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EuPTCVAg0870-63522013000100014

EuPTCVAg0870-63522013000100014

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaAgricultural Sciences
ISSN0870-6352
ano2013
Issue0001
Article number00014

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Melhoria de Habitat e Repovoamentos Piscícolas em Rios de Aptidão Salmonícola do Nordeste de Portugal

1 - Introdução A preservação e a requalificação de habitats piscícolas são de vital importância para a conservação de espécies autóctones. Ainda que muitas medidas de minimização e compensação estejam especificamente orientadas para espécies­alvo é sabido, hoje em dia, ser necessário integrar soluções que assegurem a integridade ecológica dos ecossistemas, muitos deles ameaçados por vários impactos negativos, entre os quais se destacam a poluição, a extração de inertes, o corte da galeria ripícola, a sobrepesca, a regularização e a introdução de espécies exóticas. Apesar do interesse que algumas espécies exóticas possam despertar (e.g.achigã, lúcio), as preocupações ambientais centram-se particularmente nas espécies autóctones, sendo que algumas delas são endemismos ibéricos (e.g.barbo, boga, escalo, bordalo) com elevado valor em termos de conservação. Mas, no Norte e Centro de Portugal, a truta de rio (Salmo truttaL.) continua a ser um recurso com elevado valor socioeconómico (e.g.pesca desportiva) e também conservacionista. De facto, apesar do estatuto pouco preocupante (LC) atribuído pelo Livro Vermelho dos Vertebrados (CABRAL et al.,2005), vários estudos vieram demonstrar que as populações de truta do sul da Europa possuem uma elevada diversidade genética, inclusive entre populações duma dada bacia hidrográfica, que importa preservar como unidades básicas de conservação (ANTUNES et al.,2001; ALMODÓVAR et al., 2006). No entanto, a baixa produtividade piscícola de muitos rios e a pressão antrópica, caso da sobrepesca exercida sobre as populações selvagens, têm justificado o recurso aos repovoamentos, uma das técnicas mais usadas para mitigar perdas de stocks, reabilitar populações e incrementar o potencial recreativo e comercial (COWX, 1998; WELCOMME, 1998). Por tal motivo, é fundamental compatibilizar a exploração e conservação de recursos piscícolas autóctones, tendo em conta que muitos repovoamentos têm originado impactos marcadamente negativos nas populações selvagens (e.g.introdução de doenças, introgressão genética, competição) (WHITE et al., 1995; LAIKRE, 2000; WEBER e FAUSCH, 2003). Nesta medida, a reabilitação de rios, a melhoria do habitat piscícola e a adequada manipulação do biotasão algumas das medidas que podem reverter o processo de redução/extinção de muitas populações autóctones e aumentar a capacidade biogénica dos sistemas aquáticos (HENDRY et al.,2003; APRAHAMIAN et al., 2003; AYLLON et al., 2012).

A monitorização de espécies assumem um papel primordial na avaliação do sucesso das técnicas usadas para manutenção/incremento da densidade piscícola. Segundo LUCAS e BARAS (2000) existem diferentes métodos para estudar o comportamento de populações piscícolas que, contudo, podem ser agrupados em duas grandes categorias: 1) independentes da captura (e.g.observações sub­aquáticas) e 2) dependentes da captura (e.g.marcação e recaptura, técnicas de telemetria).

Entre eles, a tecnologia da PIT-Telemetria é particularmente adequada para monitorizar animais aquáticos, inclusive em águas pouco profundas (riffles), com custos reduzidos, possibilitando a marcação de um número elevado de animais (ROUSSEL et al., 2004; TEIXEIRA e CORTES, 2007).

O objetivo do presente estudo consistiu em avaliar: 1) o comportamento e uso do habitat por populações simpátricas de trutas domésticas e selvagens no rio Penacal, um curso de água do Nordeste de Portugal, através da utilização da PIT-Telemetria; 2) o sucesso obtido pela manipulação do biota(e.g.repovoamentos piscícolas, nomeadamente após a aclimatação prévia ao meio selvagem dos animais criados em cativeiro) e a melhoria do habitat (e.g.colocação de blocos e vegetação) no potencial incremento da capacidade biogénica do sistema aquático.

2 - Material e métodos 2.1 - Área de Estudo O estudo foi desenvolvido num troço de cabeceira do rio Penacal, afluente da margem direita do rio Sabor (Bacia Hidrográfica do Rio Douro), situado na proximidade de Santa Comba de Rossas, na proximidade de Bragança. Vários estudos (TEIXEIRA, 2006; SILVA, 2010) destacam uma boa qualidade da água e integridade ecológica nos cursos de água de montanha da região transmontana. No entanto, em muitos troços estão presentes sinais de influência antrópica, nomeadamente de agricultura, pastoreio e corte da vegetação ripícola. O troço de aptidão exclusivamente salmonícola selecionado para o estudo apresentava sinais de alguma perturbação, nomeadamente com o corte da galeria ripícola e a homogeneidade do substrato, maioritariamente de granulometria fina, dominado por areia e silte.

2.2 - Equipamento de PIT-Telemetria A tecnologia de PIT-Telemetria (Passive Integrated Transponder- Telemetry) usada baseia-se num data-logger, unidade MPD (Multi-Point Decoder) (UKID Systems Ltd, Preston, U.K.). Esta unidade está conectada, através de cabos de 10 metros, com um sistema de 8 antenas, sendo alimentada por uma bateria recarregável de 24 volts (18 Ah) que permite o registo contínuo de dados durante pelo menos 24 horas. Cada antena (painel circular com dimensões de 300 mm de diâmetro e 22 mm de espessura) opera numa frequência de 134 kHz e tem um limite máximo de deteção de aproximadamente 90 mm para os transmissores 122IJ (PIT-Tags com dimensão de 12,0 mm comprimento x 2,1 mm de diâmetro; UKID Systems) utilizados neste estudo. Este sistema tem capacidade para armazenar na memória do data-logger, mais de 1200 registos individuais (códigos de identificação únicos) ao longo do tempo. No sentido de reduzir o número de eventos repetitivos, motivado pela permanência de um peixe sobre ou no raio de deteção duma mesma antena, utilizou-se um filtro, de modo a registar apenas as leituras com um intervalo de tempo mínimo de 25 segundos. O output dos dados de identificação (ID) foi descarregado do MPD (via RS232) para um ficheiro excelde um computador pessoal.

2.3 - Amostragem de campo Foi selecionado um troço representativo do curso de água na zona de cabeceira, com uma extensão de 30 metros de comprimento, e uma largura e profundidade médias de, respetivamente, 4,5 e 0,5 metros, incluindo uma sequência riffle/ pool, típica dos habitats de rios de montanha na região transmontana. Promoveu- se a melhoria do habitat pela incorporação de blocos e ramos de vegetação que garantissem à fauna piscícola diferentes mosaicos de microhabitats e uma gama heterogénea de condições ambientais, nomeadamente ao nível da velocidade da corrente, substrato e cobertura. A avaliação do habitat aquático disponível, analisado antes das experiências de PIT-Telemetria, baseou-se em transectos, realizados perpendicularmente ao fluxo principal do curso de água. Em cada transecto, foram feitas medições, com um espaçamento de 50 cm, numa área pré- definida (20 x20 cm) e determinadas as seguintes variáveis: 1) profundidade total (medida com uma vara graduada); 2) velocidade da corrente na coluna de água, medida a 0,6 da profundidade total (para uma profundidade total < 75 cm) e a 0,8 e 0,2 da profundidade total (para uma profundidade total > 75 cm) (molinete- Modelo Valeport); 3) velocidade da corrente próximo do leito; 3) substrato dominante (classes definidas na Tabela_1) (medição da dimensão média das partículas dominantes do substrato); 4) cobertura (Tabela_2); 5) distância à margem mais próxima e 6) distância ao riffle.

A composição do substrato foi determinada de acordo com a Tabela_1.

Os tipos de cobertura considerados são apresentados na Tabela_2.

Em Junho de 2010, antes de iniciar a experiência, toda o troço de estudo foi sujeito à realização de várias pescas elétricas (HANS GRASSL DC, 1,5 W, 300/600 volts) de modo a capturar a totalidade de peixes nativos presentes.

Posteriormente, o troço foi delimitado com redes (malha de 0,5 cm), de modo a evitar fenómenos de migração que pudessem afetar o comportamento dos peixes marcados. Foram registados vários dados biométricos, nomeadamente o comprimento (medido com um ictiómetro) e o peso (balança digital) e retiradas escamas (para determinação da idade) da população residente. As trutas residentes foram marcadas com PIT-Tags e, depois de um período de recuperação de aproximadamente duas horas, libertadas no troço previamente definido. Foi então estabelecida uma condição simpátricana área confinada, mediante a incorporação de trutas domésticas. Destas, metade foram criadas em condições similares aos peixes de cativeiro, i.e.com densidades elevadas em tanques de cimento, enquanto a outra metade foi aclimatada, no último mês, num tanque de terra, de modo a encontrar condições mais próximas do habitat natural (i.e.com alimento natural e refúgios). Antes do processo de marcação, os peixes foram anestesiados com uma solução de 2-phenoxy-ethanol(0,25 ml.L-1) e a região abdominal desinfectada (Betadine ®). A marcação foi feita com uma pistola acoplada com uma agulha esterilizada e cirurgicamente implantada na cavidade intraperitoneal do peixe (Figura_1).

Foram cirurgicamente implantados 60 PIT-tags (12,0 mm comprimento x 2,1 mm diâmetro) distribuídos por trutas juvenis de idade 1+, criadas em cativeiro (12,5­18,1 cm LT, 16,8-59,9 g), (20 exemplares provenientes de tanques de cimento e 20 exemplares provenientes de tanques de terra) e por trutas selvagens, de várias classes etárias (8,0-16,0 cm LT, 4,5-29,8 g) (20 exemplares, capturados previamente através de pesca elétrica no local de estudo). Experiências realizadas em meio controlado (Posto Aquícola de Castrelos) demonstraram taxas de sobrevivência de 95% e uma cicatrização rápida e efetiva dos tecidos lesados pela incorporação do PIT-Tag. A unidade MPD, a instalação das antenas e a aquisição de dados foi realizada de modo similar ao definido no trabalho de RILEY et al.(2003). Contudo, foi usada uma distribuição aleatória das 8 antenas, cuja posição foi alterada com intervalos de três dias.

Imediatamente após a instalação das antenas foram recolhidas informações detalhadas por antena relativas às variáveis da profundidade total, substrato dominante, velocidade da corrente na coluna de água e na proximidade da antena, cobertura aquática, ensombramento e distâncias à margem mais próxima e ao riffle(secção de montante). No sentido de minimizar o efeito visual da antena foi colocada uma camada do substrato adjacente.

Durante as experiências de campo verificaram-se condições climatéricas praticamente inalteráveis, com temperaturas da água que variaram entre 18 e 19 ºC. Alguns dos parâmetros físico-químicos foram medidos no campo através de equipamentos potenciométricos, nomeadamente a condutividade, pH, temperatura e oxigénio dissolvido. Os parâmetros da alcalinidade, dureza total, e o teor de nitratos e fosfatos foram determinados em laboratório.

2.4 - Tratamento estatístico As análises estatísticas basearam-se nos registos obtidos a partir do MPD durante o período de amostragem e tiveram em consideração: 1) frequências repetidas(todos os eventos registados ao longo do tempo sobre cada antena) e 2) frequências não repetidas(os registos repetidos de cada peixe sobre uma antena não foram considerados). Foi aplicada uma técnica de análise multivariada aos dados obtidos, nomeadamente a análise não-métrica multidimensional (NMDS), que consiste num método de ordenação baseado em ranksestabelecidos a partir da matriz de similaridades de BRAY-CURTIS, que foi aplicada quer às frequências repetidas quer às frequências não repetidas, para deteção de potenciais comportamentos diferentes entre os grupos de trutas considerados i.e., 1) trutas selvagens e 2) trutas domésticas criadas em 2a) tanques convencionais de cimento e 2b) aclimatadas em tanques de terra. Para avaliar a ligação estabelecida entre as variáveis ambientais e o microhabitat usado pelos peixes foi executada uma análise de redundância baseada em distâncias (dbRDA). A dbRDA permite testar a significância dos termos que interagem num dado modelo (LEGENDRE e ANDERSON, 1999). Desta forma é possibilitada a análise comparativa de duas matrizes de dados de natureza distinta, envolvendo os dados ecológicos e ambientais. Por fim, realizou-se uma análise multivariada de similaridades mediante a aplicação de um teste não-paramétrico (one-wayANOSIM test) à matriz de similaridade de BRAY-CURTIS para avaliar as diferenças significativas entre os três grupos considerados. Estas análises foram efetuadas com o packagePRIMER 6 + PERMANOVA (CLARKE e GORLEY, 2006) Os dados das frequências repetidas e não repetidas foram log-transformados [log (x+1)] e as variáveis ambientais estandardizadas. As diferenças entre os grupos de trutas consideradas para as variáveis do microhabitat definidas foram avaliadas através de testes de KRUSKALL-WALLIS (H), uma vez que os dados não se ajustavam a uma distribuição normal (foi realizado o teste de BARTLET). Estas análises estatísticas foram realizadas com o programa STATISTICA 7.0 (STATSOFT, 2004).

3 - Resultados No troço de estudo, observou-se uma boa qualidade da água. De facto, segundo o D.L. 236/98 de 1 de Agosto, nenhum dos parâmetros físico-químicos ultrapassou os Valores Máximos Recomendáveis (VMR). Foram determinados os valores dos seguintes parâmetros físico-químicos: condutividade elétrica EC< 50 µS.cm- 1,temperatura T < 19 oC, oxigénio dissolvido O.D.> 8,5 mgO2.L-1e baixos teores de nitratos N-NO3-< 0,05 mg.L-1e de fosfatos P-PO43-< 0,01 mg.L-1. A geologia presente, composta por granitos, contribuiu marcadamente para a água elevada acidez (pH < 6,5), uma baixa taxa de mineralização e de capacidade tamponizante, confirmada pelos valores assumidos pela alcalinidade < 15 mg HCO3-.L-1 e dureza total < 18 mg CaCO3.L-1.

Foram identificados com sucesso pelo MPD um total de 30 154 registos (códigos de identificação únicos dos PIT-Tag) realçando-se o facto de somente 0,07% corresponderem a códigos de PIT-Tags não identificados. Do total das 60 trutas marcadas com PIT-Tags, foram detetadas, pelo menos por uma vez, 80,0% (32 indivíduos) para as duas modalidades de trutas domésticas consideradas, i.e.1) criadas em tanques de cimento; 2) aclimatadas em tanques de terra, e 60,0% (12 indivíduos) das trutas selvagens. Comparativamente, o maior número de deteção em termos de frequências repetidas correspondeu às trutas domésticas criadas em tanques de cimento (43,5% do total de registos), seguidas das trutas aclimatadas em tanques de terra (34,0%) e finalmente das trutas selvagens (22,5%). Quando analisados os dados em termos de frequências não repetidas não se verificou a mesma tendência. Assim, do total de registos, 49,8% referem-se a movimentos das trutas domésticas aclimatadas aos tanques de terra invertendo a posição com as trutas domésticas criadas nos tanques de cimentos, com 39,1% dos registos e finalmente apenas 11,1% dos registos corresponderam às trutas selvagens. Relativamente ao habitat disponível avaliado foram encontrados os seguintes valores referentes às variáveis do microhabitat definidas 1) profundidade total: 50 cm ± 0,15 S.E. (profundidade máxima= 80 cm) 2) velocidade média da coluna de água (0,085 ± 0,04 m.s-1S.E.; velocidade máxima no riffle- 1,10 m.s-1) 3) composição do substrato: domínio de areia, seixos e pedras; 4) cobertura: composta por vegetação ripícola pendente e pela melhoria do habitat incrementada com blocos e ramos de vegetação incorporada no meio aquático. Relativamente ao uso do habitat detetaram-se diferenças entre as trutas selvagens e as trutas domésticas para a maioria das variáveis consideradas (Tabela_3).

Baseado nas frequências repetidas, foram observadas diferenças altamente significativas para a profundidade total entre o grupo das trutas domésticas provenientes de tanques de cimento e ambos os grupos das trutas selvagens e das trutas aclimatadas em tanques de terra (P< 0,001, teste H). Também para as velocidades da corrente (na coluna de água e próximo do leito) se obtiveram diferenças significativas entre os grupos anteriormente mencionados (P< 0,05, teste H). As trutas nativas ocuparam preferencialmente posições com refúgio, junto aos riffles, em zonas privilegiadas pela proximidade ao alimento. Também demonstraram preferência por locais junto às margens, onde foi promovida a melhoria do habitat piscícola, pelo ensombramento das ramagens colocadas e o refúgio proporcionado pelos blocos incorporados pelas ações de melhoria do habitat piscícola. Tendo em consideração a aclimatação ao meio selvagem, verificou-se que o comportamento das trutas domésticas diferiu mais marcadamente (P< 0,01, teste H) para a cobertura, mais procurada pelas trutas provenientes dos tanques de terra. A ligação entre as variáveis do microhabitat e as trutas selvagens e domésticas estão apresentadas na Figura_2. Registo para o facto dos dois primeiros eixos da análise dbRDA (dbRDA1e dbRDA2) explicarem 64,5% da relação entre as populações de trutas domésticas e selvagens e os parâmetros ambientais.

As variáveis relativas às velocidades da corrente na coluna de água e no leito, a profundidade e o substrato estruturaram a ocupação do espaço pelas diferentes populações. As trutas nativas, ainda que com exceções provavelmente relacionadas com a hierarquia social estabelecida, demonstraram ocupar maioritariamente os locais na proximidade do riffle, teoricamente mais favoráveis em termos da proximidade ao alimento, confirmando a tendência evidenciada numa primeira análise dos dados.

Por sua vez a ordenação NMDS (Figura_3) mostrou, num espaço bidimensional, uma separação mais evidente entre trutas nativas e as trutas domésticas aclimatadas previamente em tanques de terra com as trutas domésticas criadas segundo moldes convencionais, i.e.com elevadas densidades e em tanques de cimento, embora nem todos os indivíduos manifestem o mesmo comportamento. Registo para o valor do stressobtido na ordenação, tendo em conta as frequências não repetidas, que foi de 0,22, que significa uma razoável representação dos dados obtidos (CLARKE e WARWICK, 1994).

Os testes one-way ANOSIMvieram confirmar as tendências observadas na ordenação NMDS tendo sido somente detetadas diferenças significativas (P<0,05) entre as trutas selvagens e as trutas domésticas criadas em tanques de cimento e entre as duas classes de trutas domésticas.

Finalmente, registo para o facto de quatro (4) trutas selvagens e oito (8) trutas domésticas, cinco (5) das quais provenientes de tanques de cimento e três (3) de tanques de terra, não terem sido identificadas pelo MPD, nem capturadas pela pesca elétrica efetuada no final das experiências. Tal facto pode sugerir a ocorrência de mortalidade e/ou a expulsão dos tagsdepois da implantação cirúrgica. Contudo, em todos os indivíduos capturados no fim do estudo (2 meses após) verificou-se que as suturas de incisão dos tags estavam bem cicatrizadas.

4 - Discussão O presente estudo desenvolvido no Rio Penacal permitiu verificar através da PIT-Telemetria que as trutas criadas em cativeiro de modo convencional (i.e.em tanques de cimento, com elevadas densidades) mostraram um uso distinto do microhabitat, quando comparadas não com as trutas selvagens como também com as trutas previamente aclimatadas ao meio selvagem. Como seria de esperar as trutas selvagens manifestaram um comportamento que lhes permitiu uma adaptação efetiva ao meio natural. Esta tendência foi também observada noutros rios do Nordeste Transmontano (rios Baceiro e Sabor) (TEIXEIRA, 2006; TEIXEIRA et al., 2006; TEIXEIRA e CORTES, 2007) embora não tenha sido estudado o comportamento das trutas previamente aclimatadas ao meio selvagem. De facto, as baixas taxas de sucesso detetadas (i.e.inferiores a 10%) nos repovoamentos efetuados na região (CORTES et al., 1998; TEIXEIRA et al., 2006) poderão estar associadas a inadequadas técnicas de estabulação, transporte e libertação dos peixes no meio selvagem. A prévia aclimatação dos peixes em tanques de terra permitiu, num período de transição, uma adaptação às condições ambientais similares ao meio selvagem. Assim, para além terem sido mantidos com uma densidade baixa, as trutas domésticas tiveram oportunidade de iniciar o processo de aprendizagem da captura de alimento natural (i.e., larvas de invertebrados), procura de refúgio (i.e.mosaico heterogéneo de substrato) e inclusive de segregação espácio-temporal (i.e.hierarquia social), essencial para a exploração conveniente dos recursos disponíveis. A sobrevivência no meio aquático selvagem é possível se os gastos energéticos associados à mobilidade (e.g.reprodução) forem devidamente compensados com a obtenção de alimento. Nesta medida, os decréscimos significativos observados nos peixes domésticos em termos da sua condição física resultam do comportamento errático que demonstram e que implicam gastos energéticos avultados que, muitas vezes, estão na origem da morte do peixe. De facto, a maior proporção de registos detetados no estudo corresponderam às trutas domésticas, confirmando a elevada mobilidade destes animais e sugerindo a baixa capacidade de definir um território e área de refúgio, normalmente encontrada nos salmonídeos selvagens (FAUSCH, 1984).

Segundo TEIXEIRA (2006), os repovoamentos feitos com animais criadas em moldes convencionais têm por isso um efeito muito ténue a nível espacial e temporal, não contribuindo para um incremento sustentável das populações selvagens.

Muitas vezes, a elevada densidade resultante da agregação nos locais de libertação implica a supressão de hierarquias sociais normalmente estabelecidas e a ocorrência de fenómenos agonísticos importantes associados à elevada agressividade que manifestam nas interações estabelecidas (STEWARD e BJORNN, 1990; DEVERILL et al.,1999). Uma consequência imediata poderá resultar no deslocamento dos peixes selvagens para posições energeticamente desfavoráveis, com os impactos negativos decorrentes ao nível do crescimento e sobrevivência das populações naturais (WEBER e FAUSCH, 2003). Contudo, TEIXEIRA (2006) encontrou uma segregação espacial entre trutas nativas e domésticas nos rios Sabor e Baceiro (Nordeste de Portugal), advogando uma partilha de recursos resultante de um comportamento distinto na exploração do habitat e alimento do meio selvagem. Os dados obtidos neste estudo, nomeadamente com a utilização de trutas domésticas previamente aclimatadas ao meio natural, permitem acalentar uma maior probabilidade de sucesso sempre e quando os animais a introduzir sejam preparados para o ambiente selvagem que vão encontrar. Obviamente que, à luz dos conhecimentos atuais, estas ações de repovoamento deverão ser efetuadas apenas em condições particulares (e.g.como resposta à extinção duma dada população ou à demanda por parte da pesca desportiva em zonas de rios consideradas não prioritárias em termos de conservação pela integridade ecológica demonstrada) e usando stocksde reprodutores previamente capturados nas mesmas massas hídricas, de modo a evitar qualquer risco ecológico e de contaminação (introgressão) genética (WARD, 2006).

Relativamente à informação obtida a partir dos dados referentes à PIT- Telemetria, deve referir-se que esta metodologia, à semelhança de outras, tem também algumas desvantagens (RILEYet al.,2003; CUCHEROUSSET et al.,2005). A principal desvantagem consiste no raio de deteção ser muito baixos (apenas 9 cm, exteriormente a cada antena) comparativamente com toda a área disponível, obtendo-se sempre subestimativas das ocupações do habitat pelos peixes ao longo do tempo. Nesta medida, à semelhança doutros estudos (TEIXEIRAe CORTES, 2011), a conjugação desta tecnologia, que apresenta as vantagens do tempo de vida indefinida dos tags, custos baixos e uma resolução importante ao nível do microhabitat, com outras, como a radiotelemetria, poderá ampliar o leque de informações úteis para uma eficiente monitorização e gestão de populações piscícolas.

Finalmente importa referir que enquanto a manipulação do biota, mediante a realização de repovoamentos piscícolas, pode ter um efeito relativamente limitado no espaço e no tempo, a melhoria do habitat piscícola garante, a longo prazo, uma maior possibilidade dos rios albergarem densidades superiores de peixes autóctones selvagens. A intervenção adequada ao nível do habitat pode favorecer a capacidade biogénica do ecossistema aquático e beneficiar a autosustentabilidade das populações selvagens pela capacidade de proporcionar novas zonas de alimentação, refúgio e desova.


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