Influência da percepção da doença pulmonar obstrutiva crónica na promoção do
autocontrolo da doença
Enquadramento do problema
Esta revisão sistemática da literatura tem por objectivo avaliar a influência
da percepção da doença que os doentes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica
(DPOC) têm sobre a sua capacidade para adoptarem comportamentos adaptativos que
promovam o autocontrolo da doença e a efectiva adesão ao regime terapêutico
acordado.
A elaboração desta revisão sistemática da literatura surge no âmbito da
necessidade de contribuir para a resposta ao PNS 2004-20101 que preconiza, a
melhoria no acesso dos doentes crónicos, quer à informação que habilite a um
melhor autocontrolo, quer a materiais que viabilizem a autovigilância da
doença, capacitando os doentes para as decisões e, simultaneamente, aumentando
o seu grau de responsabilidade, individual e social, sobre a evolução da
doençae ao Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Doença Pulmonar
Obstrutiva Crónica2 na melhoria do controlo dos doentes com DPOC.
A DPOC é uma doença crónica e progressiva, cujos doentes estão submetidos a
regimes terapêuticos complexos.
A DPOC caracteriza-se por ser uma limitação do fluxo aéreo não totalmente
reversível. Esta limitação do fluxo aéreo é geralmente progressiva e está
associada a uma resposta inflamatória anormal dos pulmões a partículas ou a
gases nocivos3. Pode assumir diferentes estádios de gravidade4.
A DPOC é ainda caracterizada pela sua cronicidade e deterioração progressiva da
função respiratória e consequentes limitações no desempenho da actividade
laboral e actividades de vida diária, com repercussões na qualidade de vida.
Pelo seu carácter crónico e progressivo, a DPOC exige a adopção pelo doente de
comportamentos e regimes terapêuticos que visem o controlo da sintomatologia e
a interrupção da progressão da doença. Os regimes terapêuticos adoptados
englobam o recurso a medidas farmacológicas e não farmacológicas que variam em
função da severidade da doença, podendo incluir a utilização isolada ou em
simultâneo das diferentes estratégias.
A gestão eficaz do regime terapêutico na DPOC implica a aquisição de
competências cognitivas e instrumentais que permitam a sua integração com
fluência e mestria no quotidiano do doente, promovendo a adaptação à nova
condição de saúde e contribuindo para a qualidade de vida. A ausência destas
competências influencia negativamente a capacidade dos doentes para se
adaptarem à condição de saúde e para implementarem comportamentos tendentes a
diminuir a sintomatologia ou a alterar/manter o estado de saúde. Esta
problemática torna -se mais evidente quando estamos perante doentes com regimes
terapêuticos complexos.
Nos últimos anos temos dado especial ênfase ao desenvolvimento de novas
técnicas diagnósticas, farmacológicas e de monitorização, relegando o
desenvolvimento de novas metodologias de abordagem e acompanhamento do doente
que promovam a sua adesão ao regime terapêutico.
Num contexto de multiprofissionalidade e multidisciplinaridade é fundamental
conhecer a percepção que os doentes têm da doença, das suas implicações no seu
quotidiano social, profissional, familiar, económico, e que culminam
frequentemente no seu isolamento. Existe evidência que realça que as alterações
no sono, a coexistência de depressão, o pânico, a baixa autoestima, a
frustração, a negação e o medo alteram a capacidade de o doente se adaptar à
condição de saúde e diminui a sua adesão ao regime terapêutico, com inevitáveis
perdas do seu nível de saúde. A multidimensionalidade da DPOC exige que os
profissionais de saúde procurem constantemente novas metodologias para a
prevenção, controlo e tratamento da doença; contudo, não podemos deixar de
colocar no centro da nossa intervenção o doente e as suas especificidades.
Confrontamo-nos diariamente com o problema da baixa taxa de adesão ao regime
terapêutico destes doentes, e com graves lacunas nos conhecimentos e
capacidades que conduzem à ausência de autocontrolo da doença. A nossa
experiência e a evidência disponível, em número e em qualidade, evidencia esta
lacuna. Elaboramos esta revisão com a intenção de alertar os profissionais de
saúde para esta particularidade da problemática.
A adesão ao regime terapêutico nos doentes com DPOC não está apenas relacionada
com o protocolo terapêutico instituído, ou com as competências dos
profissionais de saúde; depende destas, mas é influenciada determinantemente
por factores intrínsecos do doente, pelo que o nosso conhecimento acerca da
percepção do doente sobre a doença, a evolução, o tratamento e a influência
destes no seu quotidiano são factores determinantes na optimização da abordagem
terapêutica e no nosso contributo para uma adesão efectiva ao regime
terapêutico e para o seu autocontrolo da doença.
Problema de investigação
A partir do exposto, evoluímos para o seguinte problema de investigação: Qual a
influência da percepção da doença na promoção do auto controlo em doentes com
DPOC.
Considerações metodológicas
Para a selecção dos artigos desta revisão da literatura, utilizámos o método
designado PICOS5 (participantes, intervenção, comparadores, resultados
(outcomes)e desenho (ou tipo de estudo). Definimos também os critérios de
inclusão e exclusão para a selecção dos estudos (Quadro I).
Quadro I – Critérios de inclusão e exclusão na revisão da literatura
Estratégia de pesquisa
Tendo como linha orientadora o problema definido, realizámos a revisão da
literatura entre Agosto e Setembro de 2009. Utilizamos o inglês/espanhol/
português como idiomas preferenciais.
Iniciamos a revisão pelas bases de dados Data_bases of abstracts of reviews of
effects (DARE); Cochrane of systematic reviews (CDSR); National Institute of
Health and clinical Excellence (NICE). Posteriormente, recorremos à pesquisa em
bases de dados electrónicas: CINAHL Plus with Full Text; MEDLINE with Full
Text; MedicLatina; SportDiscus with full text; Psychology and behavioral
Sciences collection; ISI Web of Knowledge, restringindo a revisão aos anos
2004-2009. Apenas incluímos artigos apresentados em texto integral (full
text).De acordo com a temática, foram seleccionadas palavras-chave para esta
revisão (Quadro II).
Quadro II – Palavras-chave utilizadas na revisão da literatura
Resultados
Utilizando a estratégia de pesquisa descrita, foram identificados 142 artigos
nas diferentes bases de dados, dos quais não se encontraram textos repetidos,
130 textos foram rejeitados pelo título, 8 dos artigos rejeitados pela leitura
do resumo e nenhum foi rejeitado após a leitura integral. Em síntese, 4 artigos
foram incluídos nesta revisão da literatura (Quadro III), dos quais 3 primários
e 1 de revisão da literatura.
Quadro III – Artigos obtidos para a revisão da literatura
No Quadro IV, apresentamos os artigos seleccionados para esta revisão da
literatura, especificando a informação relativa aos seus autores, o ano de
publicação, a fonte, o país, os participantes no estudo, a intervenção/
objectivo do estudo e a abordagem(s) metodológica(s) utilizada pelos autores.
Quadro_IV – Artigos seleccionados para a revisão da literatura
Discussão dos resultados
Os artigos que reuniram os critérios de inclusão nesta revisão da literatura
permitem-nos clarificar alguns aspectos relacionados com a percepção da doença
pelo doente com DPOC e a sua influência sobre o autocontrolo da doença.
Kaptein et al6 identificam dois modelos psicológicos que orientam os estudos da
sua amostra, o Modelo do Senso Comum e a Teoria Cognitivo-Comportamental. Estes
modelos orientam as técnicas de educação para o autocontrolo da doença,
centrando-se na percepção da doença, nomeadamente nos aspectos cognitivos
associados a sintomas e doença. Howard et al9 identificam no seu estudo algumas
vantagens da utilização da Teoria da Auto-Regulação de Leventhal, Meyer &
Nerenz (1980) para a explicação das estratégias de adaptação utilizadas pelos
doentes com DPOC.
Segundo Kaptein et al6, a percepção de pouco controlo sobre a doença, da sua
evolução, associadas à ansiedade e à depressão, concorrem para a obtenção de
fracos resultados no autocontrolo da doença, Dowson et al8 realçam os factos,
associando-lhes o consumo abusivo de álcool com o menor nível de conhecimentos
para o autocontrolo da doença. Estes autores realçam os efeitos destas
variáveis sobre a motivação e, consequentemente, sobre a adesão ao regime
terapêutico.
A percepção da doença é associada por Sharloo et al7 à qualidade de vida.
Segundo estes autores, uma maior associação da doença à sua cronicidade e à
falta de controlo sobre a sua evolução afectam negativamente a qualidade de
vida; o mesmo se verifica quando se associa a doença a causas psicológicas.
A percepção de controlo sobre a doença e a maior auto eficácia com situações
emocionais estáveis, estão associadas a melhores resultados segundo Kaptein et
al6. Howard et al9 evidenciam que doentes que referem maior impacto da doença
no seu quotidiano apresentam menor controlo sobre a doença e, consequentemente,
sobre o autocontrolo. Dowson et al8 realçam a importância da avaliação das
crenças, das atitudes e do seu impacto sobre a autoconfiança e,
consequentemente, sobre o auto controlo.
Segundo Dowson et al8, quando os doentes acreditam que o seu comportamento de
saúde pode ter pouca influência sobre a sua condição de saúde, a motivação para
a adesão ao regime terapêutico recomendado vai ser baixa, realçando a
necessidade de avaliar e discutir preocupações, crenças, experiências e efeitos
dos medicamentos para encontrar estratégias que permitam potenciar a adesão ao
regime terapêutico.
No estudo de Dowson et al8 é evidenciado que os doentes têm dificuldade em
avaliar o seu real nível de saúde e de conhecimentos, referindo que mais de 50%
referem ter conhe cimento suficiente. Esta percepção pode ser um obstáculo à
motivação para a aquisição de novos conhecimentos e capacidades para
autocontrolo da doença.
Dowson et al8 referem que doentes que vivenciaram situações de pânico induzidas
pela doença apresentam maior nível de conhecimentos e capacidades para o
autocontrolo da doença em situações de estáveis ou de exacerbação ligeira, mas
que apresentam fracas capacidades de intervenção em situações de maior
gravidade. Estes autores realçam a vantagem da utilização de cenários como
estratégia de ensino'aprendizagem nestes contextos.
Conclusões
A percepção da falta de controlo sobre a evolução da doença contribui para a
menor qualidade de vida, gera ansiedade, leva ao isolamento social, conduz à
depressão, reduz a motivação para a aquisição de conhecimentos e capacidades
para o autocontrolo da doença. A desmotivação, a incapacidade em reconhecer as
capacidades cognitivas, instrumentais ou de suporte social e dos profissionais
de saúde potencia o fraco autocontrolo da doença e a não adesão ao regime
terapêutico. Face a estes factos, os profissionais de saúde devem estar atentos
e implementarem intervenções para controlarem estas variáveis.
Em resposta ao exposto, devemos avaliar e discutir com os doentes as suas
expectativas, preocupações, crenças, experiências e efeitos dos medicamentos,
para potenciar e optimizar autocontrolo e a adesão ao regime terapêutico.
Desta revisão da literatura emerge também a necessidade de incorporar um modelo
teórico para a estruturação e a aplicação das estratégias de ensino-
aprendizagem, para que sejam um efectivo contributo para o auto controlo da
doença e a para a adesão ao regime terapêutico.
Os profissionais de saúde que intervêm no acompanhamento e tratamento destes
doentes devem estar familiarizados com as estratégias de adaptação a que estes
recorrem, para as poderem optimizar.
Desta revisão emerge também a provável utilidade da utilização de cenários
clínicos como recurso para a aquisição de competências cognitivo-instrumentais
destes doentes.