopold Sédar Senghor.
29.
Ver, por exemplo, Anta Diop (1967).
30.
Sobre isto, ver as últimas páginas de Fanon (1952).
31.
Esta é a tese de L. S. Senghor (1964, 1977).
32.
Comparar com a problemática da raça nos Estados Unidos, tal como discutida em
Mills (1998) e Gordon (1997).
33.
Cf. a crítica de Kwame Anthony Appiah dos textos de Alexander Crummel e W. B.
Dubois em Appiah (1992:caps.1-2). Ver, também, Appiah (1986/87).
34.
Sobre estes debates, cf. Nyerere (1968); Wiredu (1997, 2000); Hountondji
(1997); Gyekye (1996, 1998); Ngugi wa Thiong'o (1986).
35.
Cf. a geografia da África proposta por Hegel (1953).
36.
Ironicamente, encontramos o mesmo impulso e o mesmo desejo de fundir raça e
geografia nos escritos racistas dos colonos brancos da África do Sul. Para
detalhes sobre este assunto, cf. Coetzee (1988).
37.
Em seu estudo sobre as bases do discurso sobre a África, Mudimbe comenta que
"os intérpretes, assim como os analistas africanos, têm usado categorias e
sistemas conceituais que dependem de uma ordem epistemológica ocidental. Mesmo
nas descrições mais explicitamente afrocêntricas', os modelos de análise,
explicitamente ou de forma implícita, consciente ou inconscientemente, se
referem à mesma ordem". Cf. Mudimbe (1988).
38.
Para um estudo de caso, cf. Hamilton (1998).
39.
Em estudo posterior, Appiah denuncia a falta de profundidade das posições
nacionalistas, frisa a possibilidade de uma dupla ancestralidade, e se filia ao
"cosmopolitismo liberal". Cf. Appiah, (1997).
40.
Há poucos anos, uma série de estudos têm mostrado como, acima das afirmações
de africanidade, os africanos têm constantemente negociado novas posições nos
espaços entre as culturas e têm rompido os signos de identidade e de diferença.
Cf., entre outros, Barber (1997); Nuttall e Michael (2000); Haynes (2000). Para
dois estudos de caso sobre os complexos entrelaçamentos das chamadas tradições
intelectuais globais com as "tradicionais", cf. Bhekizizwe (2000) e
Newell (2000).
41.
Sobre a memória judaica, ver, entre outros estudos, LaCapra (1998) e
Yerushalmi (1982). Para uma crítica filosófica, cf. Ricoeur (2000).
42.
Cf., por exemplo, Shaw (1997). Cf., também, o número especial "Route et
traces des esclaves", Diogène, nº 179, 1997.
43.
No contexto pós-apartheid, cf. a descrição de "township tours",de
Steven Robins (2000).
44.
Comparar com Hallward (1998).
45.
Sobre o statusdestas categorias, em geral, e seu papel na consciência judaica,
em particular, cf. LaCapra (1998).
46.
Lovejoy e Richardson (1999) mostram como os comerciantes africanos de escravos
e os mercadores britânicos adaptaram a instituição local da "penhora"
como forma de assegurar o crédito (ou os bens) contra a entrega de escravos.
Para uma discussão geral sobre a penhora humana na África, cf. Falola e Lovejoy
(1994).
47.
Sobre tais questões, cf. Maragnes, "L'identité et le désastre. Origine et
fondation", Portulan, nº 98, (s/d.), um número especial dedicado à
"Mémoire juive, mémoire nègre. Deux figures du destin".
48.
Cf. a leitura que Françoise Vergès faz de Fanon (1997).
49.
Ver, por exemplo, Mkandawire e Soludo (1999).
50.
Compare, por exemplo, Smith (1997), Kock (1998) e Krog (1998). De forma mais
geral, ver Nuttall, "Subjectivities of Whiteness" (no prelo).
51.
Cf., também, Yap e Mang (1996), Mark (1999).
52.
Cf. "Africanité du Maghreb", Africultures, nº 13, 1998; e o número
especial "Afrique noire et monde arabe: continuités et ruptures",
Cahiers des Sciences Humaines, nº 16, 2000.
53.
Cf., em outro contexto, Sansone (1997).
54.
Sobre estas discussões, cf. Edkins (2000).
55.
Aqui, inspirei-me em Daniel Pécaut, "Configurations of space, time, and
subjectivity in a context of terror: The Colombian example" (2000).
56.
Esta é uma dimensão que também se encontra nas práticas autóctones, e que as
religiões monoteístas apenas acentuaram. Sobre as práticas autóctones, ver Law
(1985); sobre questões mais gerais, ver Milbank (1995).
57.
Sobre "cadáveres" e "abjeção", ver Kristeva (1982).
58.
Sobre o caráter dionisíaco do processo, ver Memel-Fotê (1993).
59.
Comparar com Sergei Oushakine, "The quantity of style: imaginary
consumption in the New Russia" (2000).