Osteoma osteoide e radiofrequência: Análise dos resultados do tratamento de uma
série de 27 casos
INTRODUÇÃO
O diagnóstico do Osteoma Osteoide (OO) pode ser histológico, mas é
essencialmente clínicoimagiológico. Apesar de ser uma lesão autolimitada,a dor
persistente e intensa pode requerer intervenção terapêutica. O tratamento
médico (salicilatos e outros anti-inflamatórios não esteroides) é inconsistente
e não é bem tolerado por um longo período de tempo.
Assim, muitas vezes, é necessário recorrer à remoção ou destruição do nidus
para obter alívio sintomático. Dadas as dificuldades e morbilidade da ressecção
"em bloco" e da curetagem, lançou-se mão de várias técnicas
"mini-invasivas" de ablação do nidus.
Atualmente estão disponíveis diversas técnicas percutâneas, mas a termo-ablação
por radiofrequência (TARF) é a mais relevante. Utilizada no tratamento desta
lesão desde 1992, o seu uso ainda não foi devidamente implementado em Portugal,
não havendo referência a séries de outras Instituições Hospitalares.
Apresentam-se de seguida os resultados clínicos e imagiológicos de uma série de
27 casos de OO tratados com TARF, bem como uma abordagem pormenorizada dos
princípios desta técnica e das especificidades da sua aplicação nesta
patologia.
MATERIAL E MÉTODOS
Entre janeiro de 2004 e maio de 2011 foram tratados 27 doentes com OO com a
seguinte localização: 12 no fémur proximal (cabeça, colo e região
subtrocantérica), 4 no fémur diafisário e distal, 3 no úmero distal, 3 na
tíbia, 1 no acetábulo, 1 no úmero proximal, 1 no cúbito proximal, 1 no sacro e
1 no corpo da 8ª vértebra dorsal (Figura_1).
Figura_1
Destes doentes, 18 eram do sexo masculino. As idades variaram entre os 11 e os
34 anos (média de 22 anos). A evolução dos sintomas foi muito diversa, sendo o
caso localizado na vértebra dorsal o de maior evolução (6 anos). Curiosamente
não se verificou, neste caso, escoliose. Com a exceção deste, o maior tempo de
evolução dos sintomas foi de 15 meses. O doente em que os sintomas tinham menos
tempo de evolução foi um dos de localização na cabeça do fémur (2 meses) mas o
sufi ciente para se instalar uma atrofia da coxa e uma notória claudicação da
marcha (Figura_2). A média dos sintomas, com a exclusão do referido doente da
coluna, foi de 5,5 meses. O follow-up médio foi de 2,9 anos (3-78 meses).
Todos os doentes foram propostos para TARF com o diagnóstico feito apenas pela
clínica e pela imagiologia.
Os procedimentos foram realizados sob anestesia geral e o posicionamento do
elétrodo no nidus controlado por Tomografia Axial Computorizada.
A técnica, simples, observou sempre os mesmos procedimentos. Depois da
anestesia, da colocação das placas (elétrodos de retorno) nas duas coxas ou
pernas, da escolha do ponto de entrada na pele e da preparação de um pequeno
campo esterilizado o elétrodo foi introduzido através de uma incisão
punctiforme. Foi utilizado um elétrodo Cool-tipTM RF internamente arrefecido.
Foram aplicados 12 minutos de radiofrequência determinada automaticamente pelo
gerador de acordo com a impedância do tecido alvo, controlando-se apenas a
temperatura na ponteira da cânula. A temperatura durante o procedimento deve
rondar os 20ºC o que, uma vez que a cânula é arrefecida, corresponde a uma
temperatura entre os 42ºC e os 48ºC. Estes valores são verifi cados no fim do
procedimento quando a bomba perfusora da água destilada, usada para o
arrefecimento, é desligada. Em 3 casos foi necessário repetir o procedimento
por mais 6 minutos por a temperatura atingida não ultrapassar os 40ºC.
No fim, o trajeto foi infiltrado com 6 ml de Lidocaína a 2%. Em 7 doentes foi
usada uma broca canulada para se penetrar o denso osso reativo ou para se
atingir o nidus sem perigo de lesão do feixe neurovascular (Figura_3).
Em 3 lesões justarticulares (1 na cabeça do fémur e 2 no fémur distal) a
colocação do elétrodo foi feita através da cartilagem articular (Figura_4).
Em nenhum caso se registou qualquer complicação durante o procedimento.
A alta hospitalar foi dada 6 a 8 horas depois do procedimento e os doentes
foram medicados com antiinflamatório para o caso de sentirem dor.
RESULTADOS
Todos os doentes, exceto um, experimentaram um alívio total da dor ao fim de um
período de tempo que variou entre 1 e 3 dias.
O doente que não melhorou da dor teve supuração pelo trajeto do elétrodo e foi
tratado cirurgicamente como uma osteomielite por Staphylococcus aureus
meticilino suscetível. Tratou-se de um dos casos de localização na tíbia
(Figura_5) e suspeitou-se que o diagnóstico clínico-imagiológico de OO não foi
correto.
Um outro doente, também com localização do OO na tíbia, teve como complicação
tardia uma infeção por Serratia marcescens que se resolveu com antibioterapia
oral prolongada.
Não se verificaram outras complicações tardias, mormente nos 3 casos em que a
cânula atravessou a cartilagem articular.
Aos 4 meses de evolução todos os doentes fizeram uma TAC e uma cintigrafia de
controlo. As cintigrafias mostraram ausência de captação em 14 doentes e franca
diminuição em relação à realizada inicialmente nos restantes 10. Na TAC apenas
3 doentes mostraram esclerose do nidus.
DISCUSSÃO
O tratamento cirúrgico do OO consiste na exérese completa do nidus e tem uma
taxa de sucesso próxima de 100%, com o desaparecimento da típica dor noturna
poucas horas após a intervenção.
Foi Campanacci[1] quem descreveu 2 modos de excisar o nidus: 1) ressecção
"em bloco" através da área de necrose e 2) curetagem após a sua
exposição, com desbaste da zona de esclerose.Quando se opta pela ressecção
"em bloco" num osso longo deve-se ponderar a necessidade de um
encavilhamento profilático[2]. Na coluna é necessário, muitas vezes, a
artrodese posterior já que a exérese condiciona instabilidade. Uma
particularidade na localização do OO na coluna prende-se com o facto de a
escoliose reativa poder não melhorar mesmo depois da exérese, se o tempo de
evolução for superior a 15 meses[3,4]. No único caso de OO na coluna desta
série, apesar do longo tempo de evolução, a doente não desenvolveu escoliose.
Dependendo da localização, a morbilidade de uma cirurgia pode ser muito elevada
como é o caso da cabeça e colo do fémur. Per-operatoriamente pode ser muito
difícil localizar o nidus e nem sempre a radioscopia o identifica. Outras
desvantagens da cirurgia são as eventuais complicações: fratura per-
operatória, necessidade de enxerto e/ou fixação interna, rigidez articular,
recuperação funcional lenta e marcha com carga adiada.
Parece consensual que as recidivas se relacionem com a remoção incompleta do
nidus[5-7]; como são raras após os 2 anos, acredita-se que um follow-up de 2
anos seja o adequado[5-7]. Nesta série não houve recidivas ou persistência da
dor embora nem todos os casos tenham o tempo de recuo superior a 2 anos.
Várias técnicas "mini-invasivas" têm sido desenvolvidas para
substituir o tratamento cirúrgico do OO: a excisão guiada por radionuclídeos ou
por Tomografia Axial Computorizada, a fotocoagulação percutânea por Laser, a
cirurgia assistida por computador e a radiofrequência, que tem sido a mais
usada e sobre a qual existem mais estudos.
O uso de radiofrequência no OO baseia-se no princípio desta corrente sinusoidal
(400-500 Hz) atravessar o tecido do nidus, induzindo uma agitação iónica e, por
fricção entre as células, um aumento da temperatura tecidular. Atingida uma
temperatura de 60ºC a desnaturação celular é irreversível[8].
Uma das dificuldades inerentes ao uso da TARF (e de outras técnicas
percutâneas) é a ausência de diagnóstico histológico. Contudo, mesmo quando o
tratamento mais frequente era a exérese cirúrgica, o diagnóstico do OO sempre
assentou, essencialmente, em critérios clínicos e imagiológicos. O único
insucesso nesta série relacionou-se com um erro de diagnóstico, como já foi
atrás referido.
Já foi manifestamente comprovado que a TARF é uma técnica eficaz, segura e que
apresenta vantagens significativas quando comparada com os restantes
procedimentos.
Esta série de 27 casos de OO tratados com radiofrequência é a primeira a ser
descrita a nível nacional e confirma a simplicidade e eficácia da técnica.