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EuPTCVHe0872-81782007000200003

EuPTCVHe0872-81782007000200003

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0872-8178
ano2007
Issue0002
Article number00003

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ÚLCERAS ESOFÁGICAS COMO FORMA DE APRESENTAÇÃO DA INFECÇÃO AGUDA PELO VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA TIPO 1 (VIH-1)

INTRODUÇÃO A infecção aguda pelo Vírus da Imunodeficiência Humana tipo 1 (VIH-1), definida pelo período de tempo que medeia entre o contágio e a seroconversão, pode ser sintomática. Estima-se que entre 40 e 90% dos indivíduos infectados apresentem sintomas enquadráveis numa síndroma mononucleósica, inespecífica, o que torna o diagnóstico difícil e improvável nesta fase (1). A ocorrência de dor retro-esternal durante a deglutição foi também descrita neste contexto, sugerindo o envolvimento do esófago durante a fase aguda da infecção pelo VIH-1 (2). Com efeito, em 1986 Rabeneck L. et al. tinham identificado partículas de retrovírus numa série de úlceras esofágicas diagnosticadas em 8 doentes homossexuais com odinofagia (3) e, em 1990, o mesmo grupo descreveu o isolamento do VIH-1 a partir das úlceras esofágicas de um doente em seroconversão para a infecção (4). Desde então, têm sido publicados alguns casos de esofagite como forma de apresentação da infecção aguda a VIH-1, nos quais se excluíram outras causas subjacentes aos achados endoscópicos, nomeadamente de natureza infecciosa (5,6).

Com o presente caso clínico pretende-se reforçar a necessidade de valorizar a odinofagia referida à região retro-esternal no contexto de uma síndroma mononucleósica, bem como o aspecto endoscópico das úlceras esofágicas observadas na fase de infecção aguda a VIH1, de modo a aumentar o grau de suspeição face à doença.

CASO CLÍNICO Doente do sexo masculino, de 25 anos, caucasiano, heterossexual e sem hábitos toxicofílicos, saudável até 10 dias antes da avaliação, altura em que iniciou quadro de febre (temperatura axilar 38,5-39ºC), hipersudorese nocturna, mialgias e tosse seca, associado a odinofagia muito intensa referida à região retro-esternal, que limitava significativamente a ingestão alimentar. Por este motivo consultou o seu médico assistente, que o medicou com paracetamol e eritromicina por via oral.

Quarenta e oito horas após o início da terapêutica, e por não ter havido alívio sintomático, suspendeu voluntariamente a medicação e recorreu ao nosso hospital.

Ao exame objectivo apresentava bom estado geral e nutricional, estava corado, ligeiramente desidratado, eupneico, febril (t.axilar 38,7ºC), normotenso e taquicárdico (103 bpm). Constatou-se haver aumento das dimensões dos gânglios linfáticos latero-cervicais e inguinais (1,5-2 cm), que apresentavam consistência e- lástica, eram discretamente dolorosos e móveis em relação aos planos superficiais e profundos. A observação da orofaringe mostrava apenas hiperemia. O restante exame objectivo não apresentava alterações significativas, nomeadamente não se identificaram organomegalias na palpação abdominal.

Na avaliação analítica, verificaram-se: hemoglobina de 17 g/dL (13,5-17,5); leucócitos de 5300 U/L (37009500), com 62,4% de PMN, 25,2% de linfocitos e 7,5% de monocitos; plaquetas de 196000 U/L (150000450000); AST de 85 U/L (12-40) e ALT de 148 U/L (1040); fosfatase alcalina de 97 U/L (53-128), γ-GT de 29 U/L (2-30) e bilirrubina total de 0,5 mg/dL (0,2-1). Os parâme-tros de coagulação e a função renal estavam dentro dos valores de referência. As hemoculturas e a urocultura foram negativas. Realizou electrocardiograma e radiografia do tórax, que não mostraram alterações.

Para esclarecimento do quadro de odinofagia efectuou endoscopia digestiva alta, onde se observaram, ao nível do esófago, entre os 30 e os 35 cm da arcada dentária, 5 úlceras arredondadas de fundo nacarado e bordos elevados e hiperemiados, com dimensões entre 4 e 10 mm (Figura 1). A restante mucosa esofágica não apresentava alterações, o mesmo acontecendo com o estômago e o duodeno. O exame histológico das biopsias das úlceras mostrou esofagite grave com ulceração, não tendo sido identificados agentes infecciosos (Figura 2).

As manifestações clínicas e as características endoscópicas das úlceras sugeriram a presença de um quadro infeccioso de etiologia viral. Solicitaram-se, assim: serologias para Citomegalovírus e Herpes simplex tipo 1, que foram compatíveis com infecção passada; serologia para o vírus de Epstein-Barr (EBV), considerada duvidosa/fracamente positiva; serologias para VIH-1 e VIH-2 (Western Blot), que foram negativas. A determinação do antigénio p24 do VIH-1 no soro foi, no entanto, positiva.

O doente foi medicado com omeprazol 20 mg 12/12h e sucralfato 1 g antes das refeições, para alívio sintomático, tendo havido melhoria da odinofagia em cerca de 72 h e desaparecimento da febre ao quarto dia de terapêutica.

Registou-se, em duas determinações separadas por 14 dias, elevação do título de anticorpos para o VIH-1, sendo que na segunda o Western Blot era inequivocamente positivo.

Do ponto de vista epidemiológico apurou-se, posteriormente, a existência de um contacto sexual não protegido duas semanas antes do início da sintomatologia.

Uma vez efectuado o diagnóstico de infecção aguda a VIH-1, o doente foi encaminhado para uma Consulta de Infecciologia, onde mantém o seguimento.

DISCUSSÃO

O desenvolvimento de sintomas no contexto da infecção aguda a VIH-1 ocorre em 40 a 90% dos casos, 2 a 6 semanas após o contágio (7). Habitualmente, o quadro clínico caracteriza-se por febre, hipersudorese nocturna, mialgias, adinamia, cefaleias, náuseas, diarreia e adenopatias periféricas, podendo durar de alguns dias até algumas semanas. Não são ainda bem conhecidos os mecanismos subjacentes ao seu desenvolvimento, mas admite-se que resultem de efeitos citopáticos directos do vírus e/ou de lesões de carácter imunológico (8). A formação de anticorpos específicos para o VIH-1, geralmente detectados 3 a 12 semanas após o contágio, marca o fim da fase aguda da infecção. A inespecificidade sintomática torna o diagnóstico improvável nesta fase, a menos que seja documentado contexto epidemiológico sugestivo. No presente caso clínico, para além da síndroma febril, com faringite e adenopatias periféricas palpáveis, o doente apresentava também odinofagia referida à região retro-esternal, que era até o sintoma mais incapacitante, tendo motivado a realização de uma endoscopia digestiva alta.

A presença de úlceras esofágicas múltiplas, de fundo nacarado, com bordos elevados e hiperemiados, constituem características endoscópicas particulares, que estão descritas na literatura em casos semelhantes (4-6), o que sugere que, perante a existência destes achados endoscópicos no contexto de uma síndroma mononucleósica associada a odinofagia referida à região retro-esternal, deva ser sempre equacionada a infecção aguda pelo VIH-1, mesmo quando não se documenta epidemiologia suspeita.

O exame histológico das biopsias não identificou agentes infecciosos, incluindo o VIH-1; contudo, não efectuámos adicionalmente análise imuno-histoquímica ou avaliação em microscopia electrónica, referida por alguns autores (4,5,8).

Uma vez que a seroconversão é um fenómeno relativamente tardio, que solicitar sempre a pesquisa do antigénio p24 ou do RNA do vírus, para que o diagnóstico seja possível no período de janela imunológica (1).

O presente caso é disso exemplificativo, uma vez que o Western Blot era ainda negativo quando foi detectado o antigénio p24 no soro, tornando-se mais tarde positivo.

A determinação do RNA do VIH-1 parece ser mais sensível do que a do antigénio p24, mas também mais dispendiosa (9).

O resultado da serologia para o EBV, considerado duvidoso/fracamente positivo, poderá explicar-se pela resposta imunológica que tem lugar na fase aguda da infecção a VIH-1. Nesta fase, uma resposta T CD8+ que ocorre também para o EBV, pelo que poderá registar-se uma serologia duvidosa ou fracamente positiva para este vírus (10).

No tratamento da odinofagia, perante evolução prolongada da esofagite, poderá estar indicada a terapêutica concomitante com corticóides (11). Também a talidomida se mostrou eficaz na cicatrização das úlceras esofágicas (12,13). No presente caso, o doente ficou assintomático poucos dias depois do diagnóstico, não tendo por isso efectuado terapêutica adicional.

A importância do diagnóstico da infecção VIH-1 na fase aguda relaciona-se com factores de Saúde Pública e de ordem individual. Por um lado, torna-se possível prevenir a transmissão inadvertida do vírus numa fase de grande viremia (14); por outro, alguns autores advogam o início da terapêutica anti-retroviral nesta fase (1,15), para melhorar a história natural da doença, nomeada- mente através da redução da carga viral e do aumento dos níveis de linfocitos T CD4, o que diminui o risco de infecções oportunistas (16). As guidelines da British HIV Association recomendam o início da terapêutica para alívio sintomático, em fase aguda, caso não haja melhoria após instituição de medidas gerais (17).


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