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EuPTCVHe0872-81782007000100005

EuPTCVHe0872-81782007000100005

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0872-8178
ano2007
Issue0001
Article number00005

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ADENOCARCINOMA DO PÂNCREAS LOCALMENTE AVANÇADO E METASTIZADO COM RESPOSTA COMPLETA A QUIMIOTERAPIA

INTRODUÇÃO O cancro do pâncreas (CP) representa 2% de todos os cancros e constitui, em termos de frequência, a quinta causa de morte por cancro (1-4).

Trata-se duma neoplasia geralmente associada a um mau prognóstico, em que o diagnóstico habitualmente tardio restringe as taxas de ressecabilidade a 10-15% dos tumores. Nos restantes 85-90% dos CP verificam-se critérios de irressecabilidade que limitam a terapêutica às opções paliativas, obtendo-se uma sobrevida média que geralmente não ultrapassa os 6 meses (1,3,5).

Embora a cirurgia continue a ser considerada a única modalidade terapêutica com potencial curativo e, por isso, a terapêutica de escolha sempre que possível, novos agentes e esquemas de quimioterapia (QT), incluindo associação de Gencitabina e Oxaliplatina e, ainda mais recentemente, a associação de Gencitabina aos anticorpos monoclonais Bevacizumab (anticorpo anti-factor de crescimento vascular endotelial) e Cetuximab (anticorpo anti-receptor do factor de crescimento epidérmico), têm obtido alguns resultados encorajadores, melhorando as perspectivas terapêuticas dos CP irressecáveis. Não obstante, até à data, apenas a Gencitabina tem indicação formalmente aprovada no âmbito da QT do CP (5-11).

Os autores apresentam um caso de CP localmente avançado e metastizado com resposta completa a QT.

CASO CLÍNICO M.I.G.P, sexo feminino, 54 anos, raça branca, doméstica, natural e residente em São Miguel de Acha (Idanha-aNova), recorreu ao médico assistente em Agosto de 2004 por dor no epigastro e perda de peso (6 kg em dois meses).

Referia antecedentes pessoais de hipertensão arterial.

Não tinha hábitos tabágicos ou alcoólicos. Realizava dieta variada e equilibrada. Negava antecedentes pessoais ou familiares de neoplasia.

À palpação abdominal foi detectada uma massa com cerca de 3cm de diâmetro, dolorosa, fixa e de consistência dura, sendo o restante exame objectivo normal, incluindo ausência de adenopatias palpáveis. Foi solicitada ecografia abdominal, que revelou, na cabeça do pâncreas, uma formação tumoriforme com 5,7 cm de maior diâmetro, com estrutura sólida e contornos irregulares, sugestiva de neoplasia pancreática; no fígado, múltiplas imagens hipoecogénicas dispersas por ambos os lobos, com aspecto sugestivo de localizações secundárias. Observaram-se ainda diversas adenopatias loco-regionais.

Efectuou, então, tomografia computorizada (TC) abdominal que revelou uma massa sólida na cabeça do pâncreas, com 6 cm de diâmetro, com sinais sugestivos de invasão dos vasos mesentéricos e do arco duodenal (Figura 1). A nível hepático detectou cinco formações nodulares, envolvendo ambos os lobos, a maior com 3,5 cm de diâmetro, sugestivas de metastização hepática (Figura 2).Confirmaram-se, ainda, as adenopatias abdominais.

A doente foi referenciada ao Hospital Distrital da sua área de residência, onde foi efectuada punção/biópsia ecoguiada da massa pancreática, cujo estudo anatomopatológico revelou adenocarcinoma do pâncreas, sendo proposta realização de QT.

Entretanto, recorreu ao Serviço de Urgência (SU) do nosso Hospital por agravamento da dor, tendo ficado internada. Foram efectuadas ecografia abdominal e TC torácica e abdominopélvica (TC TAP), que confirmaram os achados dos exames anteriores, dos quais apenas tive- mos conhecimento mais tarde. Apresentava uma discreta anemia normocrómica normocítica, elevação persistente da glicémia, posteriormente controlada com a introdução de antidiabéticos orais (ADO), e elevação dos marcadores tumorais: CEA - 25,0 ng/ml(<5,4 ng/ml) e CA 19.9 - 228 U/ml (<37 U/ml). Os restantes elementos la-boratoriais, incluindo provas de função hepática e renal, perfil lipídico e provas de coagulação, revelaramse normais. Com conhecimento dos estudos efectuados, incluindo o resultado anatomopatológico, propôs-se realização de QT. Entretanto, a doente foi observada e acompanhada na Consulta da Dor, com introdução de analgesia e realização de titulação progressiva, apenas obtendo alívio álgico com um esquema composto por Tramadol 100mg 12/12h, Metamizol Magnésico 575mg 8/8h e Paracetamol 1g em SOS.

Foi iniciada QT com Gencitabina 1000mg/m2 e Oxaliplatina 100mg/m2 (esquema GemOx) com periodicidade quinzenal, segundo protocolo. Após a realização do segundo ciclo, o intervalo entre os tratamentos passou a ser de três semanas, devido a marcada intolerância (náuseas, vómitos, cólicas abdominais e diar- reia), apesar de medicação de suporte, além de importante toxicidade hematológica, com necessidade de administração de Filgrastim após todos os ciclos e de Eritropoietina de forma regular.

Ao longo da realização do tratamento a doente experimentou diminuição progressiva das queixas álgicas, com abandono gradual, por iniciativa própria, da medicação analgésica, que dispensou de forma absoluta após completar o sétimo ciclo de QT, altura em que apresentava mais 3 kg de peso comparativamente ao início do tratamento.

Os marcadores tumorais desceram significativamente, nomeadamente o CEA de 25,0 ng/ml para 3,1 (<5,4 ng/ml) e o CA 19.9 de 228 U/ml para 126 U/ml (<37 U/ml), após 10 ciclos de QT.

Após completar o sétimo ciclo de QT, solicitámos TC TAP, que não visualizou o pâncreas nem qualquer formação anómala na sua topografia e revelou ausência de nódulos hepáticos bem como de adenopatias. Foi solicitada ressonância magnética (RM) abdominal, que revelou pâncreas atrófico, sem qualquer lesão expansiva identificável; no fígado, no segmento II, detectou uma formação ovalada com 1,8 cm de maior eixo, com hipersinal em T2 e hipossinal em T1, com realce em anel após a injecção de contraste, com a mesma localização que uma das lesões secundárias hepáticas detectadas na TC realizada antes de iniciar o tratamento, compatível com localização secundária com extensa necrose tumoral central; não se identificaram adenopatias.

Efectuou-se, ainda, tomografia de emissão de positrões (PET), após um intervalo de 2 meses sem realização de QT, que revelou um padrão de biodistribuição do radiofármaco dentro da normalidade, não se detectando qualquer alteração suspeita de lesão tumoral activa no pâncreas ou localizações secundárias a outros níveis (Figura 3).

Entretanto, solicitámos ao Hospital da área de residência da doente o material da biopsia pancreática e pedimos a sua reavaliação no Serviço de Anatomia Patológica do nosso Hospital, que confirmou o diagnóstico de adenocarcinoma ductal da cabeça do pâncreas ("células epiteliais descoesas, ocasionalmente formando estruturas tubulopapilares, revestidas por células colunares com alterações da relação núcleo/citoplasma e com hipercromasia e discreto pleomorfismo nuclear. O estudo imunohistoquímico evidenciou positividade das células neoplásicas para as citoqueratinas CK7 e CAM 5.2 e para o CEA monoclonal, sendo o p53 positivo em cerca de 100% dos núcleos.") (Figura 4).

Apesar da resposta completa, decidimos manter ciclos regulares de QT, mantendo o esquema anterior, tendo cumprido até ao momento 18 ciclos, com um perfil de tolerabilidade aceitável, não apresentando, nomeadamente, manifestações de neurotoxicidade. Na última reavaliação imagiológica realizada, designadamente com RM abdominal, 8 meses após a documentação imagiológica de resposta completa, mantém-se em aparente remissão.

DISCUSSÃO Quando a doente recorreu ao SU do nosso Hospital, ficou entre nós a suspeita, mais tarde confirmada pela própria, que procurava uma segunda opinião.

Desconhecendo o estudo realizado, que nos foi ocultado numa fase inicial, efectuaram-se sequencialmente ecografia abdominal e TC TAP, confrontando depois a doente com os respectivos resultados, altura em que confessou o estudo que tinha efectuado na outra instituição hospitalar. Solicitámos, então, todos esses elementos, verificando-se a sobreposição dos resultados da ecografia e da TC realizadas em ambas as instituições.

Optámos por não efectuar biopsia por esse procedimento ter sido realizado e termos em nossa posse o respectivo resultado. Dada a irresecabilidade e a existência de metástases, a cirurgia não era equacionável, pelo menos como primeira opção, sendo a QT a única alternativa possível.

A Gencitabina é actualmente o tratamento recomendado para os casos de CP localmente avançado e/ou metastizado, porque demonstrou melhores resultados que o 5 Fluorouracilo em termos de taxa de resposta e de sobrevida, com as respectivas diferenças a assumirem significado estatístico (9). Ainda assim, continuando a ser mau o prognóstico associado a esta neoplasia, têm sido desenvolvidos vários estudos sobre alternativas à monoterapia com Gencitabina. Neste âmbito, a associação de Gencitabina com Oxaliplatina (esquema GemOx) mereceu especial destaque, devido aos resultados encorajadores obtidos em estudos de fase II, incluindo taxa de resposta de 30,6%, sobrevida média sem progressão de doença de 5,3 meses e sobrevida média global de 9,2 meses, todos eles claramente mais favoráveis que os relatados nos estudos usando a monoterapia com Gencitabina, em que se verificaram taxas de resposta de 5,6-9%, sobrevida média sem progressão de doença de 2,2-3,0 meses e sobrevida média global de 5,4-6,0 meses (10). Estes elementos encorajaram, mesmo sem haver aprovação formal, a utilização do esquema GemOx em detrimento da monoterapia com Gencitabina, sobretudo nos doentes relativamente jovens, com bom estado geral e sem comorbilidades significativas, nos quais a expectativa duma resposta objectiva se revela clinicamente importante. Foi neste contexto que optámos pelo esquema GemOx para o tratamento da nossa doente.

Entretanto, surgiram recentemente os resultados dos estudos de fase III, que demonstraram benefícios esta- tisticamente significativos do esquema GemOx relativamente à monoterapia com Gencitabina em termos de taxa de resposta (26,8% vs 17,3%, p = 0,04) e de sobrevida média sem progressão de doença (5,8 meses vs 3,7 meses, p = 0,04), mas revelaram que relativamente à sobrevida média global, apesar da associação ter melhores resultados que a monoterapia, a diferença não assume significado estatístico (9,0 meses vs 7,1 meses, p = 0,13) (11).

Dada a tolerância ao tratamento, sobretudo numa fase inicial, ponderando o benefício esperado na sobrevida e a deterioração iatrogénica, optámos por alterar, com vantagem clara em termos de tolerabilidade, o intervalo entre os ciclos de duas para três semanas.

Com o decorrer do tratamento, verificou-se aumento de peso, diminuição apreciável das queixas álgicas e diminuição significativa dos marcadores tumorais.

Ainda assim, quando solicitámos a reavaliação imagiológica, após sete ciclos de quimioterapia, não esperávamos, de forma alguma, os resultados que se verificaram. Inicialmente questionámos o resultado da TC, porque além de não demonstrar as lesões neoplásicas, não visualizava o pâncreas, facto estranho dado a doente não ter sido operada e ter diabetes controlada apenas com ADO. A RM abdominal, descrevendo um pâncreas atrófico mas, igualmente, não detectando qualquer lesão tumoral, à excepção duma pequena localização secundária hepática com necrose central extensa, assumiu um carácter mais plausível, não conseguindo, contudo, dissipar a nossa incredubilidade. Solicitámos, então, a realização de PET, após um intervalo de 2 meses sem efectuar QT para evitar o fenómeno de "metabolic stunning", que apontou no sentido duma resposta completa da neoplasia ao tratamento efectuado.

Na extensa pesquisa que efectuámos, encontrámos dois trabalhos cientificamente interessantes. Um deles relata um caso com contornos semelhantes ao nosso, nomeadamente uma resposta completa dum adenocarcinoma do pâncreas metastizado usando um esquema de quimioterapia semelhante ao que tínhamos utilizado (12). O outro trabalho refere alguns casos de supostos adenocarcinomas do pâncreas, embora nenhum com uma expressão imagiológica tão agressiva como o da nossa doente, com respostas surpreendentemente boas ao tratamento e cuja posterior reavaliação anatomopatológica minuciosa do material inicialmente obtido, não confirmou o diagnóstico de adenocarcinoma do pâncreas (13).

No nosso caso, procedeu-se a reavaliação do estudo anatomopatológico, com realização de imunohistoquímica, que confirmou o diagnóstico de adenocarcinoma ductal do pâncreas.

Dissipadas as dúvidas sobre o diagnóstico e a resposta ao tratamento, colocava-se um novo problema: o que fazer? Optar por cirurgia e, nesse caso, que tipo de intervenção? Manter ciclos QT? Não efectuar qualquer tratamento e realizar reavaliações periódicas? A literatura consultada, dado o carácter insólito do caso, não constituiu um grande auxílio e dispúnhamos apenas da informação sobre o que tinham decidido os clínicos que seguiam o doente com a história semelhante à da nossa doente, que optaram por manter ciclos regulares de QT, verificando-se manutenção da remissão após 9 meses de follow up (12). Tomámos também essa opção, com o controlo imagiológico a revelar manutenção da remissão 8 meses após a demonstração da resposta completa.

Apesar de naturalmente satisfeitos e entusiasmados com a evolução do caso clínico, desconhecemos quando devemos suspender o tratamento. Na certeza de que não o poderemos manter indefinidamente, talvez seja lícito ponderar, dentro de algum tempo, a sua suspensão, pelo menos com carácter temporário. Por outro lado, o eventual aparecimento de reacções adversas, em particular a neurotoxicidade que frequentemente acompanha as administrações prolongadas de Oxaliplatina, poderá obrigar-nos a introduzir alterações no tratamento, nomeadamente, relativamente à hipótese aventada, prosseguir a terapêutica apenas com Gencitabina.


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