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EuPTCVHe0872-81782007000100006

EuPTCVHe0872-81782007000100006

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0872-8178
ano2007
Issue0001
Article number00006

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ÚLCERAS DE CAMERON - UMA CAUSA ESQUECIDA DE ANEMIA FERROPÉNICA

INTRODUÇÃO A anemia ferropénica é o tipo de anemia mais frequente em todo o mundo. As suas causas são variadas, incluindo a deficiência do metal na dieta, a sua absorção inadequada ou o aumento das suas necessidades, como no caso da gravidez e da hemorragia crónica. Na hemorragia crónica, incluem-se a hemorragia digestiva, a ginecológica, a urológica ou outras. No caso da hemorragia digestiva, a endoscopia assume um papel diagnóstico e terapêutico incontornável. No entanto, algumas causas de hemorragia digestiva alta, menos comuns, são de diagnóstico mais difícil. Neste tipo de patologias é fulcral um elevado grau de suspeição e consequentemente a experiência e conhecimento prévios. São exemplos as angiodisplasias, as lesões de Dieulafoy, as ectasias vasculares do antro, algumas lesões vasculares como o Blue Rubber Bleb Naevus Syndrome, a hemobilia e as lesões de Cameron (1).

CASO CLÍNICO Doente do sexo feminino, com 53 anos, sem antecedentes relevantes, orientada para a consulta externa de Gastrenterologia após observação no serviço de urgência por anemia sintomática. Não tinha história de perdas hemáticas evidentes. Quando recorreu ao serviço de urgência a hemoglobina era de 5,9 g/dl (12,0-16,0) com VGM de 63,7 fl (80-100) e CHCM de 25,9 g/dl (3236). Na endoscopia digestiva alta constatou-se volumosa hérnia do hiato (saco herniário de cerca de 6 cm). No saco herniário observaram-se duas úlceras sem estigmas de hemorragia recente (uma com 8 mm e outra com 4 mm) (Figuras 1, 2 ,3). Fez transfusão de 2 unidades de glóbulos rubros com melhoria sintomática e subida da hemoglobina para 8.5 g/dl. Teve alta do SU medicada com inibidor da bomba de protões e suplementos de ferro.

No seguimento realizado em consulta, o estudo analítico confirmou a presença de anemia hipocrómica e microcítica com ferro 30 ug/dl (37-158), CFFe 571 ug/dl (228-428), saturação de transferrina 5,3%, ferritina 3,17 ng/ml (13,0-150,0). A vitamina B12 e o ácido fólico eram normais. A pesquisa de sangue oculto nas fezes foi positiva em 3 amostras. Realizou colonoscopia total com ileoscopia que não mostrou alterações. O estudo do intestino delgado através de enterosocopia por videocápsula também não revelou alterações.

O diagnóstico estabelecido foi de hemorragia digestiva crónica pelas úlceras do saco herniário - atribuidas a úlceras ou lesões de Cameron. Manteve o inibidor da bomba de protões, o suplemento de ferro e a vitamina C, com subida progressiva do hematócrito e dos índices eritrocitários.

DISCUSSÃO As lesões de Cameron (erosões ou úlceras) foram incialmente descritas por Cameron e Higgins em 1986 como erosões lineares crónicas dispostas sobre as pregas da mucosa, ao nível da impressão diafragmática, em 36 de 109 doentes com hérnias do hiato volumosas (2).

Demonstraram que as erosões eram mais frequentes em doentes com anemia e sugeriram que teriam origem nos movimentos diafragmáticos durante a respiração. No entanto, a associação entre a presença de hérnias do hiato volumosas e a anemia ferropénica inexplicada era conhecida muito tempo (3,4,5). A relação entre a correcção cirúrgica das hérnias e a resolução da anemia também havia sido demonstrada (6).

A localização mais frequente deste tipo de lesões é na vertente da pequena curvatura, ao nível do hiato diafragmático. A face anterior do hiato é formada pelo tendão central do diafragma, tornando esse local mais rígido e, assim, mais propenso ao traumatismo. Estas lesões são múltiplas em cerca de 2/3 dos doentes, são mais frequentes em hérnias de maiores dimensões podendo ser encontradas em cerca de 5% dos doentes com hérnias volumosas (7).A apresentação mais co-mum é a hemorragia digestiva crónica e consequente anemia ferropénica. Contudo o diagnóstico depende muito do índice de suspeição, sendo cada vez mais encontradas casualmente, dado o crescente reconhecimento desta entidade.

Num estudo recente (8), foi estudado o papel da endoscopia digestiva na etiologia da anemia ferropénica na mulher pré-menopausa, uma faixa etária em que habitualmente a anemia é tratada empiricamente com suplementos de ferro, atribuindo-se a sua causa às perdas menstruais. Foi encontrada patologia digestiva alta em 55,8% das mulheres e as lesões de Cameron em 7%.

Apesar da hemorragia digestiva ser insidiosa na maioria dos doentes, em cerca de 1/3 dos casos a apresentação é sob a forma de hemorragia digestiva alta aguda (7), por vezes fatal. A associação com doença péptica, como a esofagite de refluxo, é muito frequente.

A etiologia ainda não está completamente esclarecida, pensando-se que o traumatismo mecânico, a isquemia e a lesão ácida possam ter relevância. Isto reflecte-se também na resposta variável à terapêutica médica com inibidores da bomba de protões. Em doentes submetidos a terapêutica médica, verifica-se recorrência durante o follow-up em cerca de 1/3 dos doentes e aparecimento de complicações em 17% (hemorragia digestiva alta em 6,3% e anemia ferropénica persistente ou recorrente em 8,3%) (7). Assim, além da terapêutica antiácida, tem também importância a administração de suplementos de ferro. Em caso de falência da terapêutica médica, pode recorrer-se a terapêutica cirúrgica (6,9). A correcção cirúrgia da hérnia do hiato resulta na resolução da anemia na maioria dos doentes e tem uma baixa mortalidade. Num estudo de Trastek (9), foi realizada correcção cirúrgica da hérnia do hiato em 49 doentes com hérnia do hiato e anemia associada. Verificou-se resolução da anemia em 45 doentes (91,8%), complicações em 18 (36,7%) e morte num doente (2%).

Em conclusão, as lesões de Cameron são uma causa frequente de anemia ferropénica em doentes com hérnias do hiato volumosas, podendo raramente manifestar-se com hemorragia digestiva aguda. A sua presença deverá ser pesquisada cuidadosamente quando estes doentes são submetidos a endoscopia digestiva alta. O tratamento consiste na terapêutica com inibidores da bomba de protões e suplementos de ferro. O tratamento cirúrgico é usado em casos de falência da terapêutica médica.


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