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BrBRHUHu0102-69092006000100005

BrBRHUHu0102-69092006000100005

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0102-6909
ano2006
Issue0001
Article number00005

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Mobilidade espacial da população no Mercosul: metrópoles e fronteiras

A publicação dos resultados amostrais do Censo Demográfico de 2000, as séries de informações consulares levantadas pelo Ministério de Relações Interiores e, principalmente, a turbulência dos primeiros anos do novo milênio constituem um estímulo propício para reflexão, balanço e reconhecimento das evidências empíricas sobre a inserção do Brasil nos movimentos internacionais de população, bem como, nesse contexto, o papel do Mercosul (Mercado Comum Sul- americano) nos deslocamentos populacionais recentes.

Este texto é um desdobramento e uma atualização de pesquisas anteriores voltadas à análise das transformações e dos efeitos dos movimentos migratórios internacionais no âmbito do Mercosul. Sempre contextualizados a partir de processos macroestruturais de reestruturação produtiva e no contexto internacional da atual etapa da globalização, em suas múltiplas dimensões e desdobramentos, esses estudos também voltam-se aos possíveis efeitos da formação do bloco econômico como estratégia multilateral para fazer frente aos efeitos freqüentemente perversos do contexto contemporâneo no que diz respeito aos deslocamentos populacionais emergentes.

A crescente importância das migrações internacionais no contexto da globalização tem sido objeto de um número expressivo de contribuições importantes, de caráter teórico e empírico, que atestam para sua diversidade, significados e implicações.

Parte significativa desse arsenal de contribuições volta-se à reflexão das grandes transformações econômicas, sociais, políticas, demográficas e culturais em andamento no âmbito internacional, principalmente a partir dos anos de 1980.

Como eixo de reflexão, situam-se as mudanças advindas do processo de reestruturação da produção,1 o que implica em novas modalidades de mobilidade do capital e da população em diferentes partes do mundo (Sassen, 1988).

As novas modalidades migratórias demandaram, no cenário da globalização, a necessidade de reavaliação dos paradigmas para o conhecimento e o entendimento das migrações internacionais no mundo, sendo que a incorporação de novas dimensões explicativas torna-se imprescindível, assim como a própria definição do fenômeno migratório deve ser revista.2 É imprescindível que se considere, hoje, o contexto de luta e os compromissos internacionais assumidos em prol da ampliação e da efetivação dos Direitos Humanos dos migrantes; é preciso reconhecer o novo, difícil e conflituoso papel dos Estados Nacionais e das políticas sociais em relação aos processos internacionais e internos de distribuição da população no espaço, cada vez mais desigual e excludente; que se tomar em conta as tensões entre os níveis de ação internacional, nacional e local; enfim, que se considerar que os movimentos migratórios internacionais constituem a contrapartida da reestruturação territorial planetária intrinsecamente relacionada à reestruturação econômico-produtiva em escala global.

Com a velocidade das transformações tecnológicas (Castells, 1999); com a compressão do espaço e do tempo (Harvey, 1993); com a nova conformação da hierarquia urbana internacional (Sassen, 1988); com a consolidação de redes e dos lugares de redes (Benko e Lipietz, 1998); com a intensidade e a diversidade dos deslocamentos populacionais, que definem e redefinem espaços transnacionais (Glick e Schiller et al., 1997), a importância do fenômeno migratório internacional reside hoje muito mais em suas especificidades, em suas diferentes intensidades e espacialidades e em seus impactos diferenciados (particularmente no nível local) do que no volume de imigrantes envolvidos em deslocamentos populacionais.

Acontecimentos recentes, como o 11 de setembro nos Estados Unidos e sua estratégia militar preventiva iniciada com a Guerra do Iraque, os conflitos no Oriente Médio, as tensões entre comunidades de imigrantes muçulmanos na Europa, entre outras manifestações das contradições e dos conflitos que permeiam a vida coletiva neste início de século, reforçam também as dimensões de racismo e xenofobia.

Com efeito, vivemos atualmente um momento crucial no sentido de decidir, no plano internacional, quais os países que terão acesso ao desenvolvimento, quais poderão lograr o desenvolvimento econômico, superando a condição de ser eternamente países em desenvolvimento. Nesse cenário, desde logo, comparecem os países da América do Sul, onde, de um modo geral, salvo raras exceções, nas décadas passadas assistiu-se a um processo de democratização, embora as crises financeiras, o déficit fiscal, as dívidas externas e internas, o estancamento do processo produtivo, entre outras dimensões, imprimiram a essa dinâmica a contrapartida do aumento da pobreza, da desigualdade e da exclusão, distanciando-os ainda mais de países do Primeiro Mundo.

Para superar essa distância, esse continente desenvolve estratégias, oscilando, muitas vezes, entre a obediência aos cânones neoliberais e as tentativas de incrementar o resgate social acumulado. Nesse cenário complexo criou-se o Mercosul, que mais de uma década opera com oscilações, contradições e desafios, ao mesmo tempo em que as discussões sobre comércio internacional e a Alca recrudescem ainda mais os conflitos internos à região.

A conjuntura política, por seu turno, aponta para a emergência de lideranças mais voltadas ao reforço regional conjunto do continente sul-americano como estratégia de enfrentamento da situação adversa. No âmbito do Mercosul, o presidente Lula e sua política externa parecem dirigir-se no sentido do fortalecimento do bloco de integração; na conjuntura que tem Kirschner na Argentina ' país rival, mas também aliado ', a estratégia política parece favorecer um maior dinamismo e um relativo avanço nas políticas sociais que envolvem diretamente os que se movimentam internamente entre os países do bloco, quer com mudança de residência, ou retornos de situações precárias anteriores, quer como circularidade, com dupla residência, ou permanências temporárias, quer ainda como ilegalidade, clandestinidade, de famílias ou individualmente, com o aumento da participação das mulheres, entre outras características. Seria, então, o momento de retomar o esquecido conceito de cidadania comunitária? Este texto divide-se em quatro partes. Na primeira, comenta-se a inserção do Brasil nas tendências de movimentos migratórios internacionais dos países sul- americanos rumo a países desenvolvidos, bem como a migração intra-regional entre os países do próprio continente, buscando enfatizar a participação e a troca de e entre os países do Mercosul e do Mercosul Ampliado (que, além dos que compunham o bloco inicial ' Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai ' conta com a presença da Bolívia, do Chile e do Peru, sendo que se iniciaram as tratativas para inclusão também da Venezuela). Na segunda, investigam-se as características e as tendências da imigração e da emigração no Brasil em décadas recentes, procurando confrontar dados oficiais, percepções e ações políticas emergentes. Na terceira, analisa-se a seletividade dos imigrantes recentes para o Brasil. Finalmente, na quarta parte, consideram-se alguns exemplos da participação estrangeira nas metrópoles e em alguns espaços fronteiriços. Encerramos com alguns comentários indicativos das perspectivas e das implicações do que foi apresentado.

Brasil no contexto sul-americano Se considerarmos o Brasil no contexto sul-americano, pode-se observar as confluências e as disparidades em sua trajetória histórica de movimentos populacionais internacionais com os demais países que compõem o continente sul- americano, em particular com os países que formam o bloco de integração Mercosul.

Em valioso estudo sobre os grandes momentos da migração internacional nos países da América Latina, Villa e Martínez (2000)3 apontam três grandes tendências: a migração ultramar, principalmente vinda da Europa; aquela marcada pelos movimentos migratórios intra-regionais, ou seja, deslocamentos populacionais entre os países da América latina com destaque para os anos de 1970; e a emigração com destino ao exterior, fora da América Latina e do Caribe, que tomou maior impulso a partir dos anos de 1980.

Considerando-se a imigração de ultramar, os estudos realizados sobre esse padrão migratório na América Latina e no Caribe4 delimitam a segunda metade do século XIX e a primeira do século XX5 como o período característico do movimento migratório internacional com origem além-mar. Foi a etapa dos volumosos fluxos de imigrantes, oriundos da Europa, especialmente espanhóis, portugueses e italianos para Argentina, Brasil e Uruguai, bem como aqueles provenientes da China para o Peru. Estima-se que do começo do século XX até 1970 tenham entrado cerca de 21 milhões de imigrantes de ultramar na região (Lattes e Lattes, 1997).

Mesmo que parte considerável dos imigrantes, principalmente aqueles de fins do século XIX e começo do XX, tenha retornado a seus países de origem (Alvim, 1986); Lattes e Lattes, 1997), a imigração internacional líquida para a América Latina e Caribe chegou a 13,8 milhões de pessoas, no período mencionado, dos quais mais de 11 milhões de origem européia: italianos, portugueses, espanhóis, alemães, suíços, irlandeses, austríacos e franceses. O Brasil e a Argentina juntos absorveram 73% desse saldo migratório internacional da região, 35% e 38% respectivamente (Lattes, 1998).

O Brasil, em 1990, apresentava uma população estrangeira de 1,1 milhão de imigrantes, representando 6,2 % de sua população (Tabela_1). O estoque de estrangeiros no país alcançou seu pico mais elevado em 1920, com 1,5 milhão de estrangeiros.

Apesar da crise economia mundial em 1929, e da conseqüente crise do café em 1940, encontrava-se residindo no Brasil 1,4 milhão de estrangeiros, porém respondendo agora por apenas 3,45% da população. Esse período marca uma nova fase no desenvolvimento da sociedade brasileira, com a passagem para uma outra etapa da economia. A acumulação cafeeira permitiu que o excedente gerado passasse a ser aplicado em investimentos urbanos e industriais (Cano, 1977), com as migrações internas cobrindo a maior parte da mão-de-obra necessária para a indústria. A partir dos anos de 1930 decresceram as entradas de imigrantes estrangeiros (Levy, 1994); somente em 1953, com as imigrações dirigidas, algumas da quais demandadas pelo setor industrial (Jordão Neto e Bosco, 1963), destacaram-se a entrada de espanhóis, gregos, entre outros. Durante os anos de 1950, ainda se registrou a entrada de 538.0688 imigrantes, com origem particularmente em Portugal (41,4% desse total), Espanha (16,2%), Itália (15,7%) e Japão (5,7%). Em 1950, o país possuía uma população estrangeira de 1,2 milhão de pessoas, mantendo esse volume até 1970; de fato, a partir dos anos de 1960 foram bastante reduzidas as imigrações internacionais ultramar,6 tendência que permaneceu até o final da década seguinte.

No que se refere aos movimentos migratórios internacionais entre os países da América do Sul, de um modo geral são os mesmos históricos e bastante complexos, envolvendo desde fluxos intercontinentais, como vimos anteriormente, até aqueles em espaços bi-nacionais e tri-nacionais.7 Essas migrações compreendem diversas formas de mobilidade da população no território e derivam tanto de fatores econômicos como políticos.

Em trabalho recente, incorporando resultados dos Censos Demográficos ronda 2000, Martínez (2003) aponta novas tendências e significativas mudanças nos padrões migratórios da América Latina e do Caribe, a saber: a) imigração de ultramar, que registra um esgotamento indeclinável; b) migração intra-regional, que experimentou uma modesta intensidade e mantém predomínio feminino; e c) emigração em direção aos Estados Unidos, que concentra a maior parte dos migrantes da região e se inscreve dentro do padrão migratório sul-norte.

Ressalta o autor, ademais, a nova tendência de direcionamento dos fluxos rumo ao primeiro mundo: Espanha, país que recebe migrantes de um grande número de países e o Japão, recebedor de dekasseguis brasileiros e peruanos.

Ao longo dos anos de 1970 houve um considerável aumento dos movimentos intra- regionais ' vale dizer que o número de migrantes duplicou; a partir da década de 1980, o crescimento do estoque desses migrantes foi modesto, e pode-se conjecturar que tenha aumentado levemente até hoje. É interessante de se observar que esses movimentos migratórios envolvem não apenas mudança de residência, mas também uma variedade de modalidades, como, por exemplo, a mobilidade temporal e circular, associadas aos ciclos econômicos, às atividades agrícolas, à construção de grandes obras e ao comércio, entre outras, e sua influência se faz sentir especialmente nas regiões fronteiriças.

Como indica a experiência de décadas passadas, o padrão intra-regional tem sido, ademais, sensível às conjunturas de expansão e retração econômica e à violência, que propicia tanto uma fuga para países vizinhos como um retorno aos países de origem quando essa violência parece amenizar-se; em alguns casos, esses movimentos derivam de deslocamentos internos ' esse é o caso da Colômbia nos últimos anos; os colombianos seguem representando o principal fluxo migratório intra-regional e de busca de refúgio em países vizinhos.

O comportamento observado durante os anos de 1980 deveu-se ao impacto da crise econômica e seus programas de reforma estrutural que se fizeram sentir com força especial nas principais nações de destino; a década perdida para o desenvolvimento trouxe, não obstante, a recuperação das formas democráticas de convivência nos países.

A década de 1990 foi de oscilações, mas com predominância de acirramento de crises e instabilidade política; os principais países sul-americanos de imigração (Argentina e Venezuela) não tiveram estabilidade suficiente para atrair migrantes como em outras épocas, mantendo-se uma transferência, mas com menor intensidade.

Ainda que não se possa concluir que as origens e os destinos das correntes migratórias dentro da América do Sul não se alteraram significativamente no último decênio ' tendência das décadas passadas ', é certo que sinais nessa direção. A Venezuela experimentou um leve aumento no número de seus imigrantes da região (81% colombianos). Os colombianos têm também importante presença no Equador e no Panamá e seu número aumentou significativamente, no primeiro caso, sobretudo entre mulheres. De acordo com o ACNUR ' Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados ', os colombianos sempre constituíram populações flutuantes nas zonas fronteiriças, o que se exacerbou devido à intensificação da violência; além disso, apenas uma fração minoritária adquiriu o status de refugiado. A imigração em direção ao Chile ' principalmente de cidadãos peruanos ' foi importante durante os anos de 1990, chegando ao ponto de ter a maior presença de estrangeiros em toda sua história, produto de um grande crescimento econômico comparado (Martínez, 2003, p. 25).

Imigração e emigração internacionais no Brasil nas décadas recentes Brasileiros no exterior A problemática das migrações internacionais de e para o Brasil contemporâneo tem recebido cada vez mais atenção de especialistas, principalmente depois da Conferência sobre População e Desenvolvimento do Cairo, em 1995. Dada a constatação de que os movimentos de brasileiros para o exterior passaram a constituir uma nova questão social no país a partir dos anos de 1980, desde então é crescente, também, o número de estudos e pesquisas voltados ao tema, que aparece com freqüência na mídia e adquiriu uma dimensão expressiva nos programas de governo e no delineamento de políticas sociais.8 De fato, os movimentos migratórios internacionais reassumiram, sobretudo no final dos anos de 1980, a importância que outrora possuíram no contexto brasileiro. A imagem de que o Brasil teria passado de uma sociedade tradicionalmente receptora para uma sociedade que remete migrantes para fora do país chamou a atenção de acadêmicos e da mídia. A constatação de que cerca de 1,5 milhões de brasileiros viviam no exterior foi o ponto de partida para que essa idéia ganhasse corpo, tornando-se uma das mais importantes questões demográficas brasileiras.

Na verdade, a população brasileira, entre os anos de 1950 e 1980, havia sido considerada, do ponto de vista demográfico, uma população fechada, ou seja, seu crescimento era resultante da diferença entre o número de nascimentos e o de óbitos. Era irrelevante, do ponto de vista quantitativo, o reduzido número de estrangeiros que adentraram o país depois da última leva após Segunda Guerra Mundial, de um lado, e o reduzido número de brasileiros que se dirigiam a outros países por motivo de estudo, familiar, diplomático ou de trabalho, além dos refugiados políticos do período autoritário, de outro lado. Esse panorama modificou-se nitidamente a partir da década de 1980, quando, pela primeira vez na história, registrou-se uma saída expressiva de brasileiros para o exterior.

De fato, no primeiro diagnóstico a respeito dos movimentos internacionais contemporâneos de e para o Brasil (Patarra, 1995 e 1996), verificou-se a concomitância de distintas modalidades de migração: busca de uma mobilidade social truncada no país nos anos da chamada década perdida, que se dirigia, principalmente, para os países do Primeiro Mundo; tentativa de deslocamento temporário com o intuito de realizar uma penosa poupança permitida por uma política migratória voltada aos descendentes de imigrantes japoneses, como no caso dos dekasseguis; expansão de problemas agrícolas não resolvidos para territórios fronteiriços, particularmente Paraguai, como o contingente denominado "brasiguaios", entre outras modalidades de menor expressão numérica, mas nítida conotação de novos relacionamentos internacionais.

Os dados a respeito desses movimentos são fragmentários e de difícil aferição, mas se estima que mais de 2 milhões de pessoas tenham deixado o país nas últimas décadas. Num explícito reconhecimento da nova problemática, o Ministério de Relações Exteriores realizou cinco levantamentos junto aos consulados e às embaixadas brasileiras com o intuito de monitorar, acompanhar e proteger os cidadãos brasileiros que vivem no exterior.

De acordo com os registros consulares, para o ano 2002 foram compatibilizados 1.887.895 brasileiros residentes no exterior, dos quais 42% se encontravam nos Estados Unidos (quase 700 mil brasileiros); 24%, no Paraguai (em torno de 450 mil); 11%, no Japão (225 mil). Para os países do Primeiro Mundo, em geral, estima-se em 1,5 milhões a emigração de brasileiros. Em 2003, o total compatibilizado está em torno de 1,8 milhão de pessoas, o que denota cifras muito próximas nesses dois anos.

Outro reconhecimento dessa problemática pode ser considerado o prenúncio de formulação de políticas públicas para a emigração. Em maio de 2002, realizou-se o I Encontro Ibérico da Comunidade de Brasileiros no Exterior, promovido pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Distrito Federal ' MPF, com o apoio organizacional da Casa do Brasil de Lisboa e a colaboração da Cáritas Portuguesa, da Cáritas Brasileira, da Obra Católica Portuguesa de Migrações e da Pastoral dos Brasileiros no Exterior da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil sob o patrocínio do Branco do Brasil.

É interessante observar a lista de propostas finais aprovadas nesse Encontro, que incluem elementos para a formulação de políticas públicas para a emigração, representação política para os emigrantes brasileiros, elaboração do estatuto do brasileiro no exterior, atuação de consulados e embaixadas brasileiras, incluindo apoio ao repatriamento, recadastramento eleitoral, reforço dos consulados itinerantes e assessoria jurídica a emigrantes. Deve-se registrar, no entanto, um viés econômico no trato com os emigrados. Na "Introdução" do documento, avaliando-se entre 2 a 3 milhões de brasileiros que vivem no exterior, menciona-se a questão das remessas, tema reiteradamente discutido em fóruns e debates a respeito dos grandes movimentos internacionais contemporâneos. Neste caso, a questão das remessas foi levantada como ponto de partida, e sua justificativa é plausível tanto do ponto de vista da economia brasileira, como da perspectiva social: Do ponto de vista da economia brasileira cabe ressaltar que a emigração é responsável pela remessa unilateral de cerca de dois bilhões de dólares anuais para o Brasil, contribuindo significativamente para diminuir o desequilíbrio da balança de pagamentos e, do ponto de vista social, para inclusão no mercado consumidor das famílias beneficiadas por essas remessas (Ministério Público Federal/Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Distrito Federal, p. 3, grifos nossos).

Como parte do primeiro diagnóstico realizado por especialistas, Klagsbrunn (1996) alertava que, de acordo com dados do Banco Central, o país apresentou uma elevação considerável de divisas recebidas nos anos de 1990, tendo registrado, para o ano de 1995, um montante aproximado de 4 bilhões de dólares, o que provocou o comentário de que o emigrante estava se constituindo no principal produto de exportação do país.

Também é interessante registrar que o Fundo Multilateral de Inversões (Fomin), do BID, vem realizando um [...] esforço conjunto com agências governamentais, o setor privado e ONGs, instituições financeiras e outras, para aumentar a consciência da importância desses fluxos; aumentar a competição para diminuir os custos de remessas; promover a educação financeira; fomentar o impacto desses fundos ao oferecer mais opções financeiras para as famílias receptoras de remessas e suas comunidades (http:// www.iadb.org.mif).9 Percebe-se, portanto, que o Brasil entrou no rol dos países com altos índices de remessa, estimada em R$5,8 bilhões no ano de 2003. Isso parece estar ocorrendo também por parte de autoridades ' comemorando o fato de que tal montante teria entrado no país em parte pelo Banco do Brasil e em parte trazido pessoalmente ou enviado por parentes e amigos,10 uma autoridade do Itamaraty afirmou em tom jocoso que brasileiros residentes no exterior "são compatriotas que deveriam ser recebidos com tapete vermelho, champagne e caviar" (Folha de São Paulo, 4 jul. 2004).

Estrangeiros no Brasil No que se refere à entrada de estrangeiros no Brasil, vale lembrar que o controle da imigração é uma atribuição de três órgãos, a saber, Ministério da Justiça, Ministério de Relações Exteriores e uma parte do Ministério do Trabalho. Ao Ministério da Justiça compete essencialmente o controle dos estrangeiros após sua entrada em território nacional e a aplicação da política de imigração, desde a concessão de visto, prorrogações, transformações de vistos, permanências, até medidas menos "simpáticas" como a extradição.

A política imigratória atual é orientada pela Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980, que desde o início de sua vigência vem sendo alvo de críticas no país. A lei criou ainda o Conselho Nacional de Imigração (CNI), órgão presidido pelo Ministério do Trabalho com representantes de vários outros ministérios, órgãos de classe e da SBPC. O CNI, por meio de 49 resoluções, orienta a política imigratória que, neste momento, privilegia a imigração sob o ponto de vista da assimilação de tecnologia, investimento de capital estrangeiro, reunião familiar, atividades de assistência, trabalho especializado e desenvolvimento científico, acadêmico e cultural (Barreto, 2001). Destaca-se ainda, na condução da política imigratória brasileira, o trabalho desenvolvido pelo Comitê Nacional para os Refugiados ' Conare, vinculado ao Ministério da Justiça, que tem por finalidade a condução da política nacional sobre os refugiados. Cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego estabelecer diretrizes e orientações de caráter geral no que concerne à autorização de trabalho a estrangeiros, com observância dos preceitos da Lei n. 6.815/80, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil.11 Esse conjunto de dispositivos jurídicos caracteriza o Brasil como um dos países mais restritivos quanto à imigração de estrangeiros. Nas discussões a esse respeito no âmbito do governo do Mercosul houve uma tentativa de harmonizar as políticas migratórias dos países-membros com vistas à livre circulação de trabalhadores no contexto da abertura comercial; nesses fóruns a posição brasileira tem-se mantido inalterada.

Trabalha-se até hoje com a estimativa de 1 milhão de estrangeiros no Brasil, considerada estável nos últimos dez anos, mas o Ministério do Trabalho forneceu autorizações a apenas 62.890 pessoas, entre 1993 e 2000. A desproporção entre imigrantes não documentados e os legais é nítida; situação reforçada, ademais, pelas restrições e pouca abertura do país aos refugiados políticos.Um dos problemas para os imigrantes estrangeiros é a citada lei de imigração, editada na década de 1980, quando vigorava um regime político de exceção, que considerava o estrangeiro uma questão de segurança nacional.

Na verdade, é nítido o declínio da participação de estrangeiros na população brasileira; a Tabela_1 apresenta em termos absolutos e percentuais o tamanho da população estrangeira, que declina contínua e acentuadamente a partir dos anos de 1970, chegando a ponto de representar, em porcentagem, uma ínfima parcela da população do país ao final do século XX. O estoque de estrangeiros passou de 912 mil pessoas, em 1980, para 651 mil, em 2000, o que representa apenas 0,38% de sua população total.

Essa tendência histórica reflete-se na pirâmide etária da população estrangeira registrada no Censo de 2000, em que o estoque daqueles que ficaram se concentra, obviamente, nas idades mais avançadas, enquanto é mínimo o contingente de jovens e crianças estrangeiras (Gráfico_1).

que se considerar, no entanto, que essas cifras devem estar subestimando o contingente de imigrantes que adentrou o país no período. Sabe-se que os dados censitários a respeito da imigração internacional são geralmente subestimados, uma vez que a maioria dos imigrantes se encontra em situação irregular no país de destino e se omite durante a visita dos entrevistadores censitários. No conjunto desse contingente populacional estrangeiro pode-se observar, na Tabela 2, que as nacionalidades predominantes são ainda constitutivas do padrão ultramar (Villa e Martínez, 2000), mais da metade desse estoque nasceu na Europa (57,5%); seguem mais distantes, os asiáticos (18,2%), com destaque para os japoneses (10%) e os "mercosulinos" (17,2%).

A proporção de imigrantes internacionais recentes (1990-2000) no total deste estoque de estrangeiros indica, contudo, novas modalidades migratórias, com a crescente importância do contexto regional do Mercosul. Por exemplo, a imigração recente do Paraguai para o Brasil representa quase a metade dos paraguaios aqui residentes, sendo que para os demais países do Mercosul essa proporção é superior a 30%. Além disso, destaca-se a imigração recente de norte-americanos, demais países da América do Sul/Central e África. Essas migrações constituem uma das dimensões do cenário das mudanças econômicas internacionais vigente na sociedade global (Ianni, 1996) Traço característico da imigração estrangeira no cenário da globalização é a condição clandestina dos migrantes (Sales, 1996; Patarra e Baeninger, 1995), tornando ainda mais difícil a mensuração desses fluxos. É dessa forma, portanto, que os novos fluxos de imigrantes para o Brasil são de difícil percepção e aferição.

Os países de nascimento desse contingente, que passou a residir no Brasil nessas décadas, estiveram concentrados no Mercosul Ampliado, respondendo por cerca de 40% dos imigrantes internacionais recentes que chegaram ao país; a estes segue os migrantes da Europa (mais de 20%), Ásia (12,5%) e América do Norte (9,1%).

Essas evidências indicam, de um lado, que o Brasil aumentou sua inserção nas migrações do Mercosul; de outro, que retomou as migrações de ultramar, com fluxos da Europa e da Ásia. Ressalte-se ainda que a imigração internacional norte-americana recente está relacionada à alocação temporária de mão-de-obra qualificada.12 No caso das migrações internacionais de ultramar, se para o conjunto da América Latina e do Caribe o padrão migratório ultramar realmente se viu esgotado até os anos de 1950 (Villa e Martínez, 2000) e não demonstra novo impulso, para o caso brasileiro esses fluxos ' se não se configuram um padrão (nos moldes do final do século passado) ', marcam uma nova modalidade de movimento imigratório internacional para o país. A década de 1980 demonstra maior intensidade de fluxos, uma vez que, para os anos de 1990, assiste-se a um ligeiro declínio nesse volume: os imigrantes com origem na Europa, com destaque para Portugal, passaram, entre essas décadas, de 24 mil para 22 mil; para a Ásia, o fluxo decresceu de 18 mil para 12 mil, indicando a diminuição na entrada de coreanos, dado que os imigrantes japoneses recentes passaram de 3 mil para quase 5 mil, respectivamente. Deve-se ainda considerar a importância crescente da migração africana, que quase dobrou seu volume, entre as décadas de 1980 e 1990 ' de 2,5 mil para 4,8 mil imigrantes no Brasil.

Em contrapartida, informações referentes aos pedidos de concessão de vistos para trabalho no Brasil, do Ministério do Trabalho, são indícios do reverso da medalha, ou seja, o aumento dos imigrantes documentados; entre 1993 e 1996 foram concedidas 45.827 autorizações; entre 1997 e 1999, 49.888, e entre janeiro e junho de 2000, 9.496 autorizações. A maior porcentagem dessas autorizações é concedida a estrangeiros de países europeus: mais de 30%, seguidos daqueles oriundos dos Estados Unidos e do Canadá ' em torno de 20% (Tabela_3; cf, Baeninger, 2000).

Assim, se, de um lado, o número de imigrantes clandestinos no país é muito menor do que o indicado pelas fontes oficiais, de outro, os próprios dados do governo brasileiro indicam a elevação na entrada de migrantes documentados, altamente qualificados e com emprego assegurado.

Seletividade da imigração recente para o Brasil Os levantamentos censitários no que se refere à mensuração dos fenômenos de imigração internacional, apesar das subenumerações e da ausência de dimensões significativas, permitem esboçar um perfil desse contingente, particularmente em relação a sexo, idade, escolarização e ocupação.

O perfil do migrante internacional analisado com base no censo demográfico, embora permita conhecer algumas especificidades do fenômeno, aponta a seletividade migratória desse contingente populacional. De modo geral, o grau de escolaridade, a inserção nas atividades econômicas, a ocupação desses imigrantes internacionais captados pelo censo apresentam-se bastante favoráveis, uma vez que se trata de imigrantes que, além de legalizados no país, estão sendo absorvidos pelo mercado de trabalho.

Considerando-se, em primeiro lugar, os níveis diferenciados de escolarização, indicados pelos anos de estudo dos imigrantes internacionais (Tabela_3), pode- se observar que os imigrantes da Europa, da América do Norte, do Japão e da Oceania concentram suas participações na categoria "nível universitário" (12-15 anos de estudo) e de "pós-graduação" (mais de 16 anos), estando inseridos, predominantemente, em atividades ligadas à educação (América do Norte e Oceania, em especial), a intermediações financeiras e à indústria de transformação (Japão, América do Norte e Europa).

Os asiáticos, principalmente coreanos, apresentam grau de escolaridade entre o nível colegial e universitário e estão concentrados nas atividades relacionadas ao comércio ' a produção têxtil e de confecções no Brasil vem sendo amplamente dominada pelos coreanos (Galleti, 1995). Entre os novos imigrantes de ultramar, os africanos concentram-se no nível universitário, ligados às atividades de educação, comércio e indústria de transformação (Tabela_4). Esses trabalhadores apresentam ocupações (Tabela_5) ligadas às ciências e às artes ' América do Norte (52,3% dos imigrantes no período de 1990a 2000); Oceania (48,3%), África (21,2%) ', à direção de empresas, gerência, organização de interesse público e participação no poder público ' Oceania (57,6% do total de seus imigrantes no Brasil); Ásia (35,6%); Europa (30,5%); Japão (20,4%).

Esses imigrantes internacionais compõem uma fatia dos movimentos migratórios em nível global. Sassen (1998) afirma que claramente uma classe de trabalhadores que se beneficia do novo complexo industrial advindo do processo de reestruturação produtiva e do conseqüente processo de globalização; trata-se dos novos profissionais gerentes, corretores, com salários elevados. Esse trabalhador de alta-renda é portador de capacidade e escolha de consumo; a conjugação de excesso de lucro e a nova cultura do trabalho cosmopolita criou uma força espacial para novos estilos de vida e novos tipos de atividades econômicas.

As estruturas etárias desses imigrantes apresentam-se bastante diferenciadas.

Enquanto para norte-americanos e japoneses nota-se a presença de uma migração familiar, para europeus e asiáticos é bastante expressiva a presença de adultos, sobretudo entre os asiáticos, para ambos os sexos.

No âmbito do Mercosul, particularmente nos fluxos da Argentina para o Brasil, os emigrantes estão concentrados no nível superior e de pós-graduação (42,4% dos argentinos residentes no Brasil em 2000), sendo 44% ligados a cargos de gerência, empresas e profissionais das ciências e das artes e 12,2%, à intermediação financeira.

Como mencionado anteriormente, cerca de 40% da imigração internacional dos anos de 1990 teve origem nos países do Mercosul Ampliado: o Paraguai responde por 11% desse fluxo, a Argentina, por 8,1%, e a Bolívia, por 7,7%.

Configurando distintos grupos sociais, esses imigrantes apresentam características socioeconômicas bastante diferenciadas ' o caso dos argentinos, mencionado, é ilustrativo das desigualdades que permeiam essas migrações.

Dentre os mercosulinos no Brasil, os paraguaios apresentam menor escolaridade (Tabela_4), com cerca de 12,3% na categoria "sem instrução" e "menos de 1 ano de estudo"; de fato, trata-se de imigrantes trabalhadores agrícolas ou inseridos em atividades de menor qualificação, como construção, comércio e mesmo indústria de transformação. Os imigrantes provenientes do Uruguai, do Chile e da Bolívia encontram-se em torno de 3% na categoria "sem instrução" e peruanos com apenas 1,7%. Na verdade, argentinos, chilenos e peruanos, registrados no censo demográfico, são aqueles com maior escolaridade, destacando-se os níveis superior e de pós-graduação.

Os uruguaios dividem-se entre as atividades ligadas ao comércio e a intermediações financeiras; os argentinos e os chilenos espalham-se pelas atividades qualificadas de intermediação financeira, indústria de transformação, educação e comércio; os bolivianos concentram-se na indústria de transformação; e os peruanos, no comércio, educação e saúde.Destaca-se, ainda, que argentinos e chilenos apresentam ocupações ligadas à gerência, às ciências e às artes (Tabela_5); os uruguaios, concentram-se nos ramos de serviços e venda; os paraguaios, além de ocupações agrícolas, estão também presentes nesses setores e nas ocupações ligadas a bens e serviços industriais, juntamente com os bolivianos; e os peruanos registram elevada participação (mais de 40%) como profissionais das ciências e das artes, com entrada também nos setores de serviços e venda.

Essa heterogeneidade da população migrante internacional do Mercosul no Brasil reflete a própria estrutura ocupacional do processo de reestruturação produtiva. Segundo Sassen (1988), essa estrutura caracteriza-se, de um lado, pela concentração locacional dos principais setores da indústria; de outro, contudo, soma-se a polarização ocupacional, contribuindo para o crescimento de um estrato de alta renda e um estrato, bastante grande, de trabalhadores de baixa renda, incluindo também os migrantes internacionais, em particular os clandestinos.

Como se trata de uma imigração mercosulina seletiva, captada pelo censo, as estruturas indicam migrações familiares para os paraguaios e a presença acentuada de adultos jovens para chilenos, argentinos e mesmo bolivianos no Brasil; destaca-se, ainda, a importância da migração feminina nesses fluxos.

Os espaços da migração internacional: metrópoles e fronteiras Os rebatimentos desse movimento de reestruturação nos contextos urbanos têm contribuído para a globalização de lugares, com a configuração de espaços marcados como o lugar de produção.13 Para Sassen (1998), as metrópoles, por se constituírem no local da concentração das atividades ligadas ao processo de reestruturação das atividades econômicas, tornaram-se o local privilegiado para os destinos dessa migração internacional. Este é um dos aspectos que marca as cidades globais. Centros privilegiados da economia capitalista transnacional, essas cidades "representam lugares específicos, espaços da estrutura social, da dinâmica interna e da nova ordem global" (Idem, p. 4).

De fato, os destinos migratórios dos fluxos da migração internacional do então chamado "trabalhador global" para o Brasil, entre 1990 e 2000, estão concentrados nas duas principais metrópoles brasileiras, definidas na hierarquia proposta pela autora.

No conjunto dos imigrantes internacionais para o Brasil nos anos de 1990, mais de 35% destinaram-se às regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro (Tabela_6). No caso do Rio de Janeiro, uma concentração mais acentuada de africanos (37% do total no período citado), seguido pelos europeus e norte- americanos (em torno de 14% do total residente no país). É na metrópole de São Paulo que a migração internacional dos trabalhadores globais e da migração de asiáticos se concentra: 44% no total, 38% de japoneses e mais de 20% de europeus, norte americanos e argentinos (16% neste último caso) no período em questão.

A estrutura etária dessa imigração internacional metropolitana reflete a seletividade do movimento, com forte presença de jovens e adultos em idade produtiva, inclusive com significativa participação da migração feminina (Gráfico_3).

Assim, a cidade global, capaz de atrair esse novo contingente imigrante, de acordo com Sassen (1988), estrutura-se não apenas nos resultados da economia internacional sob aquele espaço, mas também nos processos globalizantes e em suas conseqüências presentes na vida das cidades e de seus habitantes. Os fatores que contribuem para a chegada dessa população estão vinculados à dispersão geográfica da indústria, ao crescimento da indústria financeira, à transformação na relação econômica entre cidades globais, Estado-nação e economia mundial, e à formação de uma nova classe social, onde é patente a presença dos imigrantes internacionais globais (Sassen, 1998).

Os processos de redistribuição da população migrante, como referido, configuram modalidades específicas, sendo algumas áreas transfronteiriças particularmente expressivas. Os casos dos municípios de Santana do Livramento e de Foz do Iguaçu constituem exemplos que se manifestam nas dinâmicas de suas populações (Patarra e Baeninger, 2001). Em 1970, a população de Santana do Livramento, fronteira com o Uruguai, era de 68 mil habitantes, superior a de Foz do Iguaçu (28 mil); conformado por uma fronteira tríplice, este último município chegou a registrar uma das maiores taxas de crescimento do país nos anos de 1970 (16 % a.a.), saltando para uma população de 124 mil pessoas em 1980. Apesar do decréscimo em seu ritmo de crescimento populacional, as décadas de 1980 e 1990 ainda revelaram altas taxas de crescimento em Foz de Iguaçu (superiores a 3% a.a.), ao passo que Santana do Livramento manteve uma taxa positiva de 1,3% a.a., entre 1991e 2000.

O crescimento populacional desses espaços de fronteira é também caracterizado pela migração internacional, com destaque para os fluxos advindos de países vizinhos. Em Foz do Iguaçu predominam os migrantes internacionais com origem no Paraguai, bem como de países asiáticos. Cerca de 17% dos paraguaios e 13% dos asiáticos que entraram no Brasil nos anos de 1990 destinaram-se a Foz do Iguaçu (Tabela_7)

Santana do Livramento é o destino migratório da metade dos uruguaios que entraram no país; além disso, cerca de 1.660 imigrantes do Uruguai passaram a residir neste município nos anos de 1990. Essas localidades absorvem, contudo, migrantes bastante diferenciados, em função, principalmente, da própria estrutura econômica de cada um desses municípios fronteiriços (Tabela 9). Em Santana do Livramento, cerca de 14 % dos uruguaios estavam inseridos em atividades de agricultura e pecuária; 28% no comércio; e 11% em intermediações financeiras.

Foz do Iguaçu, cuja dinâmica vem sendo marcada pelo contrabando, narcotráfico, e toda sorte de negócios ilícitos, provavelmente constitui-se o local de circularidade e clandestinidade de um crescente número de indivíduos neste contexto marcado tradicionalmente pela beleza natural e pelo turismo. Os dados censitários são, sobretudo neste caso, apenas um indício do movimento internacional de pessoas neste complexo mosaico de contrastes do mundo globalizado. Neste caso, os principais fluxos são de paraguaios, argentinos e asiáticos, sendo que estes últimos apresentam maiores volumes de população com mais de 14 anos de idade e, portanto, chegando a responder pela metade da população imigrante internacional em idade produtiva. Ou seja, os asiáticos vêm ocupando a primeira posição entre os contingentes migratórios internacionais, ao contrário do que se poderia esperar, isto é, uma presença mais marcante dos países do Mercosul. É importante registrar que, possivelmente, com os países vizinhos a mudança de residência tende a diminuir, conformando modalidades específicas de movimentos fronteiriços. De qualquer maneira, os paraguaios disputam com os asiáticos as atividades ligadas ao comércio local, embora 89% dos asiáticos estejam nessa atividade e apenas 21% dos paraguaios; outros 13% encontram-se no setor de transporte e comunicações. Os argentinos em Foz do Iguaçu estão absorvidos nas atividades de comércio, indústria de transformação e intermediação financeira.

Esses dois exemplos de municípios ilustram as distintas modalidades de deslocamentos populacionais em áreas de fronteira. Santana do Livramento/Rivera insere-se ainda em deslocamentos ligados ao mercado de terras, principalmente pela inserção na agricultura de seus imigrantes; Foz do Iguaçu, ao mesmo tempo em que poderia indicar a consolidação da fronteira, emerge como local privilegiado para a migração de asiáticos, características dos "espaços de fluxos" (Castells, 1999). Assim, nota-se que a questão das fronteiras se expande para o entendimento do local e do global (Beck, 1999), ultrapassando espaços bi- ou tri-nacionais.

Considerações finais As migrações internacionais assumiram novas características e novos significados ao longo das últimas décadas no contexto da internacionalização da economia e da conformação de blocos de integração econômica. O Brasil acompanha, em parte, as tendências migratórias dos países da América do Sul, embora com especificidades que se refletem no caso estrutural de saída de brasileiros para o Paraguai e nas características também específicas que assumem os movimentos de saída de brasileiros para o exterior.

No caso dos movimentos migratórios dos países do Mercosul para o Brasil, pôde- se constatar a importância crescente dos movimentos intrabloco, não tanto por seu volume, mas por sua diversidade e suas implicações. A reestruturação produtiva e o contexto internacional têm produzido efeitos nesta área, no sentido de impulsionar novas modalidades de transferências populacionais.

Percebe-se que esse novo cenário tem influenciado a transferência populacional tanto para as metrópoles, como para outras cidades, cuja posição geográfica e competitividade têm atraído indústrias novas e internacionais, iniciado um processo de transformação urbana típica da atual etapa de economia.

Em contrapartida, a questão das fronteiras e das áreas limítrofes entre os países apresenta uma outra faceta das mudanças nesses movimentos populacionais ' são muitas as especificidades que cercam essa mobilidade. Em primeiro lugar, é possível que, em termos quantitativos, não esteja ocorrendo um aumento expressivo dos movimentos migratórios em conseqüência dos acordos comerciais, se por migração estivermos entendendo a transferência de residência fixa.

Contudo, novas formas de mobilidade espacial da população passam a coexistir, incitando, inclusive, uma redefinição dos fenômenos emergentes que requerem análise.

As novas modalidades de movimentos embutem novos significados; requerem, entre outras dimensões, novos procedimentos jurídicos por força da necessidade de regulamentar, mais cedo ou mais tarde, a livre-circulação de trabalhadores no contexto da livre-circulação de mercadorias. Por outro lado, esses movimentos que tendem a ser mais constantes, mais circulares, mais diversos, incidindo em situações de convivência bi-nacional (ou tri-nacional, no caso de Foz de Iguaçu) históricas, em que a estratificação social, as desigualdades e carências pregressas tendem a acirrar-se. Abre-se, assim, um leque de novas necessidades, e certas dimensões da vida coletiva ficam a descoberto, como, por exemplo, a necessidade de compatibilização de políticas sociais ligadas à educação e à saúde e a todo o sistema previdenciário no sentido de salvaguardar as trajetórias ocupacionais dos trabalhadores.

Os estudos têm mostrado, ainda, que espaços geográficos contíguos, o que chamamos de fronteiras transnacionais, vão constituindo pontos particularmente vulneráveis aos efeitos perversos da globalização e dos acordos comerciais sobre as condições de vida de grupos sociais envolvidos. Onde anteriormente observava-se a extensão de questões agrárias não resolvidas, hoje observa-se uma crescente vulnerabilidade, com maior insegurança em face dos efeitos paralelos das rotas do narcotráfico, do contrabando e dos procedimentos ilícitos de lavagem de dinheiro e outras modalidades de corrupção que encontram seu "nicho" de ação.

Na nova realidade em construção surgem, ademais, conflitos entre os níveis locais (muitas vezes transnacionais), nacionais e regionais no processo de tomada de decisões, no delineamento de políticas públicas, nos orçamentos, enfim na vida cotidiana dessas "novas comunidades".

As análises, portanto, inserem-se na discussão sobre as relações entre o processo de reestruturação produtiva, internacionalização da economia e formação de blocos econômicos, de um lado, e os volumes, as tendências e as características dos movimentos migratórios internacionais, de outro.

No cenário recente das migrações internacionais, em seu volume e sua composição, a constituição de blocos regionais integrados aponta para a diversidade de deslocamentos e, em alguns casos, até para o aumento em sua intensidade, como parece ocorrer entre Paraguai e Brasil. Nesse contexto, um dos desafios que se apresenta é a governabilidade das migrações internacionais no Mercosul. Segundo Mármora (1997), torna-se necessário o desenvolvimento de instrumentos legais, administrativos e de informação sobre migração, visando à atualização de normas e instituições destinadas a absorver as necessidades e as urgências dos migrantes nos seus direitos sociais, culturais, econômicos e políticos. Enfatiza-se, assim, a necessidade de se avançar na legalização da "cidadania comunitária" no Mercosul a fim de minimizar o problema da ilegalidade das migrações internacionais, ampliando a perspectiva da "livre circulação de trabalhadores" em espaços cada vez mais livres pela circulação de capitais, bens e serviços.


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