Luxação simples do cotovelo associada a lesão ligamentar interna e externa
INTRODUÇÃO
A luxação do cotovelo constitui a segunda luxação mais frequente do membro
superior, logo após a luxação do ombro. Com pico de incidência entre os 5 e os
25 anos, e algumas séries a prolongarem este pico até aos 30 anos[1, 10].
O tratamento do cotovelo instável tem evoluído consideravelmente nos últimos
anos, como o aumento do conhecimento dos estabilizadores anatómicos do cotovelo
e da fisiopatologia da instabilidade[10]. Os principais objetivos do tratamento
de um cotovelo instável consistem em restaurar a estabilidade funcional e
movimento, para isto, há necessidade de uma avaliação da lesão de tecidos moles
(luxações simples), ou a identificação dessas lesões em conjunto com fratura
associada (luxação complexa)[1, 5, 8, 10].
As luxações simples representam cerca de 50 a 60% das luxações do cotovelo, a
maioria delas estáveis após manipulação e redução. Contudo, a presença de
instabilidade articular após manipulação e redução parecem estar relacionadas
com um elevado grau de avulsão de partes moles do úmero distal, muitas das
vezes com necessidade de correção cirúrgica[5, 8].
A estabilidade do cotovelo é promovida por estabilizadores estáticos e
dinâmicos, na qual a articulação cubito umeral, a banda anterior do MCL e o
complexo ligamentar lateral constituem os três principais estabilizadores
estáticos, além dos estabilizadores estáticos secundários - capsula articular e
a tacícula radial. Os grupos musculares peri-articulares contribuem como
estabilizadores dinâmicos ao promover um aumento das forças compressivas ao
nível da articulação[7, 10].
A luxação simples está frequentemente associada a uma diminuição do arco de
mobilidade, alterações degenerativas, calcificações heterotópicas e défices
neurológicos, sem correlação entre a sintomatologia, o grau de lesão e extensão
da lesão ligamentar ou mesmo, o grau de instabilidade medial[4].
Maioritariamente, tratam-se de luxações posteriores ou postero-laterais, que
resultam de uma combinação de uma força valgizante, compressão axial e
supinação em rotação externa nas luxações postero-laterais ou, de uma força
varizante com compressão axial nas luxações posteriores[7, 10]. Estas lesões
cursam inicialmente com lesão do complexo ligamentar lateral (LCL), com um
espectro de lesões estruturais ligamentares e/ou ósseas distribuídas de uma
forma circular de lateral para medial, por vezes, terminando com lesão do
ligamento colateral medial (MCL), ligamento que confere estabilidade em valgo
do cotovelo a par da tacícula radial[1, 4, 10].
A lesão do complexo ligamentar externo (LCL) é frequentemente a primeira lesão
a ocorrer na presença de uma luxação do cotovelo. O LCL constitui um importante
estabilizador estático da articulação do cotovelo contribuindo ainda para a
estabilidade rotatória. Contudo, existem algumas controvérsias relativamente ao
envolvimento do MCL nas luxações do cotovelo, com alguns estudos a sugerirem a
rotura da banda anterior do MCL na presença de luxações posteriores, enquanto
outros sugerem a possibilidade do ligamento permanecer intacto nessas
circunstâncias. Perante esta enorme variabilidade, é crucial um exame cuidado e
o reconhecimento de potenciais fontes de instabilidade nas situações de luxação
aguda[10].
O tratamento é maioritariamente conservador, com indicação para imobilização
com aparelho gessado seguido de mobilização ativa precoce, dado o elevado risco
de rigidez e limitação do arco de mobilidade. No caso de se tratar de uma
luxação facilmente redutível e estável há quem defenda a não necessidade de
imobilização. Contudo, a presença de instabilidade é critério para reparação ou
reconstrução dos ligamentos lesados[6, 8, 10].
Os autores pretendem demonstrar com este caso clínico o resultado funcional
após reparação do complexo ligamentar interno e externo na sequência de uma
luxação simples do cotovelo com grande instabilidade.
CASO CLÍNICO
Doente do género masculino, 28 anos de idade, que sofreu queda acidental da
qual resultou traumatismo do cotovelo direito com deformidade, edema e
limitação funcional. Os exames radiográficos demonstravam uma luxação postero-
lateral do cotovelo sem evidência de lesão fraturária associada (Figura_1). A
luxação do cotovelo foi reduzida de imediato e imobilizada com tala gessada.
Perante uma instabilidade residual ao exame clinico foi efetuado TC que revelou
fratura arrancamento ósseo a nível proximal do complexo ligamentar interno e
externo (LCL e MCL) (Figura_2). Em tempo eletivo, o doente foi intervencionado
pelo autor sénior (JM), tendo-se procedido à reinserção umeral das estruturas
ligamentares com suturas de ancoragem através de duas vias de abordagem, uma
lateral e outra medial (Figura_3).
O doente iniciou mobilização ativa após 4 semanas de imobilização com tala
gessada, com boa evolução clinica, funcional e radiográfica, com evidência de
calcificações heterotópicas incipientes periarticulares aos 18 meses de pós-
operatório.
No follow-up final o DASH foi de 0,8 pontos, com um score de Oxford de 47/48
pontos. O score funcional médio em 4 pontos possíveis, de acordo com o score
Mayo, foi de 90/100. Sem queixas álgicas segundo o VAS (0) (Figura_4).
DISCUSSÃO
O tratamento da luxação simples do cotovelo após redução incruenta e
imobilização por um curto período de tempo, consiste na mobilização ativa
precoce de forma a evitar contratura em flexão, rigidez articular e limitação
funcional. O tratamento cirúrgico está indicado nos casos de instabilidade
remanescente, remoção de lesões osteocondrais ou estruturas dos tecidos moles
que estejam presentes intra-articularmente[10].
No caso apresentado, perante uma instabilidade residual mesmo após a redução da
luxação e imobilização, houve necessidade de reparação do complexo ligamentar
interno e externo, conseguindo-se uma boa estabilidade do cotovelo permitindo
assim, uma mobilização ativa precoce[2, 8].
A importância da mobilização precoce no resultado final foi referida por
Mehlhoff et al. em 1988 e permanece atual[2, 7, 8]. Segundo ele, a imobilização
por longos períodos, ou seja, por mais de três semanas, está associada a piores
resultados. Contudo, um curto período de imobilização pode aumentar o risco de
instabilidade subsequente. Anakwe et al, em 2011 sugerem que a instabilidade do
cotovelo é rara no follow up a longo prazo, e que quaisquer sintomas que
ocorram são frequentemente resultado de um pequeno desequilíbrio funcional.
Embora haja uma elevada taxa de dor residual (62%) e rigidez (56%), os
pacientes têm, geralmente, um elevado nível de satisfação e excelentes
pontuações no resultado funcional após tratamento conservador e a mobilização
precoce[2, 6].
Contudo, a luxação simples do cotovelo não é necessariamente uma lesão benigna,
com um comportamento funcional satisfatório. Nos casos de luxações simples
complicadas de lesão do complexo ligamentar, a presença de instabilidade
residual, apesar de menos prevalente (8%), pode ocorrer[2], daí que o seu
diagnóstico precoce é fundamental, de forma a proceder ao tratamento cirúrgico
e evitar complicações a longo prazo, tais como instabilidade postero-lateral,
ossificação heterotópica ou rigidez pós traumática[8]. Se à luxação se associa
uma lesão osteoligamentar, além de ser mais rara, tem pior prognóstico[9].
A fixação com suturas de ancoragem ao nível do úmero tem sido utilizada como
método de reparação ligamentar, pois simplifica a reconstrução ligamentar e
reduz a morbilidade associada aos túneis transósseos. Hechtman et al.
verificaram que as suturas de ancoragem no úmero têm uma força de fixação
similar aos tuneis transósseos, com muitos bons resultados no follow up final
[3].
Os resultados obtidos após tratamento conservador em luxações simples do
cotovelo são, na sua maioria favoráveis. Na presença de lesão associada das
estruturas ligamentares, esta não é inteiramente benigna apesar dos bons
resultados obtidos[2, 5]. Apesar de não existirem provas suficientes de ensaios
clínicos randomizados, para determinar qual o método de tratamento mais
adequado nas luxações simples do cotovelo, as evidências apesar de fracas e
inconclusivas, da comparação entre cirurgia e tratamento conservador, sugerem
que a reparação cirúrgica ligamentar nas luxações simples do cotovelo melhora a
função a longo prazo. Perante isto, pesquizas futuras devem-se focalizar nas
questões relativas ao tratamento conservador, tais como a duração da
imobilização[11].
CONCLUSÃO
A fratura arrancamento do complexo ligamentar externo e interno no contexto de
uma luxação simples do cotovelo, é uma lesão muito rara. Dada a instabilidade
articular existente há geralmente necessidade de reinserção e reparação do LCL
e MCL, para se obter uma boa estabilidade.
O tratamento cirúrgico permite-nos iniciar mobilização ativa precoce com
posterior melhoria dos resultados funcionais e menor risco de ossificação
heterotópica.
O balanço entre uma redução anatómica, estabilidade e mobilização precoce
constitui a chave para um bom resultado funcional nestas situações.