Sucesso na manutenção do peso perdido em Portugal e nos Estados Unidos:
comparação de 2 Registos Nacionais de Controlo do Peso
Introdução
Quando se pensa em tratamento da obesidade, o sentimento que está mais presente
é o de pessimismo, visto que a maior dificuldade é a manutenção do peso perdido
a longo prazo. As intervenções têm atingido sucesso ao nível da perda do peso,
mas o mesmo já não sucede ao nível da sua manutenção, surgindo como dado
consistente o facto de o peso perdido pela maioria dos pacientes obesos ser
geralmente recuperado1. Apesar do limitado número de estudos e de diferentes
definições de manutenção do peso adotadas nas metodologias desses estudos,
estima-se que cerca de 20% dos participantes em programas de tratamento tem
sucesso na manutenção a longo prazo2 e as recomendações para o sucesso da perda
do peso a longo prazo apontam para estratégias comportamentais que incluam
redução da ingestão calórica e aumento da atividade física3. O estudo de
variáveis preditoras da manutenção do peso perdido é importante para
compreender a etiologia da obesidade e para melhor definir objetivos e alocar
recursos de intervenções. Pode também contribuir para avaliar a prontidão para
a perda do peso de uma pessoa e identificar possíveis variáveis associadas à
perda do peso4.
Num estudo com cerca de 2000 adultos bem-sucedidos na manutenção do peso
perdido, concluiu-se que as estratégias mais eficazes para esse objetivo foram
a monitorização do peso corporal, planear as refeições, a contagem de calorias,
o registo da gordura ingerida, cozinhar por prazer, a inclusão da atividade
física na rotina diária e a realização de treino de força5. Numa revisão
alargada, cujo foco incidiu em potenciais fatores comportamentais e
psicossociais preditores de manutenção do peso perdido, verificou-se que a
perda do peso inicial mais elevada, automonitorização dos comportamentos,
estilo de vida ativo, refeições regulares incluindo pequeno-almoço, suporte
social e autoeficácia estão associados ao sucesso na manutenção do peso,
definida como intencional e mantida pelo menos por 6 meses6. Outros estudos
verificaram que, quanto maior a perda do peso inicial, melhor o resultado final
do tratamento7 e que estratégias não saudáveis, como saltar refeições e jejum
prolongado, mesmo que conjugadas com outras estratégias saudáveis, aumentam a
probabilidade de recuperação do peso perdido8.
Um número reduzido de tentativas anteriores de dietas e uma elevada
automotivação são preditores de maior sucesso na perda do peso9. O mesmo se
verificou num estudo com mulheres portuguesas que também evidenciaram a imagem
corporal como preditor de sucesso na perda do peso10. No controlo do peso a
longo prazo, fatores motivacionais relacionados com o exercício, especialmente
a motivação intrínseca e a autoeficácia, desempenham um papel importante11,
assim como uma maior regulação autónoma para permanecer no programa se associa
a maiores perdas do peso e a maior adesão ao exercício no longo prazo12. Os
resultados do programa Promoção do Exercício e Saúde na Obesidade (PESO)13
mostraram que uma menor alimentação emocional e um padrão de restrição
alimentar flexível são fatores críticos para a perda do peso, acentuando
igualmente a importância de que para o sucesso a longo a prazo se deva promover
a motivação intrínseca e a autoeficácia para o exercício14. Num outro trabalho
do mesmo estudo longitudinal, verificou-se que uma maior motivação autónoma e o
exercício regular com intensidade moderada ou vigorosa são mediadores da
manutenção a longo prazo15.
Para o desenvolvimento de intervenções de tratamento mais eficazes, assume
extrema importância perceber os fatores que influenciam e tornam possível o
controlo do peso no longo prazo. O National Weight Control Registry (NWCR)
estudou indivíduos americanos com sucesso na manutenção do peso perdido e
descreveu as características de mais de 6000 participantes. Nesta investigação
retrospetiva, indivíduos que perderam intencionalmente pelo menos 13,6kg (30
libras) do seu peso corporal e mantiveram o peso perdido pelo menos por um ano,
são considerados como tendo sucesso na manutenção do peso perdido. No grupo
inicial, com uma média de idades de 47 anos, sendo 80% mulheres, a média de
peso perdido reportada foi de 30kg e a duração média de peso mantido foi de 5,5
anos16. A adoção da atividade física revelou-se uma estratégia essencial para
os participantes deste estudo17. O nível médio de atividade física realizado
por estas pessoas pode ser considerado elevado18,19,20, situando-se acima das
recomendações para o controlo do peso, que apontam para uma duração de 150 a
250min semanais de atividade física moderada para prevenir voltar a ganhar o
peso, produzindo moderadas perdas do peso21. A realização de mais de 250min
semanais de atividade física moderada está associada a reduções do peso
clinicamente significativas, especialmente se conjugada com moderada, mas não
severa, restrição calórica21. Outras estratégias, como a frequente
automonitorização22, limitar o número de horas por dia a ver televisão23, o
consumo de uma dieta pobre em gorduras17, tomar pequeno-almoço diariamente24,
manter um padrão alimentar consistente, sem alterações nas férias ou fins de
semana25 e adotar níveis de desinibição alimentar reduzidos2 podem ajudar no
sucesso da manutenção do peso.
O RNCP é o primeiro estudo em Portugal que caracteriza as pessoas com sucesso
na manutenção do peso perdido. Integrado neste projeto, o objetivo do presente
trabalho é analisar os programas e métodos de perda do peso adotados, assim
como as estratégias de manutenção do peso perdido que atualmente estes
indivíduos utilizam e comparar estes dados com os reportados pelos
participantes americanos do NWCR. As características demográficas dos
participantes portugueses encontram-se descritas em trabalho anterior26.
Complementarmente, os participantes no RNCP foram analisados quanto às suas
características comportamentais, como a atividade física formal e informal, e
relativamente a algumas variáveis nutricionais selecionadas.
A metodologia seguida no RNCP26 baseou-se na que foi implementada no NWCR16,
tendo o recrutamento sido realizado através da publicidade local e nacional,
com recurso à imprensa escrita, rádio e televisão, e apenas no caso do registo
português com o recurso a um website desenvolvido para o efeito. Em ambos os
registos os participantes assinaram um acordo e consentimento informado, tendo
autorreportado o seu peso, altura e perda do peso. Os critérios de inclusão no
NWCR incluíam a perda do pelo menos 13,6kg (30 lbs) enquanto que no RNCP o
valor de perda mínimo para entrada no estudo foi de 5kg. Outra diferença
metodológica verifica-se no facto de os participantes do NWCR preencherem
questionários de follow-up anualmente e, no caso do RNCP, a avaliação inicial
foi repetida na íntegra um ano após a entrada no estudo.
Métodos
Amostra
De acordo com os critérios de inclusão neste estudo, os participantes do RNCP
têm mais de 18 anos, nos últimos 15 anos perderam pelo menos 5kg
intencionalmente e mantiveram o peso perdido pelo menos por um ano,
considerando-se manutenção do peso perdido uma variação inferior a 3% do novo
peso corporal. Indivíduos cuja redução do peso inicial induza a obtenção de um
índice de massa corporal inferior a 18,5kg/m2 não foram incluídos no RNCP por
se considerarem valores potencialmente prejudiciais para a saúde. Os 198
indivíduos, 59% mulheres, que constituíram a amostra do presente trabalho,
apresentaram uma idade média de 40 anos, com um peso médio de 73,8kg
correspondente a um índice de massa corporal de 26,0kg/m2, tendo registado uma
perda do peso média de 17,4kg e um tempo médio de manutenção do peso perdido de
29 meses. Destes 198 participantes que iniciaram o processo de avaliação, uma
subamostra de 139 indivíduos completou a avaliação inicial, realizando um
conjunto de testes de laboratório, incluindo a caracterização da atividade
física e da alimentação, informação que se expressa na Tabela_1. Para todas as
restantes análises, utilizou-se a amostra completa (n=198). Não se registaram
diferenças estatisticamente significativas entre esta subamostra e a totalidade
dos participantes nas principais variáveis do estudo, especificamente no peso
atual (p=0,148), na perda do peso (p=0,602) e no tempo de manutenção do peso
perdido (p=0,620).
Os participantes foram recrutados através do anúncio e divulgação do website do
RNCP na imprensa escrita, rádios e televisão, tendo sido explicado
detalhadamente o funcionamento do RNCP, na primeira avaliação laboratorial,
realizada em Lisboa e no Porto, após o que todos assinaram um consentimento
informado. A participação no RNCP implica 2 momentos de avaliação, no momento
inicial e após um ano de entrada no estudo. A participação no RNCP está aberta
em permanência, ou seja, o número de pessoas que se registam no estudo e que
iniciam o processo de avaliação está em permanente evolução. Neste estudo,
apenas se reportam os dados obtidos na avaliação inicial, recolhidos no período
de 2008 a 2010.
Instrumentos
Foram realizadas avaliações laboratoriais que contemplaram o preenchimento de
um questionário inicial (características demográficas, história do peso
corporal, estratégias de perda e de manutenção do peso), bem como a avaliação
da composição corporal (peso, altura e perímetro da cintura), da atividade
física (acelerometria e questionários sobre a atividade física do estilo de
vida e de lazer), da nutrição e alimentação (frequência alimentar) e de
variáveis psicossociais (p. ex. motivação e autoeficácia para a atividade
física, autoestima, qualidade de vida, imagem corporal, comportamento
alimentar, ansiedade e sintomatologia depressiva). Neste trabalho, iremos
reportar as estratégias de perda, as estratégias de manutenção e descrever
parte das variáveis avaliadas no laboratório. As secções seguintes descrevem os
instrumentos utilizados para avaliar cada um destes grupos de variáveis.
Estratégias de perda do peso
Os participantes foram questionados sobre a estratégia de perda do peso que
seguiram, devendo indicar se, para reduzir o peso, modificaram apenas a
ingestão calórica, apenas a atividade física ou ambos. Foi igualmente
solicitado que indicassem qual o tipo, onde e com quem efetuaram atividade
física para perder peso, bem como outras estratégias dos hábitos alimentares
(p. ex., «reduziu alimentos ricos em gordura?» ou «reduziu a porção de
alimentos?») ou outros comportamentos (p. ex., «passou a subir escadas?» ou
«passou a pesar-se regularmente?»), respondendo de acordo com uma escala de
Likert de 5 pontos (de «1-Nunca» a «5-Sempre»).
Efeito da perda do peso na qualidade de vida e bem-estar
As pessoas do RNCP indicaram qual o efeito da perda do peso registada na sua
qualidade de vida, no seu bem-estar físico e mental, no seu humor e nas suas
interações sociais, segundo uma escala de Likert de 5 pontos (de «1-Piorou
muito» a «5-Melhorou muito»).
Estratégias de manutenção do peso
Nesta secção, avaliou-se, de acordo com uma escala de Likert de 5 pontos (de
«1-Nunca» a «5-Sempre»), o que os participantes fazem atualmente para manter o
peso perdido, relativamente aos seus hábitos alimentares (p. ex., «seleciona os
alimentos?» ou «contabiliza as calorias?»), a outros comportamentos (p. ex.,
«pratica atividade física regularmente?» ou «estabelece objetivos concretos?»),
ao número de vezes que come por dia ou que se pesa numa balança.
Consistência no plano alimentar
Os participantes foram questionados se ao fim de semana e nas férias mantêm um
regime alimentar mais ou menos rigoroso do que, respetivamente, durante a
semana e durante o ano de trabalho, usando uma escala de Likert de 7 pontos (de
«1-Menos rigoroso ao fim de semana/férias» a «7-Mais rigoroso ao fim de semana/
férias»).
Comportamentos sedentários
Foi solicitado a todos as pessoas que indicassem o tempo que passam a ver
televisão, ao computador ou a uma secretária, num dia de semana e num dia de
fim de semana.
Dificuldade em perder ou manter o peso
Usando uma escala de Likert de 7 pontos (de «1-Extremamente fácil» a «7-
Extremamente difícil»), as pessoas indicaram a sua dificuldade em perder peso e
em manter o peso perdido. Foi calculada uma nova variável, subtraindo o valor
indicado para a dificuldade na manutenção ao valor da dificuldade de perda do
peso. Um valor positivo significa que essa pessoa tem mais dificuldade em
perder do que em manter o peso perdido, enquanto um valor negativo indica uma
maior dificuldade em manter o peso após a perda.
Composição corporal
Todos os participantes foram pesados vestindo roupas leves e descalços, numa
balança (Seca, Hamburg, Germany), com aproximação ao valor de 0,01kg. Foi
medida a altura com aproximação aos 0,1cm com um estadiómetro (Seca, Hamburg,
Germany) e foi medido o perímetro da cintura de acordo com procedimentos
padronizados27. Adotou-se o perímetro da cintura acima das cristas ilíacas,
pois é aquele que está mais relacionado com a percentagem de gordura
corporal28.
Atividade física
A atividade física foi avaliada através do Physical Activity Questionnaire29,
questionário validado para avaliar a atividade física formal e informal30 e
constituído por 3 componentes relativos a uma semana típica anterior: escadas
subidas, distância percorrida a caminhar e atividades desportivas formais. Os
participantes reportaram a média do número de degraus subidos diariamente, de
quantos quilómetros diários percorreram caminhando e listaram as atividades
desportivas em que participaram na semana anterior, indicando a frequência e a
duração de cada uma dessas atividades. Utilizando a codificação deste
questionário29, foi estimado o dispêndio energético semanal de cada uma das 3
componentes e o dispêndio energético total semanal. Uma limitação deste
questionário é não utilizar nenhum fator de correção para o género ou peso
corporal, assumindo uma pessoa de 68kg no cálculo do dispêndio energético19.
Nutrição e alimentação
Foi utilizado um Questionário de Frequência Alimentar validado para a população
portuguesa31, retrospetivo de autopreenchimento e que expressa a frequência com
que cada alimento ou grupo de alimentos é ingerido e a quantidade aproximada da
porção ingerida. Este instrumento é um indicador padronizado da frequência de
consumo alimentar, o que permite entender a relação entre a composição da dieta
do indivíduo e a saúde. Para determinar a frequência de ingestão de alimentos,
os participantes indicaram uma resposta em 9 opções possíveis: «consumo nulo do
alimento», «1 a 3 vezes por mês», «1 vez por semana'», «2 a 4 vezes por
semana», «5 a 6 vezes por semana», «1 vez por dia», «2 a 3 vezes por dia», «4 a
5 vezes por dia» ou «mais de 6 vezes por dia». Para conhecer a quantidade de
cada alimento ingerido, os indivíduos indicaram se a sua porção foi menor,
igual ou maior do que a porção média indicada. Este instrumento de avaliação
foi desenvolvido pelo Serviço de Higiene e Epidemiologia da Faculdade de
Medicina da Universidade do Porto e foi validado pela Faculdade de Ciências da
Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto31.
Análise estatística
As análises foram efetuadas usando o Statistical Package for the Social
Sciences (SPSS), versão 19, e as técnicas estatísticas utilizadas foram medidas
de tendência central, análise da variância e teste t-student de amostras
independentes para comparação entre géneros. Foi igualmente usado o teste qui-
quadrado para comparação de variáveis categóricas. Para todos os testes foi
definido o erro tipo I para α=0,05.
Resultados
Os participantes no registo português são, em média, mais novos, 40 anos de
idade comparados com os 47 anos dos participantes no NWCR16, mais pesados,
índice de massa corporal de 26,0kg/m2 comparado com 24,6kg/m2 no NWCR, embora o
registo português seja mais equilibrado em termos de distribuição por género,
sendo constituído por 59% de mulheres comparado com cerca de 80% da amostra
americana. Menos portugueses possuem educação superior, 68% comparado com 82%,
verificando-se igualmente um menor número de casados ou a viver em união de
facto na amostra do registo português, 54%, do que no registo americano, 64%. A
análise detalhada das características demográficas dos participantes
portugueses encontra-se num trabalho que descreve a implementação do RNCP26.
No RNCP, as pessoas reportaram uma perda do peso média de 17,4kg e um tempo
médio de manutenção do peso perdido de cerca de 2 anos e meio, enquanto no NWCR
se observaram valores mais elevados tanto para a perda do peso, 30kg, como para
a duração da manutenção, cerca de 5 anos e meio16. Em ambos os registos,
verificou-se que a alteração em conjunto dos hábitos de atividade física e de
alimentação foi a estratégia de perda do peso usada pela maioria, 82 e 84%
respetivamente no RNCP e no NWCR (Figura_1). Os restantes indivíduos
portugueses, 18%, indicaram ter alterado apenas a alimentação para perder peso
comparado com 10% dos americanos. Nenhum participante do RNCP indicou ter
perdido peso unicamente à custa de alterações da atividade física, o que foi
reportado por cerca de 1% dos participantes do NWCR16. Nestas variáveis, não se
registaram diferenças entre homens e mulheres do RNCP.
Na Figura_2 estão indicadas as estratégias de perda do peso adotadas pelos
participantes no RNCP em comparação com as do registo americano. Assim, para
perder peso, verificou-se que a maioria dos participantes dos 2 registos passou
a selecionar os alimentos, 79 comparado com 88% do NWCR16. A maior parte das
pessoas do RNCP, 77%, perderam peso por sua conta e, das restantes que
recorreram a um programa de tratamento, apenas 29% perdeu peso em programas de
grupo. Não houve diferenças entre homens e mulheres do RNCP.
O efeito que a perda do peso produziu na vida dos participantes do RNCP é
semelhante ao que foi reportado pelos indivíduos do registo americano (Tabela
2)16. De assinalar que cerca de metade dos participantes, 46% no RNCP e 55% no
NWCR, reportou uma melhoria no rendimento no trabalho. Apesar do efeito
positivo que a perda do peso tem em vários domínios da vida dos participantes,
alguns reportam que o tempo que passam a pensar em comida (33% no RNCP e 14% no
NWCR) e no peso (54% no RNCP e 20% no NWCR) aumentou, representando um efeito
negativo da redução do peso. Não se registaram diferenças entre homens e
mulheres do RNCP.
Os tipos de atividades físicas realizadas para perder peso estão ilustrados na
Figura_3. A marcha é a atividade preferida dos participantes nos 2 registos e,
enquanto que, para os portugueses, a corrida é a segunda atividade
preferencial, os americanos optam pelo ciclismo17.
Os participantes no RNCP preferem o ar livre para efetuar atividade física
(54%) e o ginásio (38%) enquanto que as pessoas do NWCR indicam preferir
realizar atividade física indoor (90%) comparado com apenas 13% dos portugueses
que indicam esta preferência. Perto de dois terços dos participantes no registo
português, 61% das mulheres e 68% dos homens, indicaram preferir praticar
atividade física sozinhos, enquanto que, no NWCR, a preferência recai na
companhia dos amigos (40 comparado com 13% no RNCP) e de um grupo ou equipa (31
comparado com 18% no RNCP). Entre os portugueses, verificaram-se diferenças
significativas entre géneros no que respeita à preferência pela corrida
(p<0,001), pelo ciclismo (p=0,006), com mais homens a adotar estas 2 atividades
e pelas aulas de grupo (p=0,002), com mais mulheres a preferir este tipo de
atividade. Comparativamente com as mulheres, um maior número de homens prefere
realizar atividade física no exterior (71%, p=0,002) e indoor (20%, p=0,039).
As estratégias de manutenção do peso perdido utilizadas pelas pessoas nos 2
registos estão descritas na Figura_4. A atividade física regular é adotada como
estratégia por mais de dois terços dos indivíduos no RNCP, estratégia seguida
por 72% das pessoas do NWCR. Os participantes no registo português reportaram
outras estratégias de manutenção do peso, utilizadas pela maioria, em alguns
casos diferentes das usadas pelas pessoas do registo americano16, como
selecionar conscientemente os alimentos (69%, comparado com 92% no NWCR),
reduzir a quantidade de alimentos ricos em gordura (87 comparado com 38%),
limitar a quantidade de alimentos ingeridos numa refeição (63 comparado com
49%) e contabilizar as calorias ingeridas (14 comparado com 36% no NWCR).
Apenas 4% dos participantes no NWCR indica que não toma esta refeição, enquanto
que 78% toma o pequeno-almoço todos os dias24. Esta estratégia ainda é mais
consensual entre os portugueses do RNCP, pois 98% reporta que não salta esta
refeição. A automonitorização do peso corporal é outra estratégia identificada
como muito importante: cerca de três quartos dos americanos integrantes no NWCR
monitorizam o seu peso pelo menos uma vez por semana e muitos deles fazem-no
diariamente16, enquanto que cerca de 65% dos participantes no RNCP reportam que
utilizam esta estratégia pelo menos uma vez por semana. Não se registaram
diferenças entre homens e mulheres do RNCP.
A maioria dos portugueses com sucesso em manter o peso tem um padrão alimentar
menos rigoroso ao fim de semana e durante as férias, o que não acontece com a
maior parte das pessoas no registo americano (Figura_5), cujo padrão alimentar
é mais consistente durante toda a semana e todo o ano25. Outras características
do padrão alimentar destas pessoas são a redução do número de vezes que comem
fora de casa por semana (2 a 3 vezes, idêntico no NWCR) e efetuarem várias
refeições e snacks por dia (5 a 6 vezes, comparado com 4 a 5 vezes no NWCR). No
caso do estudo português, as mulheres registam um número superior de refeições
ou snacks por dia ao dos homens (p=0,025).
As características da atividade física e da alimentação dos portugueses e
americanos de sucesso no controlo do peso perdido estão expressas na Tabela_1.
O dispêndio energético semanal com atividade física dos participantes no RNCP é
de 3422kcal, correspondente a cerca de 250min semanais de atividade física
moderada ou vigorosa. Embora os resultados do registo português sejam um pouco
superiores, são consistentes com o que se observou no registo americano, em que
a estratégia fundamental para a manutenção do peso perdido foi a adoção de
elevados níveis de atividade física, cerca de 2621kcal despendidas por
semana19. A exemplo do que se passa no NWCR, os homens do registo português
atingem um dispêndio energético mais elevado do que as mulheres (3812kcal/
semana comparado com 3127kcal/semana, p=0,032), realizando mais atividade
física vigorosa (127min/semana comparado com 41min/semana efetuado pelas
mulheres, p<0,001).
Os participantes do NWCR indicaram consumir uma dieta alimentar constituída por
aproximadamente 29% de energia proveniente de gordura, 19% de proteína e 49% de
hidratos de carbono20, semelhante à composição da dieta alimentar das pessoas
no RNCP, 32,8% de gordura, 19,2% de proteína e 49,3% de hidratos de carbono. A
quantidade total de energia consumida diariamente é bastante superior nas
pessoas do RNCP, 2 223kcal, comparada com 1 379kcal ingeridas pelas pessoas do
NWCR.
Tal como no registo americano, a maioria dos participantes do RNCP sentiu ser
mais fácil manter o peso perdido do que perder peso (Figura_6). Analisando a
perceção dos participantes relativa à dificuldade em manter o peso perdido
(calculada subtraindo a dificuldade de manter à dificuldade de perder peso),
verificou-se que a maioria das pessoas sentiu ser mais fácil manter o peso ou
de igual dificuldade a perder peso, enquanto poucas pessoas (14% no RNCP e 25%
no NWCR) sentiram que manter o peso é mais difícil. Não se registaram
diferenças entre homens e mulheres do RNCP.
Discussão
O objetivo principal do RNCP é identificar as características e estratégias de
sucesso na manutenção do peso perdido adotadas por portugueses a longo prazo.
Os participantes neste estudo mostram que é possível perder grandes quantidades
de peso corporal e não voltar a recuperá-lo, contrariando a ideia comum de que
«ninguém tem sucesso na perda do peso a longo prazo». Pelo exemplo, dos
participantes no registo americano, à medida que o tempo vai decorrendo, a
manutenção do peso perdido torna-se mais fácil, pois, apesar do esforço que é
necessário, um período de manutenção entre 2 a 5 anos aumenta consideravelmente
a probabilidade de sucesso2,17.
Por comparação com o estudo norte-americano, que conta com cerca de 6000
participantes e de aproximadamente 95 milhões de adultos com obesidade (ou
seja, sensivelmente um participante por cada 16 000 pessoas com obesidade), o
registo português terá já ultrapassado o número de participantes do seu
congénere americano, em termos relativos. Assim, em Portugal, estima-se que
cerca de 1 000 000 de adultos apresentem obesidade, com base em 14,3% de
prevalência32 para uma população total de 10 570 000 e uma percentagem de
adultos de 67,3%. A amostra de aproximadamente 200 participantes atuais do RNCP
indica que, por cada 5000 adultos com obesidade em Portugal, existe um
participante registado neste estudo (16 000 para um no NWCR).
A importância da atividade física no processo de controlo do peso está bem
expressa nos resultados reportados pelos participantes do RNCP. A exemplo do
que sucede com os participantes americanos, a marcha é a atividade preferida
nos participantes do registo português, optando a maioria por conjugar esta
atividade com outro tipo de exercício, o que contribui possivelmente para
aumentar a motivação e adesão ao exercício pois a variabilidade de mais do que
uma atividade pode evitar saturação e desinteresse em relação ao exercício
realizado. Apesar de não ser a atividade preferencial, tanto no registo
português como americano, existe um número considerável de pessoas que efetua
treino com cargas adicionais («treino de força»), o que constitui um sinal da
importância que este tipo de treino tem para o controlo do peso, uma vez que,
promovendo um aumento da massa muscular, conduz a um aumento do dispêndio
energético ao longo do dia33.
Os homens em ambos os registos reportam atividades com intensidades mais
vigorosas e maior dispêndio energético com atividade física do que as mulheres,
o que pode ser explicado pelo tipo de atividade escolhida, pois, enquanto os
homens preferem a corrida e o ciclismo, as mulheres optam pelas aulas de grupo.
Comparando com o NWCR, os resultados indicam que no registo português o volume
e dispêndio energético com atividade física são mais elevados do que no registo
americano. A maior percentagem de homens que integra o RNCP, cerca do dobro do
NWCR, pode ajudar a explicar este resultado, uma vez que atividades mais
vigorosas induzem dispêndios mais elevados. O dispêndio energético semanal
atinge, em média, um valor superior às orientações para indivíduos com pré-
obesidade ou obesidade que recomendam um gasto energético com atividade física
de, pelo menos, 2000kcal semanais com o objetivo de manter o peso perdido no
longo prazo21. Apesar de a maioria destas pessoas cumprir essa orientação,
existe um número considerável de pessoas, uma em cada 4, que controlam o peso
gastando pouca energia com atividade física e menos participantes atingem as
recomendações publicadas pela International Association for the Study of
Obesity em 2003 indicando 60-90min de atividade moderada na maior parte dos
dias da semana para prevenir a recuperação do peso perdido34. Esta conclusão
comprova os resultados obtidos no NWCR19, sugerindo que fatores individuais
como a energia ingerida, quantidade de peso perdido, idade, género ou fatores
genéticos possam ter uma influência significativa no volume de atividade física
necessária para manter o peso.
Os valores dos macronutrientes reportados no RNCP estão de acordo com as
recomendações para adultos do Institute of Medicine, que descrevem uma dieta
constituída por 20 a 35% de gordura, 10 a 35% de proteína e 45 a 65% de
hidratos de carbono como saudável35. De referir que a comparação do número
total de calorias ingeridas, bem como da percentagem de ingestão dos
macronutrientes, tem em consideração as diferenças culturais existentes entre
as 2 populações, uma vez que os questionários utilizados foram específicos para
as respetivas populações, i.e. validados para cada país36,37. No RNCP, a
ingestão energética é mais elevada, existindo uma maior limitação dos alimentos
ricos em gordura embora com um consumo superior de gordura, provavelmente pelo
tipo de alimentação adotado pelos portugueses, que tradicionalmente seguem a
dieta mediterrânica, mais rica em gordura. Também neste caso, a diferente
constituição das amostras dos 2 registos, com a amostra portuguesa com um maior
número de homens (41 comparado com 20% no NWCR) poderá explicar a maior
ingestão energética observada. Permitir um padrão mais flexível pode evitar
aborrecimentos e desistências em relação ao seu regime alimentar, mas pode, por
outro lado, aumentar o risco de exposição a situações de alto risco, criando
mais oportunidades de perda do controlo do peso e aumentando a probabilidade de
manter o peso perdido em 1,5 vezes2.
O facto de a maioria das pessoas com sucesso na perda do peso a longo prazo
sentirem maior facilidade em manter o peso do que em perder peso pode causar
alguma surpresa, dada a noção generalizada de que a fase de manutenção é muito
mais difícil do que a fase de perda do peso, aliás comprovada pelo facto de
apenas 20% dos participantes em programas de tratamento ter sucesso na
manutenção a longo prazo2. Esta maior facilidade na fase de manutenção poderá
advir do facto de as pessoas terem internalizado os novos comportamentos que
adotaram. Por exemplo, a integração da atividade física na rotina diária torna-
se mais fácil com o decorrer do tempo e com a vantagem da melhoria da condição
física ser uma motivação acrescida para manter essa regularidade.
Os resultados deste estudo, à semelhança do seu congénere americano17, sugerem
que as estratégias de perda e de manutenção são muito diversificadas, indicando
que não existe uma única forma ou caminho para alcançar o objetivo de manter o
peso perdido. No entanto, é de realçar que a maioria das estratégias adotadas
pelos participantes para perder peso se mantêm na fase de manutenção, devendo o
aconselhamento dos técnicos de saúde ser orientado para estratégias que possam
ser mantidas no longo prazo, contrariando a ideia de que as estratégias usadas
nas 2 fases do processo de combate à obesidade devam ser distintas.
A importância da comparação dos 2 registos assenta no facto de se perceber se
as conclusões do NWCR podem ser total ou parcialmente aplicáveis à população
portuguesa. Os comportamentos e estratégias utilizadas em Portugal para perder
e manter o peso apontam globalmente no mesmo sentido que as reportadas pela
amostra americana, embora com algumas especificidades devido possivelmente a
diferentes normas socioculturais, como à popularidade de dietas específicas ou
ao envolvimento potenciador ou constrangedor da prática de atividade física.
Este facto pode explicar, por exemplo, o facto de os participantes portugueses
adotarem com mais frequência atividade ao ar livre e as pessoas do NWCR
preferirem o indoor, pois o clima mais ameno e a criação de infraestruturas que
possibilitem escolhas de prática de atividade física para isso contribuem.
Embora não seja conhecida atualmente a prevalência em Portugal das pessoas com
sucesso em manter o peso perdido, este estudo conseguiu por si só e, até ao
momento, identificar um número considerável deste grupo de pessoas. Outro
aspeto positivo é a extensa bateria de avaliação psicossocial e comportamental.
No entanto, a amostra do RNCP é uma amostra selecionada, constituída por
pessoas voluntárias que se interessaram em participar, sendo esta uma limitação
que este estudo partilha com o seu congénere americano. Para além disso,
desconhece-se a representatividade desta amostra face ao universo representado,
pelo que os seus resultados e conclusões não podem ser generalizados para todas
as pessoas que estão a tentar perder peso ou que já o tenham conseguido. Outra
limitação reside na diferença no valor de perda do peso a atingir para cumprir
o critério de inclusão nos 2 registos e que pode condicionar os resultados
encontrados, nomeadamente o facto de o consumo energético médio ser superior no
RNCP ao do NWCR. Enquanto no NWCR os participantes necessitaram de uma perda
mínima de 13,6kg, no RNCP a perda do peso mínima é de 5kg. Os critérios de
inclusão utilizados no registo português seguiram as orientações do NWC, tendo,
no entanto, sido ajustados à realidade portuguesa e descritos em pormenor no
artigo que se encontra em processo de submissão26, explicando a metodologia de
implementação do RNCP.
Apesar de as perdas do peso reportadas pelas pessoas do registo português
poderem ser consideradas bastante superiores às perdas do peso registadas pela
maioria das pessoas que tentam perder peso (p. ex., no Programa PESO, a média
do peso perdido do grupo de intervenção ao fim de 24 meses foi de 5,5% do peso
inicial14), é de realçar o valor dos ensinamentos que os indivíduos do RNCP
podem proporcionar, exemplificando que é real a possibilidade de perder peso e
de o controlar a longo prazo. A implicação mais forte destes resultados poderá
ser a de avaliar, em estudos experimentais, se as estratégias e comportamentos
demonstrados pelos participantes do RNCP serão eficazes na promoção da
manutenção do peso perdido em outros indivíduos que estejam a tentar controlar
o seu peso.